Retorne Ao Remetente escrita por Mandy-Jam


Capítulo 10
Take On Me


Notas iniciais do capítulo

Olha eu aqui postando pontualmente! De nada, de nada.

Boa leitura para vocês, amores!



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HERMES

 

Enquanto eu estava em pé na fila, esperando para pegar as casquinhas de sorvete, Jenny se afastou com a câmera e procurou um bom ângulo para tirar foto do lago. Arranhando um francês horrendo, o atendendo me serviu as duas casquinhas, e eu dei a ele dois dracmas.

Houve um momento de perplexidade, mas que logo passou graças a ação da névoa.

Mortais, pensei divertido. Sempre tão fáceis de enganar.

Segurando um sorvete em cada mão, procurei por minha acompanhante. Encontrei-a em pé metros mais a frente, tirando foto de uma árvore alta. Jenny estava concentrada, mas de repente pareceu hesitar. Abaixou a câmera devagar o suficiente para eu estranhar a ação.

Aproximei-me sem ser notado, e vi que perto da árvore que ela fotografava estava um ciclope. O monstro andava com um sobretudo preto, e uma boina francesa. Não parecia se destacar tanto, apesar de seu único olho.

Imaginei que aquele detalhe não fizesse diferença, pois os mortais não conseguiam enxergar com clareza seu rosto. No entanto, Jenny fixou seu olhar nele por tanto tempo que o monstro começou a olhá-la de volta, incomodado.

Jenny ergueu a câmera, apontando para ele, e tirou uma foto. Aquele ato inocente foi tudo que ele precisava para avançar. Começou caminhando em direção a ela em passos largos, mas resolvi intervir.

— Baunilha ou baunilha? — Perguntei atraindo sua atenção. Jenny piscou os olhos, dando-se conta de que eu voltara. Sorriu para mim e abaixou os olhos para as casquinhas.

— Essa é uma decisão difícil. — Comentou brincando. Enquanto ela pegava o sorvete de minha mão, lancei um olhar furioso para o ciclope, que interrompeu sua caminhada até nós. Vendo que a mortal estava acompanhada de um dos olimpianos, o monstros resolveu dar meia volta e seguir um caminho diferente.

— Jenny, o que estava fazendo? — Perguntei, curioso e um tanto preocupado. Lambendo o sorvete com a felicidade de uma criança, ela deu de ombros.

— Tirando umas fotos. O de sempre. — Respondeu, deixando-me em dúvida se ela de fato tinha visto através da névoa ou não.

Seria você uma semideusa?, perguntei-me. É por isso que você é tão atraente para mim?

— Bem, nós falamos sobre a minha família. — Disse puxando assunto — Por que não me conta um pouco sobre a sua?

— Ela é pequena. — Respondeu revirando os olhos — Minha mãe mora na California, com o Pato.

— Com o quê? — Ri ao ouvir. Jenny riu um pouco também.

— O marido dela. Eu o chamo de Pato, mas o nome dele é Richard. — Explicou.

— Pato? — Repeti.

— Toda vez que eu falo ou faço alguma coisa, ele faz bico de insatisfação. — Jenny imitou, envesgando os olhos para aumentar o tom de humor — É um homem insuportável, mas é rico. E minha mãe tem uma queda por homens ricos.

— Ele não é seu pai? — Perguntei e ela quase se engasgou com o sorvete.

— Deus do céu, não! Ele é o tercei- — Jenny se interrompeu e parou para pensar melhor — Sim, o terceiro marido da minha mãe. Eu já te contei, ela não conhece meu pai. Ele é um mistério.

— Como isso é possível? — Só depois de falar, percebi o quanto idiota a pergunta era.

— Bem, quando um homem e uma mulher se amam, eles-

— Corta essa. — Interrompi, e Jenny riu de mim.

— Tem razão, você ainda é novo demais para saber dessas coisas. Vamos preservar sua inocência. — Assentiu com a cabeça, lambendo novamente o sorvete. Sabia que ela estava brincando, mas não pude deixar de responder.

— Eu tenho muito mais anos de experiência que você, posso garantir. — Lambi meu próprio sorvete antes que derretesse. Jenny ergueu as sobrancelhas sugestivamente, fingindo estar impressionada — O que foi? É verdade!

— Com essa carinha de bebê? — Falou e apertou minha bochecha. Desviei o rosto, fazendo careta para ela — Não, não, você é puro. Eu tenho certeza.

