Estilhaços escrita por Siaht


Capítulo 3
Sobre grupos de apoio, ataques de pânico e a pior festa de todos os tempos


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas lindas do meu coração!!! ;D
Tudo bem com vocês?
Bom, primeiro desculpem pela demora imensa em atualizar essa fic. Eu pretendia ter feito isso rápido, mas minha vida pessoal se tornou um caos nos últimos tempos e me aconteceu de tudo um pouco. Então, sinto muito mesmo!
De qualquer forma, estou de volta e esse capítulo me deu muito trabalho, mas foi escrito com muito amor (e surtos no Twitter), então, espero que vocês gostem.
IMPORTANTE: Criei um tumblr e um dream cast pra fic que vocês podem ver aqui: http://estilhacosfic.tumblr.com/
AVISO DE GATILHO: na segunda parte da Lucy há uma breve descrição de uma crise de ansiedade. Não acho que está particularmente pesada, mas deixo avisado, por entender que várias pessoas são sensíveis ao tema (eu mesma inclusa).
Espero que gostem! ♥



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LOUIS

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Os olhos azuis estavam fixos a tela, os dedos se movendo ágeis pelo console, o som de tiros dominando o quarto. Uma batida na porta fez todo o encanto se quebrar. O rapaz suspirou e, sabendo exatamente o que viria em seguida, vestiu sua armadura emocional. Utilizando um tom de voz que não escondia sua irritação, pediu que a pessoa entrasse. Pelo canto dos olhos, Louis Weasley viu a cabeça ruiva do pai adentrando seu quarto, manteve a atenção no jogo, mas não foi capaz de conter o sarcasmo ao perguntar:

— Veio arrancar meus olhos?

O garoto sabia que não deveria provocar, não depois dos eventos que se sucederam naquela noite, no entanto, foi incapaz de conter seu lado passivo-agressivo. Havia tido – apenas para variar – outra discussão exaustiva com os pais. Sua cabeça latejava e ainda era capaz de ouvir as palavras da mãe proferidas em um francês rápido e irritado. Talvez ele houvesse passado dos limites naquele dia, era provável que sim, porque após revirar os olhos pela milésima vez, Fleur lhe dissera que se fizesse aquilo de novo ela arrancaria seus olhos. Obviamente, em um momento de pura estupidez e impulsividade, Louis girou os olhos, colocando sua maior expressão de desafio no rosto ao encarar a matriarca, que parecia prestes a entrar em erupção. Se a mulher fosse uma veela completa aquilo certamente teria acontecido. Como não era, o adolescente lhe deu as costas e subiu a passos firmes para o quarto, lembrando-se de bater à porta com força, apenas para causar uma cena.  

Bill respirou fundo, tentando manter a paciência, o que muitas vezes era necessário quando se tratava do caçula.

— Vim em missão de paz. — disse, erguendo as mãos em sinal de rendição.

— Então nada de arrancar meus belos olhos azuis? Porque, olha, eles são uma das minhas únicas qualidades e eu meio que preciso deles para enxergar. ­— Louis perguntou debochado, arrancando uma risada do pai. Ao contrário da esposa, o Wealsey sempre fora um homem se sorrisos fáceis e, mesmo que aquilo o tirasse do sério algumas vezes, sabia apreciar o humor irônico e ácido do filho.

— Bom, não é minha intenção, mas se a diplomacia falhar, não posso me responsabilizar pelos atos de violência da sua mãe.

O adolescente suspirou, finalmente pausando o jogo e se voltando para o pai.

— Ela está muito irritada? — questionou sentindo-se mais culpado do que assustado. Não gostava de entrar em conflito com os pais e definitivamente não sentia qualquer prazer em irritar ou magoar a mãe. Entendia que eles queriam seu bem, entretanto, não seria capaz de aceitar passivamente qualquer decisão dos progenitores sem questioná-los.

O pai lhe enviou um sorriso de lado que dizia claramente: “o que você acha?”.

— Você conhece sua mãe, Louis. Ela eventualmente se acalma. Ainda assim, se fosse você, evitaria compartilhar o mesmo espaço que ela pelas próximas horas.

O garoto gemeu, arrancando outra risada do ruivo.

— Então, você está jogando video-game? — o homem comentou divertido.

O menino se limitou a sorrir, enquanto lhe jogava um console e abria espaço na cama.

Passaram algum tempo imersos no jogo, trocando provocações e gargalhando. Bill era terrível naquilo, porém, adorava a chance de passar algum tempo com filho dentro do universo do garoto. Na maior parte do tempo, Louis era obrigado a se adaptar a um mundo no qual sempre estaria em desvantagem.  O menino estava constantemente se adequando, fazendo concessões, aprendendo modos próprios de fazer o que o resto da família faria com um aceno de varinha e aceitando que algumas coisas nunca estariam a seu alcance. Era bom, portanto, adentrar a um contexto no qual o rapaz detinha algum poder e podia dar as cartas. Além disso, era bom passar algum tempo com o filho, entender seus gostos e interesses. Tudo aquilo que fazia Louis ser Louis.

— Então, quando você vai dizer o que veio dizer? — o garoto começou, sem tirar os olhos da tela — Depois de perder essa partida ou a próxima?

Bill deixou o riso derrotado escapar. O moleque sempre fora esperto demais para a sua própria proteção.

— Você sabe que a resposta ainda é “não”, certo? — Louis  fez questão de frisar antes que o pai tivesse a chance de abrir a boa.

— Olha, Lou... — o filho fez sinal de que queria interrompê-lo, mas o homem não permitiu — Cala a boca por cinco minutos e só escuta, ok? — o adolescente não parecia nenhum pouco feliz, porém, pausou o jogo e observou o ruivo atentamente — Eu sei que você não quer fazer isso e não gosto da ideia de te forçar a algo. Ainda assim, eu e sua mãe realmente achamos que fazer parte desse grupo de apoio será bom para você. — o menino fez uma careta ao ouvir a palavra “grupo de apoio” — Você precisa sair de casa, interagir com pessoas, fazer amigos, ser um adolescente...

— Você sabe que isso soa absurdo, né? Para todos os padrões biológicos, legais e culturais eu, infelizmente, sou um adolescente. E acredite, estou contando os dias para esse período de acne, hormônios caóticos e Ensino Médio chegar ao fim. — Louis disse convicto. 

Bill suspirou.

— É exatamente disso que estou falando. Você precisa agir como um adolescente e não como um homem de meia idade mal-humorado.

Louis revirou os olhos. Acabou percebendo que fazia aquilo com uma frequência assustadora. Não era de se admirar que a mãe houvesse se irritado.

— Homens de meia idade mal-humorados são muito mais interessantes. Assista House e depois compare com qualquer seriado da CW e você vai concordar comigo. — o menino comentou debochado, sabendo que o pai não faria ideia do que diabos ele estava falando — Além disso, agir como um adolescente conforme quais padrões? Na Idade Média isso significaria já ser um homem casado. No final do século XVIII sofrer por amor e morrer de tuberculose. Em alguma tribo indígena caçar minha própria comida com um arco e flecha...

O pai lhe enviou um olhar que dizia: “não teste a minha paciência, Louis Arthur Weasley”. O menino deu de ombros.

— Eu saio de caso, interajo com pessoas e tenho amigos... — o garoto resmungou.

O pai arqueou a sobrancelha cético.

— Sério? E quando você faz tudo isso? Porque ninguém vê...

— Ei, eu vou para a escola e para o treino de natação, porque vocês praticamente me obrigaram a praticar um esporte...

— E você escolheu o esporte mais solitário possível...

O rapaz deu de ombros, sorrindo orgulhoso de si mesmo.

