Retorne Ao Remetente escrita por Mandy-Jam


Capítulo 7
Footlose


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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HERMES

 

A música estava gritando em nossos ouvidos, mas Jenny parecia estar acostumada com aquele volume. Ao ritmo da batida de Footlose, seus pés se mexiam inquietos, quicando, chutando e dando pulinhos ritmados.

Tudo que meus olhos podiam fazer era observar horrorizados com a situação em que eu me metera. Ergui-os em direção ao caminho de onde tinha visto, buscando qualquer tipo de ajuda que Apolo pudesse me oferecer. Acordei desse momento de falsa ilusão de que meu irmão faria alguma coisa para me salvar quando vi um sorriso largo iluminar seu rosto no escuro.

Apolo ergueu o drinque para mim, como um imperador romano faria para um gladiador próximo de uma morte certa. Engoli em seco e fiz um gesto com a mão. Todos os mortais moveram-se um passo para o lado, bloqueando a visão dele.

Imbecil, pensei com irritação. Se eu fizer mesmo papel de trouxa, você não verá nada.

— Hermes! — Jenny tirou-me de meus pensamentos. Sorrindo para mim, a mortal diminuiu um pouco o ritmo da dança — Não vai dançar?

— Ahm, você primeiro! — Gritei por cima da música e sorri para ela — Quero ver o que você sabe fazer.

Animada com o desafio, Jenny voltou a dançar do seu jeito ritmado e frenético. A música pareceu me castigar ainda mais quando chegou ao refrão, pois todos os mortais pularam juntos e começaram a dançar ainda mais animados.

— Vamos! — Incentivou ela rindo — Todo mundo dança Footlose!

— Todo mundo? — Perguntei exasperado, temendo estar parecendo um idiota perdido. Olhei para meus pés, que nunca me desapontavam quando o assunto era correr, e desejei do fundo do meu coração que ele aprendessem o ritmo rápido.

Comecei a dançar balançando meu corpo o melhor que podia, mas podia apostar que estava parecendo um idiota. Jenny foi um amor, no entanto, e balançou a cabeça em aprovação. Animei-me um pouco mais e tentei imitar os chutes rítmicos que ela dava. Deu certo por cerca de 10 segundos, até que eu acabei chutando meu tornozelo e desandei com o ritmo.

Jenny tinha acabado de girar em torno de seu próprio eixo, então não vira meu erro. Tive uma ideia repentina, uma solução desesperada para meu problema.

— Jenny, você está bem? — Perguntei com a melhor cara de preocupação. Ela piscou os olhos para mim sem entender e confirmou — Você parece tonta. Parece que vai desmaiar.

— Eu não-

Toquei o ombro dela e seus olhos giraram. Suas mãos buscaram apoio em mim rapidamente e eu a sustentei. A mortal olhos nos meus olhos, sem desmaiar, mas visivelmente desnorteada.

— Nossa. Tudo girou agora. — Falou surpresa.

— Eu te ajudo. Vamos sair daqui. — Falei, escondendo a minha felicidade por poder finalmente abandonar a pista de dança. Fiz Jenny apoiar-se em mim e nós abrimos caminho pelo meio dos mortais.

Não voltei para mesa, obviamente, porque não queria ver Apolo. Jenny podia não suspeitar de nada, mas meu irmão saberia muito bem que eu tinha feito a mortal ficar tonta propositalmente.

— Nossa, eu não sei o que aconteceu. — Falou Jenny, quando saímos da boate. Ela encostou-se no muro de tijolos que tinha na saída e respirou fundo — Acho que devo ter girado demais.

— Você bebeu alguma coisa? — Perguntei, fingindo pensar sobre o assunto — Isso pode ter ajudado também.

— Não, não. — Ela negou, mas depois corrigiu-se — Bem, não tanto. Eu só tomei uma cerveja, não foi nada para isso. Eu devo ter dançado demais, não sei.

— Você dança muito bem. — Elogiei assentindo em aprovação — Achei que estava só tentando se exibir quando disse isso para mim no café de manhã.

— Uma pena você não ter me acompanhado. — Falou sorrindo para mim — Na verdade, acho que estou melhor. Nós podemos voltar e-

— Chega de dança por hoje. — Cortei apressadamente — É melhor você descansar, vão ter outras noites.

