Retorne Ao Remetente escrita por Mandy-Jam


Capítulo 14
Waterloo


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura para vocês!



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HERMES

 

— Atenção! — Gritei acima das vozes irritadas e dos múrmuros curiosos — Atenção todos!

Meus parentes pararam de conversar aos poucos e pararam os olhos em cima de mim. Não conseguia esconder um sorriso de empolgação no rosto. Minhas mãos se mexiam inquietas e minhas pernas sacudiam com energia.

— Pelo amor dos sete mares, garoto. — Disse Poseidon ajeitando-se em seu trono — O que foi que deu em você?

— Eu descobri algo maravilhoso, poderoso Poseidon. — Respondi entusiasmado — Eu vim aqui para compartilhar com todos vocês. Quero que todos prestem atenção, porque isso vai ser revolucionário!

— Revolucionário. — Repetiu Ares, coçando a barba rente com um sorriso interessado — Eu gosto dessa palavra.

Apontei para ele e pisquei.

— A última vez em que você disse que algo era revolucionário, você tentou nos convencer a colocar telefones pelo Olimpo. — Falou Apolo, franzindo o cenho com desconfiança para mim.

— Acredite em mim, isso é melhor do que qualquer telefone. Muito, muito melhor. — Respondi e tirei de meu bolso o pequeno aparelho preto. Escondi-o em minhas mãos como se estivesse protegendo um filhote de passarinho e fiz contato visual com um por um na sala dos Tronos, parando por último em Zeus — Olimpianos, eu lhes apresento o pager!

Houve um silêncio que eu não esperava, enquanto todos se esticavam para frente para olhar o que era aquilo em minhas mãos. Rindo de alegria, lancei-o para Afrodite que recuou no trono como se eu tivesse lançado uma granada. Ares esticou a mão para o lado e agarrou o aparelho no lugar de Afrodite.

O deus da guerra olhou para aquilo como um homem das cavernas olhava para o fogo pela primeira vez, e a deusa ao seu lado uniu suas sobrancelhas bem-feitas analisando.

— Onde está a parte revolucionária desse pedaço de plástico com botões? — Perguntou ele, ficando irritado por suas expectativas terem sido frustradas. Não levei aquilo como um mal sinal, pois era difícil fascinar Ares se você não envolvesse sangue, morte, violência ou sexo na história.

— Estou feliz que tenha perguntado. — Falei tirando meu outro pager da pochete. Apertei alguns botões e sorri para Ares. Esperei alguns instantes e o pager em sua mão vibrou, acendendo uma luz verde. As mãos dele se contorceram nervosas, quase deixando o objeto cair com a surpresa.

Todos os deuses aguardavam para entender o que havia acontecido, enquanto Ares forçava a vista para ler.

— Eu sou um babaca. — Falou em voz alta. Poseidon prendeu o riso, e alguns outros deuses também. Hefesto assentiu com a cabeça, inclinado em seu trono com um sorriso.

— Revolucionário. — Concordou, e eu ri com seu apoio. Ares trincou os dentes e olhou para mim com raiva.

— Você tem menos de um minuto antes que eu passe esse pager pela sua garganta, Hermes. — Ameaçou ele, irritado. Afrodite tirou o objeto das mãos dele e começou a analisar curiosa.

— Como todos vocês podem ver, o pager é uma invenção mortal que faz com que seja possível entregar mensagens instantâneas para qualquer outro pager em questão de segundos. — Contei quase pulando de felicidade — Isso veio para revolucionar a comunicação moderna e facilitar o contato entre as pessoas. No caso, também podemos usar para nos comunicarmos.

— Hermes. — Zeus começou, mas eu prossegui antes que meu pai pudesse me cortar.

— Por isso, eu trouxe um para cada um de vocês. — Anunciei, pegando os outros pagers de minhas pochete sem fundo. Joguei um para Ártemis, que agarrou no ar sem dificuldade. Depois para Poseidon, Hera, Deméter, Zeus e o restante dos deuses.

Apolo foi o último a receber, e pude ver que a expressão do meu irmão ainda não era amena.

— Sua ideia revolucionária é que todos nós nos comuniquemos por pager? — Falou erguendo uma sobrancelha. Assenti com a cabeça.

— Sim. Pelo menos durante o dia. — Defendi a ideia — Pense em como vai ser mais fácil convocar todos nós para uma reunião, ou como vai ser mais simples manter contato com outro olimpiano. Ah! E os pagers têm cobertura de sinal até mesmo na floresta, eu me certifiquei disso.

Ao ver que Ártemis pareceu impressionada, Apolo decidiu-se por ser contra o pager.

— Hermes, isso é feio. — Declarou Afrodite erguendo o pager com a ponta de seus dedos — Não vou carregar isso comigo.

— Não é feio! É básico, eu diria. — Tentei convencê-la.

— Dá no mesmo.

— Afrodite, ele é útil! Essa é a melhor qualidade do pager. — Insisti.

— Não achei de todo ruim. — Disse Atena, o que me deu grande alívio. A deusa da sabedoria segurava-o nas mãos enquanto estudava sua interface simples — Como faço para mandar uma mensagem? Ensine-me.

Prontamente, fui até seu lado, ouvindo os outros discutirem entre si sobre o que estavam achando disso.

— Eu posso ensinar todos vocês, não será problema. — Dei as instruções em voz alta enquanto ensinava Atena. A deusa da sabedoria sorriu ao ver o pager de Zeus vibrar. O senhor dos deuses olhou a mensagem “olá” e tentou esconder um sorriso de divertimento. Ter Atena do meu lado, garantia ter Zeus também.

— Hm, deixe-me ver se aprendi. — Falou Ares e apertou os botões de forma bruta e depois ergueu os olhos para mim. Meu pager brilhou e vibrou com uma mensagem obscena.

— Isso, Ares. — Disse com falso entusiasmo — Muito bom.

Ele sorriu satisfeito.

— Gostei disso. — Concluiu ele digitando mais xingamentos para mim — Gostei desse tal pager.

Talvez eu não devesse ter dado isso para ele, refleti de última hora. Não tem maturidade o suficiente para usar essa coisa direito.

— Como você ficou sabendo disso? — Perguntou Hera, curiosa.

— Uma mortal me mostrou. — Contei sorrindo.

Nesse mesmo instante, senti os olhos de Apolo se cravarem em mim. Virei o rosto devagar só para constatar o que eu tinha sentido, meu irmão me encarava com olhos afiados. Apolo entendia perfeitamente que mortal era essa, e se antes ele era contra o pager, agora ele era completamente contra o pager.

— Uma mortal. — Repetiu ele e depois riu seco — Interessante.

Os ciúmes em sua voz transbordavam, mas eu era o único ali que podia perceber.

— Diga-me, irmão. — Apolo brincou com o pager, girando-o habilidosamente nos dedos — Esse tal pager entrega mensagens via internet?

Pronunciou as palavras-chaves com acidez e maldade. Prendi a respiração sabendo o que aquela pergunta desencadearia. Todos os olimpianos de repente estavam olhando para o aparelho com menos seriedade e mais deboche.

Apolo sabia muito bem a derrota que fora para mim quando eu levara a ideia da internet para meus parentes, e sabia que eu nunca seria levado a sério se qualquer outra ideia minha tivesse a ver com essa minha invenção tão escarnecida.

— Não, ele não usa internet. — Falei com firmeza e raiva.

— Eu não vejo fios. — Declarou ele olhando para o pager, fingindo estar muito empenhado em entender — E vejo que as mensagens são instantâneas. Recordo-me perfeitamente que instantânea foi um adjetivo que você usou para descrever a internet, irmão.

— Sim, mas-

— Então para mim, isso usa internet. — Concluiu dando uma sentença. Eu já estava ouvindo Ares gargalhar junto de Afrodite. Eu estava perdendo a adoração deles rápido demais.

— Eu falei para ocupar seu filho com algo útil. — Disse Deméter olhando para Zeus — É isso que acontece com as crianças quando elas não tem uma direção para seguir, começam a fazer besteiras.

Quem é você para falar?, pensei com raiva. Sua filha fugiu de você para morar debaixo da terra no reino de mortos.

— Pela última vez, isso não tem nada a ver com a internet! — Exclamei por cima das vozes atraindo atenção — Isso é muito mais parecido com o telefone do que com a internet.

— Ah, o telefone. — Assentiu Apolo divertindo-se — Outra maravilhosa invenção. Já começaram a instalar os orelhões nas praças do Olimpo?

Todos gargalharam, e eu senti vontade de pular em cima de Apolo e enchê-lo de socos. Mantive meus olhos fixos nele, fuzilando-o com raiva. Meu irmão era um péssimo perdedor, e não deixaria nunca que eu tivesse qualquer triunfo com uma ideia vinda da mortal que o rejeitara.

Então fora assim que Cassandra se sentira?, pensei. Eu não vou deixar você transformar a mim e a Jenny nela.

