Retorne Ao Remetente escrita por Mandy-Jam


Capítulo 12
You Give Love a Bad Name


Notas iniciais do capítulo

HOJE É MEU ANIVERSÁRIO!

Sim, abri as notas anunciando isso! Escrevi esse capítulo adiantado para que vocês não ficassem sem atualização, e caprichei. Espero do fundo do coração que vocês gostem, e agradeço a todos que estão comentando e acompanhando essa fic.

Ah! E só para constar, aceito comentários como presente de aniversário (faça essa autora aqui feliz).

Beijos e boa leitura!



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HERMES

 

Tudo que eu desejava naquele momento era que o quarto minúsculo de Jenny fosse um pouco maior, para que eu não desse com a cabeça na lâmpada durante nossos beijos. As mãos da mortal corriam por meu corpo, e eu movia-a comigo tentando me aproximar da cama. Bati meus joelhos e calcanhares várias vezes no processo, até que acabei caindo sentado no colchão.

— Ulalá. — Falei rindo para ela, vendo-a tirar a blusa. Seu sutiã de renda preto chamou as minhas mãos, mas quando fui tocá-lo, Jenny deu um pulo para trás.

Algum som estava tocando no quarto.

— Ah, eu esqueci! Desculpa, desculpa. — Disse balançando a cabeça. Franzi o cenho esperando uma explicação — Vamos fazer uma pausa.

— Pausa? — Repeti rindo sem entender — O que foi?

— Meu remédio. — Respondeu e se afastou do quarto, me deixando sozinho.

Ela está doente, pensei com uma pontada de preocupação. Seria algo grave?

Fiquei sentado na cama, ignorando o protesto da minha virilha, e me perguntando se Jenny teria poucos dias de vida. Eu não era Apolo, e pouco sabia sobre doenças dos mortais. Talvez fosse um resfriado, mas ela poderia ter algo mais grave como sarampo.

Espera, sarampo não é aquela doença que deixa a pele amarela?

Não, acho que essa é catapora.

Acho que sarampo é a que ataca o fígado.

— Eu tenho que colocar o alarme do relógio para não esquecer. — Disse Jenny entrando no quarto com um copo d’água e dando uma risada casual. Sentou ao meu lado na cama, e abriu a gaveta do criado-mudo. Tirou de lá uma cartela com várias pílulas brancas, destacou uma, colocou na boca e tomou.

Devo ter observado aquilo com mais atenção do que devia, pois a mortal franziu o cenho para mim enquanto bebia um gole d’água.

— Que foi?

— Você está bem? — Deixei a pergunta escapar com um pouco de tensão. Jenny riu.

— Estou. Isso não é nada. — Falou sacudindo a cartela na sua mão — É só pílula.

Continuei sem entender, e ela percebeu.

— Anticoncepcional. — Completou, achando que aquilo faria algum sentido para mim.

Assenti com a cabeça, sentindo-me um idiota.

— Para não ter filhos. — Disse com mais clareza, e finalmente entendi. Olhei de novo para a cartela e gargalhei.

— Você acha que isso funciona? — Perguntei, achando ridícula a ideia de que um remédio tão pequeno pudesse fazer aquele efeito sobre o corpo. Jenny ergueu as sobrancelhas, como se estranhasse minha fala.

— Você prefere camisinha? — Perguntou, e um nó se formou na minha garganta ao ver que ela realmente esperava uma resposta para aquilo. Eu não gostava de parecer um idiota, por isso não revelei que não fazia ideia do que ela estava falando — Tem alguma?

— Não. — Respondi, com a voz falhando.

— Nem eu. — Deu de ombros e colocou a cartela de volta na gaveta — Espero do fundo do meu coração que você não tenha nenhuma doença.

— O quê? — Falei assustado com a ideia e depois gargalhei — É claro que não.

Sua mão foi para o meio de minhas pernas, e seus lábios para os meus.

— Bom saber. — Sussurrou no meu ouvido. Ia virar o rosto para beijá-la quando percebi algo no quarto que não havia visto antes. Pendurado na parede estava série de fotografias, que a princípio pareciam fotos aleatórias de paisagem e pessoas, mas olhando com um pouco mais de atenção revelavam outra coisa.

— O que é aquilo? — Perguntei sério, de repente. Jenny parou de me beijar e massagear, e seguiu meus olhos até as fotos na parede.

