Estilhaços escrita por Siaht


Capítulo 2
Sobre desastres acadêmicos, fracassos amorosos e desajustes sociais


Notas iniciais do capítulo

Olá, novamente!!! D
Tudo bem com vocês?
Bom, como prometi aqui está o primeiro capítulo.
Espero sinceramente que vocês gostem! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/731834/chapter/2

HUGO

.

.

Os olhos azuis estavam presos ao livro. A varinha em mãos. Uma ruguinha de concentração se formando na testa sardenta do rapaz. Do lado de fora, o sol brilhava, presenteando a todos com uma linda tarde de verão. Era o primeiro dia de férias e Hugo Weasley estava trancando em seu quarto, tentando aprender aqueles malditos feitiços não verbais. Em circunstâncias habituais, menores de 17 anos não possuíam permissão para fazer magia fora de Hogwarts, mas aquela era uma das vantagens – e também uma desvantagem – de uma educação inclusiva.

O garoto deixou um suspiro escapar, fechando o livro com força, e se jogou em sua cama, exausto. Havia sido um longo período letivo – o quinto ano definitivamente não era fácil – e ele não queria nem imaginar o momento em que o resultado seus N.O.M’S chegasse, estampando um grande Trasgo em Feitiços e, possivelmente, Transfiguração. Esforçara-se mais do que qualquer um – bom, possivelmente não mais que Lucy, mas Lucy era Lucy – e iria falhar do mesmo jeito.

Às vezes a vida podia ser insuportavelmente injusta! Balançou a cabeça, tentando se livrar do negativismo de tais pensamentos. Era praticamente um pecado desperdiçar um dia como aquele fechado em um quarto abafado, remoendo o que não podia mudar. Tinha um mês inteiro antes que precisasse verdadeiramente se preocupar com os resultados de seus testes e depois, bom, nunca havia cogitado uma carreira tradicional mesmo... O que o garoto realmente queria era jogar Quabriol e, modéstia a parte, era muito bom nisso.

Hugo Weasley também era surdo e, no geral, vivia muito bem com esse fato. Havia nascido assim, fazia parte de sua identidade e não conhecia nenhum outro modo de existir no mundo. Havia um milhão de coisas que o faziam ser Hugo e ser surdo era apenas mais uma delas. O menino estava em paz com sua deficiência. No entanto, não podia negar que estar inserido em uma sociedade moldada para ouvintes podia ser extremamente complicado. Ele precisava fazer ajustes, lidar com preconceitos e adaptar as situações às suas necessidades. Nem sempre era fácil.  

Fazer feitiços definitivamente estava na lista de dificuldades. Por não ouvir, não conseguia verbalizar corretamente as palavras necessárias. Na verdade, sequer gostava muito de usar sua voz. Era estranho. Como se aquilo não lhe pertencesse, não fizesse parte de si, não fosse suficiente para se expressar. Sua “voz” sempre esteve em suas mãos, sua língua materna era a de sinais, era daquela forma que ele se comunicava e se fazia presente no mundo. Infelizmente não havia como fazer feitiços usando apenas suas mãos. No entanto, a sempre perspicaz Hermione Granger – a melhor mãe que alguém poderia querer – surgira com a ideia dos feitiços não verbais e, honestamente, Hugo não sabia se deveria sentir-se grato, ou não, por aquilo.

Produzir feitiços não verbais era algo complexo e que tornava sua vida ainda mais complicada. De um modo geral, ele vinha dando conta do recado. Feitiços não era sua melhor matéria, mas ele sabia o suficiente. No fim, sempre havia tido maior propensão para atividades que não envolvessem ficar trancado em uma sala de aula, como Herbologia, Trato das Criaturas Mágicas e, principalmente, Quadribol.

Hugo Wealsey amava Quadribol acima de todas as coisas. As pessoas costumavam dizer que o filho caçula de Hermione e Ron Weasley vivia com a cabeça nas nuvens. De certa forma, era verdade. Nunca fora o mais ambicioso dos seres humanos, no entanto, tinha alguns sonhos absurdos que gostava de manter para si, aquecendo seu coração durante a noite. Ainda assim, sempre fora um menino simples que queria apenas estar perto das pessoas que amava e jogar Quadribol pelo resto de seus dias. Aquilo não era pedir muito, certo?

