A M O N G U S escrita por Ero Hime


Capítulo 12
E N D U S


Notas iniciais do capítulo

Pois é, gente. Último capítulo. Quem diria, não é?
Tecnicamente esse é o último, o próximo é como um epílogo. Quando eu tive a ideia da fic, há um ano, eu sabia desse final antes mesmo de começar a escrever. Eu sempre soube como acabaria, e eu não podia estar mais satisfeita comigo mesma, com a minha escrita e com o que a fic se tornou.
O capítulo ficou ridiculamente grande, mas eu não quis dividir para não perder o ritmo, então peço que me perdoem!
Vou me despedir no próximo, mas já sinto as lágrimas :(
Vocês me acompanharam durante cada capítulo, torceram junto, choraram junto, reclamaram junto, e me incentivaram mais que qualquer coisa. Todo esse apoio é inacreditável, e eu sou uma escritora muito sortuda por isso. São poucos que têm essa sorte, que têm a experiência de escrever uma história que agrade e toque as pessoas.
Cada elogio foi absolutamente importante para mim. Eu não consegui e nem consigo agradecer apropriadamente, porque me faltam palavras. Especialmente a pessoa quem me inspirou e me motivou sempre, a Bruna. Eu só consigo ser grata.
Eu espero que eu agrade vocês, e que eu emocione vocês com esse final. Lembrem-se que ainda falta o epílogo!
Obrigada por essa caminhada, eu serei eternamente grata. Nos vemos no próximo capítulo, e, quem sabe, em outras histórias também!



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Para uma mente bem estruturada, a morte é apenas uma aventura seguinte.

 

— Ou sobre a guerra, que chega e termina, gritando, mandando. E matando –

 

— Precisa de poção revigorante aí, Naruto? – o garoto balançou a cabeça, negando, não se dando ao trabalho de levantar os olhos e identificar a voz. Vinha das suas costas, provavelmente era um dos curandeiros de plantão. Distraído, continuou a enrolar as ataduras em seus dedos, para ocupar os pensamentos. Não precisava de gaze, uma vez que um movimento rápido da varinha curaria todos seus ferimentos, ou, ao menos, os amenizaria. Mas, estava começando a ficar com calos, e as faixas o lembravam de casa, quando sua mãe enrolava-as nas mãos calejadas de seu pai.

Não sabia onde estava. Talvez em alguma província pequena demais para estar no mapa, próxima da Irlanda. O inverno estava se encerrando, mas camadas de gelo ainda cobriam a maior parte da vegetação, tornando impossível distinguir o país. Há semanas que parte do Segundo Esquadrão de Ataque dos Aurores da Brigada Especial aparataram naquelas terras, seguindo rastros novos de Comensais. Algumas horas atrás toparam com dois deles, e, apesar de uma árdua batalha ofensiva, conseguiram fugir novamente. O esquadrão estava exausto, e resolveram montar acampamento até a manhã.

Era janeiro novamente. Um ano se passara, e, apesar de ter tido os estudos interrompidos, Naruto fora o estudante mais jovem a ingressar oficialmente no batalhão de Aurores, sendo treinado pessoalmente pelo capitão Ibiki. Contudo, não era o único recém-formado. A guerra exigira grande parte dos alunos que demonstraram interesse pela carreira de auror, e muitos foram convocados sem o treinamento exigido. O Ministério da Magia buscava poupar bruxos aposentados, e tinham um grande número na ativa, o suficiente para um cerco bem armado. Ainda assim, estavam sempre um passo atrás, e os últimos meses foram simplesmente aterrorizantes.

A guerra explodira pouco depois de dezembro. O ataque sofrido em Hogwarts servira de estopim, e tinha por objetivo capturar o professor Hiruzen, um dos bruxos mais poderosos da história, e, apesar de terem falhado, muitos alunos ficaram feridos, e, infelizmente, alguns foram mortos. A escola tentou prosseguir com as atividades, ao menos, para treinar os alunos, mas, em meados de abril, os sextanistas e setimanistas saíram para convocação, e os mais novos foram mandados para casa, ou para escolas preparatórias de defesa. O Ministério contatara outros países, buscando apoio de outros centros de magia espalhados pelo mundo, e uma cadeia bem-sucedida foi formada, tratados foram reestabelecidos, e bruxos se uniram.

Sempre que pensavam estar avançando, algo acontecia, e eles tinham de recuar. No começo, focaram apenas em capturar e interrogar o maior número de Comensais que conseguissem. Mas, então, se iniciaram os ataques. Explodiam em pequenos distritos ingleses, e, depois de alguns meses, também aconteciam em países vizinhos. O foco se voltou para defender os bruxos nascidos-trouxas. Uma baixa de registro foi divulgada pelo Profeta Diário, e todos os bruxos registrados ganharam um localizador. Mesmo com todos os cuidados, até aquele momento, cerca de duzentos bruxos foram assassinados, encontrados em valas, ruelas e estradas, junto de mensagens e avisos para interromperem os esforços e cooperarem.

Naruto terminou de enrolar as faixas e puxou a varinha, conjurando um pouco de água em seu cantil. Alguns itens se tornavam mais úteis estando sempre a mão, e, àquela altura, o garoto simpatizava com o uso mínimo de magia. Bebericou na garrafa, respirando fundo e fechando os olhos. Sentia-se sujo, e seu cabelo começara a cair sob os olhos. Não tinha tempo para cortar, e sabia que sua mãe surtaria ao vê-lo daquela maneira. Suas roupas de auror, embora práticas e convenientes, estavam sujas de poeira e ligeiramente chamuscadas. Um dos Comensais o atingira com um Lacarnum, e as chamas pegaram em sua capa.

A realidade era surreal, como se vivessem dentro de um dos livros de história do professor Gai. A guerra acontecia, do lado de fora da janela, nos povoados, em Londres. Nunca havia o visto, e as pessoas não falavam seu nome – mas Naruto não tinha medo de um bruxo que se escondia sob uma máscara. Quando ouviu seu discurso sobre puros-sangues pela primeira vez, sentiu raiva. A Nova Ordem da Sociedade bruxa pregava pela existência de bruxos puros, de descendência inteiramente bruxa, criando uma geração mais forte do que nunca. Depois de apresentado pelo mundo bruxo, muitas famílias aderiram à sua política, embora somente os Comensais utilizassem a Marca Negra para se identificar e se comunicar entre si. Naruto se dedicara a aprender o máximo possível depois do ataque em Hogwarts. Sobre Ele, sobre a guerra, sobre seus seguidores, sobre Comensais da Morte.

Seus punhos se fecharam, embora Naruto tentasse relaxar. Seu rosto queimou, mas ele não chorava há muito tempo. Sua mente ainda tinha gravado cada instante daquele dia, embora parecesse ter ocorrido anos atrás. Em uma outra vida. O Salão Principal foi reparado tão rapidamente quanto foi destruído, e, apesar de ninguém saber como conseguiram desfazer o feitiço que não permitia aparatação dentro dos limites do castelo, este também fora refeito, mais forte do que antes. Cada pequena lasca de coluna foi reparada, mas havia rachaduras impossíveis de serem consertadas. Dez alunos foram mortos naquele dia, e cerca de cinquenta ou sessenta tiveram ferimentos graves. Madame Chiyo e a professora Tsunade trabalharam madrugada a dentro para produzir poções curadoras, mas não podiam fazer nada para os alunos que perderam amigos, familiares, pessoas especiais.

Naruto também perdeu uma pessoa especial naquele dia. Mas não da maneira que as pessoas esperavam.

Seus amigos acreditaram que ele havia contido a garota, antes de ser estuporado e ter desmaiado. Dentre os quase vinte Comensais que invadiram o castelo, apenas um deles realizou ataques que não feriram os estudantes. Apenas feitiços leves para empurrar. Os alunos que tiveram condições fizeram relatos para identificar os atacantes, e foi possível diferenciar este Comensal dos demais. Afinal, não havia, em Hogwarts, um só aluno que não reconhecesse as íris pérola dos Hyuuga.

