Encadeados escrita por Nipuni


Capítulo 14
Dádiva


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Primeiro, MUITO obrigada a todos os comentários lindos e maravilhosos que me ajudaram tanto a continuar ♥ Espero que saibam o quanto eu estou grata por todos eles, de verdade!
Sem mais enrolação, boa leitura!



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Tóquio, leste do Japão.

Quatro semanas atrás.

Após o incidente no hospital, ele teria que se apressar. Quase trinta anos haviam se passado desde a última vez que tinha a visto, e a memória não era agradável – mais uma vez, havia chegado tarde demais. Reencontrá-la após um acidente não podia ser mais inconveniente. Ela testemunhou o poder do Izanagi pela primeira vez e ele sabia o que isso significava.

Ela viria procurá-lo.

Sasuke colocou as mãos dentro do bolso do casaco enquanto se mesclava na multidão. Seu corpo seguiu relaxado até que alcançasse uma viela estreita, onde luzes fumegantes de um letreiro neon o cumprimentaram. Karin já estava lá dentro, esperando.

O bar tinha um cheiro forte e o ar se incendiava, opaco, com a fumaça de cigarros. Sasuke passou pelas mesas redondas, driblando um garçom pueril ao se esgueirar no curto corredor que havia ao lado dos banheiros. Fechou a porta atrás de si ao adentrar a sala da administração.

Dois cinzeiros cheios estavam sobre a mesa de flamboaiã, as cortinas abaixadas. Juugo estava com os pés estendidos à sua frente, sentado atrás da escrivaninha. Os cabelos flamejantes despontavam em todas as direções, e ele levantou o rosto para vê-lo. Karin estava recostada na parede ao lado com os braços cruzados. Seu olhar estava escondido atrás das lentes dos óculos.

— Está atrasado. – Juugo se ergueu da cadeira e puxou um maço de cigarros do bolso.

— Alguns imprevistos aconteceram.

— O acidente, Karin me contou. Não justifica.

— Eu a encontrei. Ela realmente está no Japão.– soou como uma confissão. – É a primeira vez.

— Não sei porque achou que eu mentiria pra você, Sasuke. E pelo o que eu ouvi, parece mais que foi ela que encontrou você.

Verdade.

— Mesmo assim, não foi por isso que eu vim. – Sasuke correu os olhos para Karin e não precisou dizer mais nada. A moça passou pelos dois e saiu da sala. – Encontrá-la agora só me lembra que não tenho mais tempo. Eu preciso saber onde ele está.

Juugo suspirou e a fumaça de nicotina flutuou para fora de suas narinas.

— Sasuke, eu já te disse. Faz mais de um século desde que eu soube alguma coisa de seu paradeiro. Ele simplesmente não está no Japão.

Estava, sim.

— Continue procurando, ele vai aparecer.

A expressão cética no rosto de Juugo parecia não concordar. Ele se curvou para frente num momento de descrença e Sasuke viu a semelhança entre os dois – um pedaço da Marca escapou pela gola de sua camisa, mas logo retornou para o esconderijo.

— Eu sei que não é disso que você quer saber, mas meus pássaros viram seu irmão em Hokkaido há alguns dias.

Ele estava pronto para responder quando seu ombro se tencionou numa dor fria e branca. Karin abriu a porta da sala, exasperada.

— Acho que ela está lá fora.

Sasuke já sabia.

Quando esse tipo de coisa acontecia, o tempo quase parava. Nada mais importava, ninguém mais importava. Parte disso era culpa da Marca, do efeito que ela surtia para que ele obedecesse ao Izanagi e tudo o que ele representava – parte disso era sua vontade própria. Ele deixou a sala, tudo ao seu redor correndo em câmera lenta, e a avistou próxima ao balcão.

Um homem velho que parecia com um urso cinzento estava vermelho e pronto para atacar. Sasuke avançou e os nós de seus dedos acertaram o nariz do velho em cheio. Quando a ameaça havia acabado, o tempo voltou ao seu estado normal e o urso caiu como um saco de carne sobre o chão.

