Sempiterno escrita por Sarah


Capítulo 2
2º Ano




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Assim que entrou no dormitório Sirius viu os músculos de Remus se tornarem tensos, e ele fez seu melhor esforço para não desviar os olhos do livro que estava lendo. Sirius sentiu-se um pouco ofendido, pois àquela altura já deveria ser óbvio que ele não era do tipo que desistia tão fácil.

— Hey, Remus — cumprimentou, mas recebeu apenas algo entre um murmurio e um pigarro em resposta.

Fazia apenas três dias desde que haviam contado a ele que sabiam sobre a sua licantropia, e Remus ainda não parecia muito convencido de que estava tudo bem.

Uma chuva fina caia além das janelas e James devia estar congelando no treino de quadribol, com Peter na sua cola, o que significava que eram ele e Remus no dormitório. Isso tornava o ar ligeiramente mais pesado, mas parecia bom para Sirius, já que James provavelmente não aprovaria sua aproximação furtiva. Ele havia dito que deveriam dar algum espaço para Remus, não forçá-lo mais do que já tinham forçado, e aquilo fazia muito sentido, mas havia tanta coisa que Sirius queria saber, e ele nunca fora realmente bom em ser paciente e permitir que as coisas se ajeitassem sozinhas.

Além do mais, achava que se deixassem Remus por conta própria por muito tempo ele iria enrolar-se em torno de todo aquele medo e erguer barreiras ainda mais complexas, e então eles nunca iriam conseguir alcançá-lo de novo. Esse pensamento o assustava centenas de vezes mais do que o fato de que Remus era um lobisomem.

Ele estava recostado contra os travesseiros, meio deitado. Ao se aproximar, Sirius conseguiu dissernir o título do livro que ele tinha nas mãos — Nárnia — e supôs que fosse literatura trouxa. Tanto o livro quanto os pijamas de Remus pareciam muito gastos, como se tivessem chegado até ele através de várias gerações. Sirius não achava que aquilo estava mal: em contraste com as roupas engomadas que ele era obrigado a usar quando estava em casa era quase como se Remus fosse macio.

Remus finalmente ergueu os olhos, mas no instante seguinte Sirius estava se jogando na cama dele, deitando-se de atravessado, as canelas pendendo para fora do colchão, numa postura relaxada. Transitarem entre as camas uns dos outros havia se tornado bastante comum. Tinham comido bolos de calderão que a Sra. Potter enviara sobre cama de Peter na semana anterior, James costumava roubar seus travesseiros, e os dois se empoleiravam na cama de Remus para fazerem o dever de casa — ou para tentarem copiar as lições dele, dependo do humor em que estivessem. Ainda assim, pela expressão de Remus ele poderia ter acabado de saltar da Torre de Astronomia.

— Qual o problema? — Sirius perguntou, desafio e ironia pesando em sua voz.

Remus prendeu a respiração, e por um instante Sirius achou que ele estava assustado demais para responder, mas então ele balançou a cabeça num gesto negativo.

— Nenhum.

Mesmo assim ele encolheu as pernas, de modo que seus pés não tocassem o torso de Sirius.

— Não parece. Eu não mordo, Remus, nem estou com medo de que você vá me morder. Desculpe desapontar você sobre isso.

Remus quase engasgou com a própria respiração, deixando o livro escorregar de suas mãos. Pela primeira vez em dias sentiu-se mais surpreso do que temeroso. Ao mesmo tempo, aquilo era tão o jeito de Sirius que ele sabia que devia ter estado esperando por algo do tipo. Peter jamais teria coragem de mencionar sua licantropia e James faria rodeios para falar sobre aquilo, sem tentar tirar dele mais do que Remus estivesse disposto a contar, mas ele achava que poderia ficar em silêncio para sempre, e não tinha certeza de que isso faria algum bem. Por algum motivo o fato de Sirius simplesmente lançar aquilo para ele pareceu confortador em comparação com essas alternativas.

Sirius içou o corpo, erguendo-se e apoiando-se sobre os cotovelos para poder encará-lo apropriadamente.

 — Você está com raiva por termos descoberto? A ideia era tornar sua vida mais fácil, Remus, não mais difícil, eu juro. — As palavras de Sirius eram gentis, e Remus teve que desviar o olhar.

Sirius e James podiam ser bastante irritantes algumas vezes, mas Remus não se via ficando com raiva deles com frequência. Especialmente, não parecia justo sentir raiva por eles terem descoberto suas mentiras.

