A M O N G U S escrita por Ero Hime


Capítulo 10
B E T R A Y A L U S


Notas iniciais do capítulo

Como sempre, não consigo ser grata o suficiente por todo o apoio. Estava inspirada, e escrevi esse capítulo na faculdade! Por isso não vou me demorar. Espero que gostem!
Faltam três capítulos para acabar :(



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É possível encontrar a felicidade mesmo nas horas mais sombrias, se lembrar de acender a luz.

 

Ou sobre traição, o destino, e as pessoas que fazem parte dele –

 

— Você tem certeza que quer fazer isso? – Hinata perguntou, pelo que parecia ser a décima fez, enquanto erguia a cabeça ligeiramente, outrora apoiada contra o ombro do outro. Seu dedo traçava desenhos aleatórios no peitoral, por vezes contornando as cicatrizes, agora bem mais suavizadas. As roupas estavam espalhadas por todos os lados, e seus corpos nus estavam cobertos apenas por uma fina coberta. A Sala Precisa estava morna, com a lareira acesa, e, mesmo sem janelas, sabiam que a madrugada havia chego.

Mais uma noite normal entre eles. Os encontros furtivos prosseguiam, quase sempre ao tardar das noites, após o jantar. Saiam sorrateiros, evitando os colegas de Casa, e passavam a noite juntos, conversando, ou trocando carícias. Tornaram-se íntimos, de corpo e alma, e havia uma ligação que não poderia mais ser rompida, mesmo que quisessem. Mesmo que precisassem.

— Eu já te disse, hime, não precisa se preocupar. – Naruto retrucou, novamente, embora o sorriso em seu rosto tornasse as palavras mais amenas quando pronunciadas. Hinata rolou os olhos com a menção do apelido irritante (que ela, secretamente, adorava).

— Continuo achando essa ideia arriscada. – era como um roteiro ensaiado. Naruto, costumeiramente, não pensava, de fato, nas consequências das suas ações, o que fazia com que Hinata, quase sempre, apontasse racionalmente o que aquilo implicaria. Pareciam, inevitavelmente, o complemento de uma mesma balança, mesmo que Hinata parecesse séria demais, e Naruto, despreocupado demais.

— Eu passei no teste! E é óbvio que eu não vou ficar dois meses inteiros sem te ver. – plantou um beijo estralado no alto da cabeça da morena, que não se conteve, e abriu um pequeno sorriso, voltando a abraçar o torso do grifinório.

— Você só está se exibindo demais, aparatação não é tão legal assim. – Naruto riu, sem responder.

As aulas complementares de aparatação continuariam até o fim das aulas, mas Naruto conseguira uma nota satisfatória nos primeiros testes, e já havia ganhado sua habilitação para aparatar. Em pouco tempo, completaria 17 anos, e estaria legalmente autorizado para praticar magia fora dos domínios do castelo. O semestre estava quase findando, e a maior parte dos alunos se preparava para voltar para casa, para as férias de verão. Estavam excitados pela chegada do último ano, com os exames admissionais, as orientações profissionais, e, finalmente, o resultado dos NIEMs, que definiriam quais turma seguiriam para as aulas avançadas.

No entanto, também havia os que não estavam tão animados assim. O casal, deitado sobre o tapete felpudo, estavam entre os alunos que não desejavam voltar para casa. Hinata tinha fortes razões para querer permanecer no castelo, mas, após a concretização implacável do relacionamento entre a sonserina e o grifinório, Naruto também não desejava voltar para o interior – embora tivesse muito o que contar para os pais –. Com o passar dos meses, parecia impossível que resistissem tanto tempo longe um do outro, embora Hinata ainda se mantivesse relutante em demonstrar seus sentimentos. Naruto, por outro lado, a cada minuto que passavam juntos, fazia questão de estar tocando a Hyuuga, beijando-a ou simplesmente irritando-a com o contato. Não se importava nem um pouco com as reclamações da morena, e sequer dava ouvidos para seus sermões.

Era curioso como haviam chegado àquele ponto, mas, atrelados inexoravelmente um ao outro, apenas desistiram de resistir. Durante o dia, e as aulas que assistiam juntos, a atmosfera pesava, e parecia palpável o campo de atração que exerciam ao estar no mesmo ambiente. Custavam a disfarçar entre os amigos, e, embora desconfiassem, apenas negavam – bom, Hinata negava veementemente, Naruto apenas sorria de um jeito maroto –.

Agora, com a chegada das férias, parecia doloroso terem que se separaram e permanecerem sem contato por oito semanas. Diante dessa situação, Naruto, com sua recém-conquistada habilitação para aparatar, havia proposto a ideia absurda de visitar Hinata em Londres. E, após o surgimento da ideia, a cada momento em que estavam juntos, discutiam sobre a proposta, que, para Naruto, soava cada vez mais brilhante, enquanto Hinata a repudiava em absoluto.

— Naruto, por Merlin, usa um pouco isso dentro da sua cabeça. – a Hyuuga insistiu, tornando a se levantar, depois de um momento de silêncio agradável, enquanto Naruto suspirava – E se não dá certo? E se meu pai encontra você? E se acontece alguma coisa com você?! – a voz da sonserina beirava o desespero, e aquela era uma das poucas vezes em que a garota transmitia tanta emoção. Naruto, comovido, levantou-se, apoiado pelo cotovelo, e depositou um beijo longo nos lábios de Hinata, que fechou os olhos, com o coração apertado.

O ataque a Naruto pareceu ter ocorrido anos atrás, mas poucas semanas se passaram, enquanto o clima no castelo se tornava cada vez mais instável. Brigas nos corredores, acusações, duelos e azarações eram constantes, passando de rivalidade de Casas para acusações sérias. Os professores tentavam controlar a situação, mas até mesmo os jornais diários que chegavam pelas corujas no período matinal desistiram de mascarar os ataques ao redor da capital inglesa e os demais estados europeus. Bruxos e bruxas de todo o mundo se mobilizavam, e boatos eram inevitáveis. O Ministério agia em silêncio, sem se pronunciar oficialmente, mas a criação de uma Armada de Defesa era incontestável.

Se, por um lado, o mundo bruxo caía pouco a pouco na hostilidade dos confrontos internos e externos que explodiam, silenciosamente, algumas comunidades não poderiam estar mais exultantes. Desconhecidos, se encontravam em segredo, comemorando os objetivos bem-sucedidos até aquele momento. Mesmo em Hogwarts, os alunos, embora cuidadosos, não desconfiavam de uma desconfiança por parte dos professores, e prosseguiam, satisfeitos. Hinata acompanhava, irritada, todas as reuniões, e bem sabia do deleite que a família Hyuuga expressava naqueles momentos. A cada dia que se passava, a sonserina se via mais perto do eminente acontecimento, e mais longe de tudo que conhecia. Mesmo com Gaara e Sasuke, parecia sufocar, vagarosamente.

— Hime, eu serei cuidadoso. – Naruto segurava o rosto de Hinata com a mão, olhando-a nos olhos. A sonserina encarou o mar azul de tranquilidade e determinação, e seu coração desacelerou. O efeito que aquelas orbes azuladas causavam em si era quase ridículo – Nos encontraremos em algum lugar secreto, e eu vou tomar cuidado, eu prometo. Só não me peça para ficar longe de você.

Hinata suspirou, derrotada. Nada do que dissesse ou fizesse faria com que Naruto desistisse, então apenas deixou-se ser beijada, saboreando o momento. Estava, para sua infelicidade, viciada no gosto de Naruto. Em como sua boca tinha um sabor refrescante, confiante, suave. O grifinório era tão diferente dela, e ela sentia-se mais e mais impelida a ele.

— Você acha que eles sabem? – Hinata murmurou, desta vez mais relaxada, voltando a recostar a cabeça contra o peitoral firme, mas macio, de Naruto. O loiro acariciou seu cabelo com a mão livre, enquanto encarava o teto.

— Não desconfiam de nada. – respondeu, certo das suas palavras – Pelo menos meus amigos não. Sakura as vezes é um tanto ciumenta, – Hinata fez careta e um som com a garganta, e Naruto riu – mas ela não sabe de nada. E quanto ao Uchiha e o Sabaku no? – neste quesito, Naruto era definitivamente mais tranquilo que Hinata. O grifinório simpatizava com aqueles sonserinos.

— Eles não ligam. – Hinata deu de ombros. Gaara sempre a encarava com os olhos divertidos, mas não se dava ao trabalho de perguntar. A sonserina procurava não demonstrar nada diferente, mas era inegável a aura de felicidade que emanava sempre que voltava para o Salão Comunal, pela manhã.

Permaneceram em silêncio, aproveitando as carícias suaves um do outro. As horas se arrastaram, passando, e, quando ouviram os primeiros passos, apressaram-se para vestir suas roupas, lamentando terem que quebrar aquela realidade que compartilhavam. Um mundo só deles, que resistia apenas à madrugada.

Combinaram de sair um após o outro. Trocaram um último beijo, e, quando Hinata fazia menção de sair, Naruto a puxava volta, até que a garota, rindo, insistiu que tinham que voltar. O grifinório a observou sair pela porta e fechando-a atrás de si, e reprimiu um suspiro apaixonado – estava se segurando para controlar o impulso constante de transbordar seus sentimentos –. Cada nova despedida era mais difícil que a anterior, apesar de tudo. Naruto descobria uma nova característica, uma nova mania, uma nova curiosidade. Quando ela ria, ria mesmo, com os olhos se fechando, Naruto não conseguia imaginar nada mais lindo. Se Hinata fosse uma sereia, ou até mesmo uma veela, conseguiria explicar o porque de se sentir tão enfeitiçado, mas ele apenas não conseguia encontrar uma razão lógica.

