A M O N G U S escrita por Ero Hime


Capítulo 13
A M O N G U S


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus anjos!
Talvez eu tenha me empolgado e feito um epílogo com vinte mil palavras. Então, como ficaria absurdamente longo e cansativo, eu resolvi revisar, ME CONTROLAR, e dividir em duas partes. Como a primeira já estava realmente pronta e escrita, resolvi postar enquanto dava os últimos retoques, porque eu sou uma pessoa boa.
Muita gente brigou comigo pelas redes sociais, e também pelos comentários, e eu realmente me diverti muito lendo eles! Vocês são incríveis.
Não estou pronta para me despedir, então vou adiar mais um pouco, até o próximo. AMONGUS foi uma parte muito importante da minha vida, tanto como crescimento pessoal quanto profissional, de habilidades. Enfim, descobri uma parte minha que gostei muito, e talvez eu tivesse feito algo diferente no começo da fic, há um ano, mas, agora, no final, eu estou realmente satisfeita.
Um agradecimento especial e muito carinhoso ao André, que deixou uma baita recomendação linda, que me emocionou horrores!
Nos veremos novamente. Por enquanto, fiquem com a primeira parte do epílogo!



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É o medo do desconhecido que nós tememos quando olhamos para a morte e a escuridão, nada mais.

Ou sobre lidar com novas perdas, novos recomeços e o que vem entre eles

 

Após a alta explosão, nuvens de poeira se ergueram, e diversos Comensais, cientes da atual situação em que se encontravam, aproveitaram a distração para fugir aparatando. Os aurores agiram com rapidez e eficiência, alertando o sistema de segurança bruxo do Ministério, instalando, momentaneamente, um feitiço que impedia aparatação nos limites do prédio. Dessa maneira, foi possível capturar todos os inimigos ligeiramente. Não houve resistência naquele momento. A guerra havia acabado, e muitos, buscando livrar a própria sentença, ofereceram acordos em troca de proteção nos tribunais e reduções de pena. Contando a partir daquele dia, o Setor de Punições e Julgamentos não demorou uma semana para ter uma lista com todos os participantes da Nova Ordem Bruxa, devidamente contida.

Ibiki se surpreendeu com a quantidade de rostos conhecidos entre os presos. As varinhas apreendidas contabilizavam entre quarenta e cinquenta. Algumas estavam partidas, e, outras, desaparecidas. O agente identificou bruxos renomados do Ministério – os quais não o abismou, dadas suas próprias ideologias –, e, mais que isso, muitos alunos de Hogwarts. Jovens, adolescentes, com a Marca Negra em seu antebraço. Estes, diferente dos adultos, não aparentavam medo ou receio. Estavam tranquilos enquanto eram enquadrados, e o próprio comandante conversou com alguns, assustadoramente lúcidos e cientes de sua condição. Ibiki prometeu a si mesmo que livraria a maior parte de estudantes que conseguisse – eles não tinham mais que a idade do auror Uzumaki.

Naruto Uzumaki, por outro lado, foi resgatado por Sakura e sua equipe de curandeiros. A garota, ao vê-lo de joelhos em meio ao fogo cruzado, aparatou rapidamente, e, em um movimento certeiro, levou-o até o esconderijo. Foi difícil para os bruxos curandeiros não se envolverem na guerra mais que o necessário, enquanto assistiam colegas e conhecidos parecerem, mas seguiram suas ordens com maestria, e, no final, o número de aurores gravemente feridos era ínfimo.

Sakura realizou todos os procedimentos de primeiros socorros, aplicou poções revigorantes e tratou das cicatrizes abertas, mas, nem mesmo todo seu conhecimento em Cura foi suficiente para que ela entendesse o que estava errado com o amigo. Naruto permaneceu estirado contra a maca branca, fitando o teto sem piscar. Seu rosto não estava impassível – estava simplesmente inexpressivo. Nenhum rastro de emoção transpassava-o, nem medo, nem raiva, nem dor, nada. Absolutamente nada. Estava curado, com sinais vitais estáveis, mas não reagia a quaisquer tipos de estímulos exteriores. A Haruno, assustada e preocupada, chamou por seu superior no mesmo momento, e, quando a operação tornou-se segura o suficiente, aparataram para o hospital de St. Mungus. Houve uma bateria de exames, uma série de avaliações que levaram horas para se finalizarem. Também o limparam e lavaram.

Naruto não demonstrou reação em nenhuma dessas atividades, uma vez sequer.

O tempo se passou e, cerca de dois dias depois do confronto no Ministério, dezenas de bruxos haviam passado pelo leito do Uzumaki, para cumprimentá-lo e ver sua condição. Seus amigos, companheiros de guerrilha, conhecidos e admiradores. Alguns pararam para vê-lo, outros para conferir seu estado. Sempre portavam a mesma expressão de pena, porque Naruto fora o auror mais jovem do Batalhão Especial, e seria condecorado, Primeira Ordem de Merlin, quando a situação estivesse plenamente controlada.

O fato era que Naruto estava em estado de choque catatônico.

Ele era capaz de ouvir e sentir. Parte da sua mente entendia racionalmente o seu redor, mas seu corpo simplesmente não respondia. Talvez por não ter força suficiente, talvez por se recusar a fazê-lo. Naruto não falava, não se mexia, não agia. Depois de trinta e seis horas, também parou de fazer suas necessidades fisiológicas, por estar se alimentando unicamente de soro. Nenhum curandeiro conseguia explicar fisicamente a situação do loiro, chegando a solução de que era puramente psicológico. Sua mente sofrera danos muitos fortes e bruscos, o que fizera com que seu cérebro criasse uma barreira de proteção, não enviando impulsos nervosos para suas células. E, assim como o diagnóstico era impreciso, assim também era seu tratamento.