Desde que subira em uma vassoura pela primeira vez tivera certeza de que era aquilo que queria fazer por toda sua vida. Ver o ruivo em uma vassoura era uma maravilha inenarrável, algo que não poderia ser descrito como nada além de mágico. A velocidade e graça com que se movia eram inexplicáveis e ele realmente se sentia mais a vontade no ar do que na terra. Era simples estar ali, em sua Nimbus 3000, sentindo o vento nos rosto e completamente concentrado nas goles que precisava agarrar. Hugo nascera para ser um goleiro, como seu pai havia sido, e nunca nutrira qualquer dúvida sobre isso. O menino pegou, então, sua vassoura e saiu do quarto. Desceu os degraus da escada aos pulos e correu para o jardim. Porque independente de seu estado de espírito, voar sempre o animava e fazia todos os seus problemas desaparecerem.

.

.

LILY LUNA

.

.

Ela estava perdida! Mais do que isso, estava ferrada de um milhão de formas diferentes. Se fosse mais inteligente se jogaria da janela mais alta da Toca, poupando o esforço que os pais teriam quando a matassem. Porque, não havia dúvidas, eles iriam matá-la. Na verdade, a garota até desejava que os progenitores acabassem de uma vez com sua vida estúpida. A morte era um destino infinitamente mais complacente que aquele ocasionado pelas circunstâncias.

Merlin, aquilo não podia estar acontecendo com ela! A ruiva pensou, em completo desespero, se jogando em sua cama, ainda com o teste nas mãos. O que era nojento, considerando que  havia feito xixi naquele negócio. É claro que uma pessoa que estava vomitando incessantemente há semanas, não deveria se incomodar tanto com o que era nojento. O simples pensamento fez o estômago da menina se embrulhar e, quando percebeu, já estava de volta ao banheiro, depositando todo seu almoço na privada.

Naquele momento, Lily Luna Potter queria realmente morrer. A moça se encostou a uma das paredes de azulejo, sentindo as lágrimas salgadas rolando por seu rosto. Ela detestava chorar, ainda assim, não via outra opção plausível para a descoberta de que estava grávida aos 16 anos. Sua vida estava oficialmente arruinada e a menina não tinha a mínima ideia do que fazer. Aquilo era completamente surreal! Ela era Lily Luna Potter, a apanhadora do time de Quadribol da Grifinória, a rainha das piadas sujas e sarcásticas, a especialista em escapar de detenções e a mestra do contrabando de doces e cerveja amanteigada.

Ela era Lily Luna Potter, uma grifinória sardenta, competitiva, cheia de truques e com uma habilidade única de se livrar dos problemas nos quais se envolvia. Ela não era o tipo de garota que ficava grávida aos 16 anos. Bom, pelo menos, não o que ela imaginava como o tipo de garota de ficava grávida aos 16. O que, quando se refletia a respeito, era um pensamento extremamente sexista. Ótimo! Agora ela estava reproduzindo machismo, aquele dia realmente não podia ficar pior.

De qualquer forma, sua única certeza era que dessa vez não conseguiria se livrar facilmente daquela confusão. Havia um ser humano crescendo em seu útero, seus pais iriam aniquila-la e ela não fazia ideia de como contar a “novidade” ao Zabini. Oh, Merlin, o que ela iria dizer a Andrew? Eles não eram um casal nem nada do tipo, haviam ficado algumas vezes, mas nada realmente sério. A ruiva nem mesmo gostava do rapaz. Quer dizer, ele era o melhor amigo de sua prima Lucy, o que acabava fazendo com que convivessem bastante. Drew estava sempre por perto, mas ela nunca havia pensado muito sobre ele como um indivíduo. Para Lily o menino era praticamente uma sombra da Weasley, o amigo bonitinho e nerd de uma de suas muitas primas. Nada demais.

O Zabini não era do tipo que se destacava na multidão. Para ser bem honesta, não fosse pelo sobrenome, talvez passasse completamente despercebido. Mas ele tinha olhos bonitos, uma tendência a gaguejar quando ficava nervoso – que podia ser fofa quando não a irritava –, a habilidade de fazer as piadas mais sem graça do mundo e uma paixão bizarra por História da Magia, que o tornava capaz de citar qualquer evento do mundo bruxo pela data e relevância histórico-social.

