Retorne Ao Remetente escrita por Mandy-Jam


Capítulo 2
Material Girl




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/732314/chapter/2

 

HERMES

— Como assim ele vai pensar no que eu disse? — Rugiu Zeus na sala dos tronos. Tudo que pude fazer foi erguer as mãos, mostrando que eu não tinha controle sobre as respostas do meu tio — Hermes, era para você fazê-lo parar e entender o que estava em jogo.

— Eu usei todas as palavras, chefe. — Respondi defendendo-me — Mas seu irmão tem um temperamento forte. De qualquer forma, não acho que ele vá voltar a atacar o Japão.

— Para o seu bem, é melhor que não.

Ótimo, pensei. Agora vou virar churrasco junto com aquele maldito surfista famosinho.

— Eu fiz o meu melhor, como sempre. — Era pedir demais que meu pai tivesse um pouco de orgulho de mim? Ou que, pelo menos, agradecesse todo o meu empenho? Eu não estava nem perto de ganhar um tapinha nas costas, por isso, resolvi não insistir mais.

— Melhor nem sempre é o suficiente, criança. — Torci o nariz, mas confirmei com a cabeça — Vá.

Saindo da sala dos tronos, eu corri com tudo o que tinha que fazer. Enviei o pacote de Hefesto, corri para pegar os livros de Atena, e voltei ainda antes de anoitecer. Passei no templo de Afrodite, sabendo que a última coisa que faltava eram aqueles malditos perfumes.

A porta estava aberta, para minha surpresa. No interior, ninfas corriam de um lado para o outro como formigas que acabaram de ter sua casa pisada. Estranhei aquela movimentação, mas busquei pela deusa do amor.

Em pé em um banco, estava ela. Afrodite tinha os cabelos cacheados em um permanente armado. As bochechas rosas, os cílios longos e as unhas longas bem feitas. Sua roupa, no entanto, era um mistério.

— Ainda hoje, por favor. — Disse com gentileza disfarçando sua impaciência. Mesmo sendo deuses, nós tínhamos a pressa e o imediatismo dignos de quem estava prestes a morrer. Se queríamos algo, era agora, não daqui a cinco minutos.

— Parece que você levou um choque. — Disse olhando para o cabelo armado. Por mais que eu implicasse, tudo ficava absurdamente lindo em Afrodite. Seus olhos cor de mel voltaram-se para mim. Com um riso curto e esnobe, ela me respondeu.

— Eu ouvi falar que você usa pochete. — Falou em tom de zombação — Anote minhas palavras, você vai se arrepender disso daqui a alguns anos.

— Pochetes são práticas. — Defendi, mas ela estava certa. Foi uma fase vergonhosa.

— Sexo sem compromisso também, mas nem por isso estão fazendo ao ar livre. — Rebateu.

— Touché. — Respondi erguendo as mãos em rendição — Só não entendi o que é isso que você… Ahm, isso era para ser um vestido.

Ela respirou fundo, como se buscasse no oxigênio uma solução para sua raiva.

— Sim, Hermes. Isso era para ser um vestido. — Ela bateu palmas várias vezes, e as ninfas correram ainda mais rápido — Onde está a maldita agulha?!

Afrodite olhou para mim de novo.

— Eu tenho um encontro hoje a noite, querido. — Disse sorrindo para mim. Ela mexeu-se no pequeno espaço do banquinho para que o tecido sem forma em seu corpo chamasse atenção — Acha que essa cor combina comigo? Seja sincero.

— É rosa choque. Eu preciso dizer alguma coisa? — Respondi. Ela sorriu em aprovação.

— Eu quero um vestido como o da Madonna em Material Girl. — Contou ela, passando as mãos pelo vestido. Essa música não parava de tocar nas rádios, crianças. Todas as garotas queriam ser a Madonna, cercadas de diamantes.

Como Afrodite estava entediada esperando as ninfas pegarem o material de costura, eu já imaginava o que ela ia fazer. Suas mãos marcaram sua cintura e foram descendo devagar pelas suas curvas.

— O que você acha disso?

Meus olhos não conseguiram evitar acompanhar o movimento dela. O tecido foi se ajustando ao seu toque, grudando em seu corpo de forma justa, realçando seu quadril largo, suas coxas grossas. Seu toque deslizava pelo tecido sentindo-o com a luxúria digna da deusa do amor. Senti meu corpo se arrepiar quando ela voltou as mãos o caminho inteiro e tocou os seios.

— Acho… Lindo. — Respondi sem ar, de repente. Ela sorriu para mim, divertindo-se com minha atordoação. Afrodite gostava do jogo da sedução, e o praticava sempre que podia.

— Você é um amorzinho. — Falou e mordeu o lábio olhando para mim. Fechei os olhos uns instantes, tentando me lembrar o que eu estava fazendo ali — Estou te deixando atordoado? Pobrezinho.

— Estou bem. — Respondi sorrindo para ela. Afrodite assentiu, feliz.

— Claro que está. — Com um movimento simples, ela tirou o tecido do corpo e deixou que caísse no banquinho. Meu rosto ficou vermelho como o de um adolescente na puberdade ao vê-la nua. Ergui as sobrancelhas, desviei o rosto.

— Por que não me surpreende o fato de você não pretender usar nada por debaixo desse vestido? — Disse balançando a cabeça.

— Por que eu usaria? — Falou e se aproximou de mim. Virei meu rosto para sua direção e foquei em fitar seu rosto, ignorando completamente seu corpo nu. Eu não tinha tempo para cair nos encantos dela, infelizmente — Meus perfumes, amor.