Naruto soube que, dentre os Comensais, Hinata fora a única que não ferira nenhum aluno. A cena antes que o ataque começasse convenceu seus amigos que ele tivera algo com isso, mas, a verdade era que Naruto sentia frustrado na maior parte do tempo, porque ele apenas não sabia o que tinha acontecido. Repassava o diálogo em sua mente, o toque ainda queimava sua pele, mas, em determinado momento, ele simplesmente não sabia distinguir realidade de fantasia. Naruto sabia que ela havia deitado-o no chão, sabia que ela havia acariciado seu cabelo. Entretanto, parte de si ainda gritava que aquilo era meramente o que ele queria acreditar.

Ele queria acreditar que Hinata era boa. Queria acreditar que ela, deliberadamente, não atacara nenhum dos alunos. Que havia alguma explicação para a Marca Negra que ela exibia em seu antebraço, quando a capa escorregou para suas costas.

Naruto queria acreditar que o que Hinata dissera era verdade.

No entanto, cada mínima prova gritava o contrário. Ela o estuporara. Ela o atacara, e, olhando nos seus olhos, escolhera o outro lado. Ela era uma Sonserina, de uma família conhecida pelos ideais que tinha. Ela desaparecera naquela tarde, como todos os outros alunos, a maior parte da casa serpentina, mas havia alguns outros da Lufa-Lufa e da Corvinal. Ela nunca mais mandou notícias, e, tempos depois, soube que a mansão Hyuuga havia sido demolida.

Era como se a garota que Naruto costumava beijar nunca tivesse existido. Teria ele sido tão estúpido àquele ponto? Teria Naruto acreditado em cada uma das mentiras, cego, desnorteado? Ele não queria acreditar.

Abriu os olhos, com um tremor percorrendo sua coluna, as memórias que ele tentava evitar ameaçando preencher sua cabeça. Em vez disso, concentrou-se ao redor, procurando desesperadamente por uma distração. Levantou-se, com uma das pernas adormecida, e sacudiu a poeira das vestes. Andou, devagar, os olhos se acostumando com a pouca luz. Mesmo que fosse a tarde, o céu estava escuro. Estava daquele jeito há algum tempo, e o inverno estava sendo rigoroso. Até mesmo os bruxos estavam tendo dificuldades.

O cenário a sua volta era deprimente. Bruxos de muletas, roupas rasgadas e expressões apáticas. As barracas erguidas contrastavam com os blocos de pedra espalhados pelo chão, desmoronados. Estavam em uma antiga fábrica, ou casarão, há muito desabitados. Apesar de conseguirem conjurar água e comida, tinham um estoque limitado de raízes para poções úteis, como revigorante e de cura. Havia um curandeiro no esquadrão, a postos para cuidar de algum ferimento mais urgente. Mesmo que a magia fosse uma aliada essencial, aquele era um grupo de soldados em batalha, e estavam tão exaustos e psicologicamente destruídos quanto homens trouxas em batalhas trouxas.

Naruto caminhou um pouco, cumprimentando com a cabeça seus companheiros. Por onde olhava, via rostos desconhecidos, e seu coração falhava uma batida de tristeza. Já fazia alguns meses que não via seus amigos. No esquadrão de aurores havia um curandeiro, mas eram selecionados aleatoriamente. Até onde Naruto sabia, Sakura estava servindo em algum lugar próximo da Sérvia, em um batalhão de reconhecimento e captura. A última carta, breve, que trocaram, foi perto do Natal. Ela também não sabia sobre os outros. Ino também servia como curandeira, e Kiba havia se alistado com os aurores, mas queria trabalhar no Departamento de Controle de Magias. Não tinha experiência com batalhas. Shikamaru estava no esquadrão de Inteligência, mas Naruto não sabia onde. Havia Shino e Rock Lee, seus amigos da Corvinal. Outros colegas com quem convivera em Hogwarts, companheiros de time, colegas de Quadribol, das turmas avançadas. Naruto não sabia de mais ninguém, sequer dos professores de Hogwarts. A guerra havia separado todos eles, e estar sozinho, as vezes, era mais difícil de suportar que uma batalha.

Não via seus pais desde o Natal do último ano, quando contou que se alistaria para os aurores. Mesmo com medo e preocupados, seus pais entenderam que aquele era seu chamado para o exército bruxo, e que Naruto faria parte de algo bravo e grandioso. E, quando estava prestes a partir, viu seu irmão, do alto da colina, e ele acenou. Há anos não se falavam, e foi naquele momento que Naruto sentiu o peso maior de partir para lutar. Ele queria ficar. Estava com medo, apavorado. Deixava para trás sua família, e não sabia quando iria voltar. Não sabia se iria voltar.

Estava tudo uma merda.

Se aproximou silenciosamente de um aglomerado de aurores. Apesar de serem desconhecidos, havia uma aura de companheirismo e lealdade entre eles. Lutaram juntos, salvaram a vida um do outro, e compartilhavam histórias que até mesmo os bruxos mais destemidos duvidariam. Estavam sentados, conversando, e dividiam um pedaço de torta envelhecida. O garoto ficou de pé, recostado sobre uma sólida rocha. Ninguém olhou para ele.

— Ibiki mandou um patrono, estão rastreando alguns Comensais na Irlanda, e mandarão o terceiro esquadrão. Por enquanto ficaremos aqui até de manhã, e depois iremos para a Escandinávia. Parece que temos um informante por lá. – fez uma careta indiscreta que deixava seu rosto mais enrugado. Naruto não lembrava o nome dele, mas tinha cabelos protuberantes na testa e uma cicatriz amedrontadora que percorria todo seu pescoço. Encarando a cicatriz, Naruto quase não acompanhou a conversa, e ficou abertamente surpreso quando ouviu que iriam para a Escandinávia. Ele nunca havia mais longe que Manchester, e, de repente, estava conhecendo toda a costa oeste da Europa.

— Faz tempo que não volto para casa. – comentou um cara grande, de tapa-olho, com a voz grossa e rude. Naruto se surpreendeu por ele dizer “casa” – O que foi, Uzumaki? Parece indignado. – o loiro se surpreendeu quando perguntaram algo diretamente a ele, e procurou não ficar nervoso. Entre os bruxos ali, era o mais novo e o mais inexperiente.

— Nunca fui à Escandinávia. – respondeu, dando de ombros, e uma das garotas, mais alta que ele, na esquerda, o fitou compreensivamente.

— Não? – o da cicatriz repetiu, genuinamente surpreso – Então não sabe para onde vamos? – Naruto balançou a cabeça negativamente, aguardando – Vamos para Durmstrang. – Naruto conhecia muito pouco da segunda das três escolas de magia europeias, e a localização não estava entre os requisitos. Pelo que ouvira, Durmstrang cultivava músculos, resistência e brutamontes, o que explicaria o cara do tapa-olho e, sendo sincero, um terço dos bruxos com quem estava viajando.

— Da onde você veio, moleque? – um terceiro cara perguntou. Era baixinho, talvez um ou dois palmos a mais que Naruto, e estava sempre com um canivete trouxa preso ao cinto. Era mais fácil identificá-los pelas características, enquanto não aprendia os sobrenomes. Depois de algumas semanas, Naruto queria ser capaz de saber seus nomes, mas tinha outras coisas na mente, o distraindo sempre.

— Hogwarts. – o Uzumaki fingiu não ver uma ou duas caretas, e não sabia que a escola era tão mal vista.

— Isso explica muita coisa. – resmungou o cara do canivete, que havia perguntado – Qual sua Casa?

— Sou da Grifinória. – Naruto respondeu com certo orgulho, inflando o peito. Havia uma espécie de honra em falar sobre sua antiga Casa. Como mostrar ao mundo que, um dia, ele pertenceu a um lugar de pessoas bondosas, leais e altruístas.

— Hunf. – o do canivete bufou, parecendo ofendido, e Naruto não entendeu. Resolveu dar as costas, afastando-se do curioso grupo. Há algum tempo que se dava melhor sozinho.

Sentou-se próximo a uma das portas de acesso, onde estava mais frio, e agradeceu por seu suéter extra embaixo da grossa capa. Mexeu na neve com os pés, e era como ponta de cotonete. Não havia nenhum tipo de beleza romântica ou surreal, apenas água congelada e fofa. Naruto não culpou a natureza – não conseguia ver muita beleza ultimamente.

Encarava o horizonte escuro quando sentiu alguém se sentar do seu lado. Não se virou, mas notou que era uma garota, a mesma que o olhara compassivamente há poucos minutos. Olhando de perto, conseguia enxergar algumas sardas e os dentes da frente sobressalentes, mas ela era bonita. Os fios eram ralos, presos para trás, os resquícios do que teria sido um cabelo cheio e brilhante. Parecia liso demais para preencher seu rosto esticado. Ela era miúda, quase como uma criança, o que não explicava a altura, como se ela tivesse sido repuxada pelos braços e pernas quando mais nova.

— Não liga para o Hidan. – Ah, então esse é o nome dele. A garota tinha voz era anasalada – O filho dele estudava em Hogwarts quando aconteceu o ataque, estava no segundo ano. Não resistiu. – Naruto engoliu em seco, sentindo-se subitamente culpado, como se ele próprio tivesse matado a criança. Apiedou-se do homem, eliminando quaisquer pensamentos negativos sobre ele. Era só mais um homem atormentado pela guerra.

— Eu sinto muito. – murmurou, ainda evitando olhá-la nos olhos.

— Ele culpou a diretora da Grifinória por não ter conseguido curar os ferimentos dele. Desde então, se tornou amargo. Não é pessoal. – Naruto sentiu-se um tanto ofendido, mas relevou, porque ele tinha boas justificativas.

— A professora Tsunade deve ter feito tudo que estava no alcance dela, eu tenho certeza. – partiu em defesa da diretora, e seu coração se apertou um pouco mais de saudade. Ergueu o rosto, e os olhos castanhos pareciam sagazes enquanto analisavam-no.

— Você estava lá quando aconteceu? – a pergunta ainda incomodou, mesmo fazendo tanto tempo.

— Estava. – suspirou – Bem no Salão. – memórias dolorosas invadiram sua mente, e ele as expulsou antes que o dominassem completamente – Foi caótico.

— Sinto muito por isso. – Naruto deu de ombros – Algumas amigas estudavam em Hogwarts, fiquei sabendo algumas horas depois. Muita gente se feriu. Elas perderam alguém importante. – a garota fez uma pausa, encarando-o com um olhar que o fazia se encolher – Você também perdeu uma pessoa importante. – o loiro murchou os ombros, desviando o rosto. Sua garganta raspou, mas não havia porquê mentir. Já fazia tanto tempo.

— Sim. – sua voz não passou de um sussurro.

— Você parece novo demais para esse tipo de coisa. Desde que chegou aqui, parece que você está sempre tentando esquecer algo, fugir. Ela era sua namorada? – a garota era observadora, do tipo que decifrava segredos. Naruto não estava confortável com aquela conversa, mas não tinha mais ninguém para conversar.

— Era. – falar no passado parecia tornar ainda mais doloroso – Nos conhecemos desde o primeiro ano. Foi repentino. Não consegui me despedir. – suspirou, agora mais tristemente, torcendo os dedos. O frio estava começando a chegar até eles.

— Você parecia amá-la muito.

Naruto nunca tivera a oportunidade de responder. Sequer pensar sobre o assunto. Quando acordou na enfermaria, a cabeça rodando, pessoas gritando, espalhadas por todas as macas, não sabia o que pensar. Sentiu que havia acabado. O episódio se repetiu incontáveis vezes na primeira semana, e foi diminuindo gradativamente, até que, finalmente, só se lembrava de Hinata em seus sonhos – e ele procurava dormir o mínimo possível –. Era amor? Ele não sabia mais dizer. Seu coração sangrava quando pensava em seu nome, e havia pedaços espalhados pelo vento, irrecuperáveis. Ferido para sempre. Gostava de pensar que ela tinha morrido, porque a dor da perda era menor que a dor da traição.

— Da onde você é? – perguntou, mudando de assunto sem disfarçar, e a garota sorriu um sorriso morno, compreensivo.

— De Beauxbatons. – o loiro se surpreendeu.

— A escola da França? – ela assentiu – Nossa, que surpresa. Você não parece o tipo de garota de Beauxbatons. – esperou que ela não tivesse se ofendido, mas ela apenas riu, divertida. Naruto aprendera muito pouco sobre a escola francesa também, mas sabia que era frequentada por garotas, bem, garotas muito bonitas.

— Eu sei, não sou loura e esbelta. – Naruto riu amarelo, envergonhado, mas ela levou na brincadeira – Você tem que ver minha irmã. Uma verdadeira veela. Eu fui para lá por causa dos meus pais, para que continuássemos juntas. É óbvio que não fiz muito sucesso, mas é uma boa escola. Se você ignorar toda a obsessão por beleza, claro. – a garota deu de ombros, despreocupada.

— Você é bonita. – Naruto tratou de dizer, rapidamente, e não estava mentindo. E, além do mais, fora a primeira pessoa realmente gentil que falara com ele em meses, e aquilo era alguma coisa. A garota sorriu, um pouco menor, com as bochechas coradas, contrastando com sua pele muito branca.

— Obrigada. – agradeceu, verdadeiramente – O que voce...

Foram interrompidos por uma explosão, do outro lado da construção, e puseram-se de pé em um instante, a varinha já em mãos. Naruto sentiu o pé formigar, mas ignorou, enquanto a garota do seu lado puxava a capa para cima dos ombros, atenta. Os demais homens também gritavam instruções, recolhendo barracas e suprimentos, e objetos voavam de um lado a outro. Havia muita fumaça, e Naruto conseguiu distinguir uma ou duas silhuetas hostis.

Os atacantes avançaram, lançando feitiços não-verbais, e o Uzumaki gritou Protego algumas vezes antes de conseguir conjurar um escudo forte o suficiente. Procurou pelos companheiros, e avistou somente o do tapa-olho, lutando contra um outro homem, alto, que se desfazia em sombras da cintura para baixo. Naruto conhecia o truque irritante, uma das várias marcas registradas dos Comensais. Dentro de si, algo ferveu, e, de repente, ele queria lançar uma maldição imperdoável, mas sabia que somente atrapalharia. Em vez disso, se concentrou na retaguarda, protegendo-os de feitiços surpresa. Não conseguiu identificar as máscaras, mas eram dois homens. Naruto ficou irritado quando sentiu o alívio tomar conta das suas pernas.

— BASE NÚMERO DOIS! – o do canivete gritou, com uma mochila nas costas, e, em seguida, desapareceu em um redemoinho. Naruto entendeu a mensagem, e mentalizou a base de operações número dois, um dos refúgios combinados para casos de fuga ou se algum dos membros se perdesse no caminho.

Já sentia seu corpo se retorcer para dentro quando seus olhos captaram um Comensal próximo, bem próximo. Foi tomado pelo terror. Não daria tempo de revidar, e ele já estava aparatando. Tudo aconteceu em questão de segundos. Esperou pelo ataque certeiro, mas, quando seus olhos focalizaram pela última vez, viu uma luz brilhante atingir um corpo à sua frente, e a garota caiu, desacordada. Naruto gritou tarde demais, e, no próximo piscar de olhos, estava na sala escura e protegida, junto dos outros membros, que respiravam fundo, tentando se recompor. O loiro apoiou em um dos pilares de concreto, sem ar. Esperou alguns minutos, mas ela não chegou.

Naruto sequer havia perguntado seu nome, e ela arriscara a vida para salvá-lo. Sua garganta se fechou, e uma lágrima teimosa escapou pelo canto do olho, descendo pelo rosto sujo de fuligem. Aquela era só mais uma perda de guerra, mas, a cada dia que passava, Naruto sentia-se afundando mais e mais. Ele não aguentaria muito tempo.

 

Alguns dias se passaram depois do episódio na construção. Não sabia ao certo em que dia estavam, uma vez que sempre parecia ser noite, e a contagem das horas era confusa. Permanecia na base de operações, e, quando saía para reconhecimento de campo, era sempre pela madrugada. Há tempos que não via o sol.

Apenas um dos membros não retornou naquele dia, e, depois que chegaram são e salvos na Base Dois, o próprio capitão Ibiki se encontrou com os aurores, os informando sobre as novas novidades. Parecia, de certo, óbvio que eles procuravam pelo Uzumaki, sendo uma nascido-trouxa e um dos aurores da Brigada Especial. Por sorte, conseguiram defender-se e Naruto estava vivo. Não capturaram nenhum dos dois homens Comensais, que desapareceram quando o grifinório aparatou. De qualquer maneira, aquele ataque representava uma ameaça muito mais próxima do que imaginavam. Decidiram, por precaução, manter Naruto na área de Reconhecimento Especial, e ele voltou a trabalhar na Inteligência, analisando padrões e feitos não-naturais, em busca de algo que os ajudasse a encontrar alguma pista.

Naruto não gostava de trabalhar sentado em uma mesa de escritório. Gostava da ação, de lutar, de estar no mundo real, lutando pelas pessoas que precisavam dele. Mas Ibiki o havia proibido de sair do prédio de operações. Conseguira, ao menos, mandar uma carta para seus pais, e recebera um cartão, no dia anterior, de Sakura. Um telegrama mágico, que não revelava sua localização, mas dizia que estava bem e com saudades. Também estava trabalhando com pesquisa de campo, procurando novas formas de cura rápida para ferimentos de feitiços.

O Uzumaki não gostava de sentir inútil. Sabia que sua verdadeira força era lutar, perseguir Comensais. Sem isso, ele era apenas um bruxo frustrado com muito tempo para pensar – e, na maioria das vezes, ele tentava desesperadamente não o fazer –. Lembrava bastante de Miyagi – e depois ele descobrira o nome dela –, e entrou em contato com os pais da garota pessoalmente. Era o mínimo que poderia fazer.

Mas, depois disso, tudo que ficava fazendo era ler relatórios e fazer análises de comparação. Localizara duas possíveis posições de quartel-esconderijo de Comensais, mas, ao chegarem, já haviam sido abandonados. Estava sempre um passo atrás. Conseguia vê-los, suas costas, mas nunca os tocava. Era insatisfatório, para dizer o mínimo.

Suspeitava que estava em algum lugar da grande Londres, mas era tudo sempre silencioso demais para saber. Sentia-se confortável, familiarizado com a atmosfera, mesmo que trouxesse lembranças dolorosas. Fevereiro estava quase acabando àquela altura, e a neve se desfazia, dando lugar para as novas flores. Mais uma estação. A guerra durava há pouco mais de um ano, agora.

Naruto suspirou, novamente. Fazia muito isso ao longo do dia. Puxou seu caneco e encheu com água, tomando um gole generoso. Ajudava a manter sua mente clara. À sua frente, uma pilha de papéis com códigos indecifráveis. Sabia que estava deixando algo passar, e aquilo o irritava. Sentia que estava perto, perto o suficiente para mudar o rumo das coisas, mas escapava entre seus dedos, como areia.

— Você parece um velho. – se virou, dando de cara com Ibiki, e sua habitual máscara. As cicatrizes que escapavam gritavam como um letreiro, indicando um homem com várias histórias para contar. Ibiki era o capitão de maior mandato da história dos Aurores, e poucos sabiam sua idade verdadeira. Apesar disso, mantinha-se em forma, os músculos saltando pela capa pomposa.

— Estou envelhecendo cada vez mais nessa cadeira. – não perdeu a oportunidade de reclamar, enquanto Ibiki puxava uma cadeira ao seu lado. Quase nunca sorria, mas as vezes seu rosto tremia nas laterais, como um riso contido.

— Você está perto, garoto. – haviam criado um laço amigavelmente forte depois que Tsunade os apresentou, muito antes dos períodos de inscrição.

— Mais ataques? – Naruto sabia a resposta. Ibiki estava com uma carranca cansada, e o loiro só via aquela expressão quando tinha más notícias. Dito e feito, o mais velho assentiu.

— Três nascidos-trouxa foram encontrados perto de Liverpool. – apenas alguns quilômetros de Londres – Identificamos o mesmo padrão de ataque, mas não tinha nenhum recado. – Naruto fechou os punhos, furioso.

A guerra o deixava constantemente irritado, mas, quando os ataques aconteciam, seus olhos viam vermelho. Ele não entendia porque inocentes tinham que morrer. Ele não entendi o propósito, a motivação. Se fosse algo justificável, como riqueza ou terras. Pessoas estavam sendo torturadas porque um filho da puta tinha decidido que puros-sangues tinha que dominar o mundo. Uma nova sociedade estúpida, e existia quem apoiava aquela merda. Dezenas delas, pregando ódio por algo que sequer conseguiam enxergar. O sangue era da mesma cor, mas dados microscópicos em uma cadeia de DNA determinavam quem era superior. Naruto odiava aquilo, ele odiava com todo seu coração. Odiava Ele, odiava seus Comensais – a elite escolhida por ele para pôr em prática seu trabalho sujo –. Naruto odiava-os, e odiava ainda mais um em específico, apenas por não conseguir odiá-la de verdade. Sua própria guerra interna.

— Filho. – Ibiki tinha a estranha habilidade de acalmar o ambiente, e Naruto respirou fundo, desfazendo o nó dos dedos, que já estavam brancos.

— Desculpe. – murmurou – É que é tão injusto! – reclamou – Se eu o encontrar algum dia, mato ele com minhas próprias mãos. – resmungou, a voz rouca, e Ibiki parecia se divertir, com sua expressão impassível.

— Eu duvido muito. – Naruto o fitou, ofendido. – Garoto, você é um Grifinória. Você é bom, é justo, mas não é um assassino. Isso é trabalho para um Sonserina. – Naruto fingiu que não tinha sido atingido com a frase, e resolveu deixar para lá – Me diga, você conhece Ele? Quem nós caçamos? O líder?

O Uzumaki não conhecia mais que os civis. Nunca o tinha visto, nem mesmo por foto, porque ele nunca se pronunciara em público. Conhecia os boatos, sim, e as especulações. Sabia da máscara, e da postura, e da aura de medo que exalava. E sabia que ninguém se atrevia a dizer seu nome.

— Ele é um dos bruxos mais fortes desse século. – Naruto quis discordar, mas se calou – É a verdade. Ele é forte, e influente. Ele fez centenas de bruxos acreditarem no que ele pensa e defende. Ele tem bruxos e bruxas lutando por ele, uma horda de pessoas dispostas a morrer por ele. – Naruto definitivamente não se sentia confortável com as memórias que vazavam em sua mente – Entende o que quero dizer? Ele é poderoso, mas não somente em força. O que você faz aqui, filho, é muito mais importante do que ficar lá fora, caçando Comensais. Precisamos de toda a informação que pudermos para derrotá-lo. A guerra está chegando ao fim, eu tenho certeza. Não desanime agora.

Ibiki deu duas batidas em seu ombro e saiu, deixando-o sozinho com os relatórios. Naruto estava estático, pensando no que ele lhe dissera. De outro ângulo, o trabalho não parecia tão ruim. Parecia mais leve quando voltou a analisar as fichas criptografadas. Suas sobrancelhas estavam franzidas, e ele quase conseguia ouvir Ino o mandando parar. Sorriu.

Ele conseguia esquecer da guerra, das pessoas, dos Comensais, das sempre noites. Conseguia se concentrar no passado, no Salão Comunal vermelho e amarelo, nas festas, no Quadribol. Se fechasse os olhos, sentia o vento contra seu rosto. O tempo passou depressa, e ele ainda não estava pronta, mas duvidava que um dia esteve. Só precisava continuar, continuar pelo seu esquadrão, pelas pessoas que precisavam que ele encontrasse aquelas pessoas.

Um barulho alto indicou uma nova leva de relatórios. Naruto buscou o descriptografador, e analisou linha por linha, um pouco distraído. Suspeito próximo a Escócia, que ficava há algumas poucas horas da Inglaterra. Analisou, mais atentamente, as informações descritas, e, próximo ao final do relatório, sentiu a cor sumir de seu rosto, e seu coração falhar uma batida. Já faziam meses, um ano, mas suas pernas ainda tremiam, e ele queria chorar.

Suspeito mulher, jovem, de cabelo escuro e Marca Negra exposta. Capa com broche verde e prata. Olhos brancos, quase translúcidos.

 

Hinata suspirou, pelo que seria a terceira ou quarta vez naquele minuto. Sua impaciência estava no limite, e, enquanto ela tamborilava os dedos sobre a mesa de mármore, dois pares de olhos se voltaram para ela, irritados. Ela não se importou, e continuou com o barulho repetitivo. Já deveria ter ido, mas ficara presa naquele lugar estúpido, esperando ordens que muito provavelmente não iria cumprir.

Estava cansada, e não só fisicamente. Seu psicológico se tornara uma massa cinzenta e gotejante, enquanto seu cérebro se esforçava cada vez mais para elaborar as próximas táticas, os próximos passos. Hinata já estava muito bem sem aqueles idiotas mandando nela. Ela não precisava de instruções. Se saíra muito bem sozinha, e, sendo completamente sincera, metade de todo o sucesso da operação se deu por suas habilidades exímias de não foder com tudo.

No entanto, seus resmungos foram completamente ignorados, sob a ameaça crescente de levar uma bronca do chefe. Hinata duvidava muito daquilo, porque: 1. ela fazia tudo certo e; 2. Ele não se daria ao trabalho de sair de seu esconderijo para ir, pessoalmente, obrigar um Comensal a fazer qualquer coisa.

A Marca coçou, mas ela resistiu ao impulso de puxar a blusa para esfregar. Suas unhas estavam grandes demais, e machucavam a pele, a deixando vermelha por horas. Apesar de ninguém ver por baixo da capa que constantemente usava, a incomodava ter o braço manchado e arranhado. Bater os dedos sobre qualquer superfície se tornara seu novo hábito irritante para transferir a ansiedade e impaciência, mas as pessoas não costumavam gostar daquilo. Ela não se importava muito – a cobra gigante em seu braço era motivo suficiente para lhe deixarem em paz.

Finalmente Kimimaro rompeu pela porta, trazendo um pergaminho firmemente lacrado, e Hinata rolou os olhos. Ela tinha certa aversão contra o garoto – nutria o mesmo sentimento por grande parte das pessoas com quem trabalhava –, e não gostava do sorriso cínico que ele carregava, como se fosse superior a ela. Hinata não gostava de ficar lembrando aos outros que ela era importante, como um braço esquerda de um monte de tentáculos, mas os demais pareciam se esquecer do seu sobrenome. Era irritante.

— Aqui. – ele estendeu e Hinata o puxou, escondendo sobre sua bolsa magicamente encantada, que guardava uma quantidade considerável de livros, itens e frascos – São as últimas coordenadas. Precisamos do cálice. – a garota assentiu, sem dar muita atenção – E outra coisa. – ela se dignou a levantar os olhos, encarando-o com frieza – Você tem que ser mais cuidadosa. – a garota freou uma careta indignada – A força de reconhecimento quase te pegou na Escócia. – Hinata bufou.

— Dane-se, eu sou a pessoa mais cuidadosa dessa droga. – praguejou – Mesmo que me identifiquem – bufou com a simples menção da possibilidade –, jamais vão conseguir me pegar. Agora me deixe trabalhar e para de pegar no meu pé.

— Não diga que eu não avisei, lindeza. – Hinata quis azará-lo tão forte que ele precisaria de anos para se recuperar completamente. Mas, novamente, apenas bufou e deu as costas, aparatando no minuto seguinte, aparecendo em seu refúgio.

Desabou na poltrona mais próxima, levantando uma nuvem de poeira que incomodou seu nariz. O pergaminho continuou na bolsa, e ela quis dormir. Era difícil ser uma das mais novas na Elite, mas era mais ainda ser uma das duas garotas que compunham o seleto grupo de fiéis. Haviam vários Comensais, mas poucos tinham o prestígio e a influência da Elite. Eram os únicos que já tinham estado na presença d’Ele, e que possuíam a Marca Negra verdadeira. Um truque inteligente, que identifica aliados, mas somente a Marca verdadeira queimava no braço dos demais Comensais quando precisavam se comunicar.

A Hyuuga se livrou da capa pesada, alisando a blusa e a calça escura. Seus pés doíam nas botas de combate, e ela sentia falta das roupas de linho, mas estava constantemente em países frios, e não podia arriscar. Hinata sentia falta de várias coisas. Seus pensamentos voaram, mais uma vez, para Hogwarts. Pensava na escola em uma quantidade consideravelmente alta de vezes, e tinha que tomar cuidado quando estava muito próxima d’Ele. Sua oclumência era poderosa, e o menor erro colocaria tudo a perder. Pensava no castelo por diversos motivos. O principal delas era sua missão, mas não era raro que suas memórias a levassem de volta para a Sala Precisa, e, nesses momentos, sua pele se aquecia e eriçava, e seus olhos ardiam. Havia controlado o choro excessivo, mas ainda não sabia refrear as sensações que tomavam conta de suas terminações nervosas. Ela ainda sentia aquele cheiro, seus dedos ainda percorriam aqueles fios, sua boca ainda beijava aqueles lábios. Tudo era tão vívido que doía.

Não houve um só dia em que ela não pensasse nele. Em que não se sentisse culpada, ou arrependida, mas aquele fora o caminho que escolhera, e não havia voltas. A guerra estava próxima do fim, e o confronto seria certo. Mais que isso, Hinata estava apenas à espera da confirmação da data que poria fim aos ataques e as buscas desenfreadas por todo o continente. Seria inevitável, e enfrentá-lo seria doloroso, mas ela já havia o feito uma vez.

Seus olhos a encarando eram como feridas que nunca cicatrizaram, e ela se esforçou para causar uma explosão visual quando o lançou. Correu o risco de ser vista, mas teve que se despedir mais uma vez, checando se ele estava apenas desacordado, e não ferido. Ela nunca se perdoaria se ele estivesse ferido. E, depois, cuidou para que todos os feitiços não tivessem potência, apenas barulho. Ela deve ter acertado cerca de dez ou doze alunos, e todos estavam bem quando ela aparatou para fora do castelo.

Hinata nunca ouviria sua resposta.

Naqueles momentos, era excepcionalmente difícil ser Comensal, mas o cachecol verde e prateado a fazia lembrar de casa, e a acalmava momentaneamente. Estava quase dormindo quando um estalo a acordou, assustada, e ela encarou o fundo da sala. Era um lugar abandonado, esquecido por Merlin, justamente para que ela pudesse descansar e planejar seus próximos movimentos. Mas, com a mesma velocidade que se assustou, se acalmou. Somente uma pessoa conseguiria aparatar ali livremente. Se pôs de pé, dando-o um abraço caloroso.

— Você demorou! – sua voz estava mais suave, e ela se sentou com ele no sofá rasgado – Achei que não vinha mais essa semana. Me preocupou, Itachi.

— Desculpa, Hina. – sua voz estava mais grave que outrora, mas seus olhos eram leves e calorosos. Hinata sentira falta daquele olhar.

Hinata e Itachi continuaram se vendo quando o Uchiha saiu de Hogwarts, quase tão regularmente quanto antes. Confiavam piamente um no outro, e tinham estabelecido um laço forte de lealdade e amizade mútuos. Se cuidavam e protegiam, e, quando a guerra estourou, combinaram alguns possíveis lugares de encontro, e, caso necessário, de fuga. Era necessário para a missão a qual estavam destinados.

Fora Itachi quem a inseriu dentro do círculo de confiança deles. Ela estava lá na primeira reunião do quinto ano, antes mesmo de Sasuke e Gaara. Ela estava assustada e fascinada. Sabia da sua sina, desde que nascera, e estar a concretizando era aterrorizador, mas Itachi sempre estivera ao seu lado. Durante anos, Hinata pensou ser perdidamente apaixonada pelo Uchiha, mas tudo mudou no sexto ano, e ela percebeu que sentia por ele um grande carinho fraternal, como irmãos. Itachi conhecia todos seus segredos, e fora ele quem a segurou quando ela desabou, na primeira noite.

Há meses que a operação se tornara fatalmente perigosa, e cada passo tinha que ser monitorado e informado. Não podiam se perder no plano. Por sorte, Itachi tinha grande confiança d’Ele, um dos poucos realmente com esse poder. Trabalhou de agente duplo por anos, e conquistou cada criatura de Hogwarts com seu carisma natural e seus talentos natos. Era necessário na época, e os resultados estavam se refletindo naquele momento.

Itachi trazia junto de seu corpo uma embalagem coberta e protetoralmente abraçada, e Hinata respirou aliviada. O homem nunca ficara tanto tempo ser dar notícias, e ela esperava pelo pior, mas ele retornara. Tinha marcas de batalha e arranhões por todo o rosto, o cabelo desarrumado e as roupas sujas.

— Foi mais complicado do que eu pensei. – tirou suas botas, esticando os pés e lançando feitiços para cicatrizar – A segurança estava reforçada, e eu tive que usar as passagens de emergência, mas estava no mesmo lugar que eu guardei dois anos atrás. – Hinata se lembrava do episódio, e, naquele tempo, rira sozinha com as suposições surreais que bolaram para a volta de Itachi Uchiha para Hogwarts.

— Agora só falta um. – Hinata estava excitada. Estavam mais perto do que imaginou, e aquilo a deixava com medo, mas animada.

— Sim. Vou tentar convencê-lo a fazer no próximo mês. Ele conseguiu a maior parte dos artefatos a essa altura, e vai estar confiante o suficiente. – Hinata suspirou. Um mês. Não era nada.

Um mês. A maioria das pessoas – as normais – temeriam saber que estão com o tempo de vida contado, mas Hinata, surpreendentemente, não estava com medo de morrer.

Era para ser daquela maneira. Ela passou anos da sua vida discutindo aquele momento, cada etapa milimetricamente calculada, e, finalmente, o momento estava chegando. Hinata não sentia medo ou receio, e ela tinha, de fato, apenas um grande arrependimento em toda sua vida. Ficaria grata quando ela chegasse ao fim, porque significaria que acabara. Tudo acabara. E ela poderia descansar em paz.

— Você está com medo? – Itachi tinha a voz aveludada, e a abraçou lateralmente. A garota se aconchegou, mas negou, tranquila.

— Estive esperando por isso há mais de um ano, já. Precisa terminar. – ela falava com simplicidade, e, sem as máscaras e as poses, era muito mais leve.

— Vou sentir sua falta. – Itachi murmurou, e a garota sentiu-se agradecida – Não sei o que vou fazer aqui depois que acabar.

— Você precisa ficar! – Hinata se afastou para poder olhá-lo nos olhos – Precisa cuidar do Sasuke, e do Gaara também. E precisa explicar para ele. – sua garganta se fechou subitamente, e Itachi a tranquilizou.

— Eu vou! Eu juro, Hina, eu explicarei tudo, desde o começo. – a Hyuuga agradeceu emudecidamente.

Ficaram em silêncio, meditando. Faltava apenas um objeto, o mais difícil deles, mas a sorte estaria a favor deles. Em um mês, aconteceria a excursão, e eles teriam as forças suficientes para conseguirem passar despercebidos. A presença d’Ele ofuscaria todo o resto. Hinata queria chamá-lo pelo nome quando chegasse a hora. Para que se igualassem, para que fossem iguais. Ela não tinha medo, mas sabia que os nomes tinham força, e por isso ninguém dizia.

Ela jamais esqueceria da primeira noite. Seus joelhos tremiam, e ela sentiu um medo que nunca imaginou sentir antes. Era pior que um dementador – um dementador sugava sua felicidade, o deixando inconsciente, mas Ele era cruel, das piores formas possíveis, eliminando sua essência de vida, fazendo-o agonizar.

Sem a máscara, seus olhos vermelhos eram o aspecto mais aterrorizador em seu corpo. Ele era alto, e grande, imponente. Mas os olhos eram fundos, e enxergavam sua alma, julgando-a. Em algum momento, Hinata sabia que ele fora parte da família Uchiha, o que fazia com que ele confiasse tanto em Itachi, mas, no presente, ele se tratava apenas pelo primeiro nome. A garota se surpreendia que as pessoas não o reconhecessem antes. Não havia uma só pessoa que não conhecesse seu nome, e o famoso conto na Cachoeira da Verdade.

— Você vai vazar a informação? – Hinata perguntou, depois de algum tempo.

— Vou mandar a coruja pelo amanhecer, direto para a central deles. Eles vão morder a isca. – a garota assentiu. Mais um passo confirmado.

Mordeu os lábios, ansiosa com a nova possibilidade. Em apenas trinta dias, iria revê-los. Rever a todos. Rever ele. Talvez até pudesse tocá-lo, sentir o calor da sua pele uma última vez. Aquilo fazia seu coração bater mais forte, e ela não sentia dúvidas. Aceitara em absoluto seu destino, mas saber que, muito provavelmente, poderia tornar a ver a única pessoa que já amara verdadeiramente, era revigorante. A fazia querer viver. Pelos motivos certos.

Ninguém sabia, nem mesmo Itachi. Era uma ideia maluca, impossível de dar certo, mas ela tinha que tentar. Se não desse certo, ao menos ela cumprira sua parte, e ficaria em paz. Estava quase acabando.

 

O mês que se passou foi de comoções. Naruto não dormia há quase trinta e seis horas, e não se sentia cansado, embora imaginasse que Ibiki o forçaria a cochilar ao menos um pouco. Trabalhara arduamente durante as últimas quatro semanas, e há dias que não se alimentava direito ou respirava ar puro. Ficara entocado na base de operações tempo suficiente para criar raízes, mas aquilo não o desmotivara.

Trinta dias atrás receberam um relatório confuso, cheio de números, com um código de codificação difícil de ser resolvido, e tiveram de usar diferentes níveis de magia de revelação para conseguirem ler. Mas valeu a pena. Se tratava de uma mensagem anônima denunciando o próximo passo da Nova Ordem: um ataque ao Ministério.

Ibiki e alguns dos conselheiros já suspeitavam que o Ministério escondia uma arma poderosa que Ele queria, mas não tinham certeza que haveria, de fato, um ataque massivo e direto. Aquilo significaria expor todos os Comensais e bruxos envolvidos, para passar pela segurança até a Sala dos Segredos. Aquele relatório era a chave para acabar com a guerra, e, pelas próximas semanas, não houve um só esquadrão que não estivesse passando por um treinamento intensivo de preparação.

E Naruto poderia lutar com os aurores novamente.

Sentia toda sua juventude animando-o. Há alguns dias, reviu parte de seus colegas de Casa, inclusive Sakura, que tinha sido recrutada de volta à Londres, para fazer parte do Esquadrão de Curandeiros da Operação. Centenas de Aurores lutariam no dia, e todos os médicos deveriam estar a postos para eventuais contratempos.

Era uma mobilidade geral. As novas perspectivas tornavam tudo diferente. Depois de tantas mortes, emboscadas em vão, perdas, finalmente tinham uma chance, uma chance real, de fazer acontecer. Um lugar, uma data, um momento de contra-ataque. Seria sangrento, Naruto não duvidava. Um confronto direto com dezenas de Comensais e com o próprio Líder. Ele não poderia estar mais animado.

Quanto mais o dia se aproximava, mais difícil se tornava de se concentrar. Até que, na última semana, focou toda sua energia em melhorar suas habilidades, até que Ibiki o expulsasse do centro de treinamento para ir dormir ou comer. Vários professores de diversas partes do país compareceram para ajudar, inclusive professores de Hogwarts. A atmosfera era carregada de expectativa e determinação.