Tudo aquilo ela descobrira recentemente, após um sábado chuvoso em que ela, Lucy, Roxanne, Andrew e Hugo se esgueiraram até a Sala Precisa com algumas garrafas de cerveja amanteigada e muitos sapos de chocolate. Fora uma tarde divertida e, em algum ponto, Lily e Drew foram deixados sozinhos no local. Não é difícil presumir o que aconteceu depois. Era para ser sexo casual, algo divertido e descompromissado. E teria sido, não fosse pelo pequeno detalhe de que se esqueceram completamente de usar qualquer proteção e agora havia um projeto de ser humano crescendo dentro da menina.

A ruiva afundou a cabeça nas mãos, sentindo-se a criatura mais estúpida do universo. Ainda não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo com ela. Parecia que estava presa em um pesadelo e nada daquilo era real. Ela e Drew haviam ficado outras vezes, mas era algo completamente descompromissado. A Potter não estava procurando um relacionamento sério, nem nada do tipo. Na verdade, a simples hipótese de um namoro lhe provocava alergia. E a ideia de uma gravidez, bom, ela nunca havia pensado verdadeiramente sobre o assunto. No momento, a ideia estava lhe causando um ataque de pânico e prometia ficar pior. Muito pior. Era bom que Merlin tivesse alguma piedade dela, porque pela primeira vez na vida, Lily Luna Potter não tinha nenhum plano mirabolante para se livrar de um problema.

.

.

LUCY

.

.

“7, 14,21,28,35,42...”

A menina contava mentalmente enquanto subia delicadamente os degraus da escada. Era a segunda vez que se encontrava naquele calculo mental. Já estaria em seu quarto, se a irmã não houvesse descido como um furacão, lhe dando recados vagos que deveriam ser passados ao pai, e a fazendo se embaralhar em sua conta. Assim que Molly passou pela porta da sala, a garota se dirigiu, resignada, ao pé da escada e se pôs a subi-la novamente. O número de cada degrau deveria se multiplicado pelo número sete, e caso se perdesse no processo, a única opção era recomeçá-lo do zero. Não era agradável, no entanto, Lucy Weasley não tinha escolha. Aquele era seu modo de subir escadas e, se não o seguisse a risca, sentia que algo terrível aconteceria. Para a maior parte das pessoas aquilo não faria o menor sentido, mas, de uma forma terrivelmente estranha, era assim que as coisas funcionavam para garota.

Contou os vinte passos e os três quadros no caminho para seu quarto e finalmente girou a maçaneta da porta. O cômodo estava impecavelmente arrumado, algo essencial para a sanidade mental da menina. Caminhou, então, até o criado mudo e pegou o livro que estava lendo, a biografia de Bridget Wenlock, um das gênias da aritmancia. Lucy era uma amante incondicional da disciplina, provavelmente porque amava números. De alguma forma, eles a acalmavam. Eram simples, se organizavam de forma lógica, seguiam regras firmes e racionais. Se encaixavam facilmente em sua forma metódica e analítica de ver o mundo. Números lhe faziam sentido e, uma vez que você compreendesse suas normas, dificilmente a decepcionariam. Havia beleza e magia neles e a menina entendia isso como ninguém.

Sendo assim, passou as próximas horas tentando, em vão, se concentrar na história pessoal daquela que era um dos seus grandes ícones. Sua mente, no entanto, insistia em vagar para questões que não eram nada simples, racionais ou lógicas. Questões que a assombravam, enlouqueciam e bagunçavam sua cabeça já tão confusa. Fechou os olhos, tentando lembrar-se de respirar, entretanto, tudo o que conseguiu foi visualizar os grandes olhos amendoados de Priyanka Finnigan, sua pele oliva, seus longos cabelos negros trançados, seus lábios vermelhos... Os malditos lábios vermelhos que haviam se encostado aos de Lucy, no dia anterior. Antes de se dirigirem ao Expresso Hogwarts, Priya lhe roubara um beijo secreto e a Weasley saíra correndo, como a insana que era, assim que se separaram e se escondera em uma cabine qualquer.  Estava ignorando a amiga desde então.

Inconscientemente levou os dedos a boca e percorreu lentamente toda sua extensão. Ainda conseguia sentir o sabor cítrico do gloss labial de laranja. Aquilo era tão errado, mas ao mesmo tempo tão certo... Não fazia ideia do que estava sentindo ou do que estava acontecendo com ela. Era uma garota. E Priya também. Não deveria sentir o que estava sentindo por alguém de seu gênero, certo? Ou deveria? Aquilo tudo era complicado e confuso demais para alguém como Lucy. Abraçou o travesseiro, desejando mais do que nunca que a mãe estivesse ali. Com a mãe ela poderia conversar sobre qualquer coisa.

Audrey Weasley havia morrido há três anos, após contrair um tipo extremamente raro de varíola de dragão. Havia três anos, mas doía como se houvesse acontecido na noite anterior. Agora eram ela, Molly e o pai – Percy – e Lucy sabia que os três compartilhavam a mesma dor. Algo se partira quando Audrey morrera, era como se a cola que os mantinha juntos como uma família houvesse desaparecido e o que restara eram três pessoas estilhaçadas e incapazes de se conectar. Percy tentava – Merlin era testemunha de que tentava –, mas era difícil lidar com o trabalho, o luto e duas filhas adolescentes.

A esposa era dinâmica, assertiva, sensível e intuitiva. Sabia quando algo estava errado apenas com um olhar, sempre tinha a palavra certa e um abraço caloroso. Percy, por sua vez, era como uma rocha desajeitada e emocionalmente retraída. Nesse ponto, Lucy era exatamente igual ao pai. Já Molly era intensa, passional, explosiva e tinha um talento imenso para problemas. Algo que claramente fazia com que, para o desespero da caçula, a irmã e o pai vivessem em pé de guerra. Não era o núcleo familiar mais estável do mundo, ainda assim, era tudo o que havia restado à menina.

 A soma de todos esses fatores era o que a fazia estar sozinha em casa, na sua primeira noite de férias. Molly saíra com os amigos e o pai tivera uma emergência no trabalho, que provavelmente o deixaria preso no Ministério da Magia até muito tarde. Se a mãe estivesse ali, Lucy se esgueiraria até seu quarto e lhe contaria todos os seus problemas, falaria sobre a confusão em sua cabeça, sobre seus sentimentos caóticos por Priya, sobre cada um de seus medos. Audrey entenderia. Ela sabia que sim. A mulher iria acariciar seus cabelos negros, secar as lágrimas que se formassem em seus olhos pequenos – e puxados –e lhe contar sobre alguma lenda chinesa – que ouvira da avó – para lhe inspirar. Ela iria fazer com que a filha sentisse que estava tudo bem. Mas não estava, porque sua mãe estava morta, seu pai trabalhava demais, sua irmã mais velha estava sempre em alguma enrascada. E ela estava sozinha, tentando lidar com suas ansiedades e como o fato de que havia beijado uma garota (e gostado).

.

.

LOUIS

 

.

Ele bateu a porta com força, após passar por ela. Girou a chave na fechadura – mesmo sabendo que seria inútil –, se jogou na cama sem nem mesmo tirar os sapatos – sua mãe ficaria furiosa – e colocou os fones no ouvido, deixando que o indie-rock alternativo, de alguma banda pouco conhecida, invadisse sua mente. Louis Weasley estava cansado de ter a mesma briga com os pais. De novo e de novo. Era como se sua vida tivesse entrado em looping e, independente do que fizesse, estava fadado a acabar novamente naquela discussão estúpida, que se estendera por toda a semana. Nada poderia ser mais irritante!

Suspirou, fechando os olhos e tentando ignorar a irritante dorzinha que tomava conta de sua cabeça. Seria muito pedir por um pouco de paz? Ou, ao menos, pais que o entendessem? Enquanto Balerion, o Terror Negro – seu gato– saltava em sua cama, se enrolando entre as pernas do dono, o garoto sentia a culpa o dominar. Não deveria reclamar dos pais. Bill e Fleur faziam o melhor que podiam. Talvez nem sempre acertassem, mas tentavam constantemente fazer o que era melhor para o filho caçula. O problema era que o que achavam melhor, não era necessariamente o que garoto julgava melhor. E pronto, o caos estava instaurado.  