Contou até trinta e saiu da Sala Precisa, que começara, devagar, a se transformar novamente em um velho armário de vassouras. O sol despontava na Torre Leste, e, renovado pela manhã ensolarada e livre de nuvens, seguiu para seu Salão Comunal, pronto para mais um dia de rotina, enquanto aguardava, ansioso, pelo próximo encontro.

Realmente, não faltavam muitos dias para a esperada – ou não tanto – dispensa dos alunos. Foram levados até a estação de Hogsmead, que apinhou-se de alunos, e, enquanto esperavam para embarcar rumo a King Cross, alguns aproveitaram para fazer as últimas compras nas lojas do vilarejo. Fazia calor, e muitos dos alunos mantinham as camisetas com as mangas dobradas e as gravatas afrouxadas ao redor do pescoço. Era uma das épocas mais quentes do ano, e os mais velhos compraram algumas garrafas de cerveja amanteigada para a viagem.

Naruto esperava, impaciente, do lado de fora do Três Vassouras, enquanto Kiba e outros tentavam, sem sucesso, convencer a Madame Mei a vender Whisky de Fogo para eles. Enquanto aguardava, observou os alunos mais novos serem orientados por Kabuto até a entrada da Estação. Lembrou-se de seus primeiros anos em Hogwarts, e, saudoso, tentou não permitir que seus pensamentos nostálgicos viessem a tona naquele momento. Tanto havia mudado! Deixou que um pequeno sorriso se abrisse em seu rosto.

Distraído, sentiu um toque suave próximo a sua cintura, e assustou-se. Levou apenas um segundo, mas, quando se virou, a pessoa já não estava mais ali. Havia centenas de alunos, mas o garoto conseguiu identificar madeixas negras se afastando, acompanhada de alguns alunos mais altos, de postura altiva. Sorriu, desta vez, marotamente. Levou a mão até a barra da calça e puxou o pequeno papel que estava preso.

Cabine do banheiro.

Balançou a cabeça, amassando o papel e guardando-o no fundo do bolso. Ele jamais seria tão discreto e preciso quanto a sonserina era. Motivado, voltou-se para o Três Vassouras, arrastando os amigos de lá, e pegando suas coisas para entrar no trem, que começara a fumaçar e apitar.

— Vocês só me fazem passar vergonha. – resmungou, e as garotas vinham atrás, rindo, com alguns doces que haviam pego na Dedosdemel.

Buscaram por uma cabine vazia, e localizaram uma nos últimos vagões, tomado, principalmente, pelos sextanistas. Quase imediatamente, o trem apitou uma última vez e iniciou o movimento. Os grifinórios puxaram um conjunto de Snaps Explosivos para jogar, mas Naruto estava inquieto. Mal se passaram três minutos e o Uzumaki se levantou abruptamente.

— O que foi, Naruto? – Sakura perguntou, levantando os olhos do jogo.

— Eu preciso ir ao banheiro. – exclamou alto, saindo em seguida, enquanto os amigos se entreolhavam e riam. Estavam acostumados com a estranheza do loiro.

Naruto andou em passos rápidos até as cabines do banheiro, desviando de alguns alunos que ainda transitavam entre os corredores. Entrou e deixou a porta com uma fresta em aberto, olhando por ela, ansioso.

Enquanto isso, Hinata estava sentada, há algumas cabines dali, junto de outros alunos da Sonserina. Estavam empenhados em uma conversa calorosa sobre os últimos acontecimentos, mas a morena não se concentrou no que estavam dizendo. Seus olhos passavam da porta para a janela, e ela cruzava e descruzava as pernas incontáveis vezes, tentando se distrair, com o semblante sério, de poucos amigos.

— Por que você está ansiosa desse jeito? – Gaara perguntou baixo, e Hinata se assustou com a aproximação sorrateira. Grunhiu, xingando-o – Você vai se encontrar com o Uzumaki, não vai? – o ruivo arriscou, e o olhar atravessado que ganhou da outra o fez sorrir vitorioso – Sabia. Achei que já tinha acabado com isso antes.

— Cale a boca. – Hinata resmungou em resposta, cruzando os braços, mesmo que seu coração estivesse palpitando.

— Hinata, você sabe que não vai poder continuar com isso. – desta vez, o sonserino estava sério, com os olhos pesados, e a Hyuuga assentiu, a contragosto – Não depois dessas férias.