O dia estava nublado, e o clima da primavera era ameno. Não fazia frio, mas a brisa era gelada o suficiente para fazê-los colocar um casaco. Naruto saiu de seu dormitório com um sentimento bom, se despedindo do beliche militar que dormira na parte dos últimos dezesseis meses. Não levava mochila, apenas sua varinha e alguns itens úteis. Havia despachado sua mochila para a casa dos pais. Eles entenderiam o recado – faltava pouco para que ele voltasse para casa. O feitiço de despache o deixou ligeiramente abalado, mas nada corroeria seu bom humor, nem mesmo sua própria cabeça;

O grande salão da base de operações fazia jus ao nome – era imenso. Cerca de duzentos aurores estavam reunidos, além dos grupos de curandeiros e os da área de Inteligência. Naruto cumprimentou animadamente um de seus colegas e ficou na frente, aguardando. Haveria um discurso motivador, mas eles não precisavam daquilo. Estariam marchando para o confronto final, o confronto que colocaria o ponto final na guerra. Cada bruxo e bruxa naquele salão daria sua vida de bom grado para isso.

Todos vestiam capas pretas cuidadosamente enfeitiçadas para serem mais resistentes e protegerem-nos de algum feitiço surpresa lançado pelas costas. As botas estavam leves, como pisar em plumas, e cada auror contava com um feitiço especial que melhorava a visão. Naruto também carregava o brasão da Grifinória na gola, para lembrar de onde ele viera, e como se orgulhava disso.

Ibiki chegou com pompa e circunstância, em suas mãos a varinha e um cubo pesado, brilhante. As conversar se calaram, aguardando os últimos instantes antes da ordem de aparatação no andar especial do Ministério da Magia.

— Caros. – sua voz era afetada – Discurso nenhum seria capaz de dizer nossos sentimentos hoje. Nossos corações estão agitados, e nós sabemos que estamos partindo para uma possível missão suicida. Mas o fazemos com orgulho! – reverberou por todas as paredes – Porque hoje a guerra acabará! Nosso sofrimento, nosso cansaço, nossas perdas, nos tornaram fortes e motivados para esse momento! Iremos nos vingar e vingar aqueles que sofreram! Então, aurores, bruxos, bruxas, eu sei que os treinei bem. Não me decepcionem. – suas sobrancelhas se uniram – VAMOS PARA A BATALHA!

Gritos de emoção inundaram o lugar, fazendo tremer as colunas, e Naruto acompanhou os que lançaram fogos com as varinhas. Uma chuva de brilho caiu sobre eles, e, sem seguida, Ibiki aparatou, dando o sinal para que todos o seguissem. O Uzumaki mentalizou o andar de Mistérios e sentiu o corpo todo repuxar, enquanto ele enxergava milhares de redemoinhos e barulho. Quando piscou novamente, estava aterrissando, e viu todos fazerem o mesmo.

O andar debaixo do Ministério era escuro, com várias portas protegidas por bruxos de dois metros de tamanho, mas, naquele dia, o plano de ataque pediu que deixassem as passagens livres. As centenas de aurores deveriam ser o suficiente. Naruto olhou em volta, embasbacado com as dimensões da sala. Apesar de estarem em dos últimos andares do gigante prédio, a abóbada que se erguia pelo teto dava a impressão de estarem em um edifício único. Havia janelas que não refletiam luz solar, vidraças decorativas nas paredes, e colunas de mármore verde-musgo. As portas eram altas, com trincas de prata, e o corredor tinha cinco ou seis destas.

Naruto juntou-se ao grupo, e, de longe, conseguiu identificar seu antigo companheiro, com o velho tapa-olho envelhecido. Sorriu, sentindo-se mais calmo que antes. Estava cercado de pessoas que conhecia, e que também desconhecia, todas unidas por um único propósito. Era perceptível no ar a excitação.

Como não queriam arriscar serem ouvidos, instalaram feitiços de orelhas extensivas para que Ibiki pudesse se comunicar sem ter de gritar para se fazer ouvir.

— Se nossos informantes estiverem certos, eles chegaram em algumas horas. Optaram pelo crepúsculo, quando o Ministério passa pela troca de turnos. A segurança no hall foi diminuída, eles virão diretamente até nós. – era como ouvi-lo dentro de sua cabeça, e Naruto assentiu para o nome, suas mãos se fechando fortemente ao redor da varinha – Vai ser caótico. Esperem pelo primeiro ataque deles, assim teremos o benefício do contra-ataque. Desviem a máximo que conseguirem, e lancem feitiços para desarmar antes de feitiços ofensivos. – os murmúrios cresceram, com as táticas sendo organizadas – As equipes de curandeiros ficarão escondidas no lado leste, preparados. Nosso alvo principal é o líder deles, Madara!

Naruto não deixou de estremecer. Ibiki não gostava de encurtar ou dar apelidos. “O medo do nome só aumenta o medo da própria coisa”. Entretanto, mesmo se esforçando para se acostumar, ainda sentia os pelos da nuca eriçarem. Sua presença era monstruosa, e o olho vermelho sob a máscara pairava sobre eles.

— Eu confio na habilidade de vocês. – sua voz era mais grave agora – Só nos basta esperar e vencer.

Silenciou, e, aos poucos o salão também mergulhou na quietude. Naruto permaneceu em pé, em uma das primeiras fileiras, e suas pernas tremiam tanto que ele mal conseguia se controlar. Não soube dizer quanto tempo se passou depois que ele começou a contar as batidas que dava com os pés, mas, em determinado momento, conseguiram ouvir a movimentação vinda do andar de cima. O sinal de invasão soou, mas ninguém se moveu para impedi-los. Atrás do Uzumaki, diversos bruxos sorriam, com as varinhas em punho, e o garoto também ergueu o cotovelo, olhando para frente. Estava começando, e ali terminaria.

 

Hinata queria roer as unhas de nervosismo, e seus olhos passeavam por todos os lados enquanto a procissão seguia, repleta de presunção. Aquela era a primeira vez que Madara saíra de seu esconderijo, e seu manto escuro se arrastava pelo chão atrás dele. Nos lugares de honra, Itachi e um Comensal misterioso, grande demais e rude demais. Logo atrás, se distribuíam igualmente os Comensais mais velhos e os infiltrados em Hogwarts. Hinata estava na segunda fileira, no meio, e conseguia enxergar Gaara de soslaio, no canto. Formavam um triângulo estranho, e não podiam, em hipótese alguma, deixar a formação. Havia uma aura estranha, de expectativa. Os demais estavam animados por estarem tão próximos, e o próprio Madara portava um sorriso macabro, os dedos finos e elegantes segurando a varinha na lateral de seu corpo.

Poucos sabiam da verdade – se resumiam à própria Hinata, Itachi e seus dois amigos –. A Hyuuga não queria lhes dizer, mas Itachi a convenceu, porque precisariam de uma distração. Foi uma noite conturbada, e permaneceram acordados por muito tempo, em silêncio. O plano tinha sido bolado graças a Itachi, que convenceu Madara a agir rapidamente. Já tinham todos os artefatos e faltava apenas o Globo. Com isso, sabiam que os aurores estariam esperando. Estavam com o Cubo, e Madara levaria os outros três itens consigo. No momento crucial, a junção de todos os objetos geraria energia suficiente para que Hinata conseguisse concluir sua parte.

— Milorde, estamos chegando. – o brutamonte anunciou, e o homem central balançou a cabeça, satisfeito.

Era possível ver o prédio do Ministério da outra esquina. Não conseguiriam entrar pela maneira convencional, mas parecia óbvio o suficiente que Madara tinha seus próprios jeitos de entrar. Estava positivamente convencido que teriam sucesso naquele dia – e, com o poder dos Artefatos Mágicos, teria o poder de uma ogiva nuclear, mais que o suficiente para um extermínio em massa dos não-puros.

Quanto mais se aproximavam, mais Hinata se sentia ansiosa. Pararam, entrando pelo portal mágico um a um, e, quando piscou, estavam dentro, tão rápido quanto aparatar. Estava mais escuro que do lado de fora, e frio.

— Muito bem. – a voz de Madara ressoou, leve como pluma, mas ameaçadora – Quando chegarmos, seremos rápidos. Eu pegarei o Globo, enquanto vocês cuidam da nossa retaguarda. – repostas afirmativas soaram atrás dele.