Sakura ainda estava com os olhos fechados e se agarrava à pequena bolsa. Suas pálpebras se levantaram, demoradas, e seu rosto voltou a como estava no hospital – ela estava apavorada, Sasuke sabia. E odiava ser um dos fatores que causavam aquilo.

O cabelo estava curto sobre os ombros. Ela nunca tinha tido cabelo curto antes.

Não conseguia parar de encará-la. Havia passado tantos anos desde que tinha a visto da última vez, e ter sua figura parada na sua frente trazia a tona um turbilhão de emoções – principalmente tudo o que haviam vivido na América, e como havia terminado. Queria poder abraçá-la, beijá-la, falar como não passava um dia em que ele não se arrependia por não ter contado a verdade desde o início, pedir se ela poderia perdoá-lo de alguma maneira.

Ao invés disso, se conteve:

— Você não devia estar aqui.

[...]

O oficial de polícia arrancou a folha do boletim ao escrever errado o endereço. Um de seus subordinados fotografava a cena e o outro parecia procurar por qualquer coisa que denunciasse quem havia feito aquilo. Pela sua expressão, assumi que não havia ninguém em mente.

— Então isso foi depois do vazamento de gás? – o policial chamou minha atenção de volta.

— Eu não sei, pode ter sido durante. – poderia ter sido a qualquer momento, não tinha como saber.

Espiei sobre o ombro, minhas vistas colidindo com o espelho do meu banheiro. O instinto me sugeriu que eu limpasse toda aquela bagunça sobre o Izanagi e a foto antes de contatar as autoridades – agora, o espelho estava limpo como nunca antes e a foto estava muito segura dentro do meu sutiã.

Um grito desafinado ecoou da sala e eu corri até a porta do meu quarto. Temari estava claramente horrorizada ao ver a cena. Não importa o quão apurada minha descrição tenha sido, ver aquela bagunça com os próprios olhos não era fácil. Ela correu na minha direção ao me ver, só então eu percebi o brilho vermelho sobre suas bochechas.

— Você está bem? – perguntei.

— Se eu estou bem?— ela abocanhou um bocado de ar ao abrir a boca, apoiando-se na parede. – Não, eu não estou nada bem, Sakura! Acabei de acordar só pra descobrir que nosso apartamento tinha sido invadido por algum pervertido sujo que muito provavelmente roubou nossas calcinhas.

— Na verdade, eu estava falando sobre... – gesticulei sobre minhas próprias bochechas. – Quer dizer, você está vermelha feito um morango. Em chamas.

Temari exalou, levando a mão até a própria testa.

— É aquela gripe. – fungou. – Não dormi nada essa noite, fico tendo uns calafrios no corpo inteiro. E minha cabeça está simplesmente estourando.

Puxei sua mão e coloquei a minha no lugar. Foi como tocar num pedaço de solda recente, a testa de Temari estava quase literalmente pegando fogo

— Se não cuidar disso, vai estourar mesmo! – ignorei os policiais na cozinha e trouxe a ela uma bolsa com gelo. – Você vai tomar um banho frio agora e assim que esses caras derem o fora daqui, a gente vai dar um jeito nisso, antes que você tenha uma convulsão.

Ela estava pronta para dar uma resposta afiada quando um dos sintomas provavelmente a convenceu a me obedecer. Temari marchou para o quarto e se trancou no banheiro. O policial que estava encarregado da cena veio até mim após uma conversa de cinco minutos com o subordinado das pistas.

— Senhora, não há sinais de arrombamento e a fechadura não foi forçada. A pessoa usava botas, luvas de couro, talvez uma máscara, e claramente sabia o que estava fazendo. Dificilmente esse foi seu primeiro trabalho, e nós temos computados na delegacia um grande número de ex-internos que têm passagem por invasão. Se você quiser, nos acompanhe até a estação pra fazer um boletim completo e então é só esperar. Já contatou o seguro pelos itens quebrados?

Pergunta idiota pra se fazer a uma estudante universitária.

— Não temos seguro.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Infelizmente, não podemos fazer mais nada do que isso. Troque suas fechaduras por precaução e eu sugiro um sistema de alarme. