Retorne Ao Remetente escrita por Mandy-Jam


Capítulo 3
You Spin Me Round (Like a Record)


Notas iniciais do capítulo

Curiosidade: cada título de capítulo é o nome de uma música dos anos 80. Caso vocês não tenham percebido haha

Boa leitura!



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HERMES

 

Eu não sei se vocês têm conhecimento disso, mas a relação entre deuses e humanos sempre foi muito delicada. Verdade, nós tínhamos muitos filhos com mortais ao longo de milênios, mas relacionamentos profundos? Não, isso era raro.

Além de raro era bem mal visto, tenho que dizer. Se um deus se aproximava demais de um mortal, logo surgiam colunas de fofocas maldosas escritas nas revistas olimpianas e ele virava motivo de chacota. Não me levam a mal, não é que vocês não sejam extremamente interessantes quando conversam sobre alguma coisa que seu cachorro fez, quando contam o quão babaca seus chefes são ou quando falam sobre aquela amiga de escola que se casou antes de vocês. Nãão, imagina. Mas um deus conversar com um mortal é a mesma coisa de um rei conversar com o bobo da corte.

Eu era o deus mais simpático, tenho que dizer. Um dos mais adorados pelos humanos, conhecido pela simpatia e pelo bom humor.

Quando segurei Jenny impedindo que ela batesse de cara no chão e quebrasse sua câmera de fotografias também, eu sabia que tudo que ofereceria para ela era simpatia. Uma amostra grátis de gentileza com uma pitada de distanciamento, a mesma que alguém oferece a um estranho que encontrou no elevador.

— Meu deus. – Disse ela piscando os grandes olhos azulados. Eles focaram no meu rosto, bem próximo ao dela. Ergui-a com facilidade e equilibrei a câmera em minha outra mão.

— Você está bem? – Perguntei analisando-a. Eu sabia que estava, eu fora rápido o suficiente para impedir aquele acidente. Ela assentiu com a cabeça, ainda lidando com o susto que levara – Não devia andar tirando fotos. Vai acabar causando um acidente.

— Eu sei. – Ela assentiu ajeitando a camisa – Eu sei, é só que… – Seus olhos ganharam aquele mágico brilho novamente – Essa cidade é tão linda, e a claridade está tão boa. Eu não quis perder a chance.

— Você é turista. – Concluí. Ninguém vê mais beleza em uma cidade do que um forasteiro.

— Não. – Ela respondeu para a minha surpresa – Bem, sim. Mais ou menos. Eu vou trabalhar aqui por um tempo como fotógrafa.

Meus olhos acompanharam os movimentos de sua mão, que deram dois tapinhas na pasta debaixo de seu braço. Entreguei-a a câmera de volta, e ela a pendurou no pescoço.

— Fotografia. – Repeti. O conceito ainda era novo para mim. Não que em 1986 as fotos fossem uma novidade, mas a ideia de poder capturar um momento em forma de uma foto ainda era nova para mim. Me surpreendia ver a evolução das câmeras, e não pude deixar de lançar um olhar curioso para a que pendia no pescoço de Jenny. Ela percebeu que eu a estava encarando por tempo demais, logo resolvi dizer algo – Eu gosto de fotos.

— Você quer ver as minhas? – Ofereceu um sorriso para mim. Eu sorri de volta, colocando as mãos nos bolsos da minha calça de corrida. Encolhi os ombros, um sinal de “pode ser”, e foi o suficiente para que ela mostrasse os dentes brancos em um sorriso animado.

O problema dela, e eu comecei a perceber, é que sua animação a deixava desastrada.

Jenny puxou a pasta rápido demais, e seu fecho se abriu. As fotos caíram no chão úmido da calçada, para o choque dela.

— Ah não! – Exclamou com olhos arregalados. Eu respirei fundo, tentando não rir do quanto ela era estabanada.

— Eu pego para você. – Ofereci e logo abaixei-me para catar as fotos. Ela fez o mesmo.

— Estão estragadas. – Concluiu.

— O quê? Não estão não. – Mas eu percebi que era verdade.

— Estão sim. – Sua voz passava tristeza e mágoa, e me atingiu no rosto em cheio. Tal qual Afrodite, as emoções de Jenny pareciam ser contagiantes. Franzi o cenho, começando a ficar preocupado, e olhei para as fotografias. Estavam manchadas por causa da água.

— Não, não, não. – Catei todas rapidamente e tirei as que Jenny tinha pegado de suas mãos. Levantei-me e virei de costas para ela, para que não pudesse ver o que eu faria – Eu conheço um truque! Vai ficar tudo bem.

— Mas como você vai…?

Virei-me oferecendo a ela mais um sorriso e entreguei as fotos. Ela pegou-as e examinou, descrente de que qualquer coisa que eu teria feito poderia resolver seu problema. Suas sobrancelhas se ergueram, surpresas, quando percebeu que as fotos estavam perfeitas como antes.

— O que você fez? – Perguntou de queixo caído.