— E interajo com pessoas na internet o dia inteiro, sou amigo do Hugo...

— Interagir com pessoas pela internet não é interação de verdade. E o Hugo passa a maior parte do ano em Hogwarts, Louis!

— Isso invalida a nossa amizade? — o menino perguntou sério — E vou ignorar seu comentário preconceituoso e sem nenhum embasamento sobre as interações pessoais online, já que você nem sabe usar a internet.

Bill suspirou, pela milésima vez desde que aquela conversa se iniciara. Louis às vezes era impossível!

— É claro que isso não invalida sua amizade com o Hugo. E eu realmente acho ótimo vocês dois serem tão próximos. Mas não seria bom ter alguém sempre por perto para conversar ou sair?

O filho o encarou como se ele fosse insano.

— Eu não gosto de sair. Ou conversar. — acrescentou a última parte em um sussurro. Uma clara indireta ao fato daquele diálogo estar durando demais. O garoto começava a sentir-se emocionalmente esgotado.

— Bom, pois eu a sua mãe achamos que seria ótimo para você ter pessoas da sua idade com quem conversar. Especialmente pessoas que entendam como é ser...

— Ser um aborto? — o menino interrompeu.

— Sim, ser um aborto. — o homem permaneceu firme.

— Porque viver sem magia é tão absurdamente terrível que precisamos desesperadamente de ajuda. — Louis disse sarcástico.

Lá iam eles de novo, foi tudo o que Bill conseguiu pensar.

— Eu não disse isso.

“Mas você acredita nisso”. O menino sabia que era verdade, no entanto, preferiu guardar o comentário para si mesmo.

— É, tanto faz...

— Eu não vou mudar de ideia. Ou a sua mãe. Viver isolado e sem se comunicar com outras pessoas não é saudável. Mas já que você não quer fazer isso por si mesmo, que tal por algo que quer muito?

Louis o encarou curioso.

— Você vai fazer 16 anos em algumas semanas.

— E daí?

— E até onde eu sei você quer um carro, certo? — o garoto sorriu — Nem comece a sonhar com qualquer coisa que não seja um carro usado. E você vai às reuniões do grupo de apoio. Sem reclamar. E à festa de aniversário da Roxanne. Sem reclamar.

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ROXANNE

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O vestido rosa choque lhe caía bem, a menina tentou lembrar-se enquanto encarava o reflexo no espelho.  Conferiu a maquiagem, ajeitou os cachos castanhos, calçou as sandálias de salto e forçou um sorriso. Deveria estar feliz. Mais do que isso, deveria estar exultante, dando pulinhos de empolgação pela casa. Era seu aniversário de 16 anos – a data que passara o ano inteiro esperando – e ela daria uma festa gigantesca para todos os seus amigos. Roxanne Weasley amava aniversários, amava festas e amava os amigos, ainda assim, não conseguia encontrar qualquer vestígio real de alegria dentro de si. Sua cabeça continuava a levando constantemente a Aaron Creevey. O sabor da traição amargava sua boca. Seu coração despedaçado doía.

Voltou-se ao espelho, procurando imperfeições na imagem que lhe fitava desolada. A parte mais triste foi não ser capaz de encontrar um único traço que se lembrasse de amar. Você é uma garota bonita, Roxy! Tentou recordar a si mesma. No entanto, a frase parecia uma mentira infantil, na qual havia se agarrado por todos aqueles anos. Seus devaneios, no entanto, foram interrompidos pela voz do pai, a chamando do andar de baixo. Respirou fundo, alargou o sorriso e engoliu as lágrimas que ameaçavam se formar em seus olhos. Ainda era seu aniversário e a menina possuía algum orgulho. Não iria chorar por um maldito traidor no dia em que viera ao mundo. Naquela noite ela seria feliz. Quando o sol nascesse, ela poderia sucumbir ao pranto, à tristeza e às misérias de seu coração partido, mas naquela noite ela seria feliz. Aaron não lhe tiraria até aquilo. Roxanne se recusava a permitir.

Desceu as escadas e algo em seu sorriso ganhou verdade. Parados no último degrau, esperando por ela, estavam seus pais. George Weasley tinha um braço na cintura da esposa, Angelina, e sorriu para a filha quando a viu em seu vestido de festa.

 — Você está linda! — disse a abraçando. Uma parte da menina quis verdadeiramente acreditar nele, no entanto, sabia que seria estúpido confiar cegamente no homem. Iludir os filhos fazia parte da paternidade.

A mãe lhe deu um beijo na bochecha, lhe enviando um daqueles olhares emocionados que diziam claramente “não acredito que você cresceu tanto”. Roxanne poderia ter chorado, porém, dessa vez, não teria nenhuma relação com o fim do namoro. Sentir o amor que emanava dos pais a tocara profundamente e a fizera sentir-se aceita pela primeira vez em algum tempo.

— Você tem certeza que vocês vão ficar bem? — Angelina questionou preocupada. Aquela seria a primeira festa da filha sem a supervisão de um adulto. Por sua experiência com Fred, o filho mais velho, aquilo tendia a acabar mal. Isso, porque o primogênito não possuía metade da popularidade da irmã. Havia, no entanto, o fator James Sirius Potter, o primo inseparável e causador de encrenca, a ser considerado quando se tratava do rapaz. Roxanne, por sua vez, não precisava de primos ou amigos, por trás da aparência de anjo, a garota era uma verdadeira herdeira de George Weasley e possuía um talento raro para traquinagens, confusões e especialmente festas.

Angelina perdera a conta de quantas cartas Minerva McGonagall lhe enviara ao longo dos anos a respeito das “pequenas confraternizações” realizadas pela filha no salão comunal da Lufa-Lufa. Aparentemente, no último ano, a sede dos texugos havia deixado de ser suficiente para garota que quase derrubara Hogwarts com sua festinha pós-NOM’s na Sala Precisa. A mulher quase tivera um enfarto ao receber a coruja com aquela informação, George, por sua vez, rira por horas, incapaz de esconder seu orgulho e fazendo a esposa se questionar de onde a filha obtivera a informação a respeito da Sala Precisa. Por tudo isso, Angelina Weasley temia pelo bem-estar de sua casa.

— Relaxa, mãe! Vai ficar tudo ótimo. — a adolescente lhe mostrou seu melhor sorriso angelical. A matriarca, contudo, a conhecia bem demais para acreditar naquela promessa.

— Relaxa, Angel, é só uma festinha, eles vão ficar bem! — George se juntou a filha, dando uma piscadela marota à menina.

Típico, a mulher pensou se dando por vencida, o marido sempre apoiava os mal feitos dos filhos. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, no entanto, a campanhia soou, fazendo Roxanne correr até a porta. Era sete da noite e a garota não fazia ideia de quem já estaria ali. Era verdade que ela havia marcado a festa para as sete, ainda assim, mesmo com toda a pontualidade esperada dos britânicos, estava praticamente implícito que ninguém deveria chegar realmente às sete. Bastou abrir a porta, no entanto, para que tudo fizesse sentido. Parado ali, com um grande embrulho amarelo nas mãos e os olhos nos tênis novos, estava Lorcan Scamander. A menina não conseguiu evitar o sorriso que se abriu em seu rosto com a visão do amigo.

­— Lorcan! — exclamou pronta para abraça-lo.

— Ei, Roxy! — ele respondeu levantando os olhos azuis e encarando a amiga, um grande sorriso iluminando seu rosto ingênuo e pálido.