— Você não pode realmente acreditar nisso. — Reclamei.

— Claro que posso. — Assentiu de implicância, e depois riu ao ver que eu ficara ofendido — Meu Deus, calma! Eu estou só brincando, não precisa ficar chateado. Tenho certeza que sua primeira vez vai ser muito especial, e no tempo certo.

Com agilidade peguei o sorvete da mão dela, e Jenny reclamou.

— Está de castigo. — Falei lambando o meu sorvete e o dela — Isso é para você aprender a ter um pouco mais de respeito.

— Tudo bem, tudo bem! — Deu-se por vencida, depois de tentar pegar o sorvete de mim e fracassar — Se você diz que é uma máquina de sexo, um Don Juan, um Casanova, eu acredito. Agora devolva meu sorvete.

— Oh, Jenny, eu sou muito mais que um Casanova. — Falei rindo da ideia — Eu sou um deus grego.

Jenny riu para mim, e pegou o sorvete de volta.

— Deus grego é? — Repetiu, sujando o canto da boca de baunilha sem perceber.

Por Zeus, eu quero limpar isso com a minha língua.

— Hermes. — Disse meu nome e abri meus braços — Deus grego. Você não conhece?

Jenny franziu o cenho, tentando buscar em sua memória qualquer menção que escutara do meu nome. A mortal estreitou os olhos.

— Não foi ele que matou a medusa? — Chutou. Minha cara de horror disse tudo.

— Você acha que eu ia colocar a mão naquele cabelo nojento de cobras? — Disse abismado — Ou que eu ia fazer um trabalho tão grotesco e ingrato? Não. Isso é coisa para heróis semideuses. Esse foi Perseu.

Jenny acabou o sorvete e começou a comer a casquinha.

— Hm, então quem é Hermes? — Perguntou um tanto desinteressada — Eu acho que nunca nem ouvi falar.

— Hermes é o deus dos viajantes, mensageiro dos deuses, filho de Zeus e da bela Maia. — Contou com um ar triunfante — Ele é um dos 12 olimpianos, os principais deuses gregos. Eu tenho certeza que você ouviu falar.

Inclinando a cabeça para o lado, ela tentou buscar na memória.

— Não. — Respondeu encolhendo os ombros — Não lembro.

— Impossível. — Ri de nervoso — Você ouviu falar do roubo das vacas sagradas de Apolo? Ou do resgate de Persérfone do Mundo Inferior? Alguma coisa sobre Io?

— Você é realmente um nerd, não é? — Falou impressionada — Não tente tanto. Eu não dormi na maior parte das aulas de história. Acho tudo isso muito entediante.

Senti uma pontada de dor no peito, vinda do descaso de Jenny. Na Grécia Antiga, eu e todos os meus parentes tínhamos que andar disfarçados no meio dos mortais, porque éramos praticamente celebridades. Se uma camponesa sequer visse minhas sandálias, eu tinha que parar e dar autógrafos durante o dia inteiro, e ainda voltaria para casa com 10 ovelhas de presente.

Por isso, ver Jenny nem mesmo saber quem eu era, chegou a ser ofensivo. Decidido a não deixar o assunto morrer, olhei em volta com ansiedade.

— Tem um museu por aqui, não tem? — Perguntei. Jenny gemeu jogando a cabeça para trás, mas eu a ignorei — Vou tomar isso como um sim. Vamos lá, agora.

— O quê? Não. — Negou ela. Tomei seu braço e comecei a guiá-la em direção a calçada — Não, estou falando sério! Eu tenho trabalho mais tarde.

— Então vamos amanhã. — Decidi parando e pensando que muito provavelmente eu também tinha trabalho e não podia me ausentar tanto — Nós vamos amanhã no museu, e eu vou te mostrar quem Hermes é.

— Eu já comentei que detesto história? Principalmente mitologia grega? — Comentou revirando os olhos — Tudo o que eu lembro dessa matéria é que eu fiquei com notas horríveis, e tive que fazer provas no verão.

— Talvez você não ficasse com notas horríveis, se não tivesse dormido na aula. — Repliquei.

— Nerd. — Falou desdenhosa.

— A culpa não é minha se você não se dedicou.

— Rude.