— Mágica. – Respondi com simplicidade, e ela soltou uma risada deliciosa. Permite-me rir um pouco, acompanhando-a. Jenny pulou no meu pescoço, literalmente, e eu parei de rir. Foi a minha vez de ficar surpreso – Obrigada! Você salvou a minha vida e nem sabe!

Sem saber como reagir, dei dois tapinhas em suas costas, como se ela fosse um cachorro que voltara para mim com o graveto que eu lançara.

— Ahm… Não há de quê. – Respondi, sem jeito. Jenny soltou-se de mim com a mesma naturalidade e guardou as fotos na pasta com cautela. Eu olhei para aquela mortal de cima para baixo. Não parecia ter mais de 25 anos.

Meus olhos desceram contornando as curvas da sua cintura e pararam em suas pernas. Por mais que fosse magra, ela era uma mulher muito bonita. Antes do que eu esperava, ela se virou para mim, fazendo-me acordar do meu transe momentâneo.

Achei que fosse reclamar comigo por ter me flagrado olhando para seu corpo com tanta intensidade, mas Jenny não pareceu notar.

— Você é extremamente gentil. – Ela colocou a mão sobre o peito – Meu nome é Jenny.

— Seu nome é Jenny? – Repeti duvidando.

— Jennifer. – Ela revirou os olhos – Jennifer Barsotti Kelly. Mas eu prefiro Jenny.

Percebi que ela esperava que eu me apresentasse.

— Eu sou Hermes. – Contei – E prefiro Hermes mesmo.

— Então Hermes será. – Riu ela para mim. Eu sorri bobo, por mais que estivesse me odiando por isso. E se alguém me visse daquele jeito? Que vexame – É tão grego.

— É. É bem grego. – Concordei – E eu tenho que ir.

— Ah, está com pressa? – Perguntou – Eu ia…

— O quê? – Perguntei sem realmente querer ouvir a resposta. Meus olhos foram para o relógio no meu pulso, e vi que faltavam 2 minutos para a maldita loja fechar. Voltei meu olhar para Jenny, que estava mordendo o lábio.

— Eu vou tomar um café. – Contou e parou por um instante, decidindo-se se fazia ou não um convite para mim. Decidiu-se pela opção mais sábia: deixar a informação no ar para ver o que eu faria com ela – No Antoniette. Eu gosto de ir lá.

— Bom. – Respondi assentindo com a cabeça, e não falei mais nada. Dei um sorriso, e virei-me pronto para sair correndo. E então ela me tocou.

Virei minha cabeça para ela rapidamente, sentindo como se tivesse acabado de levar um choque. Mortais não tocam deuses, a não ser que nós peçamos. Fitei-a intensamente, esperando uma justificativa para aquilo, e ganhei uma das mais inesperadas.

— Eu sei que vai parecer estranho, mas eu posso tirar uma foto sua antes de ir embora? – Perguntou insegura. Ergui uma sobrancelha.

— É de fato estranho pedir isso para o homem que você nem conhece. – Repliquei.

— É que você… Tem alguma coisa com você. – Ela respondeu e seus olhos percorreram meu rosto – Você parece especial.

— Especial tipo “coitado, ele tem problemas” ou especial em um bom sentido? – Indaguei. Uma resposta a levaria a virar uma planta, ela tinha que escolher bem.

— No bom sentido. – Riu como se eu tivesse contado uma piada. Pensei rapidamente sobre o assunto, e acabei cedendo.

— Pode. – Disse concordando – Mas com uma condição.

— Qual? – Seus olhos brilharam.

— Você tem que aparecer comigo na foto. – Respondi. Jenny aceitou de imediato e virou de costas para mim. A mortal encostou o corpo contra o meu e eu sorri involuntariamente. Ela esticou a câmera com as mãos e sorriu olhando para a lente. Eu sorri também e ela disparou o flash.

Coloquei as mãos em seus ombros e afastei-a para o lado.

— Tchau. – Foi tudo o que eu disse antes de sair correndo.

 

***

Eu nunca fui um deus feio. Pergunte a minha mãe, ela vai confirmar.

Minha beleza está em um patamar tão elevado que eu já tive a experiência de dormir com a deusa do amor. Nossa relação foi uma das melhores? Ok, não. Nosso filho teve o melhor dos nomes? Definitivamente não – estávamos sem ideias, fazer o quê?.

Contudo, de qualquer forma, aconteceu. Eu podia não ter muito tempo livre para paquerar, mas meu sucesso com as garotas e garotos era evidente pelos suspiros apaixonados que seguiam a minha partida.

Por isso, quando entrei no templo de Afrodite segurando a sacola com os perfumes, decidi que estava na hora de virarmos um pouco o jogo. Ela não era a única que gostava de brincar de seduzir os outros, tão pouco a única capaz de fazê-lo.

Demorei um pouco para achar uma posição que me deixasse em evidência, mas consegui. Encostei-me em um dos largos pilares gregos dentro de seu templo da forma como Apolo chamaria de “casual-sexy”. Meu ego estava inflado. Tinha certeza que conseguiria seduzir quem quer que fosse, e estava também determinado a fazer Afrodite pagar por ter me provocado mais cedo.