— Escutem! — Exigi erguendo o pager na minha mão o mais alto possível. Todos olharam, ainda com humor, e esperaram por minhas palavras. Elas saíram com seriedade, pois eu não estava mais tentando convencer ninguém, estava impondo — Daqui para frente, eu só vou responder as demandas de vocês por pager. Se estiver de dia, e eu estiver ocupado, não vou largar o que estou fazendo para correr até vocês.

As risadas cessaram.

— Acha mesmo que pode nos obrigar a usar esse aparelho idiota?

Virei-me para Apolo.

— Se não gosta do não posso obrigá-lo a usar. — Assenti para ele — Não use.

Os olhos dele se estreitaram.

— Ao invés de usar o pager, vai ser muito bem recebido na Hermes Express. — Respondi, e todos os múrmuros voltaram, agora tomados de desespero. O rosto de Apolo foi ficando vermelho aos poucos, mas eu sabia que não era por vergonha e sim raiva.

— Então está decidido. — Concluiu Zeus em uma voz firme — Usaremos os pagers para nos comunicarmos com Hermes, e qualquer um que se negue vai responder por isso sozinho.

Apolo quebrou o pager esmagando-o em seu punho. Os pedaços de plástico caíram no chão aos poucos, de forma dramática. Afrodite se mexeu desconfortável do outro lado da sala.

— Sabe, ele não é tão básico assim. — Defendeu sorrindo nervosamente para o pager — E preto é uma cor ótima. Combina com qualquer coisa!

— Gostei. — Pronunciou-se Dionísio, pela primeira vez. Estava parcialmente sóbrio, de forma que ficara em silêncio durante a discussão, provavelmente desejando ter uma bebida na mão ou estar liberado para ir. O deus do vinho sacudiu o objeto — Não que não vá ser um desafio, porque vai. Tenho certeza que não vou enxergar botão nenhum depois de algumas taças, mas foda-se. Faço um sinal de fumaça, se algo der errado.

— O bom e velho sinal de fumaça. — Concordou Deméter com a cabeça.

— Apolo, qual é o seu problema? — Ártemis era a única que tinha coragem de ser direta com seu irmão gêmeo, quando ele estava no meio de uma crise dramática de fúria. Apolo virou o rosto para ela imediatamente.

— Meu problema? — Repetiu ele, impaciente — O que aconteceria se eu resolvesse mudar a trajetória do sol, Ártemis? O que aconteceria se você resolvesse que a lua ficaria cheia para sempre?

— Não vejo como isso se aplica ao caso. — Respondeu ela, séria.

— Hermes é o mensageiro dos deuses, porque ele assim quis. Ninguém o obrigou a isso. Ele reclamou o título para si perante todos nós quando ainda era um bebê, e assim tem sido desde então. — Explicou ainda ácido — Mas de repente ele começa a se envolver com mortais e acha que pode empurrar essas ideias absurdas para nós, ao invés de fazer o trabalho dele.

— Isso facilita o meu trabalho, não o anula. — Contrapus.

— Ah, então é mesmo isso! — Exclamou ele para mim — Você vem aqui todo feliz com essa ideia maravilhosa do pager para poder facilitar a sua vida.

— Facilitaria a sua também, se você não fosse um grande idiota. — Retribuí com raiva.

— Não é um empecilho para mim procurar você, sabia? — Declarou ele — Eu não tenho problema em ir até você para fazer um pedido, porque você é meu irmão. Sua companhia não me é desagradável, mas aparentemente você não pode dizer o mesmo.

Pisquei os olhos, confuso.

— Não se faça de desentendido. — Acusou ele — Está distribuindo esses pagers e insistindo em como eles são maravilhosos só para não ter que se encontrar com nenhum de nós. Você tem um problema com nossa presença, é mais do que evidente.

Vacilei.

Talvez eu tenha, concluí.

— Não é isso. — Minha voz não passou nem de perto tanta segurança quanto eu queria que passasse. Ártemis começou a ficar convencida, e atrás de mim, ouvi a voz de Poseidon.

— Então nossa presença é desagradável para você? — Perguntou o deus dos mares.

— Não é isso. — Insisti, agora um pouco mais firme.

— É verdade. Ele prefere se encontrar com mortais. — Frisou Apolo.

— Como você se atreve? — Perguntei irritado — Eu faço o meu trabalho muito bem, e não preciso que você me fiscalize. Se eu trouxe esse pager aqui é porque considero uma ótima invenção, algo que eu posso usar a meu favor para meu trabalho ser mais eficiente. Se você prefere retornar aos tempos da Antiguidade, o problema não é meu, mas não venha me difamar dessa forma.

— Você é um manipulador maldito.

— E você é um intrometido desgraçado.