Restava apenas deixá-lo descansar e torcer para que se recuperasse. Ninguém o culpava – Naruto passara por mais coisas que um garoto normal da sua idade aguentaria, e lutou até o fim –. Seus amigos se revezavam para ficar com ele, e Sakura não permaneceu longe dele por um período maior que meia hora. Para eles, além de se preocupar com Naruto, precisavam responder inquéritos do Ministério, fazer baixas para a Seção de Controle de Danos Mágicos e informar suas próprias famílias, então o tempo passava rápido.

Para Naruto, por outro lado, apenas não passava.

O loiro raras vezes experimentou tamanha compreensão racional como naqueles últimos dias. Ele tinha uma ciência absoluta do que estava acontecido. Ele ouvia as pessoas, sentia os toques e as injeções, e podia ouvir o soro pingando, fazendo-o lembrar de quando ia para o hospital, quando criança. Naruto sabia sobre o que as pessoas falavam, e, algumas vezes, sua mente lampejou uma resposta, mas, tão rapidamente quanto, ele a esquecia, porque não se importava o suficiente para tal esforço.

Mas ele ouvia. E sabia. Suas memórias estavam límpidas, e ele acompanhou o fim da guerra, a prisão dos Comensais restantes, as colunas sendo restauradas para que o ambiente se tornasse menos caótico. Por um lado, Naruto sentia-se verdadeiramente culpado de estar preocupado a todos daquela maneira, e queria respondê-los, queria agir. Naruto queria poder chorar, gritar e jogar coisas contra a parede. Mas, nem ao menos isso, ele tinha forças para fazer.

O Uzumaki tinha consciência do momento em que se rendera para aquilo. Ainda se lembrava da dor lancinante de seus joelhos atingindo o chão, contra duas lascas de pedras. Mas, de alguma maneira, sua mente anulou a dor física, e se concentrava unicamente naquele lapso de cena. Ele saberia descrever verbalmente todas as cores das faíscas que se soltaram do choque. Ele conseguiria reproduzir a fumaça espiral que se levantou. Ele tinha capacidade de reproduzir aquele redemoinho das duas pessoas desaparecendo em uma explosão esverdeada.

No entanto, Naruto não era capaz de lidar com a morte de Hinata.

Seus olhos agiram mais rápido que seu raciocínio, e, por esse motivo, levou alguns milésimos até que ele interpretasse o estrondo esmeraldino, e reconhecesse, sem dúvidas, o lançamento de um Avada Kedrava. Teve a esperança, por alguns segundos, enquanto caia, de que ela poderia ter se salvado. Ela era inteligente – talvez mais que ele –, e seria capaz de escapar daquele ataque suntuoso que colocara fim à guerra.

Mas Hinata nunca teve pretensão de escapar.

Naruto soube, depois, quando se lembrou de seus olhos se encontrando. Quando ele esquadrinhou seu rosto, e não viu desespero ou arrependimentos. Quando ele enxergou o sorriso puro e verdadeiro, um sorriso diferente, livre. Hinata estava feliz. Ela corria para sua própria morte, uma atitude heroica, altruísta e suicida. Ambos tiveram a mesma ideia, viram a mesma brecha para atacar, mas, ao contrário de Naruto, Hinata tinha o conhecimento de que um ataque simplório como aquele não funcionaria com Madara, a não ser que fosse executado uma perfeição milimétrica, o que incluía matá-lo enquanto o imobilizava. Naruto não conseguia entender o que acontecera de fato – se fora Hinata ou Madara quem aparatara, ou o porquê do horror surpreso do homem quando viu Hinata puxá-lo. Era um quebra-cabeça incompleto, irritante, mas Naruto não precisava de todas as peças para enxergar a figura central.

Para todos os efeitos, era mais cômodo permanecer calado. Não precisava responder o que lhe perguntavam, ou seguir sua vida como se tudo tivesse sido deixado para trás. Era confortável, porque Naruto não precisava se esforçar para nada. Ele tinha medo de que, caso se esforçasse um pouco que fosse, acabaria desabando por completo.

Não saberia dizer se era dia ou noite, com as cortinas sempre fechadas, mas Sakura estava com o rosto cansado, ele pode perceber, quando alguém entrou. Não se moveu para ver quem era, mas logo descobriu, quando a voz autoritária e grossa soou pelo quarto:

— Pode ir descansar agora, Sakura. Eu preciso de alguns minutos com ele. – Ibiki pediu o mais gentilmente que conseguia, e a Haruno assentiu, coçando os olhos e se levantando.

— Claro, comandante. Eu vou até a lanchonete. – a garota saiu, mas Naruto permaneceu com a cabeça para o lado contrário. Seu campo de visão abordava o canto esquerdo do quarto, e ele já conseguira identificar todas as manchas dos ladrilhos e do rodapé. De repente, um corpo grande e truculento entrou em sua vista, e ele se curvou, até que seus olhos ficassem da mesma altura dos dele.

— Eu trouxe notícias novas sobre a Hyuuga.

Aquela era a primeira visita que Ibiki fazia a Naruto, desde que o deixaram no hospital, há alguns dias. O loiro escutou-se suspirar mentalmente, e, com esforçou, apoiou os braços nas laterais do corpo, alavancando-o para cima, até que suas costas estivessem ligeiramente apoiadas contra os travesseiros. O movimento fez seus ossos rangerem e doerem, porque há muito não os mexia, e a ponta de seus dados formigaram. Naruto não se deu ao trabalho de puxar o cabelo para trás, deixando-o cair contra os olhos. Ibiki, próximo a borda da cama, o olhava com satisfação, mas sua feição era dura.