— Eu sei. – suspirou, por fim. Não havia porquê descontar sua frustração no amigo. De uma maneira geral, não havia porquê se preocupar com qualquer coisa naquele momento. Queria aproveitar até o último instante que pudesse, e não deixaria pensamentos inconvenientes atrapalharem seu bom humor.

Levantou-se, sem atrair a atenção dos colegas, e caminhou até o banheiro, esgueirando-se e passando despercebida pelo corredor. Ao chegar, olhou, curiosa, para as cabines, se perguntando qual delas seria. No entanto, não precisou procurar muito. Subitamente, sentiu um par de mãos a puxar pelo punho, e ela tropeçou para dentro, sendo aparada por braços firmes, enquanto a porta era trancada atrás de si. Virou-se, irritada, pronta para esbravejar, mas não teve a oportunidade. Assim que elevou a cabeça, sua boca foi rudemente sobreposta, não lhe dando a chance de dizer algo. Como um feitiço, imediatamente se entregou, ajeitando o corpo para frente e passando os braços sobre o pescoço do outro.

Naruto não conseguiu conter um sorriso entre o beijo, e entreabriu os lábios quando sentiu a permissão de Hinata. Suas línguas se chocaram em um encontro inquieto, brusco. Estavam em chamas, e suas mãos passeavam contra o corpo do outro, redescobrindo-se, como se fosse a primeira vez. Era um beijo ardente, indelicado. Seus rostos estavam encaixados, e Hinata entrelaçava os dedos no cabelo de Naruto, grande demais, já cobrindo sua nuca, enquanto Naruto puxava o corpo da sonserina contra o seu próprio, apoiando-a pela cintura e pelas costas.

O grifinório apertou mais sua cintura enquanto a outra mão escorregava até sua bunda. Hinata sobressaltou, soltando, involuntariamente, um gemido, fazendo o Uzumaki sorrir satisfeito. A Hyuuga sentia o peito queimar com o ar se rarefazendo, mas tudo que sua mente conseguia se concentrar era em como a mão de Naruto era grande e firme, e em como seu corpo respondia àquele toque.

Finalmente, se afastaram, ofegantes, mas Naruto não permaneceu muito tempo afastado. Afundou o rosto no pescoço curvilíneo de Hinata, depositando uma trilha de beijos, enquanto a morena sentia seu braço arrepiar-se. Tentava recuperar o fôlego, respirando entrecortado. Percebia as pernas bambas, e poderia desabar naquele momento. Estava quente, e gotículas de suor apareceram em sua testa.

— Senti sua falta. – Naruto murmurou no pé de seu ouvido, e Hinata respondeu com um suspiro.

— N-não faz tanto tempo. – odiou-se por gaguejar, mas não conseguia responder normalmente quando estava sob o efeito do grifinório.

Hinata assumiu o controlando, puxando o rosto de Naruto para cima, e o garoto a fitou nos olhos. A Hyuuga reprimiu um novo suspiro ao encarar, tão diretamente, aquelas íris profundas. O azul, sempre tão claro e amigável, estava escurecido, denso e intenso. Hinata se aproximou lentamente, iniciando um novo beijo, desta vez mais lento, mas, de alguma maneira, mais excitante. Suas bocas se encaixavam com perfeição, como duas peças. Seus corpos estavam tão unidos que poderiam fundir-se, compartilhando calor.

Ficaram se beijando por alguns longos minutos, e Naruto não queria se afastar nem por um segundo. Por isso, resmungou quanto Hinata quebrou o contato. Ela o encarava com a boca entreaberta, os lábios inchados e as maçãs coradas, com a franja grudando e os olhos leitosos. Naruto soube que não haveria, em todo o mundo, uma cena mais sexy que aquela.

— Precisamos voltar. – Hinata disse, a muito custo. Naruto assentiu, beijando estalando por toda a extensão de sua bochecha, e a garota sorriu ligeiramente.

— Eu mando uma coruja quando chegar em casa. Não se preocupe – adicionou quando percebeu o olhar assustado de Hinata – não vou assinar nem nada. Apenas para falar com você. – acariciou delicadamente seu rosto, e a Hyuuga quis, subitamente, chorar.

— Tudo bem. – assentiu. Foi a primeira a desfazer do abraço, e, imediatamente, sentiu que algo estava faltando – Até mais. – ergueu o rosto e lhe deu um último beijo casto, enquanto arrumava a própria aparência.

Naruto assentiu, esperando que ela saísse. Enquanto isso, passou a mão pelo cabelo, sorrindo sozinho. Arrumou a própria camiseta, sem conseguir um bom resultado com o amassado, e simplesmente desistiu. Agradeceu pelo corredor estar vazio, e andou até a própria cabine. Encontrou a gentil senhora que vendia os doces no carrinho e comprou várias barras com alguns galeões perdidos, para entregar aos colegas quando começassem a fazer perguntas impertinentes e comentários maliciosos.

Hinata retornou para a própria cabine com o rosto indiferente, embora seus dedos tentassem desembaraçar o emaranhado no alto de sua cabeça, e ela tentasse – sem sucesso – desfazer o corado em seu rosto. Sentou-se, e sua presença não fora sentida. Continuavam a conversar, e Gaara disputava uma partida de xadrez bruxo com Taketoda, um sextanista que costumava fazer aula de Poções com o grupo. A Hyuuga agradeceu por estarem dispersos, e se afundou na poltrona, sentindo uma vontade subitamente estranha de chorar. Hinata nunca chorava. Ela se recusava a isso. Mas seu coração estava apertado, uma dor desconhecida, sufocante.

Afundou o rosto em suas mãos, porque tudo parecia estar desmoronando. Um castelo de areia se desfazendo entre seus dedos, e ela simplesmente não tinha controle. E odiava isso. Hinata sabia que as coisas ultrapassaram os limites, mas ela não sabia o que fazer.

Hinata sabia que ele estava apaixonado. E sabia que estava começando a desenvolver os mesmos sentimentos confusos. E ela não podia deixar aquilo acontecer.

Porque alguém sairia machucado, e não seria ela. O trem se movia rapidamente, e estariam em King Cross em poucas horas. Seu pai a estaria esperando, e ela e Neji iriam até a grande mansão dos Hyuuga com um dos carros trouxas do pai. E, então, teriam horas ínfimas para se prepararem. Estava tudo acertado, como uma rodovia de mão única, para frente. Hinata enxergava a linha de chegada, mas ela não queria ultrapassá-la. Aquela era uma corrida de apenas um vencedor, e, em sua mente, ela já tinha um prêmio – um certo grifinório.

 

Hinata estava sentada à mesa de jantar, mexendo em sua sopa de ervilhas, sem o menor apetite. Neji já havia acabado, e comia um pedaço de torta. As paredes escuras se fechavam ao redor deles, com quadros caros dos ancestrais da família Hyuuga. Estavam quietos naquela noite. A garota sentia que os talheres de prata queimavam sua mão, mas ela sabia que era apenas a cicatrização que incomodava. Não podiam passar nenhum tipo de feitiço ou poção para acelerar o processo, e Hinata já sentia o braço formigar há alguns dias.

— Hinata, ainda não acabou? – o patriarca, Hiashi, entrou com seu bastão encrustado, a expressão neutra. Sua voz trovejava, e vestia um manto que se arrastava atrás de si, a coluna ereta e o cabelo solto. Hinata assentiu, sem falar nada – Só vai sair da mesa quando fizer sua refeição. Não precisamos que você fique doente agora. – ordenou, andando até o lado oposto da sala sem parar, sumindo para a biblioteca, gritando alguma coisa para um dos elfos domésticos.

A garota suspirou, levando mais uma colherada à boca, mas o gosto era ácido, e ela custou a engolir. Usualmente, gostava da sopa que os criados preparavam, mas seu paladar estava sensível. A irritação com o braço a cicatrizar também não ajudava.

— Hinata, por favor, come tudo. – Neji disse, baixo, olhando a prima com verdadeira preocupação. Era raro Neji demonstrar algum tipo de compaixão, mas, nos últimos dias, perceberam que teriam de se ajudar. Fora uma semana conturbada, principalmente para os garotos, e, mesmo com o clima festivo, a atmosfera era pesada.

— Eu estou tentando. – grunhiu, tomando mais uma colherada, com uma careta – Queria dar o fora daqui. – resmungou, e Neji olhou para os lados, checando se não estavam sendo ouvidos por ninguém.

— Meça sua língua! Não deixe que ele te escute. – aconselhou. Neji não parecia incomodado com o braço enfaixado, protegido por uma manga longa – Está apenas começando, sabe disso. Mais tarde será a primeira reunião, você precisa estar forte. Não seja uma traidora do sangue.

— Não serei. – Hinata já estava dispersa, brincando com as ervilhas.

Neji tornou a ficar em silêncio, enquanto Hinata imergia em pensamentos. Há duas noites, sua vida mudou de uma maneira que não pensava ser possível. Experimentou o terror absoluto, o horror, o medo, a agonia. Ainda conseguia se lembrar perfeitamente das brasas, da luz, das risadas, dos cânticos antigos. Dos capuzes, das máscaras pontudas. Fechou os olhos com força, se segurando para não coçar a cicatriz, ainda recente. Por vezes, ardia como o inferno. Como um lembrete.

Cansada, Hinata chamou um dos elfos domésticos e pediu para que levassem seu prato. Neji a olhou contrariado, mas nada disse. A garota se levantou e subiu as escadas para o segundo andar, levando um pedaço de torta escondido. Ficaria em seu quarto até que fosse solicitada sua presença – e ela sabia que seria –.

Depois de tanto tempo em Hogwarts, não estava acostumada com o breu que a cercava a todos os momentos. As paredes tinham tons de verde-musgo e azul-escuro, com retratos falantes e pinturas das árvores genealógicas, que seguiam, elegantes, por todo o rodapé. Havia pratarias caras e decoração pomposa, mas Hinata nunca considerara o lugar o suficiente para se importar. Chegou em seu quarto e fechou a porta com a tranca, caindo na cama de dossel arrumada com almofadas. Encarou o teto, com estrelas mágicas que brilhavam no escuro. Havia posto escondido do pai, há muitos anos, e jamais tivera coragem de se livrar. De alguma forma, aquelas estrelas lhe lembravam do resto de humanidade que ainda tinha.

Seu quarto tinha vários livros e fotografias espalhadas, a maioria da garota com os amigos em Hogwarts – não estavam sorrindo ou fazendo poses, mas eram boas fotos de bons momentos –, livros de suas matérias favoritas e algumas outras quinquilharias que gostava de guardar. Não era uma pessoa realmente sentimental, mas admitia suas peculiaridades. Além do mais, nenhum membro tinha permissão para entrar em seu quarto, então era o único lugar em que estava livre da influência daquela família.

Hinata fechou os olhos, cansada. Seu braço doía, mas não tanto quanto sua cabeça. Estava pesada, de uma maneira irritante. Sentia falta da escola. Das luzes entrando pelas janelas, das Torres, dos corredores e das escadas que se moviam. Sentia falta do barulho, das monitorias, das aulas. Sentia falta das pessoas. Sentia falta do grifinório.

Resmungou, virando-se de barriga para baixo, com cuidado para não trombar o braço em alguma almofada. Estava tão farta, psicologicamente, que seria capaz de surtar. Mas manteve a compostura, e a velha máscara fria, embora estivesse sozinha. Talvez quisesse convencer a si mesma.

Não soube dizer quanto tempo se passou quando voltou a abrir os olhos, desperta com uma batida na porta. Ninguém lhe chamou, mas ela sabia que estava na hora. Com um suspiro, trocou suas vestes, colocando um longo vestido negro, de tecido refinado, feito especialmente para aquela ocasião. Na frente do espelho, prendeu o cabelo no alto, encarando a própria expressão entediada. Tudo mudaria a partir daquela noite, e Hinata não poderia estar mais indiferente. Seu estômago estava embrulhado, e sua cabeça latejava, mas ela não deixaria que ninguém soubesse. Não agora, nem nunca.

Saiu do cômodo, caminhando vagarosamente até o fim do corredor, na sala de reuniões especial. Entrara ali uma ou duas vezes, mas não gostava da maneira que a longa mesa se estendia. Enquanto se aproximava, sentiu a presença de Neji atrás de si, e quis que ele tocasse em seu ombro, da maneira que fazia quando queria afirmar que tudo acabaria bem.

Juntos, entraram pela porta dupla, e a mesa havia sido retirada. Em seu lugar, um semi-círculo, com cerca de doze pessoas, se reunia. Estavam sem as máscaras, e Hinata reconheceu alguns rostos. No centro, Ele. Estava sem sua máscara habitual, e seu rosto era mais aterrorizante. A garota engoliu em seco, mas, quando seus olhos pousaram em Itachi Uchiha, teve um momento de alívio. Do outro lado, estava seu pai, com a expressão dignamente séria.

— Aproximem-se, meus caros, aproximem-se. – sua voz era anasalada e calma, mas com uma pontada ameaçadora. Hinata preferiu que Ele gritasse – Este é um momento delicado e importante para nossas vidas. Ficamos honrados em estar aqui. – estendeu a mão, condolente, e Hinata quis fugir, enquanto se aproximava. A cada passo, seu corpo pesava mais e mais, mergulhando em uma escuridão aterradora.

Ficaram frente a Ele, lado a lado com Neji, com os ombros recostados. Hinata respirava entrecortado, e, de rabo de olho, avistou Itachi sorrir confortador. Lembrou-se dos amigos, que também passariam por aquilo, e tentou convencer a si mesma que estava segura. Mas, olhando naqueles olhos avermelhados, era difícil. Seu âmago estava sendo puxado para fora, uma presença maligna que sugava até mesmo o menor resquício de bondade ao seu redor.