— Ok, ok. — Disse chamando-a para perto de mim. Jenny veio e eu beijei o canto de sua boca exatamente onde estava sujo de baunilha. Olhei em seus olhos, enquanto sorria sedutor — Amanhã nós dois podemos nos encontrar no museu, às 19h. Aí depois de uma estimulante noite de conhecimento, podemos ir para a sua casa. Eu levo um vinho.

Jenny ergueu as sobrancelhas, e vi suas bochechas corarem.

— Tudo bem. Eu vou ao museu. — Concordou — Eu faço isso pelo vinho.

— E pela minha adorável companhia. — Cantarolei.

— Eu espero não ficar esperando quase uma hora para poder ter a sua adorável companhia. — Lançou e eu pisquei para ela.

— É uma promessa.

 

 

— 103, 104, 105..

Meu rosto estava afundado nas mãos. A voz de Deméter prosseguia no que parecia ser uma contagem infinita. Minha perna se mexia inquieta, meu corpo reclamava do cansaço que estava sentindo, e minha cabeça latejava. Eu não servia para ficar parado por muito tempo, disso tinha certeza, mas minha tia estava testando todos os meus limites.

— Eu lhe garanto que todos os grãos que você encomendou estão aí. — Falei, estourando. Deméter ergueu seus olhos castanhos para mim, nem zangada, nem contente.

— Como posso saber? Preciso conferir.

— Não, eu preciso conferir. — Declarei — É minha responsabilidade entregar exatamente o que vocês desejam. E eu posso garantir a você que todas as sementes estão aí dentro da saca.

— Eu não confio em você, ladrão. — Ela torceu o nariz para mim.

— Você acha que eu ia roubar feijão? — Reclamei, achando absurda a ideia.

— Você roubou minhas maçãs. — Lembrou ela — E a torta que eu deixei para esfriar perto da janela.

— Mas isso? — Perguntei pegando um grão de feijão da sacana minha frente — Como eu vou comer isso, Deméter? É um grão crú e duro!

— Você me fez perder a conta! — Exclamou irritada e jogou todos os grãos de volta na saca. Gritei exasperado, puxando meus cabelos.

— Você tem meu número! — Declarei desistindo de ficar ali — Ligue para mim depois que fizer a contagem, e me diga se algo estiver errado. Eu tenho outros trabalhos para fazer.

— Você acha que vai fugir de mim, garoto? — Questionou com a expressão de uma mãe pronta a bater no filho com uma colher de pau.

— Zeus me espera. — Menti, e Deméter hesitou.

Desgostosa, a deusa da agricultura suspirou pesadamente.

— Vá! Insolente. Mas não pense que eu não vou atrás de você caso algo esteja errado.

Jenny tem toda razão, não pude deixar de pensar. Eu quero jogar tudo para cima.

Antes que pudesse sair do templo de Deméter, uma ideia me atingiu com a violência de uma das flechas de Apolo. Uni as sobrancelhas, especulando se aquilo de fato funcionaria, e decidi-me por tentar. Girei nos calcanhares e caminhei de volta para Deméter, que ergueu os olhos para mim com uma expressão emburrada.

— Cara, tia, eu descobri algo que acho que pode ser do seu interesse. — Sorri para ela, e falei com a voz de um menino prestativo que ela tanto gostava — Eu vejo como a senhora tem trabalho selecionando os melhores grãos para suas comidas, e queria poupá-la desse fardo. Busquei por toda Europa e encontrei um lugarzinho na França que produz os grãos de qualidade impressionante.

As grossas sobrancelhas da deusa se ergueram com interesse, e ela se inclinou para frente. Seus seios fartos dando oi para mim dentro do decote quadrado. Desviei o olhar antes que levasse um tapa e mantive no rosto o sorriso.

— Isso é verdade?

— Claro. — Concordei com a cabeça — Se você tiver interesse, posso trocar meu fornecedor para você. Vou na França quantas vezes você quiser, e buscarei os grãos para te ajudar. Até mesmo me disponho a ficar lá e contar um por um para você.

Deméter suspeitou por alguns segundos, mas a tentação de poder ter um grão tão bom a venceu. Balançou a cabeça concordando.

— Traga para mim amanhã, e conversaremos sobre isso. — Pediu e voltou ao trabalho. Saí de lá com um sorriso largo de animação.

Qualquer desculpa para ir a França era válida, afinal tudo que eu mais queria era encontrar com Jennifer Kelly novamente. Segui pelos caminhos do Olimpo, indo direto para Hermes Express.