A aniversariante abriu espaço para que ele entrasse em sua casa. Precisou segurar o riso ao perceber a gravata azul com desenhos de nuvens que o rapaz usava sobre a camisa social, ambas quase escondidas abaixo do blazer verde. Lorcan era, Roxanne diria, uma criatura muito peculiar. Seus cachos que ficavam em um tom entre o loiro e o castanho, seus olhos grandes e curiosos, seu corpo magro e pálido e seus membros compridos e desajeitados, lhe conferiam o que o garoto apelidara – em um tom divertido, que faria a moça gargalhar – de a aparência de um louva-deus albino.

Aquilo talvez não chegasse a ser um problema, não fosse pelo senso de moda completamente excêntrico do menino, algo que combinava bastante com crenças em zonzóbulos, vidas em outros planetas e criaturas folclóricas nunca antes vistas e sobre as quais ele poderia tagarelar por horas. Tudo isso somado a inabilidade do garoto de entender as normas sociais que regulavam a vida adolescente não o tornavam a pessoa mais popular do mundo. Mesmo assim, e talvez por tudo isso, a Weasley amava aquele garoto!

Lorcan havia lhe sido entregue como uma “missão”. No início do semestre letivo Minerva McGonagall a havia chamado em sua sala – fazendo a garota se questionar o que diabos já teria feito para irritar a diretora – e lhe pedira que ajudasse o Scamander a socializar. Era algo que fazia bastante sentido, uma vez que a moça era expansiva, extrovertida e popular. Já o rapaz havia passado os últimos três anos sendo educado em casa, enquanto lutava contra um osteosarcoma que lhe custara a perna esquerda. O menino havia finalmente se curado, estava de volta a Hogwarts e a sua casa – Lufa-Lufa – e, como representante máxima dos texugos, Roxanne abraçou a missão de fazê-lo sentir-se  aceito e acolhido e, com isso, acabou ganhando um grande amigo.

— Então, onde está todo mundo? — Lorcan perguntou assim que passou pela soleira da porta.

A aniversariante se esforçou para conter a risada.

— Ainda está cedo, Lorc.

O rapaz checou o relógio roxo em seu pulso, confuso.

— Mas já são 19:05h, Roxy!

A Weasley deu de ombros.

— Ninguém chega realmente na hora nessas coisas. — comentou como se não fosse importante.

—Oh! — o garoto exclamou, sentindo o rosto corar. — Eu devo ir embora e voltar mais tarde? — questionou constrangido.

— Claro que não! Você pode me ajudar a terminar de arrumar as coisas. Se você quiser, é claro!

—  Quero sim! — o garoto disse empolgado, parecendo finalmente perceber o presente que ainda segurava nas mãos. —  Ah, isso é para você. Parabéns, Roxy!

Enquanto a garota pegava o embrulho, com um grande sorriso agradecido no rosto, George e Angelina adentraram a sala, olhando a cena com a curiosidade estampada nos rostos.

— Olá, Lorcan! — George cumprimentou simpático.  

— Senhor Weasley. Senhora Weasley. — cumprimentou com um aceno de cabeça.

— O seu irmão não vem? — Angelina questionou, se referindo a Lysander, o irmão gêmeo do rapaz.

O menino deu de ombros.

— Ele disse que apareceria mais tarde, se não encontrasse nada melhor para fazer. — contou, incapaz de ocultar a última parte. Lorcan era ingenuamente sincero e sempre dizia exatamente o que se passava em sua cabeça. Não era necessariamente uma boa combinação.

Roxanne apenas revirou os olhos diante ao comentário. Lysander Scamander era intragável. Para dizer o mínimo. Se ele não queria ir a sua festa estava lhe fazendo um favor, afinal ela só o havia convidado por educação. A garota simplesmente não conseguia entender como ele e Lorcan poderiam ter compartilhado o útero ou qualquer outra coisa. Não fazia sentido. Lorc certamente ficara com todos os genes que envolviam decência e simpatia. Era a única explicação.

— Bom, nós já estamos indo. Fleur e Bill devem estar nos esperando. — George disse, atraindo a atenção da esposa.

Angelina gemeu internamente pensando em uma noite de vinho e jogos com Fleur, Bill, Ron, Hermione, Harry e Gina. Não era um programa ruim, mas ela sabia que passaria todo o tempo preocupada com o desastre que tomaria conta de sua casa e, por isso, perderia todos os estúpidos jogos de tabuleiro franceses que Fleur teria desencavado de seu porão impecavelmente limpo. E Angelina odiava perder. Suspirou.

— Tudo bem, nós estamos indo. Mas é bom que minha casa esteja de pé quando eu voltar. — ela disse, fazendo a filha rir — Eu estou falando sério, mocinha! Não quero saber de adolescentes bêbados se agarrando debaixo no meu teto. Não quero saber de pais histéricos tirando a minha paz durante a madrugada. E não quero saber especialmente da senhorita fazendo nenhuma besteira. Pode estar fazendo 16 anos, mas ainda é uma criança. E já vou avisando que não vou cuidar da ressaca de ninguém e, especialmente, que não vou cuidar de nenhum neto. Eu sou muito jovem para ser avó, Roxanne Eloise Weasley.

— Ok, agora nós estamos realmente indo. — George disse como quem encerra uma discussão estúpida, puxando a mão da esposa e aparatando, deixando a filha às gargalhadas. Uma parte da menina, no entanto, ainda se remoía com as lembranças de Aaron.

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LILY LUNA

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Ela havia dormido o dia inteiro. Não possuía realmente opção. A sonolência parecia consumi-la, mas, acima disso, havia o fato de que quando fechava os olhos e abraçava a inconsciência não precisava pensar em sua incômoda situação. Lily Luna Potter não fazia ideia do que fazer. Uma parte dela ainda se recusava a acreditar que estava realmente grávida, e a outra mantinha-se à beira da completa histeria. A menina estava assustada de um modo que não se recordava de ter estado durante toda sua vida. Sempre se orgulhara de ser uma grifinória destemida que encarava qualquer desafio sem hesitar. Naquele momento, no entanto, sentia-se uma criança assustada que queria apenas correr para os braços da mãe.

O problema era que, naquele ponto, correr para os pais era uma opção muito mais assustadora do que todas as outras. Ela tinha medo de como eles reagiriam, do que diriam, de ver a decepção estampada em seus rostos. Especialmente no de Harry. Lily sempre havia sido a garotinha do papai. Talvez não fosse fácil perceber, afinal ela estava bem longe do estereótipo de princesinha da família. Era encrenqueira, debochada e desbocada. Andava por aí com seus shorts curtos, suas camisetas de Quadribol e seus tênis sujos, com um ar de quem não se preocupa muito com qualquer coisa. Ainda assim, era a menina dos olhos do Potter. Era impossível para ele observar a filha e não pensar na esposa, além dos cabelos ruivos, a menina tinha a mesma intensidade da mãe em tudo o que fazia. Intensidade que se somava perigosamente ao talento em se meter em confusões que herdara dele.

Sendo assim, Harry e Lily tinham a melhor relação possível. Os dois podiam passar horas conversando sobre trivialidades e jogando quadribol. E apesar da caçula não parecer nada inocente, o Potter sempre teria aquele instinto de proteger a sua menina. Por tudo isso, a ideia de decepcioná-lo magoava e assustava a ruiva mais do que qualquer outra coisa. Quanto a mãe, bom, Lily Luna tinha certeza que Ginevra Potter iria lhe esfolar viva e depois servir seu fígado no jantar. Talvez merecesse pela grande estupidez que havia cometido. Gemeu, obrigando-se a levantar da cama e se arrumar para a festa de Roxanne.

A última coisa que queria naquele momento era ir a uma festa, entretanto, era o aniversário de Roxy, sua prima, melhor amiga e companheira de aventuras. A pessoa que estava sempre ao seu lado para executar algum de seus planos estúpidos – que provavelmente resultaria em semanas de detenção – ou simplesmente falar sobre todo tipo de besteira que poderia surgir nas mentes de duas adolescentes. Se Lily Luna matasse alguém, Roxanne seria a pessoa que chamaria para lhe ajudar a esconder o cadáver. Não haveria no mundo alguém mais leal. Não havia, portanto, a possibilidade dela perder o aniversário da prima.

Enfiou-se rapidamente, então, em uma saia jeans, vestiu uma de suas únicas blusas que não tinha o emblema de algum time de Quadribol e calçou os tênis vermelhos, lembrando-se de soltar os cabelos e passar um pouco de gloss. Nunca fora uma grande fã de maquiagem e vivia bem com isso. Estava prestes a sair quando avistou os panfletos coloridos no fundo da gaveta de meias. Suspirou, fechando a maldita gaveta com os pés. A lembrança da gravidez e todos seus dilemas, no entanto, já haviam voltado a instaurar-se em sua mente.

Na tarde anterior, Lily havia ido até o St.Mungus, usando a desculpa esfarrapada de visitar o irmão, Albus Severus, que recentemente havia começado seu treinamento para se tornar um medi-bruxo. Aquela era uma desculpa tão absurdamente ridícula que o próprio Albus não pareceu comprar, mas, mesmo assim, teve a decência de não fazer perguntas. Albus sempre tinha a decência de não fazer perguntas, ao contrário de James Sirius que estava constantemente se intrometendo onde não devia.

De qualquer forma, o que a garota realmente queria era se esgueirar até o departamento de controle de natalidade e pegar alguns folhetos sobre aborto. Não sabia se aquilo era o certo, mas precisava considerar suas opções. Haviam opções, no fim das contas. Aquele era seu corpo – era sua vida –, ela não precisava carregar outro ser humano ali se não quisesse ou se sentisse pronta. O grande problema era que, naquele momento, a menina não fazia ideia de como se sentia. Continuava dividida entre a parte que ainda estava assimilando a gravidez e a parte que apenas queria chorar. 

Provavelmente deveria conversar com Andrew e finalmente lhe contar o que acontecia. O rapaz também tinha sua parcela de responsabilidade naquilo e não era justo ela carregar aquele fardo sozinha. Além disso, Drew sempre fora um garoto inteligente, talvez ele pudesse ajudá-la a pensar em um plano ou enxergar alguma solução.

Pegou a bolsa, que deixara jogada sobre a escrivaninha, e finalmente saiu do quarto, descendo a longa escadaria do Largo Grimmauld, nº12. Estava quase na lareira quando sua mãe apareceu na sala, amarrando os longos cabelos ruivos em um rabo de cavalo. A mulher lhe sorriu, enquanto lhe analisava silenciosamente. Lily detestava quando ela fazia aquilo, sempre tinha a sensação de que, de alguma forma, a mãe conseguia ver através de sua alma ou, na melhor das hipóteses, ler sua mente.

— Já está indo para a festa da Roxanne? — perguntou sorrindo.

A filha acenou positivamente com a cabeça, sentindo o nervosismo no estômago. Gina a conhecia bem demais e sempre sabia quando ela mentia ou quando algo estava errado. Evitar o olhar clínico da mãe, naquele momento, era praticamente uma questão de sobrevivência. A mulher estreitou os olhos levemente diante a atitude de Lily, fazendo a menina sentir-se ainda mais nervosa.

— A Roxy está me esperando. — ela tentou despistar, colocando um pé na lareira.

Gina continuou a encarando desconfiada, mas deu de ombros ao dizer:

— Tudo bem. Eu e seu pai estamos indo para a casa do seu tio Bill. Qualquer problema estaremos lá.

— Ok. — Lily concordou já com o pó de flur nas mãos. Precisava apenas sair dali o mais rápido possível.

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LOUIS

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Aquilo era ridículo. Era ridículo em tantos níveis que o garoto não acreditava que um dia sua dignidade conseguiria se recuperar de tamanho golpe. Ele ainda não conseguia acreditar que estava ali. Seu cérebro simplesmente se recusava a processar aquele fato. Seus pais haviam vencido. Após todo tipo de chantagem, ameaças, manipulação emocional e abuso de autoridade, Louis Weasley fora obrigado a ceder. Era sexta-feira à noite, ele estava de férias e se encontrava humilhado, em uma cadeira de plástico, encarando o mais patético grupo de adolescentes que já existira. Seu único desejo era fugir dali antes que fosse impregnado pela decadência.

Era sexta-feira à noite e ele estava em um grupo de apoio. Um maldito grupo de apoio para abortos. A simples lembrança do fato, o fazia gemer internamente. Deus o odiava! Se um dia houvera alguma dúvida, ela fora definitivamente sanada. Respirou fundo, tentando se lembrar da promessa que fizera ao pai e do que ganharia se passasse por aquela tortura, e se obrigou a pelo menos dar uma chance àquela experiência esdrúxula. Apenas tente, Louis. Apenas tente. O garoto tentou dizer a si mesmo, enquanto se afundava um pouco mais na cadeira, os braços cruzados sobre o peito.

Passou os olhos novamente pelo salão, tamborilando os dedos nas coxas, enquanto batia o pé repetidamente no chão. Havia oito adolescentes ali, todos parecendo igualmente tediosos. Era um número pequeno, ainda assim, estar em um ambiente novo e cercado de pessoas desconhecidas era suficiente para fazer o pânico se instaurar em cada célula de seu corpo. Tentou ignorar o sentimento, mas era impossível. O estômago se contraia em nervosismo, o suor frio congelava seu pescoço, a ansiedade corria insanamente por sua corrente sanguínea, acelerando seu coração e fazendo seus dedos se moverem de forma frenética. Continuou balançando a perna direita em um ritmo ainda mais rápido. O ar estava se tornado rarefeito ou era impressão dele? Louis queria desesperadamente sair dali e se trancar em seu quarto.

Abaixou os olhos, buscando evitar fazer contato visual com qualquer um. A simples ideia de alguém o observando era suficiente para elevar as taxas de ansiedade em seu corpo. Tentou dizer a si mesmo que estava tudo bem, era apenas um grupo de abortos adolescentes, pessoas como ele que não poderiam julgá-lo ou lhe fazer qualquer mal. Repetiu aquilo como um mantra até um homem de meia idade adentrar o círculo sorrindo (demais). Ele tinha alguns fios grisalhos nos cabelos castanhos e longos e ruguinhas ao redor dos olhos, usava jeans velhos e uma bata colorida, e continuou sorrindo excessivamente enquanto observava os jovens. Louis achou toda a situação macabra. O homem se apresentou como Edward Edwards e o Weasley não conseguiu acreditar que aquele era realmente seu nome.

Enquanto Edward Edwards – Deus, que tipo de pais dariam aquele nome a uma criança? – falava sobre sua história de superação como um aborto – o que dividiu o rapaz entre a vontade de revirar os olhos e vomitar – e introduzia aquele grupo estúpido e seus propósitos, o loiro deixou sua mente vagar. Sua atenção acabou se prendendo a um par de all stars roxos balançando freneticamente a sua frente. De certa forma, a cena o acalmava levemente, fazendo-o se esquecer do contexto no qual se encontrava.

Quando finalmente conseguiu desviar os olhos do roxo, se deu conta de que Edward (Edwards) tirara um violão de algum lugar e cantava uma música irritantemente feliz. Louis desejou morrer. Aquilo era tão absurdamente ridículo! Era provável que mais alguém compartilhasse de seus pensamentos, já que uma risada estrangulada chamou sua atenção, o obrigando a olhar para frente.