Hermes, eu sinto sua presença. — Disse ela do outro cômodo – É melhor que tenha trazido meus perfumes, querido.

— Por que não vem checar? – Respondi no tom mais aveludado que consegui. Puxei tirei a camisa e pendurei-a em meu ombro. Afrodite abriu a porta e parou ao me ver daquela forma – Olá.

— O que está fazendo? – Perguntou ela franzindo o cenho. Olhei para seu vestido, idêntico ao da Madonna, e ergui as sobrancelhas, admirando o trabalho bem feito das ninfas.

— Você está deslumbrante nisso. – Elogiei e sorri torto descendo um pouco meu olhar – Posso ver porque um laço tão grand-

— Porque eu sou um presente. – Ela me interrompeu adivinhando o que eu ia dizer – O por que a minha bunda é um presente? Eu não sei qual das duas frases combina mais com você.

Seu rosto mostrava o divertimento de uma adulta vendo uma criança fingir ser adulta também. Mantive-me determinado a continuar. Eu era capaz de seduzi-la, Afrodite não era inatingível.

— Bem, eu tenho um presente para você bem aqui. – Disse levando minhas mãos para a cintura da calça. Ela ergueu uma sobrancelha.

— Posso ver que sim. – Respondeu prendendo um sorriso bobo. Eu estava fazendo progresso.

— Eu só tenho que te avisar, meu bem. É um presente grande. – Falei com maldade. Ela se aproximou de mim enquanto eu desamarrava o laço de calça.

— Ah, sim. Tão, tão grande. – Falou quase gemendo. Quando estava quase grudada em mim, suas mãos tocaram as minhas e eu sorri torto. Elas, no entanto, subiram em vez de descer e tocaram a alça da sacola pendurada no meu braço – Por Zeus, é enorme!

Suspirei pesadamente, sentindo como se tivesse acabado de ser atingido por um balde de água fria.

— Muito grande! – Gemeu novamente.

— Corta essa. – Resmunguei desviando o rosto.

— Eu mal posso esperar para desembrulhar. – Continuou. Eu desisti, entregando para ela a sacola. A deusa do amor riu e continuou – Ah! Ah, Hermes! Sim!

— Por que você nunca cala a boca?! – Reclamei saindo de perto dela e vestindo minha camisa novamente. Afrodite jogou-se no largo sofá que tinha no cômodo e começou a ter uma crise de gargalhadas. Mantive-me de costas para que ela não visse meu rosto vermelho.

Você está corado, sério?, perguntei a mim mesmo. Quantos anos você tem, duzentos e dois?

— Ah, querido, não fique assim. – Disse ela tentando parar de rir – Vamos, não chore.

— Eu não derramo uma lágrima por você, sua miserável. – Respondi irritado.

— Eu adorei o presente. – Disse levantando-se e experimentando o perfume. Afrodite passou-o no pescoço e se aproximou de mim. Olhei para ela – Quer sentir?

Ela tirou o cabelo do pescoço de uma forma sensual e provocativa, e eu queria muito poder dizer que aquilo não mexeu comigo, mas seria mentira. Entretanto, contive-me e desviei o rosto bufando.

— Não fique de mau humor. – Ela tocou meus ombros e eu a repeli com um movimento rápido – Ah, pobrezinho.

— Pobrezinho. – Repeti com desgosto – Pobrezinho. Eu não acredito que está me chamando de pobrezinho, Afrodite.

— Own, qual o problema, querido? – Perguntou dando-me um olhar de preocupação, mas eu sabia que ele era falso.

— O problema é que eu não sou seu escravo. Da próxima vez que quiser comprar perfumes, desça você mesma no mundo dos mortais e faça isso. – Marchei em direção a porta – Eu tenho coisas mais importantes para fazer.

Antes que eu pudesse abrir a porta, ela fez isso sozinha. Ares olhou para mim, e acho que ele merece uma descrição melhor. O fato é que Ares era grande fã da moda das calças de cós alto e das jaquetas brilhosas. Lá estava ele, em pé na minha frente, vestindo aquelas roupas que já na época eu achava ridículas.

— Saí da frente. – Foi tudo o que disse antes de esbarrar em mim, me empurrando para longe do caminho. Afrodite olhou para ele de uma forma tão íntima e provocante que me deu náuseas e fez minhas bochechas arderem ao mesmo tempo.

— Não se faz uma dama esperar dessa forma. – Disse fingindo estar chateada. Ele colocou as mãos na cintura dela e, acariciando-a.

— Então vamos ter que achar uma forma de eu te compensar pelo meu atraso. – Ronronou ele de volta para ela.

— Ah, arrumem um quarto. – Respondi enojado e saí batendo a porta atrás de mim.


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Notas finais do capítulo

Deixe aquele review maravilhoso se você está gostando!
Muito obrigada, e até o próximo capítulo.
Beijos!



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