— O Ministério resolveu optar por perdoá-la, e irão homenageá-la na cerimônia oficial de velório dos aurores. – não se homenageia pessoas vivas – Seu pai, Hiashi Hyuuga, e seu primo, Neji Hyuuga, foram localizados sem vida, ambos mortos durante o confronto. Não encontramos Sasuke Uchiha nem Gaara Sabaku no, que acredito que eram próximos a ela. – Naruto não assentiu. Não tinha força suficiente para aquilo. Houve uma pause, longa demais na opinião do garoto – Naruto, ela se sacrificou para acabar com a guerra. Isso é o máximo que um bruxo pode fazer por aqueles que ama.

Naruto queria gritar. Queria berrar com todos os pulmões, queria gesticular, queria fazer um escândalo. Queria dizer que não se importava com a merda de guerra, com sacrifícios, nem qualquer besteira como aquela. Queria dizer que a queria viva, ao seu lado. Queria dizer que ele estava errado, que estavam todos errado, que ela não precisava ser perdoada.

Naruto queria gritar, mas, quando abriu a boca, sua garganta se fechou vertiginosamente, e ele tornou a fechá-la. Se assustou um pouco, porque sua vista se embaçou e escureceu, mas ele percebeu, depois, que se tratava apenas das próprias lágrimas, transbordando silenciosas, escorrendo até suas mãos, ou se perdendo nos lençóis.

Bastaram apenas alguns segundos para que Ibiki puxasse Naruto contra seu peito, com uma das mãos segurando sua nuca apertada contra seu ombro, murmurando palavras de conforto. Naruto chorou silenciosamente, mas também não demorou para que começassem os gritos, outrora presos. Ele não gritou palavras como gostaria, mas gritos inteligíveis, sôfregos, abafados pelo ombro do maior. As mãos, que estavam apertadas, se agarraram contra o tecido da capa, e ele afundava o rosto, lamuriando, tremendo tanto que seus membros começaram a doer. As lágrimas desciam, ruidosas, molhando tudo ao redor. Eram quentes. Vieram soluços, que interromperam os gritos, e continuaram mesmo depois que seu rosto secou. Era doloroso chorar, mas também era doloroso manter tudo dentro de si.

Naruto dormiu naquela noite, sem ter pesadelos, mas também sem ter sonhos bons. Seu último pensamento foi que as pessoas estavam erradas – não melhorava depois de chorar. Não melhoraria nunca.

 

 

Depois de algumas semanas, o mundo bruxo seguia como se nunca tivesse passado pelos últimos dezessete meses, e fazia isso bem. Os lugares destruídos pelos confrontos foram devidamente restaurados, as rotinas foram retomadas, e até mesmo Hogwarts anunciara o próximo semestre letivo, inclusive para os alunos que não chegaram a se graduar.

Houve uma celebração fúnebre, em determinado momento, quando as dores da guerra já tinham sido devidamente superadas, e os Comensais capturados, devidamente julgados e presos. Azkaban abrigou mais de trinta bruxos condenados, e mais dez foram absolvidos por alguns motivos – além dos tratos de delação, estudantes também foram liberados. A comunidade bruxa se sentia livre e segura novamente, e, por este motivo, acharam que um memorial seria bem-vindo. As mortes de entes queridos seriam pranteadas e os bruxos que morreram em batalha seriam homenageados com a Primeira Ordem de Merlin.

Foi um evento perturbador – para se dizer o mínimo –. Milhares de bruxos se reuniram em Londres, no maior cemitério bruxo da capital. Uma área para condecorados foi reservada, e parentes, admiradores gratos e conhecidos teriam a chance de se despedir apropriadamente. Pessoas de toda a Europa se reuniram, e o tempo estava nublado, embora fossem meados de junho. O Ministro da Magia e todos os bruxos de alto escalão do Ministério também compareceram, fazendo discursos comoventes sobre perda, amor e gratidão.

Naruto estava nas fileiras da frente, com o Esquadrão de Aurores. Havia tido alta do hospital há alguns dias – para a felicidade dos amigos, cujos quais jamais ficaram sabendo do episódio com o comandante Ibiki –, e ainda não tinha voltado para casa, embora seus pais tivessem sido apropriadamente avisados sobre o fim da Guerra Bruxa. Naruto não quis que soubessem da sua própria condecoração – Segunda Ordem de Merlin e a admissão oficial no Esquadrão de Elite dos Aurores, pelo próprio Ibiki –. Sua estadia no Caldeirão Furado era reconfortante, e ele escolhera o mesmo quarto da última vez. Quando sentiu seu corpo secar pela primeira vez, percebeu que sua única alternativa era aceitar as memórias e viver com elas. Se fechasse os olhos, quase pareceria que nada tinha, realmente, mudado.

Usava seu uniforme especial para funerais, mas se sentia incomodado com a roupa. Sentia-se incomodado com tudo ao seu redor, como se estivesse no contexto errado, do lado avesso de uma história. Nada fazia sentido. Eram palavras bonitas, mas apenas isso – palavras bonitas. Ela ainda estava morta, e ele ainda tinha o coração partido e cheio de culpa e raiva. Havia dezenas de túmulos enfileirados, com inscrições garrafais e estatuetas entalhadas. As famílias estavam próximas aos seus entes queridos, mas ninguém estava perto de seu túmulo – ela perdera tudo.