— Outras noites? — Jenny sorriu para mim, feliz com a ideia — Bem, então isso é um tchau? — Perguntou ajeitando a saia do vestido. Tentei conter um sorriso torto, quando ela mordeu o lábio para mim — Acho que seu irmão está esperando você lá dentro. Você devia voltar.

Dei um passo para frente, ainda sorrindo. Estava pronto para dizer que meu irmão era grandinho o suficiente para achar o caminho de volta para casa sozinho, mas não tive a chance. Uma mão repousou sobre meu ombro e me puxou para trás, afastando-me de Jenny.

— Então vocês desistiram de dançar? — Perguntou Apolo, fingindo surpresa. Seus olhos azuis voltaram-se para Jenny — O que foi, querida? Precisou de ar puro?

— Eu fiquei um pouco tonta, mas ele estava me ajudando. — Contou encolhendo os ombros — Desculpe por roubá-lo de você.

— Você pode colocá-lo em uma caixa de papelão e mandar pelo correio para a China. Seria um favor. — Riu para ela. Jenny olhou para mim, rindo por educação, sem saber o que falar em resposta.

— Dá para você sair daqui logo? — Perguntei impaciente. Apolo olhou para mim e eu entendi o brilho nos olhos dele.

O importante de se entender é que meu irmão é um grande cretino. Ele não estava nem aí para Jenny, principalmente depois de descobrir que ela tinha o hábito de fumar. Mas saber que eu tinha interesse era o suficiente para motivá-lo a se intrometer.

Apolo chegou para frente, e Jenny grudou as costas na parede o máximo que pôde. Com toda a sua elegância e beleza, ele sorriu para ela e tocou seu queixo.

— Você está melhor, mon cherie? — Perguntou com sua voz aveludada. O rosto de Jenny corou abruptamente, sem que a mortal pudesse evitar. Dava para ouvir o perigoso acelerar de seu coração como resposta a aproximação de Apolo — Precisa de alguma coisa?

Sua mão ergueu um pouco a barra de sua saia e tocou sua coxa. Jenny arregalou os olhos, sentindo os dedos dele subirem por sua perna, chegando perigosamente próximo de sua virilha. Os lábios dele foram se aproximando para um beijo, e tudo que eu pude fazer foi ver a cena com puro ódio.

Como uma concretização do meu desejo de quebrar a cara de Apolo e impedí-lo, a mão de Jenny se ergueu e colocou-se entre a boca dele e a dela. Apolo abriu os olhos vendo que tinha beijado algo que não eram os lábios da mortal. Seu cenho se franziu. Ele não esperava encontrar resistência. Olhei para a outra mão dele, a que subia por sua perna debaixo da saia e vi que Jenny a segurava pelo pulso impedindo que avançasse.

— Eu vou para casa. — Declarou desviando o rosto dele.

— Comigo? — Perguntou, tentando novamente. Foi para frente almejando um beijo de novo, mas Jenny virou para o lado, dando-lhe a bochecha. Ele chegou perto de seu ouvido e cochichou algo, provavelmente pornográfico, a julgar pela expressão de choque no rosto dela.

— Larga de ser um babaca! — Reclamei finalmente resolvendo intervir, mas Jenny não era uma donzela indefesa. Para minha surpresa, a mortal ergueu o joelho com agilidade e acertou em cheio a virilha dele. Suas mãos empurraram-no para o lado e Apolo teve que se apoiar na parede para não cair no chão da rua.

Embora não tivesse gritado, sua boca pendia aberta em uma expressão de dor e raiva. Meu queixo caiu. Uma mortal tinha acabado de dar uma joelhada na virilha de um deus, e esse deus era Apolo. Jenny andou para o meu lado e depois olhou para ele.

— Vou para casa. — Repetiu com um pouco de raiva em sua voz. Depois, seus olhos voltaram-se para os meus. Achei que eu tinha perdido qualquer chance com ela por causa do assédio de Apolo, mas a jovem apontou com a cabeça para a rua — Vem comigo?

Ergui as sobrancelhas e olhei uma última vez para o meu irmão. Soltei uma gargalhada de prazer e confirmei.

— Será um prazer.

 

Andamos pelas ruas desertas daquela cidadezinha francesa.