— Primeiro o cavalheiro. – sua voz era doce, e ele estendeu os dedos finos e gelados. Neji estendeu o braço sem pestanejar – Ah, ótimo. Está pronto. – com um movimento habilidoso de varinha, desfez as ataduras, que caíram em seus pés descalços. Tocou com a ponto em cima da base, e Neji fez uma ligeira careta, disfarçando-a em seguida. Durou certa de quinze segundos – Perfeito. Seja bem-vindo, meu caro. Espero contar com sua ajuda. – Ele falou afetuosamente.

— Certamente, Milorde. – a voz do garoto estava firme, mas ele não o encarava nos olhos. Ele riu alto, sendo acompanhado do resto da corte. Com um passo, ficou frente a frente de Hinata, encarando-a – Agora, sua vez, minha querida.

Hinata queria fugir. Queria correr para longe. Queria se cobrir, se aquecer. Mas, em vez disso, estendeu seu braço direito, puxando a manga do vestido para os ombros. Ao contrário de Neji, permaneceu com a cabeça ereta, olhando-o nos olhos. As orbes vermelhas como sangue a fitavam curiosamente. Hinata contou diversas cicatrizes, e a pele ressacada como escamas. Queria vomitar, e agradeceu não ter comido a sopa.

— Está na hora. – Ele sussurrou, deleitado, e sua mão agarrou o pulso virado para cima.

Hinata quis gritar. O toque queimava, como ferro em brasa, uma dor excruciante. Suas veias saltaram, e seu coração batia descontroladamente. Temeu desmaiar. Sua cabeça explodiu, como milhares de cacos de vidro sendo espetados, e ela lutou para segurar uma lágrima que escorria do canto. Observou, impotente, Ele tirar seus próprios curativos, e a cicatriz, ainda aberta, de um vermelho chamativo, brilhou, mexendo-se. A garota sentiu-se enojada, mas manteve o rosto impassível.

Ele lhe tocou, e a cicatriz se mexeu mais profundamente, enraizando em suas células. Hinata mordeu o lábio. Era um caminho sem volta, naquele momento. Perpetuado para sempre em sua pele, em sua alma, em sua essência. Ela era uma Hyuuga, e, naquele momento, aceitou suportar todo o peso do sobrenome que carregava.

— Pronto. – ele se afastou, e Hinata agradeceu internamente pelo alívio, mesmo que ainda queimasse um pouco – Que alegria a minha introduzi-los à nossa jornada! – afastou-se, a voz aumentando um pouco. Hinata e Neji se afastaram do centro do círculo, parando nas pontas, atentos. – Uma nova etapa se inicia, uma etapa essencial para nós. Meu querido Itachi, como está indo? – perguntou, se dirigindo para o Uchiha, e Hinata surpreendeu-se por Itachi ser tão importante.

— Milorde, ninguém suspeita de nossas infiltrações no Ministério. – respondeu prontamente – Estamos perto de encontrar a Arma correta, e os ataques estão sendo bem-sucedidos. Em Hogwarts, temos nossos agentes – seus olhos se voltaram para os Hyuuga por um instante – e também cumpriram perfeitamente a iniciação. A meu ver, estamos prontos. – concluiu, e Ele sorriu.

— Como esperado de você, Itachi, obrigado. – voltou-se para os demais – Meus queridos, estamos um passo mais próximos de nosso objetivo. A Nova Sociedade Bruxa se concretizará, e contarei com a presença de vocês para o início desta nova era! – houve palavras de concordância por toda a sala, e Ele sorriu satisfeito – Com nossos novos colegas, logo alcançaremos o mundo que os verdadeiros filhos do sangue merecem.

Neste momento, Hinata sorriu.

— Não irá se decepcionar, Milorde.

Em seu braço, cruzado a frente, a Marca Negra brilhava.

 

Hinata não sabia dizer como chegou a seu quarto, mas suas pernas a levaram para lá assim que Ele e os outros comensais aparataram, inclusive Hiashi. Neji perguntou se estava tudo bem, e a garota não conseguia se lembrar do que respondera. Só queria se deitar.

Tirou o vestido, deixando que o vento que entrava pela janela tocasse seus seios desnudos. Buscou uma camiseta fresca e a vestiu, soltando o cabelo e sentando-se no parapeito. Quando se sentia sufocada, costumava ir para a sacada, mas Hiashi a destruiu alguns anos antes. No lugar, construíra uma grande janela, com parapeito e vista para o lado oeste de Londres. As luzes sempre intrigaram a sonserina, que passava horas olhando para elas, nos altos prédios, na London Eye. Naquele momento, Hinata desejou poder sair por aquela janela e ganhar a noite.