Louis tinha consciência de que não era a mais fácil das criaturas. Muito pelo contrário. Havia um abismo intransponível entre ele e os pais. Uma distância que, por mais que tentassem, nunca conseguiriam verdadeiramente superar. Seus pais eram água e ele era óleo. Estavam fadados a não se misturar. Era simplesmente a natureza das coisas. Uma natureza que ele havia entendido há muito tempo.

Tudo no mundo se organiza em grupos de semelhantes. Há briófitas, pteridófitas, gimnospermas, angiospermas... Há mamíferos, anfíbios, repteis, peixes, aves... Há barroco, arcadismo, romantismo, realismo, simbolismo, parnasianismo...  Há cores primárias, secundárias, terciárias... Há bruxos, trouxas e, bom, há ele. Um aborto. A peça desajustada do quebra-cabeças, aquela que não se encaixa em nenhum lugar e não pertence a nenhum grupo. Singular, em todas as definições possíveis da palavra.

Balerion ronronou, quase como se pressentisse o humor do garoto, e se enrolou ainda mais no menino, mordendo delicadamente seus dedos da mão, fazendo com que uma risada lhe escapasse pelos lábios. Aquilo fazia cócegas! Louis amava aquele gato, na verdade, era um amante de animais em geral. Eles eram infinitamente mais simples do que pessoas, sem julgamentos, preconceitos ou regras estúpidas nas quais nem todo mundo conseguiria se encaixar. Animais te amavam e ponto. Sem poréms, vírgulas, parênteses ou reticências. Sem complicações ou drama. Do modo que mais agradava o menino.  

Louis Weasley definitivamente não era a mais sociável das criaturas. Não era como se odiasse pessoas ou contato humano, no entanto, era socialmente desajustado. Introvertido, introspectivo e sarcástico demais para o seu próprio bem, tinha dificuldade em se conectar com qualquer um que não fosse de sua família. Era desconfiado, de um modo que apenas um aborto seria, e nunca se sentia completamente à vontade em meio aos bruxos. Não pertencia aquela comunidade e, às vezes, esse sentimento era sufocante.

O mundo trouxa, por sua vez, não era necessariamente mais simples, porque evidenciava como o rapaz estava preso a uma vida de mentiras e aparências. Jamais poderia ser sincero com os amigos que fizesse, e precisava inventar histórias constantemente para ocultar o lado mágico de sua vida. Estava sempre se policiando e tomando cuidado para não fazer qualquer menção a corujas, veelas, lobisomens ou feitiços. Não podia deixar escapar qualquer coisa que o denunciasse. Deveria atuar o tempo inteiro, entrar em um personagem e nunca abandoná-lo.

Não era difícil, então, entender por que a sensação de desajuste, e aquela ansiedade que queimava em seu estômago, o acompanhava perpétuamente. Talvez fosse por isso que os pais houvessem surgido com a estapafúrdia ideia de que frequentasse um grupo de apoio a abortos adolescentes. À principio aquilo lhe parecera uma piada, era patético demais para ser sequer considerado, entretanto, ele rapidamente percebeu que Bill e Fleur falavam sério. Muito sério. Aparentemente ele precisava sair de casa, fazer amigos, ser um adolescente... Todas essas coisas imbecis que os pais – criaturas com patológica necessidade de criticar as pessoas que colocaram no mundo – arrumam para se queixar quando os filhos não causam problemas suficientes.

De qualquer modo, havia algumas coisas que o rapaz simplesmente preferia manter para si mesmo. Eram questões suas, trancafiadas em sua alma, e mesmo que lhe pesassem o espírito, ele não sentia vontade de compartilhá-las com mais ninguém. Sendo assim, não havia a mais remota possibilidade de que se sentasse em círculos e dividisse seus problemas e sentimentos com um grupo de completos estranhos, em uma espécie decadente de “Sociedade dos Abortos Anônimos”. Era absurdamente ridículo, sem propósito e deprimente. Louis Weasley já havia tomado sua decisão, não faria parte daquilo.

.

.

ROXANNE

.

.