Jenny estava do meu lado, em silêncio. Ficamos mudos por longos minutos, ambos procurando qual seria o melhor jeito de puxar assunto depois do que acontecera. Eu devia fingir que nada tinha acontecido? Devia elogiar aquele golpe na virilha que ela dera?

— Desculpa. — Falamos ao mesmo tempo, e nos olhamos surpresos. Ela riu e eu prossegui — O que o meu irmão fez foi vergonhoso. É por isso que eu não gosto de sair com ele.

— Tudo bem. — Falou encolhendo os ombros — Eu já passei por situações piores com homens.

— Aquela joelhada. — Disse abrindo um sorriso de prazer — Ah, deuses, como eu adorei ver aquilo. Fazia muito tempo que eu não via ele ser rejeitado por uma mulher.

Jenny riu, tirando o cigarro da bolsa. Ela olhou para mim, brincando com ele entre os dedos. Julguei que por mais que eu não quisesse acendê-lo e dar a minha bênção para que ela prosseguisse com aquele péssimo hábito, achei que seria simpático da minha parte oferecer o fogo.

Fingi procurar em meu bolso e tirei de lá um isqueiro. Levei a chama recém-formada para a ponta do cigarro e Jenny sorriu para mim.

— Então você fuma. — Falou soltando a fumaça de maneira charmosa para o outro lado.

— Não. — Respondi — Eu só carrego um isqueiro para ocasiões especiais.

— Ocasiões especiais como…? — Ela quis saber.

— Como quando uma mulher bonita me pede fogo. — Respondi, da maneira mais provocante que eu conseguia. Sim, garotas, eu sei ser sedutor.

Jenny riu para mim e soltou mais um pouco de fumaça para o lado.

— Estou lisonjeada. — Disse mantendo os olhos fixos no final da rua — Está sendo mais gentil do que eu imaginei que seria, considerando que eu acertei as bolas do seu irmão.

— Você não fez nada que eu não queria fazer também. — Ri com gosto.

— Então você e o seu irmão não se dão bem? — Perguntou ela olhando para mim. Revirei os olhos pensando em todos os altos e baixos da nossa relação.

— Bem, não nos damos mal. Ele é um idiota egocêntrico, mas a gente se diverte de vez em quando. — Expliquei. Demorei para me tocar de que estava discutindo a minha relação com Apolo com uma mortal. Deuses não costumam conversar sobre a vida deles com outra pessoa, principalmente se for um humano comum, mas perto de Jenny eu me sentia com vontade de falar sobre tudo — Acho que irmãos são assim, sabe? É para nós tentarmos sacanear um ao outro o tempo inteiro. E ele e eu, bem, a gente meio que compete pela atenção do nosso pai.

— Acho isso meio idiota. Vocês estão jogando tempo e energia fora. — Falou balançando a cabeça em desaprovação.

Estreitei meus olhos, sentindo uma pontada de raiva por ela. Queria perguntar quem tinha dado o direito a ela de dar sua opinião sobre a nossa vida, mas ela logo prosseguiu.

— Porque se você parar para pensar, isso não vai levar a lugar algum. Vocês dois são filhos dele, ele deve amar vocês de qualquer forma. — Explicou, e parte da raiva se dissolveu.

— Você não conhece meu pai. — Disse amargo. Ela olhou para mim, vendo que eu não estava feliz com o que ela acabara de dizer.

— Não, eu não conheço. — Concordou, preferindo não discutir.

— Aposto que o seu pai deve ser cheio de compaixão e amor, mas o meu não é assim. Você não sabe de nada. — Continuei, sem conseguir me controlar em ser grosseiro. Jenny riu daquilo, o que me irritou ainda mais, e olhou para mim negando com a cabeça.

— Você não conhece o meu pai. — Rebateu. Abri a boca e ela fez um sinal de desdém com a mão — Porque nem eu conheço o meu pai.

Fui pego de surpresa por um instante, o que abriu espaço para que Jenny suspirasse e pensasse em algo mais para falar.

— Nem minha mãe conhece, então é meio como se ele não existisse. — Continuou — Mas talvez você tenha razão. Nem todo mundo deve ter compaixão e amor pelos filhos.

— Não foi isso que eu quis dizer. — Falou, mas minha voz saiu quase como um miado. Fiquei constrangido com a minha atitude e busquei desesperadamente uma forma de melhorar a situação — Eu não sabia que você, er, é só que eu, ahm, o meu pai ele-

— Você parece um carro engasgado. — Riu ela para mim — Relaxa, cara. Está tudo bem.