Se antes estava angustiada, agora sentia-se vazia. Seus olhos estavam cansados, e seu braço estava adormecido, com a marca a encarando, lembrando-a constantemente de quem era, e qual o caminho que seguira. Sabia como funcionava, e sabia que agora era uma Comensal também. Durante os anos que estivera em Hogwarts, preparou-se para aquilo. No início, conhecia apenas as histórias, de como a família Hyuuga sempre apoiara a política de puro-sangue. Depois, os grupos se formaram, encontrando-se, planejando os próximos passos. Todos seriam iniciados, mas apenas alguns selecionados ganhariam a Marca Negra. A prova definitiva que eram seguidores fiéis d’Ele, servindo a sua causa. Quando voltasse para Hogwarts, para o último ano, Hinata seria uma traidora. Uma lutadora. Uma comensal.

Respirou fundo, com a cabeça para o alto. Percebeu, no entanto, um ponto se aproximando, e franziu a sobrancelha. Já a poucos metros, notificou ser uma coruja, albina, de asas grandes. Pousou diretamente em sua janela, bicando seu dedão. Hinata resmungou, puxando o pergaminho que trazia em seus pés. Acariciou o alto de sua cabeça e a coruja piou feliz. Não era conhecida, mas a Hyuuga tinha uma leve noção do que se tratava.

Abriu o pergaminho e passou os olhos pelas linhas. Era como um bilhete, breve.

Minha cara colega,

Espero que esteja tendo ótimas férias. Sinto falta das horas que passamos juntos em nosso grupo de estudo. Mal posso esperar para nos encontrarmos novamente para mais um ano escolar. Mande lembranças à família e Boas Festas!

Atenciosamente,

Jones.

Hinata sorriu, mesmo confusa. Virou o pergaminho do avesso, mas não havia mais nada. Parecia como uma carta normal de um colega de Casa, padrão. Não conhecia a coruja. Era óbvio que se tratava de um bilhete do grifinório, mas não havia nada oculto. Jones sequer era um nome comum entre eles.

Então, a Hyuuga começou a pensar. O Uzumaki era irritantemente inteligente, e deveria ter algum truque no pergaminho, caso caísse em mãos erradas durante o percurso. Puxou sua varinha, pensando nos feitiços para desencantamento que conhecia. Aplicou todos, sem efeito, até que se lembrou de um feitiço não propriamente para reverter encantamentos, mas era efetivo para fazer desaparecer.

Evanesco. — deu uma batida no pergaminho, e assentiu satisfeita quando as letras começaram a desaparecer, dando lugar a um novo texto.

Olá minha hime,

Sei que é inteligente e conseguirá desencantar o pergaminho. Estou contando com isso! Sinto sua falta, e estou contando os dias para nos vermos novamente. Enquanto isso, como está sendo suas férias? Quero que me conte tudo, em detalhes. Pode mandar pela Perkwels, minha coruja. Hinata fitou a coruja de pelugem branca, que limpava suas asas, alheia. Espero que possamos nos ver em breve. Irei para Londres quando disser! E, se não disser, que irei assim mesmo, de surpresa. Você escolhe. Mal posso esperar para conversamos pessoalmente. Estou com saudades das suas caretas. Se quiser, pode vir conhecer minha casa! E meus pais. Somos trouxas, mas somos legais, eu juro.

Não vou me enrolar muito mais. Mande notícias quando puder. E, se precisar de ajude, grite, e eu vou na mesma hora te salvar. Um grande beijo.

Seu,

Naruto.

Hinata segurava o pergaminho apertando-o, e seus dedos adormeceram, rasgando uma das laterais, sem que percebesse. Seu rosto congelou em um sorriso trêmulo, e ela conseguiu soltar uma risada esganiçada. Mas, através do sorriso, uma lágrima escorreu, grossa e quente. Hinata nunca chorava. Ela nunca demonstrava suas emoções, mesmo sozinha, porque era um sinal de fraqueza. E ela não era fraca.

Aquelas palavras eram sinceras. Eram cercadas de felicidade e franqueza. Eram simples, diretas. Naruto não tinha medo de dizer o que pensava ou demonstrar o que sentia. O grifinório era irritante, escandaloso e indiscreto. Estava sempre sorrindo, não importava o porquê. Hinata era contida, controlada. Era fria, porque precisava ser. Hinata estava sendo engolida pela escuridão, mas, de alguma maneira, Naruto surgia, com sua luz, e a salvava, de novo, e de novo.

Uma outra lágrima rolou, seguida de mais uma. Em poucos segundos, estavam caindo, descontroladamente, e a tinta no pergaminho se manchou até se tornar irreconhecível. Hinata apoiou a cabeça nos braços, e chorou sob a Marca Negra. Hinata nunca tinha chorado.

Hinata também nunca tinha recebido uma carta. Hinata nunca tinha recebido uma carta de um grifinório. Hinata nunca havia precisado trair alguém.

Hinata nunca havia precisado trair alguém por quem ela havia se apaixonado.


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