— São fotos. — Respondeu automática. Levantei-me e me aproximei da parede, puxando uma das fotos de lá. Era o mesmo lago em que fomos para tomar sorvete, mas havia um ciclope no canto da foto, dando comida para os pássaros.

Olhei para a outra, e vi um cão infernal cheirando um poste na rua.

Meus olhos correram por todas elas com apreensão, e constatei o que temia: todas elas eram fotografias de monstros. Virei meu rosto para Jenny buscando uma explicação, e percebi que ela me analisava com igual expectativa.

— O que foi? — Perguntou interessada. Seus olhos fitavam os meus com intensidade — Tem alguma coisa errada com as fotos?

O que eu poderia dizer?

Se eu explicasse para ela o que estava em cada uma das fotos, talvez Jenny não me achasse louco. Aparentemente, a mortal tinha suas suspeitas de que algo estranho estava ali. Eu poderia explicar tudo, assim como fiz no museu que visitamos, mas aí as coisas não seriam tão fáceis.

Se Jenny de fato enxergasse através da névoa, e passasse a ter pleno conhecimento disso, começaria a ter problemas e provavelmente a correr riscos. Lembrei do ciclope que foi em sua direção no lago e senti um arrepio.

Eu nem sempre vou estar aqui para te proteger, pensei.

— Elas estão borradas. — Menti apontando para as fotos, e depois dei uma risada de deboche — Para uma fotógrafa profissional, esse trabalho está bem ruim, Jenny.

Para minha surpresa, ela não pareceu ofendida. Seus olhos continuaram em mim, como se lá no fundo soubesse que eu estava mentindo.

— Você é diferente. — Murmurou e encolheu os ombros — Achei que ia entender.

Neguei com a cabeça, insistindo.

— Acho um trabalho amador, para falar a verdade. — Desdenhei — Se eu fosse você, desistia de tirar essas fotos.

Agora ela ficou levemente ofendida.

— Eu devia trabalhar como você, não é? — Respondeu.

— Não foi isso que eu quis dizer. — Neguei.

— Eu entendi.

— Não, não entendeu. — Jenny desviou o rosto e se levantou da cama, indo em direção a porta do quarto — Eu disse que você não entendeu.

— Está tarde. — Declarou como se percebesse, de repente — A noite foi ótima, muito obrigada pelo passeio no museu. Acho que aprendi bastante.

O desespero tomou conta de mim. Eu nunca fora expulso de algum lugar por um mortal, principalmente quando estava tão perto de levá-lo para cama. Segui Jenny, inconformado com o rumo que aquilo estava tomando.

— Está me expulsando porque eu não gostei daquelas fotos? — Perguntei bem próximo dela. Segurei seus braço com ternura, mas ela não se comoveu — Não vamos desperdiçar essa noite, Jenny. Eu sei que você não vai se arrepender.

— Estou cansada. — Mentiu e forçou um bocejo — O vinho estava bom, obrigada.

— Jenny, eu-

Ouvi um raio cair do lado de fora, e dei um pulo para trás. Bati com a nuca na maldita prateleira, e praguejei em grego arcaico. Passei a mão pelo lugar do ferimento e senti minha pele arder de dor. Jenny pareceu preocupada agora, aproximando-se de mim com o cenho franzido.

— Nossa, você está bem? — Quis saber.

— Está preocupada? — Perguntei irritado — Que amor você é.

Ela recuou perante minha acidez, e eu passei sozinho indo até a porta. Sabia o que aquele barulho significava e sabia que não podia me prolongar ali.

— Aproveite o vinho. — Disse saindo do apartamento sem olhar para trás.

 

 

Não demorou muito para encontrar Zeus.

Meu pai aguardava por mim na porta de um dos hotéis mais elegantes de Paris, segurando uma mala de couro na mão, e um buquê de rosas na outra. Seus olhos faiscaram em minha direção, e Zeus dirigiu para mim uma expressão emburrada.

— Por que demorou tanto, garoto? — Questionou com impaciência.

— Eu estava ocupado. — Respondi, e a boca de meu pai se retorceu em desagrado.

— Ocupado demais para me atender? — A voz dele era como o próprio trovão que lançara, forte e impactante. Balancei a cabeça, sabendo que não podia discutir.

— Absolutamente não, senhor. — Neguei. Sem delongas, ele jogou a mala para mim.

— Leve-a. — Ordenou. Ia dar um passo em direção ao hotel, quando ele esticou a mão me impedindo. Percebi o que Zeus queria, e logo fiz com que minhas roupas mudassem para o uniforme dos outros garotos que trabalhavam levando malas no hotel.

Sem um pingo de felicidade na voz, disse:

— Por aqui, senhor.

Passei na frente de Zeus levando sua mala, aparentemente vazia pelo peso, até o saguão principal do hotel. Não paramos no balcão como era esperado, mas fomos direto para o elevador de hóspedes. Zeus entrou do meu lado e as portas se fecharam, deixando-nos a sós no cubículo de metal.

— Preste atenção para não fazer besteira. — Alertou em uma voz séria, e eu virei meu rosto para ele — Quero que você fique na porta do quarto, e caso veja alguém se aproximando, toque o alarme de incêndio.

Eu sabia muito bem que esse alguém era Hera. Muito provavelmente, a rainha dos deuses não notaria que seu marido desaparecera por algumas horas durante a noite, já que ele sempre tinha uma desculpa para estar ocupado. Fosse uma reunião de emergência, ou uma partida de boliche com Poseidon, Zeus sabia como enrolar a esposa para encobrir seus casos amorosos.

— Na porta do quarto. — Repeti em desgosto — Por favor, diga que as paredes são a prova de som.

— Não teste minha paciência. — Rosnou enquanto ajeitava o buquê nas mãos.

Ótimo, pensei. A minha transa foi atrapalhada pela transa do meu pai.

— Quem é dessa vez? — Perguntei.

— Não te interessa. — Respondeu — O quanto menos souber, melhor.

— Você ao menos fala francês? — Questionei, incomodado.

— O suficiente para entender um “sim”, quando ouço um. — Respondeu fitando as portas de metal.

O suficiente para entender um “não” também?, pensei olhando para meu pai, mas não disse nada.

Era evidente que Zeus tinha se arrumado bastante. Seu cabelo estava com gel — moda na época — e usava um terno com ombreiras cor cinza. Sua barba estava aparada bem rente, dando a ele uma aparência de James Bond.

As portas se abriram e eu me arrastei para fora. Seguimos o longo corredor até o último quarto, e Zeus bateu três vezes. Demorou alguns instantes para que ouvíssemos passos, e uma mulher vestida de lingerie espiou pela fresta.

Hm, mon amour. — Disse em um ronronado ao identificar Zeus. Nem sequer olhou para mim ou percebeu minha presença quando escancarou a porta, abrindo espaço para que meu pai entrasse. Zeus jogou um dracma para trás, sem se importar se eu pegaria ou não e desapareceu dentro da suíte de hotel.

Chutei aquela mala ridícula e senti vontade de urrar de raiva. Era isso que eu merecia fazer? Servir de vigia enquanto outras pessoas se divertiam?

A cada hora que passava, eu dava mais e mais razão para o que Jenny dissera: meu trabalho era um saco. Ou talvez o excesso dele era um saco. Eu merecia, mais do que qualquer um de meus parentes, férias para poder relaxar e esquecer todo o aborrecimento que me cercava diariamente.

E Jenny.

Ah, Jenny merecia mais do que aquele apartamento minúsculo, e com certeza mais do que um acompanhante de ridiculariza seu trabalho. A culpa estava tomando conta de mim, como não tomava há séculos.

Veja bem, quando se é um deus imortal e poderoso, você passa por muitas coisas ao longo de sua existência. Uma hora, mesmo o melhor de nós comete um erro ou um deslize e sente-se culpado por isso. Já aconteceu comigo diversas vezes, mas eu sempre lidei muito bem com minha culpa: guardava-a em um baú dentro da minha mente, trancava e nunca mais a deixava sair, fingindo que não existia.

A memória de Jenny desapontada, porém, era fresca demais para ser ignorada, e martelava na minha cabeça como um prego. Minha nuca ainda doía, e isso também era um lembrete.

Eu não posso pedir desculpas para ela, pensei preocupado. Eu sou um deus, eu não peço desculpas para mortais.

Era verdade que ela não sabia que eu era um deus, mas isso ainda assim pouco importava. Eu continuava sendo Hermes, deus olimpiano, e ela era só Jennifer Kelly, mortal fotógrafa.

Andava pelo corredor inquieto, pensando no que eu poderia fazer para melhorar a situação, quando aconteceu. Ouvi passos fortes se aproximando, e virei o rosto para o começo do corredor. Hera, em passos largos se aproximava de onde eu estava, com uma expressão amarga no rosto.