— Chega! — Interveio Zeus em nossa discussão. Nós dois viramos para ele — Não foi para isso que nos reunimos aqui.

— Pai, eu insisto. — Falou Apolo em uma última tentativa — Como seu filho favorito, sou sincero quando digo que a proximidade com os mortais está fazendo Hermes perder a cabeça. Ele deveria ser proibido de interagir com eles.

— O quê?! — Exclamei chocado — Isso é um absurdo! Como seu filho favorito de verdade, digo que Apolo está tomado de ciúmes infundados, e que só deseja ser desagradável para destruir meu sucesso. Ele deveria ser punido!

— Ora, seu-!

— Quietos! — Exclamou Zeus e relâmpagos cortaram o céu acima de nossas cabeças. Nós dois esperamos o veredito com a respiração presa. O soberano correu os olhos de Apolo para mim, e depois para Apolo novamente — Apolo, você está sendo exagerado. Não há motivo para acusar seu irmão dessa forma.

Sorri para meu pai e depois para Apolo.

— Muito obrigado, pai.

— Entretanto, Hermes. — Apolo sorriu ao ouvir isso, e eu voltei a olhar para Zeus — Espero realmente que sua proximidade com os mortais não comece a lhe dar ideias e a te afastar do seu trabalho, porque se esse for o caso, teremos sérios problemas. E você responderá por isso perante a mim, entendeu?

Assenti com a cabeça.

— Esse pager, — Disse como se o nome fizesse sua língua formigar pelo estranhamento — é algo interessante, mas não quero mais ouvir sobre bugigangas mortais. Fui claro?

— Sim, pai. — Concordei com a cabeça.

— Então estão todos dispensados. — Declarou o senhor dos céus.

Hera levantou-se e seguiu-o para fora do salão, e pude perceber que conversava com ele sobre como os dois usariam o pager durante as noites em que ele tinha compromissos urgentes. Os outros olimpianos se espalharam, cada qual indo seguir seu caminho.

Apolo levantou-se também e desceu os degraus me lançando um último olhar de triunfo.

— Eu não sei o que deu em você. — Falei para ele antes que fosse embora — Qual o problema? Está com raiva porque não pôde ser o centro das atenções, e tentou destruir o meu momento de felicidade?

— Você disse que não estava mais vendo ela. — Disparou, tão direto e certeiro como suas flechas. Dei de ombros.

— Eu não disse que foi ela que me deu a ideia do pager. Você só presumiu. — Respondi — Não tem o direito de ficar com raiva de mim.

— Mas foi ela. — Insistiu ele — Você não é como Zeus, ou como Poseidon. Você é um apaixonado, Hermes. Quando para os olhos em um mortal, semideus, ou sabe-se lá quem mais, não é para uma noite só. De repente, o seu mundo inteiro gira em torno do seu novo casinho de amor, e o resto fica largado de lado.

— Está com ciúmes dela? — Ergui minhas sobrancelhas.

— Estou protegendo você dessa mulher. — Rosnou de volta, como se Jenny fosse uma bruxa que me controlava com sua magia negra — Ela vai ser a sua ruína, vai fazer você esquecer quem você é.

— Ah, deuses, eu te odeio. — Declarei com raiva — Tem momentos que eu lembro disso, e esse é um deles. Eu te odeio. Você acha que tem o direito de controlar a minha vida só por que eu sou seu irmão mais novo? Eu não pertenço a você, nem minha mortal pertence a você, nem mesmo as suas amantes pertencem a você! Só está agindo assim porque está com inveja da minha felicidade. Eu estou melhor do que nunca estive antes, e você está amargo e sozinho.

— Vou repetir uma última vez. — Falou ignorando a minha raiva — Essa mulher mortal vai ser a sua ruína e vai fazer você esquecer quem você é, Hermes.

— Bom! — Exclamei para ele — Talvez seja bom eu esquecer quem eu sou, e melhor ainda, esquecer quem vocês todos são. Estou farto de ser ridicularizado dessa forma, e estou farto de não ganhar reconhecimento pelo que eu faço.

Passei por ele com pressa para me afastar de Apolo.

— Não vire as costas para mim! — Exclamou Apolo tentando me seguir — Eu ainda não terminei!

— Ah é? Então me mande um e-mail com o resto! — Exclamei de volta, por cima do ombro.

— hermeséumimbecil@hotmail.com? — Perguntou em sarcasmo.

Boa sorte descobrindo como usar o mouse, seu metidinho.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada por acompanharem! Espero ver vocês nos reviews, porque eu realmente AMO quando vocês comentam.

Beijos e até semana que vem!



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