A dona do tênis púrpura, tentava em vão reprimir uma gargalhada e a cena fez um sorriso involuntário se abrir nos lábios do Weasley. Como se sentisse os olhos do rapaz sobre si, a menina, que até então mantinha a cabeça baixa e o rosto escondido por uma cascata de cachos negros e um gorro cinza, que quase cobria seus olhos, ergueu a cabeça. Por meio segundo os dois adolescentes se encararam silenciosamente, como parceiros de um crime que ninguém fora capaz de desvendar, e deixaram os sorrisos zombeteiros tomarem conta de suas faces.

Mesmo através dos grossos óculos, que ajudavam a cobrir ainda mais o rosto da moça, Louis pode ver que ela também achava tudo aquilo uma grande tolice. Eventualmente a melodia patética chegou ao fim e os dois rapidamente quebraram o contato visual, voltando os olhos para o chão, enquanto sentiam os rostos em chamas. 

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LILY LUNA

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Ela era uma maldita grifinória, por que, então, estava sendo tão absurdamente covarde? Havia aproximadamente uma hora que estava ali, sentada em um degrau da escada, com o copo se cerveja amanteigada nas mãos e os olhos fixos em Andrew Zabini, conversando com Lucy, do outro lado da sala. Havia uma hora – exatos sessenta minutos – em que reunia coragem para se aproximar do rapaz e pedir para conversarem. Precisava contar a ele o que estava acontecendo. Precisava lhe dizer que estava grávida. Bebeu um gole da cerveja, agora fria, e sentiu o medo cortar seu estômago. O que Drew faria depois que ela lhe revelasse aquele segredo? Surtaria, ficaria ao seu lado, a odiaria? Não havia como saber. Ele parecia um cara legal, no entanto, seus breves 16 anos já haviam lhe mostrado que quando se trata de garotos é impossível conhecer seus caráteres até que esses sejam testados. E Lily tinha medo de testar os limites de Drew e acabar decepcionada.

Você é uma grifinória, caralho! Aja como uma maldita grifinória!” Disse a si mesma, obrigando-se a levantar e marchar até o outro lado da sala. Corpos adolescentes se moviam alucinados por todo o cômodo, as batidas pop de uma música, que a menina não reconhecia, preenchiam o lugar, enquanto luzes coloridas piscavam incansavelmente. Andrew estava apoiado na lareira, gesticulando de forma frenética, enquanto conversava com uma Lucy claramente desconfortável. A Potter sabia que a prima nunca fora uma grande fã de festas.

Ignorando o bolo que se formava em seu estômago, Lily se aproximou, tentando manter uma expressão descontraída. O rosto de Drew se iluminou quando a viu, suas bochechas negras se tornando escarlates, aquela visão quase fez com a menina começasse a chorar. Iluminado pelas luzes coloridas, o rapaz parecia completamente adorável e inocente. Havia uma óbvia descontração evidente em cada gesto de seu corpo e, após todo o estresse dos NOM’S ele merecia um pouco de diversão, e ela estava prestes a matar sua luz e arrastá-lo para uma grande confusão. Sentiu-se culpada, embora uma voz em sua cabeça gritasse que não era justo que carregasse aquele fardo sozinha.

— Oi, Lily! — Andrew disse, endireitando o corpo e os óculos.

— Ei, Drew. Lucy. — cumprimentou recebendo um sorriso fraco da Weasley. — Então, Drew, será que eu posso conversar com você? — disse se aproximando do rapaz para se fazer ouvir em meio a todo estardalhaço que os cercava.

— Claro. — ele respondeu prontamente, ainda sorrindo.

— Em particular. — ela acrescentou, olhando para Lucy pelo canto dos olhos. A menina não pareceu muito feliz com a perspectiva de ficar sozinha naquela festa, porém, Lily tinha problemas mais urgentes no momento.

— Hum.. Tudo bem. — ele deu de ombros e, enquanto lançava um olhar de desculpas a Lucy, a ruiva já começava a puxá-lo pelas mãos, em busca de algum cômodo vazio.

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LUCY

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Ótimo! Aquilo definitivamente não poderia ficar melhor. A garota bufou no instante em que a prima e o melhor amigo se afastaram, para tratar de sua “conversa em particular”. Reprimiu uma careta, já imaginando que aquilo seria algum código para sexo casual em algum quarto vazio. Lily Luna Potter e Andrew Zabini eram nojentos. E improváveis. Nem mesmo em um milhão de anos Lucy Weasley – a rainha das estatísticas e probabilidades – teria previsto aquela aproximação.

A prima e o amigo pareciam habitar galáxias diferentes e o único denominador comum entre o monitor – filho de Comensal da Morte –  desajeitado e certinho da Corvinal e a jogadora de Quadribol – filha do Menino que Sobreviveu – impulsiva e criadora de caos era, bom, ela. De um modo, ou de outro, ambos eram figuras muito presentes em sua vida, porém, a Weasley jamais havia pensado nos dois sequer como pessoas pertencentes ao mesmo plano espiritual.   

Sendo assim, observar a relação que se desenrolava entre Lily e Drew era como ver dois planetas se chocando. Estranho e, de certo modo, desastroso. Ou talvez fosse apenas a mente prevenida de Lucy procurando pelos piores cenários possíveis, em uma tentativa de traçar um plano de contenção. Honestamente, ela ainda não conseguia visualizar nenhum plano de contenção para as tragédias que poderiam sair daquela relação supostamente casual. No entanto, sendo ainda mais sincera, não sabia se deveria – ou queria – se envolver. Já tinha problemas suficientes sem ter que se preocupar com os amigos.

Como se seu corpo inteiro reagisse instintivamente à palavra “problema”, a menina se viu observando, pelo canto dos olhos, o lugar onde Priyanka Finningan dançava sensualmente com um copo de Whisky de Fogo em mãos. A garota nem mesmo parecia notar a Weasley, encolhida ao lado da lareira, enquanto rebolava em seu vestido verde e justo demais. Lucy, por sua vez, sentia-se hipnotizada ao ver a cascata de cabelos negros bailando como se tivessem vida própria, enquanto o bracelete em forma de serpente brilhava nos braços da moça.

Priya era tão linda! Sua pele oliva e delicada, seus imensos olhos amendoados, seu perfume cítrico, seus lábios vermelhos... Ah, aqueles malditos lábios que a Weasley não conseguia tirar da cabeça. Sentiu a ansiedade se intensificar em seu estômago. Nunca se sentia realmente confortável em festas. Aquele misto de barulho, gente demais e bagunça – oh, de repente ela sentia-se consciente de cada gota de bebida derramada no carpete – a enlouqueciam. Lucy não estaria ali não fosse pela consideração que tinha por Roxanne.

Seus devaneios, entretanto, foram interrompidos no instante em que percebeu que Priya finalmente notara sua presença. As duas meninas se encararam por um minuto inteiro, seus olhos presos um ao outro, apesar da distância da sala, Lucy sentiu o corpo inteiro em chamas, sentiu os pulmões paralisarem, sentiu o sangue fervendo em suas veias. Reunindo toda a força que possuía desviou o olhar e correu até a cozinha. Priya a seguiu.

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LOUIS

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A perspectiva de ter que ir à festa de Roxanne o enlouquecia. Louis odiava festas. Elas certamente estavam acima de qualquer outro item de sua longa lista de coisas que lhe causavam raiva ou descontentamento. Não importava o quanto tentasse, o rapaz simplesmente não conseguia compreender qual era o propósito daquilo. Era um misto de música ruim, danças ridículas, bebida alcoólica e pessoas. Ou simplesmente pessoas alcoolizadas ouvindo música ruim e dançando de modo constrangedor. Aquela festa, o Weasley era capaz de prever, seria ainda pior, afinal ali não estariam apenas pessoas, mas buxos adolescentes. A sua definição pessoal das criaturas que habitavam o inferno como discípulos fieis de Satanás.