Os discursos terminaram antes que Naruto pudesse sair dali. Trocou um olhar com Sakura e Kiba, nas fileiras de trás, e eles perguntaram silenciosamente se o Uzumaki estava bem. Não respondeu. Em sua mão, uma flor que ele comprara no caminho, com dinheiro trouxa. Era uma bela rosa, com o botão desabrochado e a cor vívida. Abriram espaço para os familiares se despedirem e realizarem sua própria homenagem. Naruto tinha a vista nublada quando saiu da fila antes que qualquer um pudesse fazê-lo. Olhos o acompanharam, até que ele parou em frente ao túmulo central, com uma estátua grande de anjo. Quis sorrir ironicamente, mas seu rosto estava congelado. Ele se abaixou e depositou a única rosa próximo a lápide, e saiu, olhando para baixo. Sabia que haveria rostos surpresos e chocados, e não podia lidar com aquilo naquele momento. Parte de si ainda alimentava uma ira inexplicável – não sabia contra quem. Mas sabia que, se não fosse por aquela merda toda de Casas, talvez ele e Hinata pudessem ter aproveitado mais. Vivido mais. Se amado mais. Mas não importava. Hinata estava morta, e Naruto tinha depositado a única flor que ela receberia, não como mártir, mas como pessoa.

Depois disso, Naruto se tornou uma pessoa menos alegre. Passava seus dias dentro do quarto, dormindo, ou apenas pensando, e mal saia para comer. Ibiki havia sido compreensivo quando o dispensou das atividades por hora, e, sem ocupações, o garoto torcia apenas para que os dias se tornassem tão curtos quanto as noites. Tinha sobrevivido, mas não vivia mais – não havia porquê. Não tinha objetivos, sonhos, vontades. A vida lhe mostrara o amor, um amor tão forte e único, apenas para tirá-lo dele, tão cedo. Se fosse uma piada de Merlin, Naruto teria rido, porque era de um humor negro e patético.

Tampouco tivera coragem de voltar para casa ainda. Sabia que não conseguiria encarar seus pais nos olhos sem decepcioná-los. Estavam acostumados com um filho carinhoso, radiante e, acima de tudo, vivo. Queria preservar a lembrança deles da imagem que tinha antes de partir, há mais de um ano. Em algum momento, logicamente, teria que voltar, mas prolongaria o máximo que pudesse. Naruto também estava de luto, e também queria permanecer sozinho com suas memórias.

Claro, ele não esperava que, na última semana de agosto, uma coruja branca com manchas marrons pousasse em sua janela aberta, trazendo nada mais, nada menos, que uma carta de Hogwarts. O logo prensado era o mesmo que vira tantos anos antes, exibindo o carimbo oficial da diretoria, e, dentro, um convite padrão para retornar às aulas no início do período letivo, em primeiro de setembro. Naruto permaneceu confuso até encontrar um segundo papel, desta vez enviado pela própria diretoria, explicando que a escola convidara os alunos recrutados para os batalhões especiais durante a guerra para que finalizassem seus estudos e se formassem.

Durante os dias que se passaram, a carta permaneceu aberta em cima da bancada, e Naruto a olhava diversas vezes, ponderando. Se tivesse de escolher, não tornaria a pisar em Hogwarts. De maneira prática, era simplesmente doloroso demais para suportar. Mas, ele não tinha escolha – sabia que o livre-arbítrio oferecido pelo convite era uma mera ilusão, visto que outras pessoas também receberiam, e, certamente, o arrastariam a força para o castelo. Isso se confirmou quando apareceu – magicamente – em seu corredor um malão cheio de itens requeridos pelas disciplinas nas quais estava incluído, até mesmo as matérias avançadas. Desistindo, apenas arrumou suas próprias malas e aparatou para King’s Cross quando o relógio não apontava nem dez e meia.

Naruto assumiu que a maior parte dos privilégios bruxos, e também de aurores, lhe deixava satisfeito. A magia fluía por seu corpo, natural como respirar, e não ter de pegar condução ou andar para buscar algum objeto eram um deleite para sua personalidade predominantemente estática – para não dizer preguiçosa –. Enquanto esperava, recostado sobre uma coluna na parte menos visível da plataforma, percebeu que, para a maioria dos alunos, também era assim. Reconheceu rostos sextanistas e setimanistas. Os alunos primeiranistas olhavam ao redor, embasbacados, e encaravam os mais velhos com um ar de admiração, sobretudo para aqueles que sabiam que haviam lutado na guerra. Naruto sorriu sozinho, minimamente, porque a atmosfera animada era contagiante. Talvez ele não se arrependesse tanto de retornar, ao menos para finalizar seus estudos.

De repente, ouviu um craque do seu lado e pulou, assustado, para depois ser atacado por um par de braços ao redor de seu pescoço, dependurando-se. Resmungou, abraçando-a de volta, um pouco, antes de afastá-la para uma distância segura.

— Não faça isso, Sakura. – reclamou, apenas para a garota rir. A fitou, com os olhos mornos. Sentira saudades da amiga, depois que teve alta do St. Mungus e convenientemente a afastara após a cerimônia do velório. Sakura parecia ainda mais alta, e seu cabelo estava mais curto, rente a nuca, em um corte prático que combinava com seu rosto. Seus olhos estavam maduros, e ela sorria verdadeiramente feliz. Naruto conseguia entender o sentimento de estar de volta para uma rotina estável e segura, embora não compartilhasse dele.

— Ora, deixe de ser rabugento. – ela não se importou com as reclamações do amigo – Você não está animado por voltar para Hogwarts?! – Naruto lhe lançou um olhar sugestivo – Deixa para lá,. Eu estou! Vamos poder terminar os estudos, visitar Hogsmead, ir para o Baile de Formatura! – seus olhos brilhavam, e Naruto suspirou, cansado. Tinha se esquecido que voltar para o castelo incluía participar daquelas festas ridículas.

— Não é como se já não pudéssemos fazer todas essas coisas. E já conseguimos um emprego, então qual é o ponto? – comentou, e Sakura o fitou como se ponderasse abraçá-lo ou azará-lo. A verdade era que estava ansiosa para voltar a ser normal, se preocupar com testes e partidas de xadrez. Sakura também passara por traumas e tudo que ela queria era que as coisas voltassem ao normal, mesmo que ninguém o estivesse, sobretudo seu melhor amigo.

— Eu te odeio. – deu de ombros, pegando sua bolsa de mão quando o trem apitou pela primeira vez – Vamos, todos estão nos esperando na cabine. – puxou Naruto pelo pulso, que a seguiu sem demonstrar resistência, mas suspirando.

Não estava preparado para voltar a conviver com seus amigos. Àquela altura do campeonato, todos sabiam do seu envolvimento com Hinata, e não suportaria olhares de pena e solidariedade. Sabia que tinham boas intenções e se preocupavam com seu bem-estar, mas era difícil para Naruto, mais que qualquer coisa. Tudo a sua volta lembrava ela, memórias dela, momentos com ela. Tinha ciência que, quando pisasse em Hogwarts, seria como uma avalanche em sua mente, sem tempo para respirar, e queria se preparar desde antes, para poder, ao menos, fingir que estava bem com tudo aquilo.

Entraram no trem e caminharam até o último vagão, cujos estudantes ainda passeavam pelo corredor, cumprimentando um ao outro. Era onde a mudança se tornava perceptível. Naruto viu cicatrizes, ataduras e manchas permanentes. Avistou, de longe, um garoto com quem costumava jogar Quadribol, agora mancando com o pé direito amputado. Era um contraste gritante – embora vários tivessem marcas de guerra gritante, seus olhos brilhavam, e suas vozes eram altas e escandalosas. Eles riam, e brincavam, e se divertiam. Naruto sentiu inveja deles.

Por sorte, encontraram logo sua cabine, e, quando Sakura e Naruto entraram, foram recebidos com diversos gritos de boas-vindas. O loiro agradeceu a todos, abraçando-os desconfortável, e, quando se sentou, agradeceu por Sakura ocupar o silêncio com um monólogo desenfreado. Recostou na janela, sem ânimo para participar do reencontro. Seus olhos vagavam pelos amigos, com quem conviveu durante sete anos. Ino estava com o cabelo tão curto quanto o da Sakura, e soube que aquilo devia ter sido um sacrifício duro para a garota, que se gabava da aparência. Ela não parecia triste. Shikamaru estava mais alto, mais velho e mais sério. Tinha uma cicatriz que atravessava seu rosto, e Naruto conhecia a história por trás. Ele usava uma faixa no braço, como seu pai, representando sua ingressão no time de Inteligência do Ministério. Ficou feliz pelo amigo. Naruto viu Kiba e uma garota com quem costumavam conversar, Tenten. Havia outros rostos que o Uzumaki não se recordava, mas o ambiente estava cheio de familiaridade e confiança – para variar.

Distraído, lembrou-se da última vez que estivera no trem, e sua garganta se apertou quando lembrou da cena na cabine no banheiro. Era difícil respirar. Conseguia sentir os toques afoitos e quentes de Hinata, quando ansiava por ele. Sua mente divagava cada vez mais longe, reproduzindo os vários beijos, os toques, as noites em claro, as entregas. Seus olhos estavam vermelhos, e agradeceu internamente quando alguém chamou por seu nome.

— Oi, perdão. – empertigou-se, olhando para as pessoas que o encaravam, ansiosas, como se esperavam por uma resposta.

— Estávamos falando sobre os sonserinos. – foi Sakura quem respondeu, parecendo cautelosa. Naruto prendeu a respiração – Parece que poucos alunos setimanistas voltaram para terminar os estudos. – o loiro não fez nenhum comentário, mas suas palmas começaram a suar, e ele as limpou contra as vestes – Por que não nos disse nada?

Era óbvio do que estavam falando, e Naruto engoliu em seco. Ainda não estava preparado para falar daquilo – mas quando estaria? Em algum momento pararia de doer? Em algum momento ele seria capaz de olhar para trás sem ter vontade de chorar?

— Não tinha o que falar. – respondeu, a voz baixa, e voltou a recostar no banco, subitamente cansado demais.

— Ah, por Merlin! – Sakura replicou. Não parecia zangada, apenas chateada – Nós teríamos apoiado você! Nós não teríamos nos importado. – Naruto parou de sentir tristeza quando algo se acendeu, e ele semicerrou os olhos. A cabine parecia ter ficado mais abafada.

— Teriam me apoiado? – sua voz era cortante, e ele conseguiu ver Ino se encolhendo, próxima a ele – Não me faça rir, Sakura! – quando percebeu, já estava com a coluna reta novamente, olhando para a de cabelo rosa com raiva – Vocês teriam odiado! Teriam pegado no meu pé até que eu cedesse, teriam me crucificado por estar namorando ela. – as palavras voaram com maior força do que ele pretendia, mas não se importou.

— Não faríamos isso se você estivesse feliz. – Sakura se defendeu, com os ombros murchos. Naruto riu, de maneira errada, seca e friamente.

— Sakura, eu e ela já estávamos saindo naquele dia na enfermaria. – os outros pareciam confusos, mas a Haruno parecia se lembrar bem, porque seu rosto se curvou em uma máscara de culpa – Eu entendi na época, porque nossas Casas eram rivais, e eu passei a maior parte dos meus anos azarando sonserinos. Eu poderia ter dito a vocês, se acreditasse que vocês conseguiriam deixar a rixa de lado para me apoiar. – foi a cartada final. Sakura parecia a ponto de chorar, e ninguém fitava Naruto acusadoramente, porque todos se sentiam culpados igualmente. Ninguém falara naquele assunto depois do velório, quando Naruto fez aquela cena.

— Naruto, eu... – o loiro interrompeu Sakura, voltando-se para a janela.

— Não precisa. De qualquer maneira, não tem porquê discutir isso. Ela está morta. – sua voz igualmente sem vida, e ninguém se atreveu a dizer mais nada, durante todo o trajeto até Hogwarts.

A viagem foi exaustivamente tensa, para ambos os lados. A medida que se aproximavam, sentiam-se mais aliviados. A silhueta do castelo já era visível, entre as montanhas que se estendiam depois do lago e de Hogsmead. Quando o trem desacelerou, buscaram suas bagagens de mão. Naruto desceu primeiro, esperando os demais para pegarem um bote, e, em seguida, uma carruagem. O Uzumaki olhava para os lados distraído, reparando nos demais alunos, quando seus olhos captaram uma movimentação estranha. Então, ele arfou, surpreso, e vacilou um passo.

Não demorou para que o par de olhos se conectasse a ele também. Seu cabelo se destacava na multidão, e Naruto reconheceu de prontidão os fios vermelhos flamejantes. Gaara andava curvado, aparentemente cansado, e, quando se virou, Naruto surpreendeu-se com a profundidade das suas olheiras, como alguém que não dormia há meses. O loiro estava nervoso, com o estômago dando voltas. Não tinham tido notícias dele nem do Uchiha durante meses, e sequer sabia que haviam sido absolvidos do julgamento. Instintivamente, seus olhos foram para o antebraço, que estava protegido pela manga do sueter. Voltou-se para o rosto.

Tinha tantas perguntas presas na garganta. Estavam separados por uma pequena multidão de alunos que andavam e trombavam, mas não seria difícil chegar até ele. Então, seus olhos transmitiram o mais importante naquele momento – o motivo para que houvesse uma ligação entre eles. Entretanto, o ruivo balançou a cabeça negativamente, e seus ombros se curvaram novamente, como se carregasse um peso muito grande. Qualquer fagulha que tinha se acendido em Naruto apagou-se, quando ele compreendeu. Engoliu em seco, assentindo devagar, com muita dificuldade. Sabia que não deveria alimentar esperanças àquela altura do campeonato, mas algo dentre dele o impelia a isso. A expressão no rosto de Gaara era de um homem em sofrimento e culpa. Naruto a reconheceu com tanta facilidade porque a via refletida todos os dias, no espelho.

Seguiram por caminhos diferentes, cada qual com seus próprios grupos, e não houve mais nenhum tipo de contato entre eles. Naruto aceitou a despedida sem remorso, sabendo que considerava o garoto muito mais que antes. Mesmo rivais, mesmo inimigos, eram semelhantes em um aspecto – ambos conheciam a dor de perder alguém.

A viagem na carruagem prosseguiu mais silenciosamente que a do trem, e, quando chegaram na escadaria do grande castelo, Naruto incentivou-os a seguirem para a cerimônia do Chapéu Seletor. Não estava realmente no clima da Seleção, e já tinha lembranças demais o assombrando. Tomou um caminho diferente da multidão, subindo pelas escadas que se moviam, parando em algum lugar do quarto corredor. As tochas bruxeavam suas chamas, criando sombras no chão. O Uzumaki pensou que seria fácil caminhar, manter-se ocupado, mas cada tijolo daquelas paredes pareciam gritar o que ele queria esquecer. Era doloroso, cansativo lutar contra aquilo.

Andando pelo corredor vazio, Naruto pensava em como desejava ter feito as coisas diferentes. Ele queria ter insistido mais, flertado menos com outras garotas, dado a elas fragmentos, quando queria doar-se por inteiro para uma única garota. Lamentava ter sido preciso ele quase morrer para que desencadeasse um primeiro passo. Seus pulmões doíam, porque ele respirava baixo e entrecortadamente. Estava quase virando o corredor quando foi parado por uma figura alta.

— Você deveria estar no Salão Principal, Naruto, – virou-se para a voz as suas costas, e pode sorrir, mesmo que um pouco.

— A senhora também, professora. – Tsunade olhava para ele com carinho nos olhos, e Naruto sentira verdadeira saudade da diretora. Ela parecia mais cansada, mais velha, com o cabelo preso no alto, em vez de suas trancinhas, e suas vestes escuras. Mesmo com as rugas nas laterais dos olhos, ela sorria. Naruto reparou em uma pequena cicatriz próxima ao seu rosto, e sentiu-se mal. Sabia que a diretora fizera parte de um dos esquadrões de curandeiros de maior risco, constantemente em campo de batalha, e sua admiração pela mulher aqueceu seu peito. Voltou-se e a abraçou rapidamente, notando que estava maior que ela agora. Quando se afastou, seu rosto parecia bem mais leve – Estou fugindo do jantar. Mas a senhora deveria estar lendo a lista dos primeiranistas. – ergueu uma sobrancelha sugestiva, e Tsunade gargalhou gostosamente.

— Tenho certeza que o professor Hiruzen pode me substituir bem. Precisava caminhar. – ela parou, analisando o rosto do seu aluno, que se encolheu, sentindo-se perigosamente exposto – Como você está? – era óbvio que a pergunta era ambígua, e o loiro suspirou, em vez de sentir raiva. Deveria se acostumar com as pessoas lhe perguntando aquilo, mas com a diretora ele podia ser franco.

— Foi difícil voltar. – sua voz era sincera – Mas estou cansado das pessoas me olhando com pena. – soou como um resmungo, e Tsunade assentiu, compreensiva.