Respirei fundo, aliviado por Jenny não ter levado aquilo para o lado pessoal. A mortal subiu os degraus que ficavam na frente de um pequeno prédio e sorriu para mim. Uma de suas mãos buscou a chave na bolsa, enquanto a outra jogava o cigarro em uma caixa cheia de areia no canto perto da porta.

— Desculpa por todo o trabalho, eu esperava algo completamente diferente para essa noite, mas… — Ela ergueu os olhos para mim — Como você disse, vão ter outras, não é?

— Claro. — Assenti subindo um degrau para ficar da altura dela — Seria divertido.

— Você tem um número? — Perguntou com esperança. Eu abri a boca, sem saber o que responder. Ela tirou da bolsa uma caneta, destampou e sorriu para mim — Eu posso anotar na minha mão, fala.

— Na verdade, eu estou sem telefone. — Menti encolhendo os ombros — Mas não vai fazer diferença, de qualquer forma. Acho que a gente vai acabar se esbarrando por aí.

— Mesmo? — Perguntou guardando a caneta, e eu confirmei. Jenny, sem que eu esperasse, chegou para frente e beijou minha boca. Segurei o rosto dela, aproximando meu rosto. Quando estava próximo a usar a minha língua, ela se afastou fazendo com que o ar gelado da noite me beijasse em seu lugar — Bom saber.

E rapidamente abriu a porta, entrou e fechou-a logo atrás de si.

 

***

 

— Toc, toc.

Vai se foder.

Prendi o riso e entrei mesmo assim. Apolo estava jogado no divã que tinha em sua sala, de forma dramática e bela, seminu. Seus olhos azuis me acertaram com precisão e desprezo, e eu dei alguns passos cautelosos em sua direção.

— Alguém está triste de verdade, hein? — Falei sorrindo para ele. O deus do sol colocou-se sentado da mesma forma assustadora que um vampiro se levanta do caixão em um filme de terror.

— Se você não está com as minhas flechas, é bom sair da minha frente, garoto da internet. — Ameaçou com amargura.

— Estão aqui. — Disse erguendo o pacote lacrado em minhas mãos — Não deu muito trabalho para pegá-las de volta, caso queira saber. O Alasca estava bem refrescante e meu pênis continua no lugar dele.

— Talvez não esteja, considerando que faz só algumas horas que aquela garota te levou para a casa dela. — Rebateu — O que aconteceu? Não conseguiu entretê-la por tempo suficiente, ou achou que estava em uma corrida e acabou em tempo recorde?

— É engraçado ver você tentando me provocar, mas é tão ineficiente. Tudo o que passa na minha cabeça quando você abre a boca é a cena dela acertando seus países baixos. — Ri para ele, Apolo pulou do divã com a agilidade e ferocidade de um leopardo, e tomou o pacote de minhas mãos.

Analisou-o por alguns instantes e depois ergueu seus olhos para mim.

— Você tem um trabalho, Hermes. É seu dever garantir as entregas, mandar as mensagens e se certificar que coisas assim não aconteçam. — Chacoalhou a caixa na minha frente — Espero que essa sua quedinha pela garota mortal não te atrapalhe a colocar as suas obrigações em dias, porque se esse for o caso, vamos ter problemas sérios.

Com um único movimento, Apolo lançou a caixa em cima do divã sem tirar os olhos de mim. Sustentei seu olhar fixamente.

Jenny não era a culpada pelos meus erros, e foi completamente injusto acusá-la daquela forma. Meu cansaço e a sobrecarga que eu estava sofrendo é que eram os verdadeiros vilões. Aquela mortal estava servindo de válvula de escape, mas explicar isso para Apolo parecia incogitável.

Queria brigar com ele, mandá-lo se meter na própria vida, dizer que ele não era meu pai para fiscalizar o meu trabalho ou com quem eu saia. Porém, me resumi a respirar fundo e sorrir sem mostrar os dentes.

— Tenha uma boa noite, irmão. — Disse e fui embora.

 


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada as pessoas que estão acompanhando! Foram mais de 400 acessos em tão pouco tempo.
Se está gostando, deixa aquele reviewzinho. Os comentários animam o meu dia!
Beijos e até o próximo capítulo.



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