— Eu não estou bravo — disse, por fim. — Apenas não sei conversar sobre isso. Acho que estou um pouco assustado — acrescentou, tão baixo que teve esperanças de que Sirius não tivesse ouvido essa última parte.

— Não vamos fugir de você, Remus — Sirius declarou, parecendo bastante solene.

Remus gostaria de dizer a ele que isso também era assustador, mas em vez disso viu-se acenando em concordância. Nada em seus pesadelos o havia preparado para aquela aceitação incondicional, e ele sentia-se terrivelmente perdido diante dela.

Sirius voltou a cair sobre o colchão.

— Dói? — perguntou, um pouco inseguro. — Você sabe, a transformação.

Sirius esticou a mão descuidadamente e seus dedos, longos e muito brancos, roçaram em seu tornozelo, mas ele não se mostrou desconfortável com a proximidade. De alguma forma a pergunta dele soou muito diferente de quando Peter questionara se Remus tinha certeza de que a transformação só poderia acontecer durante a lua cheia, e, quando se deu conta, Remus percebeu que estava assentindo.

— Muito. É como se meus ossos derretessem, meu sangue parece ferver nas veias, e é tudo tão quente, e então os musculos se rasgam, e em algum momento eu não sou mais eu mesmo. — Remus torceu o rosto numa ligeira careta. Tinha passado muito tempo pensando naquelas sensações, mas não parecia o tipo de descrição para se dar a curandeiros.

Sirius o fitava de soslaio, sem ousar levantar a cabeça do colchão, obviamente impressionado, mas Remus se deu conta de que o olhar dele não o incomodava. De alguma forma, Sirius o mirava da forma certa. Havia empatia, mas não o tipo de pena que o faria sentir-se humilhado.

— Você se lembra de quando é um lobisomem?

— Só lampejos. Lembro mais das sensações, os cheiros, e de sentir fome e raiva.

De repente, Sirius incorporou-se, sentando-se com as pernas cruzadas e a coluna muito reta.

— Posso ver as cicatrizes, Remus? — Ele tinha um olhar sério, mas Remus se encolheu mesmo assim, como se tivessse medo de que aquilo fosse apenas mais um logro, uma piada como as que eles costumavam fazer para provocar o Snivellus.

Remus cruzou os braços à frente do corpo numa postura defensiva, e Sirius pôde perceber um ligeiro tremor em suas mãos.

— Você não quer ver isso, é feio — ele falou, desespero e temor soando através da sua voz.

De repente Sirius se deu conta de que também estava um pouco desesperado. Oh, sentia que havia perdido Regulus no momento em que ele havia sido selecionado para a Sonserina e não estava disposto a perder Remus também.

— Mas eu preciso ver, Remus! Preciso ver para que você perceba que eu sei o que você é e não tenho medo. Eu tenho que ver para que você entenda que está tudo bem, porque é óbvio que você ainda não acredita nisso!  — Remus tinha os olhos arregalados no momento em que as palavras cessaram, e Sirius sentiu como se todo o ar tivesse escapado dos seus pulmões. Quase não teve fôlego para acrescentar: — Por favor.

Remus sentiu a lua cheia pesar em seu estômago, mas Sirius o encarava com firmeza, seus olhos cinza chumbo como o céu antes de uma tempestade, e Remus jamais seria capaz de negar qualquer coisa diante daquele olhar. Sem dizer nada, Remus repirou fundo e tirou o suéter. Embaralhou-se com a camisa que usava por baixo e Sirius teve que ajudá-lo, puxando-a para longe.

As cicatrizes de Remus brilharam quase prateadas sob a luz palida do dormitório, sobrepondo-se umas as outras e fazendo a pele dele em alto relevo. Era pior do que Sirius havia previsto, e ele sentiu que sua língua secara dentro da boca. Sem pensar, estetendeu a mão, tencionando tocá-lo, mas então Remus estava corando e Sirius recuou, constrangido de repente. Além das cicatrizes havia arranhões em seu torso que ainda não tinham acabado de curar, e uma contusão manchava a pele do ombro de Remus com matizes de roxo, vermelho e amarelo, que lembraram a Sirius uma galáxia. Não era feio, no entanto, apenas dolorido e terrivelmente triste.