Ok, talvez ele estivesse exagerando, mas se estar próximo a outros seres humanos lhe era difícil, estar próximo a bruxos lhe era quase impossível. Naqueles momentos ele sentia-se estranhamente consciente de sua insignificância e desajuste. Sua inadequação tornava-se evidente, a falta de mágica em suas veias tornava-se um crime, sua mediocridade tornava-se sufocante. Louis era pequeno, fraco e inútil. E todos saberiam. Isso o deixava nervoso e ficar nervoso, quando já se vivia na linha tênue da adrenalina, nunca era bom. O medo o invadia e sua cabeça paranóica criava hipóteses absurdas sobre o que um bruxo poderia fazer com alguém como ele. Hipóteses que iam desde humilhações públicas até maldições imperdoáveis. Às vezes ele achava tudo aquilo estúpido, ainda assim, não conseguia evitar o medo que o consumia.

Sentindo o coração disparado em seu peito, Louis Weasley entrou na casa de seus tios. A porta estava escancarada e ele conseguia ver a massa de adolescentes – bruxos – se movendo e ouvir a insuportável música pop – bruxa – que ameaçava explodir o quarteirão. Sentiu vontade de vomitar, mas se obrigou a entrar, pensando, pela enésima vez naquela noite, na recompensa prometida por seu pai caso aguentasse suas torturas.

Deixou o presente, escolhido por sua mãe, em uma pequena pilha na entrada e atravessou a sala, tentando evitar trombar em alguém. Não havia se passado sequer um segundo e ele já suava frio. Andou em círculos por alguns minutos, procurando algum lugar para se esconder. Também procurou Roxanne em meio aquele caos, para parabenizar a prima, porém, nunca a encontrou. Estava prestes a entrar em completo desespero quando avistou um rosto sardento vindo em sua direção. Quis chorar quando viu Hugo Weasley, usando sua camiseta clássica dos Chudley Cannons, parado diante a ele, sorrindo.

Hugo Weasley era seu primo favorito. Louis sabia que não deveria ter favoritos, no entanto, não conseguia evitar. Hugo era mais que seu primo, era seu melhor amigo desde que se entendia por gente. Haviam nascido na mesma semana, com um intervalo de apenas três dias, cresceram juntos e se viram como irmãos durante vida inteira. Mesmo para ele, que tinha uma óbvia dificuldade com interações sociais, era fácil estar perto de Hugo. Os dois se entendiam, se apoiavam e se conheciam como ninguém. Ver o primo ao seu lado lhe trazia conforto e aliviava algumas de suas preocupações. Se era para estar em meio aos bruxos, que pelo menos estivesse acompanhado por um dos poucos bruxos pelo qual sentia afeto genuíno.

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LUCY

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Ela sentia que iria morrer. O coração acelerado, o suor frio se formando em cada poro de seu corpo, o oxigênio lhe faltando, o estômago embrulhado, o pânico a dominando por inteiro. A pior parte era que aquela não era uma sensação nova. Nos últimos tempos, Lucy Weasley sentia que iria morrer ao menos uma vez por semana. O medo a acompanhava como uma sombra e o sentimento de paz lhe parecia uma lembrança muito antiga que perdera toda sua nitidez.

A garota havia fugido para a cozinha, como a grande covarde que era, para evitar todas essas emoções. Para se recompor e tentar não perder o que lhe restava de sanidade. No entanto, bastou que seus olhos escuros contemplassem o cômodo por uma fração de segundos, para que a menina percebesse que cometera um equívoco gigantesco.

O lugar estava um caos! Embalagens e restos de comida em um canto, louça suja na pia, copos plásticos jogados no chão, farelos por toda parte...Lucy sentiu o corpo inteiro entrar em combustão. Aquilo estava errado! Aquilo estava muito errado! As lágrimas caíam copiosamente por seus olhos sem que ela sequer percebesse, as mãos tremiam e a garganta parecia ter sido bloqueada, a impedindo de respirar. Ela precisava arrumar aquela cozinha, precisava que tudo estivesse limpo e em seu lugar, precisava que a ordem voltasse a reinar ou... ou algo terrível iria acontecer e seria culpa dela. Ainda assim, naquele instante, a garota sequer conseguia se mover.

— Lucy Katherine Weasley, não ache que vai conseguir fugir de mim assim tão facilmente. — a voz (extremamente irritada) de Priya soou atrás dela, a fazendo reprimir um soluço. — Será que você pode parar de agir como uma criança e pelo menos conversar comigo?

Mas Lucy não era capaz de fazer nada naquele instante e mal conseguia se concentrar nas palavras da amiga. Era como se seu cérebro estivesse em chamas. Era como se seu cérebro estivesse gritando. Era como se seu cérebro estivesse vagando na gravidade zero. Priya continuou a falar e a falar cada vez mais irritada, mas sua voz não era mais que um sussurro. Havia pessoas demais, havia barulho demais e havia bagunça demais. E Lucy precisava arrumar a bagunça ou algo terrível iria acontecer. Ou talvez algo terrível acontecesse enquanto ela limpava aquela cozinha imunda (imunda imunda imunda). E se ela se contaminasse no processo? E se ficasse doente? E se morresse? Algo ruim ia acontecer e seria culpa dela.

A paranoia a dominava, o medo era a única emoção que seu corpo era capaz de sentir, as lágrimas continuavam a cair silenciosamente.

— Você pode, pelo menos, olhar para mim enquanto... — Priya começou, se forçando a ficar em frente a Weasley, mas estancou ao ver a expressão de desespero no rosto manchado de lágrimas da menina que mal parecia respirar — Lucy, você está bem? — questionou com a preocupação jorrando através de seus grandes olhos castanhos.

Mais lágrimas caíram dos pequenos olhos de Lucy, um soluço escapou por seus lábios, fazendo o coração de Priya se afundar. A Finnigan não fazia ideia do que fazer ou de como ajudar a Weasley e, uma parte da menina, se sentia absurdamente culpada por ter ido até ali gritar com ela, enquanto a amiga parecia estar tendo algum tipo de crise.

— Lucy, olha pra mim. Ok? — Priya disse, as lágrimas começando a rolar por seu rosto, enquanto segurava delicadamente as mãos trêmulas da outra moça. Merlin, ela gostava tanto daquela garota! — Apenas tente respirar, tá legal? Só respire. — ela tentou aconselhar, se sentindo uma completa idiota. Às vezes ela era tão estúpida! Lucy era inteligente, se fosse o contrário, ela certamente saberia o que fazer.

Ainda assim, seu conselho pareceu surtir algum efeito ou ter lembrado a amiga de como respirar, já que, aos poucos, ela foi deixando pequenas lufadas que ar entrarem. Os olhos fixos aos da Finnigan.

— Você está bem? — Priya questionou após, o que pareceu uma eternidade, quando Lucy finalmente soou mais calma.

A Weasley maneou a cabeça negativamente.

— Eu só preciso sair daqui. Ok? — sua voz era menos que um sussurro.

— Ok. — Priya assentiu, ainda preocupada, enquanto conduzia Lucy delicadamente em direção à lareira. Suas mãos nunca se soltaram.

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HUGO

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As ondas sonoras envolviam o garoto, enquanto ele dançava de forma constrangedora, sem se importar com as pessoas ao redor ou se preocupar em ser notado. Após todo o estresse provocado por aquele ano escolar e os malditos NOM’s, o menino precisava de uma pausa e merecia se divertir. E se havia algo que Hugo Weasley sabia fazer, isso era se divertir. Amante das festas, da música e de extravasar todas as suas frustrações dançando, ele passara dias esperando pela festa de aniversário da prima. Afinal, se alguém naquela família sabia dar uma festa, esse alguém era Roxanne Weasley.