— Foi um baque para todos nós. – foi o único comentário que fez a respeito, e Naruto a agradeceu silenciosamente por isso – Eu adoraria que passasse em minha sala para tomarmos um chá mais tarde – Naruto sorriu ao pensar que ela não tomaria chá —, mas creio que deva mandá-lo de volta para o salão, ao menos para jantar. – Tsunade parecia se desculpar, e por isso Naruto não discutiu, apenas dando de ombros e virando para voltar por onde viera.

— Até mais, professora. – começou a caminhar, quase virando o corredor, mas, no último instante, voltou-se – Professora? – ela também se voltou, mal tendo começado a andar – Eu lembro que costumava dizer que eu deveria ter paciência com ela, porque não entendia pelo que ela passava. – ainda era difícil dizer seu nome – O que queria dizer com isso? – Tsunade respirou profundamente, como se esperasse por aquela pergunta.

— Naruto, não sei se o senhor se recorda, mas eu estudei com Hiashi Hyuuga e com seu irmão, Hazashi. – Naruto concluiu ser o pai de Neji – E, mesmo naquela época, ambos demonstravam personalidades muito peculiares e muito fortes. Não acredito cem por cento que tenha sido por conta da família, porque eles eram pessoas realmente difíceis de se conviver. – fez uma pausa e uma careta, provando seu ponto – Mas você tem que entender que famílias como os Hyuuga são antigas, tão antigas quanto a magia no sangue bruxo. Essas famílias criaram-se em diferentes épocas, com diferentes costumes e pensamentos, e, quando o tempo passou, elas não acompanharam essa evolução, e se mantiveram muito tradicionalistas. Hiashi Hyuuga reproduziu como pai e chefe de família apenas aquilo que aprendeu com seu próprio pai, e não só comportamento, mas também ideologias, conceitos. – Naruto assentiu, sem saber para que ponto ela estava se encaminhando – Hinata Hyuuga cresceu em um ambiente muito hostil, e a mãe morreu muito nova. Hiashi a criou como se cria um herdeiro, e era extremamente rígido com Hinata, muitas vezes demonstrando ser apto a castigos físicos. – Naruto apertou os punhos, com uma fúria repentina, o peito apertado em apenas imaginar — Hinata sofria muita pressão de casa, e ela me procurou algumas vezes. Ela parecia passar por uma real batalha interna, de um lado, os princípios que foram ensinados para ela, e, do outro, a maneira que ela pensava e sentia. Estar em uma família como os Hyuuga significava prezar pela lealdade acima de tudo, e ela sofria por pensar diferente de seu pai. Inclusive quando ela começou a desenvolver sentimentos por você – Tsunade fitou Naruto sugestivamente –, foi um choque para ela. Sei que não justifica o caminho que ela tomou, mas, para mim, Hinata Hyuuga foi apenas uma vítima do próprio destino.

— Entendo. – Naruto não sabia dizer se sua voz alcançou a diretora. Havia algo preso em sua garganta – Obrigada, professora.

Ele se virou, andando em passos vacilantes, deixando-se guiar puramente pelo piloto automático. Seu rosto, outrora impassivo, deixou-se desfazer, e algumas lágrimas quentes escaparam pelos cantos. Naruto já chorara de tristeza, de raiva, de culpa. De saudade. Mas, naquele momento, ele não sabia porque se sentia tão desesperadamente triste. Era como se estivesse chorando no lugar de outra pessoa, tomando as dores de outra pessoa. De Hinata. Era um choro silencioso, e não sufocante, como das outras vezes. Ele não soluçou, embora tivesse tido que parar duas vezes para limpar a visão.

No Salão Principal, sentou-se com alguns colegas, e ninguém questionou seu atraso, ou seu rosto vermelho. A seleção dos primeiranistas estava quase se encerrando, e logo seria servido o jantar. A mesa da Sonserina estava consideravelmente vazia, mas os alunos dali usavam as capas e os cachecóis de cores vibrantes, mesmo que setembro fosse fresco. A cada aluno indicado para sua Casa, comemoravam e aplaudiam, mostrando orgulho. Havia uma aura diferente – como se estivessem tentando mudar algo. Naruto não sabia o que, mas, cada vez que um estudante era classificado para a Casa serpentina, ele aplaudia um pouco mais forte.

 

 

Os dias duraram semanas, as semanas duraram meses, e os meses duraram anos. A passagem do tempo se deu de maneira vagarosa, quase que propositalmente, e Naruto considerou – não uma ou duas vezes – a hipótese de desaparecer. Mas isso seria apenas fugir do problema, e, mesmo no final, ele não queria ser um covarde.

O grifinório pensou que a parte mais difícil seria conviver com as lembranças – uma vez que cada minúcia do castelo fazia-o se lembrar de Hinata. Mas estava enganado. Enquanto acordado, podia deliberadamente controlar sua mente, e, mesmo que alguns pensamentos lhe escapassem, e mesmo que continuasse doendo como o inferno, ele tinha algum tipo de controle. Não, definitivamente a pior parte foram os pesadelos.

Enquanto estava acordado, era fácil enganar a si mesmo, mas, durante o sono, não tinha poder sobre sua consciência, que reproduzia as cenas que Naruto tanto lutava para deixar restritas. Havia os dias bons e os dias ruins. Nos dias bons, seus sonhos eram coloridos, e a realidade e a fantasia se misturavam. Quando estava com sorte, podia vê-la, tocá-la, e era quase como se ela estivesse viva. Mas, nos dias ruins, era apenas impiedoso demais. Usualmente, ele a via se sacrificar, vez após vez, via as explosões, a via desaparecer no ar. Mas, nos piores dias, Naruto encarava seu corpo putrefaço no chão, apodrecendo, sob uma pilha de outros corpos desconhecidos. Eram nessas vezes que ele acordava gritando.