Avançaram, devagar, e uma rampa dava acesso ao andar inferior, ainda mais escuro. Hinata não saberia dizer se mais alguém percebeu, mas havia respirações, baixas, e ela sorriu disfarçadamente. Eles estavam ali. Pegou sua varinha, teria que ser rápida. Pegaria o Globo, escondido por Itachi, e teria certa de milésimos para concluir a missão.

Faltavam mais alguns passos, e quando todos desceram, a luz incidiu sobre o ambiente, e Madara parou, com um silvo. Os rostos se transformaram na mesma máscara de choque – Hinata se esforçou para imitá-los.

— Mas que... – a voz de Madara diminuiu até sumir.

À sua frente, uma média de duzentos aurores esperavam por eles. Estavam dispersos, ocupando grande parte do salão, com capas iguais e varinhas em punho. Seus rostos eram mistos de raiva e determinação. Hinata não conseguia ver, mas sabia que deveria existir uma ou duas equipes escondidas. A garota não sentiu medo, ou intimidação. Seu peito exultava de felicidade por vê-los ali, prontos para lutar. Ela morreria em poucos instantes, como a vilã, mas o mundo bruxo estaria salvo, e aquilo era importante.

Seus olhos escanearam, furiosos, em busca de um determinado rosto que ela sabia que estaria ali, e, quando o viu, seu coração sangrou. Estava mais alto e mais maduro, o cabelo rebelde e o rosto endurecido da guerra, mas ainda estava lindo, de tirar o fôlego. Hinata nunca se cansaria de admirar todos seus traços harmoniosamente desenhados. Naruto ainda não parecia tê-la visto, e ela sentiu alívio. Odiá-la iria protegê-lo quando o confronto se tornasse sangrento.

Naruto, por outro lado, sentia os punhos tremerem, vendo tantos Comensais reunidos. Eram poucos, ínfimos, em relação ao número, mas eram perigosamente talentosos, e o garoto estava morrendo de vontade de acabar com a raça de alguns deles. Reconheceu rostos de Hogwarts, e alguns com quem topou ao longo do ano, mas não a viu, em um primeiro momento. Avistou o garoto Uchiha, e o ruivo, que sempre estavam com ela. Quis chorar, e quis gritar também. Acima de tudo, quis lançar algumas maldições.

— Ora, ora. – a voz do bruxo ecoou, e Naruto subitamente sentiu seus joelhos cederem. Havia estudado sobre aquilo, sobre sua presença, a maneira que controlava o ambiente. Não sabia se era um tipo de magia extremamente avançada, ou uma habilidade nata – Vejam que convidados magníficos temos hoje. – alguns de seus capangas riram.

— Não podíamos deixar de participar da festa, Madara. – Ibiki retrucou, ligeiramente entediado, mas a máscara de falsa cordialidade não se alterou – Agora, eu devo pedir que se rendam passivamente, ou teremos que obrigá-los.

— Obrigar a nós? – uma risada aguda soou, sendo acompanhada – Eu creio que não.

Foi um movimento rápido, sem som. Naruto quase se convenceu que fora um feitiço mudo, mas pode ver seus lábios se movendo. Durou um segundo. E, então, um dos aurores da frente estava caído no chão, imóvel. Naruto sentiu a bile subir à garganta, e não fora o único que se moveu. Em questão de instantes, uma série de feitiços foram lançados, e houve explosões.

A confusão se instalara. Os Comensais reagiram, tomando a fronte para proteger Madara, que lançava feitiços certeiros e precisos. Hinata se lançou para o lado, se protegendo, enquanto corria para o lado oposto, se misturando à multidão. Não tardou até que os Comensais se transformassem em sombras, percorrendo o salão por cima e atacando os aurores. Quando estavam nesse modo, seu poder de ataque diminuía, mas ainda era o suficiente para lançá-los longe.

Aurores caíam aos montes, mas Comensais também estavam se ferindo. Hinata desviou e colou no canto do salão, os olhos tentando focalizar em seu próximo destino. Avistou a porta certa e mentalizou com força, aparatando do outro lado, sem trombar em ninguém. Rapidamente, murmurou os feitiços protetivos e puxou o Globo de marfim, carregado de energia. Guardou com cuidado em sua bolsa e voltou-se. A sua frente, uma cena caótica, e diversas pessoas no chão. Engoliu em seco. Tinha que acabar.

Madara estava sendo protegido por dois Comensais, e procuravam maneiras de fugir. Naruto havia derrubado dois Comensais e protegia seus companheiros, tentando se aproximar o suficiente para imobilizar o mais problemáticos. Correu até a extremidade norte, balançando sua varinha furiosamente, lançando feitiços não-verbais úteis. Sua capa também o havia protegido e agradeceu pelas precauções tomadas por Ibiki. Não tinha tempo de verificar, mas rezou para Merlin que seus amigos estivessem bem.

Madara gritava ordens inteligíveis, e os Comensais ao seu redor lutavam para protegê-lo, se perguntando quem havia vazado a informação sigilosa. Era tarde demais. Se tentassem aparatar, seriam pegos por um feitiço. Tinham que vencer. O homem era forte o suficiente para conjurar um feitiço poderoso, mas precisava de concentração, e era difícil quando os ataques vinham de todos os lados.

De maneira irônica, Hinata e Naruto avistaram a oportunidade ao mesmo tempo. Estavam em lados opostos do salão, agora parcialmente destruído, e viram uma abertura até o Líder. Correram, sem se importar. Hinata, com objetivo. Naruto, com vingança. Desviaram de aurores e se protegerem de feitiços errantes, visando o fim da guerra, de maneiras diferentes. O tempo passou a correr mais lentamente, como se os segundos se arrastassem, e Hinata estava mais perto. A menos de um passo, e, ao lhe verem, os Comensais não tentaram barrar sua passagem.

Naruto a viu um segundo mais tarde. Ele parou, estático, e seu peito se tornou uma massa, caindo, escorrendo. Suas mãos estavam frouxas, e foi por algum elemento de sorte que não foi atingido no fogo cruzado. Ele viu seus olhos pérola se arregalarem, fitando-o diretamente, e foi então que ela sorriu. Um sorriso morno, tranquilizador. O sorriso que o fazia ter vontade de abraçá-la, e sorrir de volta. Seu cabelo estava maior e mais bagunçado, e ela parecia mais magra e mais apática. Ainda assim, Naruto não se lembrava de ter visto uma garota mais linda em toda sua vida.

Naruto quis gritar. Quis responder, quis chamar seu nome. Quis dizer todos seus sentimentos, quis implorar para que ela fosse para seu lado. Naruto quis dizer que a amava também.

Hinata leu todas as reações naqueles olhos azuis, e ficou grata por terem sido a última coisa que ela veria em vida. Estava satisfeita. Uma vida de erros, de arrependimentos, mas ela acertara em alguma coisa. Estava feliz, afinal. Verdadeiramente feliz. Não tinha que fingir ou ser fria, não tinha mais preconceitos ou ideias erradas. Desejou ter onze anos, e fazer tudo diferente. Ou não. O destino era algo engraçado.

Ela desviou e puxou do bolso o Globo, que brilhou, sentindo a proximidade dos outros itens. Mais alguns passos, e ela estava perto o suficiente de Madara, que a olhou, por um segundo, satisfeito, e, então, perplexo.

— HYUUGA!

O grito reverberou por todo o salão, e, então, houve uma explosão. Uma explosão alta e poderosa, que desmoronou algumas colunas e jogou os bruxos mais próximos para trás. Naruto sentiu o tremor para permaneceu de pé, encarando o nada, sentindo-se vazio. Foi súbito, indolor. Eles estavam ali, e, no minuto seguinte, não estavam. Naruto não soube dizer se foi uma aparatação, mas o brilho esverdeado que iluminou o lugar não deixava dúvidas sobre qual feitiço se tratava. Novamente, o tempo correu devagar, e, quando os joelhos de Naruto tocaram o chão, ouviu gritos de vitória.

A guerra tinha acabado.


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