As pessoas que sabiam sobre sua surdez costumavam achar a alma festeira do garoto algo, no mínimo, peculiar, o que sempre fazia o menino sentir uma imensa vontade bufar contrariado. Ele podia não ser capaz de escutar, mas isso não o impedia de sentir a música e ter todo seu corpo envolvido pela batida que ela emanava. Desde que o som estivesse suficientemente alto, ele poderia se divertir no mesmo ritmo que todo mundo.

Sendo assim, Hugo estava se divertindo. Havia bebido duas canecas de cerveja amanteigada e agora dançava sozinho, sentindo gotas de suor se formando em sua camiseta favorita dos Chudley Cannons. Talvez algumas pessoas achassem aquela cena desoladora, mas não o ruivo. Ele não era exatamente a pessoa mais popular do mundo e tinha bem poucos amigos fora de sua família, principalmente porque poucas pessoas em Hogwarts conseguiam – ou se interessavam em – se comunicar através da língua de sinais. O garoto sabia ler lábios, era verdade, mas como ter um diálogo quando apenas um dos interlocutores poderia ser compreendido?

Hugo estaria mentindo se dissesse que não se importava com tudo aquilo. Como qualquer outra pessoa, ele queria criar laços, fazer amizade, conseguir se expressar e ser levado a sério ao fazê-lo. Por tudo isso, costumava ser mais fácil estar próximo de sua família e especialmente de outras pessoas surdas. Comunidade era algo importante para o rapaz. Infelizmente a comunidade surda de Hogwarts era praticamente inexistente.

Sendo assim, o rapaz aprendera a se agarrar as pessoas que tinha em sua vida e também a se divertir sozinho. Afinal, que mal havia nisso? Normalmente Lily e Roxanne eram suas companheiras de festa, mas o ruivo ainda não havia visto nenhuma das primas, então, se pôs a dançar consigo mesmo, sentindo as vibrações da música aliviarem toda a tensão que seu corpo reprimiu por meses.

Quando finalmente se cansou, resolveu pegar mais um pouco de cerveja amanteigada e enquanto se dirigia à mesa de comida, disposta estrategicamente em um canto da sala, Hugo avistou Louis Weasley vagando pela festa com uma expressão que deixava claro seu descontentamento. Sentiu um sorriso se abrir instintivamente em seus lábios, enquanto caminhava até o rapaz alto, de longos cabelos loiros e jeans rasgados.

— Hugo! Graças a Deus! — Louis sinalizou assim que se aproximaram.

— Olá! Não sabia que você vinha.

— Meus pais me chantagearam. — contou, revirando os olhos e arrancando uma gargalhada do primo.

— Faz sentido. Duvido que você estaria aqui de livre e espontânea vontade...

— Você se voluntariaria para o inferno, Hugo?

O ruivo riu ainda mais.

— Não exagere, Lou! A festa está bem legal. — o filho de Ron e Hermione tentou defender.

O loiro lhe enviou um olhar cético.

— Se você diz... — comentou, balançando a perna esquerda repetidamente, gotas de suor se formando em sua testa pálida.

— Você está bem? — o primo questionou preocupada.

Louis acenou com a cabeça.

— A gente pode só sair do meio dessa multidão?

— Claro!

Os dois rapazes se refugiaram no topo da escada e iniciaram uma conversa trivial sobre seus semestres escolares. Haviam trocada várias cartas ao longo dos meses, porém, ainda não haviam tido a oportunidade de conversar pessoalmente sobre tudo o que acontecera. Hugo, no entanto, percebia claramente que a atenção do primo estava dispersa e que alguma coisa estava errada com ele. Após checar o relógio em seu pulso pela milésima vez, Louis se levantou abruptamente  e começou a descer os degraus de forma rápida e desajeitada. Hugo o seguiu preocupado.

— Ei, você está bem? — sinalizou da forma mais clara possível, após alcança-lo, percebendo que os olhos do rapaz estavam dilatados e ele parecia ter dificuldade em respirar.

— Eu só tenho que ir pra casa. A gente conversa amanhã. Ok? — Louis usou os com as mãos trêmulas, correndo para a lareira e deixando um Hugo confusa para trás.

O Weasley ainda estava tentando processar o que diabos havia acontecido, quando avistou Roxanne vindo em sua direção, arrastando um garoto alto pelas mãos, com a expressão claramente irritada em seu rosto.

— Para onde ele foi? — questionou usando a mão livre.

— Ele quem? — Hugo lhe respondeu confuso.

— Louis! — o modo como a menina mantinha os lábios crispados deixava evidente que não estava feliz com o primo correndo desesperadamente para longe de sua festa.

— Pra casa.

Roxy bufou.

— Por quê?

O primo simplesmente deu de ombros, percebendo que o rapaz desconhecido encarava a conversa silenciosa com um misto de curiosidade e confusão. Hugo já o havia visto por Hogwarts, sempre ao lado de Roxanne, mas não conseguia se lembrar de seu nome.

— Essa é a pior festa de todos os tempos! — a menina sinalizou nervosa com lágrimas se formando em seus olhos castanhos.

Hugo sentiu o estômago se contrair, incapaz de pensar no que dizer. Não era certo a garota chorar em sua festa de aniversário. 

— Não é a pior festa de todos os tempos, Roxy. A festa está incrível. Sério.

A menina negou com a cabeça. O rapaz ao seu lado encarnava tudo com os olhos arregalados. O ruivo sentiu pena do menino e de sua óbvia confusão. Se lembrou instintivamente de uma série de momentos em que as pessoas começaram a falar ao mesmo tempo, sem utilizar sinais, e ele se viu perdido e incapaz de ler seus lábios, se sentindo completamente excluído do diálogo. Não havia sensação pior.

— Está tudo dando errado! Primeiro a Lucy e Pryia correm para aquela lareira sem nem se despedir. Agora o Louis...

Como se algum deus sádico quisesse comprovar seu ponto, Lily Luna passou por eles como um tiro. Ela estava chorando? Lily nunca chorava!

— Lily! — Roxanne chamou pela menina que sequer pareceu ouvi-la, enquanto corria escada acima.

Bom, pelo menos ela não estava indo embora. Hugo pensou, tentando soar otimista, porém, não teve coragem de externar aquela ideia. Algo lhe dizia que não seria aconselhável diante do estado de espírito da aniversariante.  

— Ok, eu vou atrás dela. — a filha de George e Angelina disse, dessa vez, se lembrando de proferir as palavras com as mãos e a voz, finalmente incluindo o segundo rapaz na conversa – Vocês dois não se atrevam a ir embora. – ameaçou séria.

A garota deu três passos antes de voltar atrás.

— Ah, Lorcan esse é Hugo Weasley. Hugo esse é Lorcan Scamander. — os apresentou rapidamente antes de correr atrás de Lily.

Os dois garotos se encaram constrangidos sem saber muito bem como agir. Hugo sentiu as orelhas esquentarem. Lorcan passou as mãos pelo pescoço pálido e longo.

— Eu sou o Lorcan. — disse a primeira coisa que lhe passou pela cabeça, como de costume, e imediatamente se sentiu um idiota. Roxanne havia acabo de apresenta-los e parecia bem óbvio que o garoto ruivo tinha alguma deficiência auditiva.