Eventualmente, Naruto parou de dormir. Cochilava ocasionalmente, mas somente o suficiente para que não desmaiasse no meio das refeições. Aos poucos, também parou de comer. Suas mudanças eram visíveis, a maneira que seus pés se arrastavam por Hogwarts, suas vestes folgadas, o rosto pálido e os bolsões arroxeados já constantes sob seus olhos. Em algum momento, seus amigos perceberam que simplesmente não adiantaria falar com ele, então também desistiram.

Nenhum professor podia, no entanto, dizer que seu rendimento havia decaído. Naruto não tinha muitas ocupações além das matérias, então se empenhou o máximo que podia em cada uma das disciplinas avançadas em que estava inscrito, e, em seu tempo livre, também se inscreveu em Runas Antigas e Oclumência. Era o melhor aluno de todas as Casas, fazendo as lições com antecedência, se sobressaindo nos exercícios práticos, e demonstrando verdadeira aptidão e talento nato para Auror. Naruto chegou até mesmo a iniciar estudos sobre a Animagia, um requisito não-obrigatório para Aurores, mas que era um diferencial estimado no mundo bruxo. Não haviam reclamações sobre ele neste aspecto – era como apenas seu tempo livre sugasse sua energia vital, e, por esta razão, os professores não o incomodavam. Tinham esperança de que, ao sair de Hogwarts, o Uzumaki retomasse sua vontade de viver.

De alguma maneira, guardar seus sentimentos para si estava transformando Naruto em uma bomba-relógio, que ninguém pressupunha quando estouraria. O garoto procurava se afastar de tudo e todos nos dias ruins, e nos dias bons, era uma sombra, silenciosa, sorrateira. Mas sua mente trabalhava incansavelmente, e aquilo era simplesmente não-saudável. Estava se esgotando psicologicamente, suprimindo cada vez mais suas emoções, seus pensamentos, transformando-se em uma caixa perturbadoramente pequena, cuja tampa ameaçava, a todo momento, escapar.

Naruto pensou que, com a chegasse do fim do semestre, ele começaria a se sentir melhor, mas estava terrivelmente enganado. E, então, naquela noite, Naruto não desceu do Salão Comunal.

No Salão Principal estava se realizando a cerimônia de formatura dos setimanistas – uma comemoração simbólica para aqueles que estavam aptos a sair da escola e tinham passado em todos seus exames. Uma noite para dançar e beber com os amigos, uma despedida do castelo que, durante sete anos, fora sua casa, seu refúgio, e sua família. Naruto tinha sido intimado a ir, ao menos um pouco – seus amigos, e muito menos os professores, permitiriam que ele se isolasse em seu dormitório –. O loiro havia sido aprovado em todas suas disciplinas com nada menos que “Ótimo”, e voltaria no próximo verão para seu estudo de Animagia. Um futuro brilhante se abria no horizonte, com tudo que ele sempre sonhara e almejara.

Mas Naruto não se sentia satisfeito.

Estava em sua cama, a cabeça baixa e os braços apoiados contra as pernas. Usava um elegante smoking – cortesia de sua mãe – e estava impecavelmente vestido. Seus amigos o esperavam no Salão Principal, e ele ficara para trás apenas para terminar de se aprontar. Sentara por um instante, e, em suas mãos, analisava um quadro tirado durante o sexto ano, onde ele, Sakura, Kiba, Ino, Rock Lee, da Corvinal, e mais dois amigos riam enquanto atiravam Snaps Explosivos contra o Lago da Lula Gigante. A fotografia tivera um efeito incrível, ao ser captada no momento exato em que o snap explodia, jogando água em todos, e seus rostos se contorciam em sorrisos. Naruto não sabia porque aquela fotografia o estava incomodando tanto. Ele encarava seu eu no quadro, e os olhos azuis brilhantes eram marotos, e felizes. Uma felicidade que há muito não se repetia em seu reflexo.

Foi então que aconteceu.

Em um impulso involuntário, Naruto se pôs de pé, e seu braço lançou o quadro contra a parede oposta. O vidro se chocou e quebrou em estilhaços que voaram pelo chão. Seus punhos estavam apertados, e seu peito respirava furioso. Seus olhos estavam cegos por lágrimas quentes, e há muito Naruto não chorava. Ele se manteve de pé, com os ombros tremendo de raiva, um ódio flamejante, que tomou conta de todo seu corpo, em um instante. Ele quis quebrar as camas, perfeitamente organizadas em semicírculo. Cego, tateou por objetos que pudesse arremessar, mas, no meio do caminho, agarrou-se contra o batente de madeira, deixando seu corpo se apoiar e ele soluçar alto.

Naruto estava com raiva, porque aquela era a noite da sua formatura. Estava com raiva, porque todos estavam felizes, e o mundo bruxo estava em paz. Estava com raiva, porque havia centenas de pessoas, e ele daria tudo para ter apenas ao seu lado. Naruto estava com raiva, porque Hinata morrera, e ela nunca se formaria. Hinata nunca portaria seu brasão serpentino com aquele orgulho arrogante e o sorriso enviesado. Hinata nunca mais xingaria Naruto por importuná-la, e nunca mais teria uma vida normal, repleta de um futuro incerto e misterioso.

Naruto estava com raiva porque Hinata tinha se sacrificado, e, de todas as coisas que estiveram entre eles ao longo dos anos, a morte era a mais dolorosa de suportar.

O loiro gritou, certo de que ninguém conseguiria escutá-lo naquele momento.

— Você deveria se acalmar.

 


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