— Garotas, quero boas notícias. — Anunciei quando cheguei. As ninfas que trabalhavam no atendimento ergueram os olhos para mim — Muito movimento?

— Senhor, ahm… — Elas se entreolharam e a mais alta, de cabelo loiro prosseguiu — O sistemo deu problema de novo.

Meu sorriso desapareceu.

— Vocês apertaram o botão errado. — Declarei irritado — Quantas vezes não expliquei que não é para desligar o computador direto da tomada? E quantas eu não falei que era para certificar-se de que a internet discou antes de tentar abrir a navegação?

Confusas, ambas ergueram as mãos, sem saber o que fazer.

— É exatamente por causa disso que dizem que a internet não funciona! — Exclamei sem paciência — Porque idiotas como vocês não conseguem aprender o básico!

Uma delas começou a chorar, e a outra a hiperventilar.

Ninfas, pensei. Sempre tão sensíveis.

— Senhor, nós não sabemos usar isso! — Disse a que estava chorando — É confuso demais! Por favor, vamos voltar a usar papel!

— Não!

— Era muito mais fácil na Antiguidade! — Falou a outra, ainda respirando como se tivesse corrido uma maratona — As pessoas tinham paciência! Elas esperavam meses por uma entrega, e não ligavam para o atendimento ao cliente!

— Nem mesmo existiam telefones! — Completou a outra.

— Exatamente! E as coisas não se perdiam na América do Sul se você apertasse um botão errado. — Acrescentou. Passei a mão pelo rosto, não acreditando no que estava ouvindo.

— A internet funciona, eu garanto! É só uma questão de adaptação! — Insisti, mas elas não pareciam convencidas. Ouvi a porta atrás de mim se abrir e o sininho tocar, indicando que tínhamos um novo cliente. Virei-me pronto para atendê-lo, uma vez que as ninfas estavam surtando.

— Meu irmão insiste com a internet? — Perguntou Apolo vendo o desespero das ninfas e depois voltando um sorriso divertido para mim — Vejo que sim.

— O que você quer? — Gemi, cansado.

— Vim ver você, é claro. — Respondeu e se aproximou da bancada. As ninfas congelaram, temendo que Apolo desse o mesmo ataque de raiva que dera da última vez. Hoje, no entanto, meu irmão estava em um ótimo bom humor. Esticou a mão e acariciou o rosto da que estava chorando — Perdoe Hermes e sua teimosia. Meu irmão se esforça tanto para que suas ideias loucas funcionem, que esquecem o efeito que elas têm nas pessoas.

Derretidas pela voz macia de Apolo, ambas suspiraram apaixonadas. O deus do sol piscou para a outra ninfa, e deu um sorriso torto.

— As duas são belas demais para estarem em prantos. Vamos, meninas, respirem. — Pediu e elas obedeceram — Estão melhor agora?

Ambas balançaram a cabeça, prontamente. Apolo riu um pouco, tomou suas mãos e beijou-as. Fiz uma careta ao ouvir mais um suspiro apaixonado.

— Eu pago vocês para flertarem? — Questionei, e na mesma hora elas voltaram ao estado normal. As bochechas coradas e os olhos voltados para os computadores em sua frente. Apolo riu e voltou-se para mim.

— O que foi? Estava ajudando.

— Que galante a sua parte.

— Você obviamente não sabe lidar com mulheres. — Riu apontando para as duas — Talvez devesse aprender um pouco com o que acabara de ver.

— Por que está de bom humor hoje? — Quis saber — Achei que ainda estaria furioso.

Apolo lembrou-se da última vez que nos encontramos e fechou a cara.

— Por causa da sua mortal de estimação? Eu não perderia meu tempo infinito me importando com aquela garota bruta. — Desdenhou, mas ergueu uma sobrancelha para mim, curioso — Por acaso ainda está saindo com ela?

— Não. — Menti. Apolo esperou detalhes, mas viu que eu não daria.

— Ótimo. Ela não merece seu tempo. — Deu de ombros — Uma noite foi o suficiente, presumo.

Abri a boca sem saber o que responder, e gesticulei como se não importasse.

— Ah, você sabe. — Disse de forma vaga, e Apolo riu.

— Meu irmão, um destruidor de corações. Você cresceu tão rápido. — Disse bagunçando meu cabelo. Revirei os olhos, e vi-o pular de alegria — Está livre agora? Podemos fazer algo juntos.

Pensei no assunto.

— Podemos ver Gremilins?

 


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