Agi rápido, mais pela minha própria segurança do que para a de Zeus. Troquei de rosto para parecer um inocente garoto de 18 anos, só ganhando a vida e umas gorjetas como carregador de malas, e fiquei de costas para o quarto em frente ao de Zeus.

Bon soir, madame. — Ofereci com um sorriso, mas Hera retribuiu com grosseria.

— Quem está nesse quarto? — Perguntou direta. Ergui as sobrancelhas como se estivesse surpreso, e sorri novamente.

— Ah, estrangeira! — Disse imitando um sotaque francês — Bem-vinda a França, madame. Em que posso ajudá-la?

Quem está nesse quarto? — Insistiu, trincando os dentes.

— Ninguém por enquanto, madame. Estou aguardando dois hóspedes especiais, mas ele ainda não chegaram. — Respondi com serenidade — Por que pergunta?

— Porque é o meu marido e a nova amante dele. — Respondeu com rancor, e eu abri a boca chocado.

— Não posso acreditar, madame, que seu marido a trairia com outra mulher. Olhe só para você! — Disse gesticulando para Hera, trajando um vestido longo e elegante. Ela franziu o cenho para mim, e ergui as mãos em defesa — Com todo respeito, é claro, mas a senhora é muito bela.

Hera se desarmou com o elogio. Incerta, mas ainda com raiva, colocou as mãos na cintura e olhou para o outro lado do corredor.

— Quem é ela? — Perguntou com um nó na garganta. Se ela começasse a chorar, eu pediria um aumento a Zeus — Quem é essa mulher?

— Não sei te responder isso, madame. — Neguei com a cabeça.

— Você trabalha aqui ou não? — Perguntou irritada — Como não sabe quem está hospedado nesse quarto? Está com a mala aí mesmo!

— Como eu disse, madame, eles ainda não chegaram. As malas chegaram antes, logo eu as trouxe para cá. — Respondi e os olhos dela faiscaram para a mala de couro — Lamento não poder ajudá-la mais do que isso.

— Me dê a mala. — Exigiu para mim — Quero ver o que tem dentro.

Segurei a mala contra meu corpo, abraçando-a com firmeza.

— Eu não posso permitir isso, madame. É contra a política do hotel, e uma completa invasão de privacidade. — Respondi, mas ela não desistiu — Poderíamos ser presos! É crime aqui na França, e levamos essas coisas muito a sério!

— Dê essa mala para mim, antes que eu atire você da janela. — Ameaçou com um brilho assassino. Discretamente, acrescentei um cadeado no zíper da mala, e fiz com que o seu interior fosse preenchido por roupas, para que Hera não suspeitasse ainda mais.

A deusa pegou-a das minhas mãos e começou a luta contra o cadeado.

— Está trancada, madame. Não tem como você- — Hera arrancou o cadeado com um único puxão, e eu fingi surpresa — Oh, mon diex! A senhora é muito forte!

— Você não viu nada. — Rosnou para a mala, enquanto abria-a. Hera piscou os olhos confusas, e começou a revirar as roupas. Cuecas brancas cafonas, camisas florais, meias cinzas, um boné que dizia “Amo Polka” — O quê…? Isso não é do meu marido.

Olhou para mim com se buscasse uma explicação, mas só balancei a cabeça em resposta.

— Então eu estava certo. Seu marido não te trairia.

Hera deixou a mala cair no chão, e olhou para mim com um brilho de culpa e emoção nos olhos. Passou a mão pelos cabelos ruivos, e suspirou pesadamente.

— Ah, deuses, no que eu me tornei? — Murmurou, pasma — Uma mulher que desconfia até quando o marido diz que vai sair para jogar boliche.

Se eu tivesse um marido e ele dissesse que ia jogar boliche quase meia-noite, pensei, acho que eu também desconfiaria.

— Você é uma mulher maravilhosa, não precisa se sentir insegura assim. — Falei, e ela dei um sorriso fraco em minha direção. Estava pronta para ir, quando eu completei — No entanto, alguém tem que pagar pelo dano que foi feito a mala do hóspede. Isso vai sair da minha conta, madame.

Hera revirou os olhos e fez um bolo de notas aparecer na palma de sua mão. Fingi estar chocado com a façanha, e aceitei quando ela me deu o dinheiro.

— Se cuide, garoto. — Falou — E se tiver uma mulher um dia, trate-a bem. Entendeu?

A última frase trouxe a tona todo o meu sentimento de culpa. Balancei a cabeça para Hera.

— Vou tratar.

Ah, Jenny.

 

 


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