 Remus era todo feito de pergaminhos, chocolate e livros trouxas, que ele fosse capaz de aguentar tudo aquilo parecia ao mesmo tempo incrível e um pouco absurdo. Céus, Sirius tinha se achado tanto por ter conseguido nocautear um quartanista da Corvinal durante a aula de duelos. Sentia-se tolo por isso agora: Remus era o mais forte deles.

— Quantos anos você tinha?

— Cinco.

Suas entranhas se contorceram com a resposta. Cinco anos havia sido a idade em que seus pais o obrigaram a tomar aulas de paino, e Sirius acreditara ferozmente que nada no mundo poderia ser pior do que aquilo.

— Porra, Remus.

A boca de Sirius tinha se tornado mais suja nos últimos tempos, por influência de James e porque ele finalmente parecia ter se acostumado com o fato de que Walburga não estava ali para estapeá-lo em resposta àquela linguagem. De alguma forma, Remus achou o palavrão bastante eficiente em demonstrar que Sirius compartilhava sua dor.

— Onde foi que o lobisomem mordeu?

Remus pareceu hesitar, porém depois de um instante ele apontou para o próprio torso.

— Aqui.

Remus tinha muitas cicatrizes, contudo aquela primordial permanecia quase intacta. Sirius observou o desenho perfeito onde os dentes do lobisomem tinham cravado, logo abaixo das costelas, sobre a cintura de Remus. Por um instante ele deixou-se surpreender pelo fato de a mordida não ter arrancado metade da barriga de Remus, mas então era óbvio: o lobisomem não quis matá-lo, apenas transformá-lo. 

Seu sangue ardeu nas veias, e Sirius nunca havia sentido tanta raiva, nem mesmo de sua mãe.

— Não foi um acidente — falou, sua voz soando muito baixo.

Como alguém podia ter feito aquilo com Remus? Como alguém podia ter feito aquilo com Remus quando ele tinha malditos cinco anos de idade?

Remus acenou em concordância.

— Meu pai disse coisas realmente ruins para esse lobisomem, e ele foi atrás do meu pai querendo se vingar — esclareceu, intuindo as perguntas que Sirius faria em seguida. Teria que passar por aquilo mais cedo ou mais tarde, se deu conta, e não achava que seria mais fácil depois. — Ele já gostava de atacar meninos, o Ministério estava investigando-o por isso e foi como o meu pai o encontrou. Imagino que ele deve ter achado a ironia de um filhote de lobisomem chamado Remus Lupin muito dificil de resistir — Remus falou como se estivesse comentando sobre a sagacidade da última brincadeira de James.

Sirius tinha o cenho franzido e os lábios comprimidos, e Remus sentiu-se feliz por não ter dito o nome do lobisomem que o mordera, pois Sirius parecia muito capaz de sair procurando por uma criatura das trevas. Tomando coragem ele deixou-se romper o espaço que os separava e correu os dedos pelas marcas da mordida em sua cintura. Remus surpreendeu-se com o toque, mas não se afastou, permitindo que Sirius dedilhasse aquelas cicatrizes. A pele dele contra a sua era quente, mas a sensação era agradável.

— Viu? Eu ainda estou aqui. O mundo não acabou — ele disse com certa ferocidade e intensificou o aperto sobre sua pele para reforçar o fato.

Finalmente, Remus se permitiu sentir alívio. Uma sensação morna ardeu em seu nariz, enchendo-o de vontade de chorar, e ele teve que prender a respiração para manter-se firme.

— Eu sinto muito por ter mentido para vocês... — disse, sua voz quebrando no final. Sirius dispensou suas desculpas, no entanto.

— Você viu a minha família, acha que eu não entendo porque você mentiu? — Ele soou um pouco culpado, como se o fato de ele ser um Black tivesse feito Remus tentar manter a licantropia em segredo por tanto tempo. Remus abriu a boca para contradizê-lo, mas Sirius foi mais rápido: — Eu e James vamos ajudar você. E Peter — acrescentou. — Vamos dar um jeito de tornar as coisas melhores, eu prometo.

Remus ia dizer que não precisava, que estava tudo bem, que a aceitação deles era mais do que jamais tinha se atrevido a esperar, mas havia algo de encantamento nas palavras de Sirius, e Remus se deu conta de que aquele tipo de promessa não era algo a se negar. 

Licantropia, lições de casa, roubar doces das cozinhas, eles iriam estar ali para qualquer coisa, e de alguma forma ambos sabiam que nenhum tipo de magia que viessem a aprender em Hogwarts seria mais incrível do que aquilo.


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