— Seus perfumes. — Assenti repetindo como um papagaio, mas sem saber o que falar em seguida.

— Hermes. — Ela tocou meu rosto com delicadeza e eu quase derreti — Onde estão meus perfumes?

— Eu… Eu esqueci quais você queria. — Respondi vencendo o nó em minha garganta — Por isso eu vim aqui. Vou buscar agora mesmo, eu juro.

— É claro que vai. — Sorriu para mim. Ela colocou um papel contra o meu peito e beijou a ponta do meu nariz — Porque as lojas fecham as sete, e já são seis. Corre.

Ela me empurrou para trás com a delicadeza de uma bailarina, e eu quase tombei no chão. A deusa voltou para cima do banco e colocou o tecido contra o corpo novamente. Finalmente as ninfas apareceram e colocaram-se aos seus pés, ajeitando a bainha e trabalhando nos detalhes do vestido.

Olhei para o papel que ela tinha me entregado e vi o nome do lugar. Uma perfumaria em uma cidadezinha perto de Paris. Saí de lá com minhas bochechas e virilha ardendo, e corri para meu templo.

***

Agora chegamos a uma parte importante da história. A parte que finalmente envolve ela.

Jennifer Barsotti Kelly.

Enquanto eu falava com meu tio na praia do Havaí, Jenny já tinha desfeito suas malas em seu pequeno quarto no último andar de um prediozinho na França. Escolhera cuidadosamente as melhores fotos que tirara, montara seu portfólio e o carregara em uma pasta debaixo do braço. Pendurada em seu pescoço estava uma câmera fotográfica que na época era muito boa.

Jennifer não perdera tempo. Nova naquele país, ela saiu para conhecer lugares novos e registrá-los através da lente da sua câmera.

Eu acho engraçado o jeito como o destino funciona. Quando saí do meu templo e fui para aquela cidadezinha perto de Paris, algo no fundo da minha cabeça disse para eu relaxar. Eu estava na França, o país dos apaixonados e das pessoas que gostam de ter seu próprio tempo.

A cidade em volta de mim era tão adorável quanto os casais sentados juntinhos no grande gramado que dava para um rio. Os carros passavam devagar, os pássaros voavam sem pressa. Por um segundo, eu simplesmente parei, e aquela sensação foi estranha.

Parar. Isso não era algo que eu estava acostumado a fazer.

Olhei para as pessoas juntas no gramado, aproveitando a companhia uma da outra. A única companhia que eu aproveitava era a de duas cobras famintas que me lembravam constantemente do que eu devia fazer. Ou dos meus parentes que se dirigiam a mim dando ordens e fazendo pedidos.

Lembrei das garotas passeando pela praia e de meu tio sentado admirando seus domínios. Eu não tinha essa vida. Eu não tinha o sossego e a paz de me sentar na areia e flertar com garotas bonitas.

Olhei no meu relógio de pulso e vi que faltavam 40 minutos para a tal loja fechar. Eu só precisava de 1 para entrar como um raio, pegar o que Afrodite desejava e sair sem nem mesmo aparecer nas câmeras de segurança. Então 39 minutos para mim, e contando.

Comecei a correr, mas em um ritmo de mortal. Corri pela calçada para distrair minha cabeça e olhei para as pessoas que passavam por mim. Olhei novamente para os casais apaixonados e me lembrei de todas as vezes em que eu fracassei em namoros.

Talvez seja para ser desse jeito mesmo, pensei. Se você não conseguiu nada em três mil anos, talvez você tenha ficado para titio. Talvez você tenha que deixar crescer um bigode grotesco como o de seu tio e aceitar que as mulheres vão te olhar como um vovô babão.

Deuses, por favor, não.

Podem falar o que quiserem das pochetes, mas ao menos elas não estão penduradas na sua cara como bigodes ridículos.

Parei de correr e respirei fundo. Acho que aquele era um dos motivos de eu focar tanto em meu trabalho com mensageiro. Ao menos com a mente ocupada, eu não tinha tempo de pensar sobre tudo que me deixava desconfortável.

— Por favor, nada de bigode. — Pedi olhando para os céus, como se estivesse falando com o destino. E foi então que aconteceu.

Meus olhos se voltaram para a rua quando ouvi um ônibus parar e uma mulher agradecer ao motorista. Essa mulher era Jenny.

Eu sei que você está esperando eu dizer que foi amor a primeira vista, mas não. Não foi. Meu primeiro pensamento ao vê-la foi “essa mortal vai morrer”, pois Jenny andava equilibrando a pasta debaixo do braço e tirando foto de pessoas, postes, e árvores.

Era como uma mariposa hipnotizada por qualquer coisa que brilhe. Jenny andava como o Mister Magoo, sempre quase sendo atropelada, quase levando um esbarrão. Meu coração bateu diferente, mas foi mais de apreensão do que por amor.

Por mais que eu achasse que talvez seria hilário ver Jenny bater contra um poste, o sorriso dela mudou meu pensamento. Era um sorriso vivo, alegre, feliz. Aquilo mexeu comigo. Franzi o cenho, tentando lembrar qual fora a última vez que eu sorrira daquele jeito para alguém. Tristeza tomou meu peito quando não consegui me lembrar.

De repente, Jenny tropeçou. O que eu achava que seria divertido ver, me tomou de susto. Ela não ia só cair e bater de frente no chão, ela ia quebrar aquela câmera que parecia ser algo que ela adorava.

Uma parte minha disse “não é problema meu”, mas outra bem maior decidiu correr para ajudá-la.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Retorne Ao Remetente" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.