O Weasley estreitou os olhos, tentando acompanhar os movimentos da boca de Lorcan, mas era difícil entender o que ele dizia naquele misto de escuridão e luzes coloridas oscilantes. Apontou para uma das orelhas, tentando indicar que não conseguia ouví-lo. Aquela noite estava se tornando cada vez mais estranha e uma parte do menino estava preocupada com os primos. Aparentemente Louis e Lucy haviam saído correndo da festa, Roxanne estava chateada em seu aniversário (por Merlin, aquilo era muito errado!) e Lily estava chorando. Lily Luna Potter estava chorando! O que diabos estava acontecendo com sua família?

E em meio a todo aquele caos, ele estava parado no meio pista de dança, ao lado de um completo desconhecido. Queria ir embora daquela festa, no entanto, sabia que Roxy o mataria se ele se atrevesse a partir. Lorcan bateu o pé direito no chão algumas vezes, Hugo suspirou batendo os dedos na perna. Nenhum dos dois sabia como agir e ausência de comunicação se tornava mais embaraçosa a cada segundo. Então, sem saber muito bem o motivo, os garotos se encararam novamente e quando os dois pares de olhos azuis se encontraram, eles gargalharam. Todo aquele cenário era tão absurdo, insano e constrangedor que não havia nada mais que pudessem fazer.

Lorcan, que estava a um passo de enlouquecer diante a todo aquele silêncio, sentiu uma ideia se apoderar dele, enquanto as risadas aliviavam a tensão que anteriormente se apoderara de seu corpo magro e alto. Tateou os vários bolsos de seu paletó verde e, após alguns segundos, retirou dele um bloquinho amarelo e uma pena roxa e os balançou em frente ao menino ruivo que encarou a cena com um sorriso divertido e um olhar curioso.

O Scamander fez sinal para o Weasley o seguir e, pouco depois, os dois estavam sentados no topo da escada, no mesmo degrau em que Hugo estivera com Louis há alguns minutos. O loiro imediatamente voltou os olhos para o papel e começou a escrever. O ruivo esperou com expectativa, sem deixar de notar que aquela era uma solução muito engenhosa. A curiosidade, no entanto, também se instaurara dentro dele. Quem levava papel e pena para uma festa? Bom, aparentemente Lorcan Scamander e, considerando suas vestes, o rapaz não parecia exatamente uma pessoa convencional. O mais estranho foi que Hugo se sentiu feliz ao constatar que o novo companheiro não era convencional.

De qualquer forma, quando a pena finalmente parou, Lorcan entregou o bloco ao outro menino que observou a mensagem em letras roxas na folha amarela:

Olá, meu nome é Lorcan Scamander (mas você provavelmente já sabe disso). Você pode me dizer o que estava acontecendo com a Roxy?

Hugo sorriu, antes de pegar a pena e começar a responder a indagação. Ao seu lado, o Scamander se sentia um imbecil por ter se apresentado pela terceira vez, mas, segundo sua mãe, aquela era a forma apropriada de iniciar uma conversa e o adolescente sempre seguia os conselhos maternos. Luna Scamander era uma pessoa muito sábia, afinal. A divagação foi interrompida quando o rapaz sardento lhe passou o caderno.

Olá, Lorcan! Eu sou o Hugo. A Roxy estava triste por achar que a festa está ruim, já que todo mundo está indo embora, mas eu, particularmente, estou gostando muito. E você?

O loiro mordeu o lábio inferior, refletindo sobre aquilo.

Não sei. Para ser sincero, não tenho muita experiência em festas, mas as pessoas me parecem satisfeitas.

Hugo concordou com um aceno de cabeça. Os dois meninos se encararam quietos por meio segundo. As orelhas de Hugo esquentaram (novamente), enquanto as bochechas de Lorcan ganhavam uma coloração avermelhada. O loiro desviou os olhos rapidamente e, ao observar a folha amarelada ainda em suas mãos, sentiu o arrombo de curiosidade consumi-lo.

Posso te fazer uma pergunta?

O ruivo confirmou, com as orelhas ainda em chamas.

Você não escuta?

Uma parte dele pode ouvir a voz de Lysander o censurando assim que terminou de escrever aquelas palavras. “Você não pode ser tão inconveniente, Lorc!”, o irmão diria. Mas o Weasley não pareceu incomodado com a pergunta e enquanto escrevia sua resposta, Lorcan podia jurar ter visto um sorriso no canto de seus lábios.

Não. Sou surdo desde que nasci.

Quando o loiro pareceu não saber como reagir apropriadamente àquela revelação, Hugo lhe sorriu simpático e voltou novamente para o pequeno caderno.

Está tudo bem. Será que agora eu posso fazer uma pergunta?

O outro menino assentiu.

Por que você trouxe papel e pena para uma festa?

Lorcan riu da questão, enquanto Hugo lhe encarava com uma sobrancelha arqueada e a diversão estampada em seu rosto. Enquanto o loiro escrevia, o outro menino se aproximou para tentar ler por cima de seu ombro. O Weasley podia ser tão curioso – ou inconveniente, dependendo do ponto de vista –  quanto o Scamander. Lorcan gostou disso.

Acho que é um hábito. Costumo levar ele para todos os lugares para anotar minhas ideias, às vezes eu penso muito rápido e me perco nas minha própria cabeça, sabe? De qualquer forma, era bem útil quando eu estava no hospital...

Uma ruguinha se formou na testa de Hugo e ele se aproximou ainda mais, colocando o dedo sobre a palavra hospital.

Eu tive câncer quando tinha 8 anos. Osteosarcoma. Câncer nos ossos. Sabe? E a doença acabou voltando quando fiz 12. Então, passei um bom tempo da minha vida no St Mungus.

O loiro lhe sorriu triste e o Hugo o encarou profundamente, seus olhos deixavam claro, sem que ele precisasse dizer, sinalizar ou escrever qualquer palavra, que sentia muito por aquilo. Lorcan deu de ombros, o rosto voltando a se iluminar.

Está tudo bem. Eu estou bem agora.

Hugo achou estranho constatar que se sentia sinceramente feliz ao saber sobre a saúde daquele garoto estranho e magricelo. Então, ele sorriu e Lorcan sorriu de volta. Quando perceberam os dois estavam gargalhando novamente. Nenhum dos dois entendendo exatamente o motivo.


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Notas finais do capítulo

UFA! Alguém chegou até aqui? Bom, eu sei que esse capítulo ficou gigantesco, mas queria compensar pela demora e precisava encadear os acontecimentos. O que nos leva a uma pergunta que preciso fazer: vocês preferem capítulos menores que não necessariamente tenham todos os protagonistas, ou capítulos maiores com todo mundo? 9 mil palavras é demais ou até aceitável? Me falem o que acham, porque eu não me importo em ler capítulos grandes, mas o que importa é o que vocês acham. Ah, preciso ressaltar também que mesmo tentando dar o mesmo espaço aos personagens um ou outro sempre vai acabar tendo mais "tempo" em um determinado capítulo. Aqui foi o Louis, porque eu precisava introduzir a mocinha do tênis roxo e os problemas dele com ansiedade que foram indicados de um modo tão (mais tão) superficial no primeiro capítulo que acho que não estava claro.
Na dúvida, Lucy tem TOC e Louis ansiedade social.
Segundo o texto sobre doença mágicas que a J.K postou no Pottermore, a doença do Lorcan provavelmente seria facilmente resolvida com mágica, mas estou ignorando essa parte do cânone, porque gosto de um drama. Além disso, o fato de Lorcan e Hugo terem passado por momentos difíceis da vida ajuda a criar uma conexão. Aliás, o que acharam dos meus dois bolinhos? Eu quero colocar os dois em um potinho, assim como Priya e Lucy.
Por que a Lily estava chorando? A Roxanne conseguirá ser feliz em seu aniversário? (Tadinha das minhas meninas). Isso fica para os próximos capítulos hahaha
Enfim, espero que tenham gostado! ♥
Beijinhos...
Thaís



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