A menina havia parado de chorar há alguns minutos. Encarava a parede amarela do quarto, com os olhos inchados, o nariz escorrendo e a mente vagando entre memórias doces – agora arruinadas – e amargas decepções. Nas vésperas de seu aniversário de 16 anos, Roxanne Weasley tivera seu coração partido pela primeira vez. Não sabia muito bem como lidar com aquilo, mas sabia que doía. Doía tanto que sentia que ia morrer! Era como se houvessem aberto um buraco em seu peito e destruído sua cavidade torácica. Como se seu pulmão houvesse sido perfurado, a impedindo de respirar. Como se seu sangue houvesse sido substituído por ácido sulfúrico, corroendo suas veias e destruindo cada um de seus órgãos.

Aos 15 anos tudo é para sempre. Os amores e as agonias. Não há meio termo, não há amanhã, não há nada senão o agora em toda sua intensidade. Sendo assim, no auge de sua ingenuidade, Roxanne acreditou que ela e Aaron Creevey eram para sempre. A menina achara verdadeiramente que eles seriam um daqueles casais que se conhece no colégio e constrói uma vida inteira juntos, acreditou que eram almas gêmeas e estavam destinados a permanecer juntos por toda a eternidade. Aparentemente havia se enganado.

Havia dado a Aaron todo o amor que cabia dentro de si, mas não fora suficiente. O rapaz queria mais. Muito mais do que ela poderia lhe dar. Ele queria tudo, esperava que a namorada se jogasse de um precipício, sem pensar duas vezes, e se entregasse completamente. Ela nunca fora do tipo cuidadosa, é verdade, era emotiva, intensa e vivia metendo os pés pelas mãos, mas aquilo era demais. Não estava pronta para entregar sua virgindade. Cada célula de seu corpo gritava que ainda não era o momento. Sentia em suas entranhas que era cedo. Sua alma dizia “não”. Roxanne Weasley não era do tipo que ignorava sua intuição.

Havia dito tudo isso ao namorado e ele fingira entende-la. Aparentemente Aaron era muito bom em dissimular, porque na primeira oportunidade, o garoto dormira com outra. Havia feito a besteira de trair a confiança de uma lufana. Lealdade não era algo negociável para Roxy, não era algo que ela conseguia ignorar ou relativizar. Uma vez que sua confiança se perdia era para sempre. Como tudo em sua cabeça imediatista. Com ela era 8 ou 80. Preto ou branco. Não havia meios termos. Não havia tons de cinza. A menina simplesmente não conhecia outra forma de viver ou sentir.

No fim, era apenas uma garota inocente e romântica. Não tinha motivos para não ser. Acreditava em finais felizes e contos de fadas. Pelo menos, até aquele momento. Não sabia mais no que acreditar. Seu namoro havia sido uma mentira, mas a pior parte era que, mesmo sabendo que não fizera nada errado, sentia-se culpada. Se houvesse cedido, as coisas teriam sido diferentes? Se houvesse dado a Aaron o que ele queria, ainda estariam juntos? Ou pior, se fosse mais bonita, o garoto teria lhe sido fiel? Se seguisse o padrão e fosse branca, loira, alta e curvilínea, teria sido o bastante para ele? A sensação de insuficiência lhe atingiu como um soco no estômago e se apoderou de seu corpo.

Roxanne era uma menina de sorrisos fáceis e gargalhadas altas, mas – como toda menina – tinha suas inseguranças secretas. Aqueles pequenos demônios que mantinha trancados, mas estavam sempre a rondando. Olhava-se no espelho e nem sempre gostava do que via. Não se encaixava no padrão de beleza. Porque havia um padrão, feito para excluir mulheres – especialmente as negras como ela – e a menina sabia disso. Saber, no entanto, não mudava o modo como se sentia. Não afastava suas inseguranças. Não evitava que se questionasse. Porque, no fim, Aaron Creevey havia feito mais do que quebrar o coração de Roxanne Weasley, ele havia quebrado sua autoconfiança. Não havia perdão para aquilo. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então, o que acharam?
É um capítulo bem introdutório, para mostrar um pouco dos personagens e o que esperar de cada um deles.
Espero que tenham gostado! ♥
Beijinhos...
Thaís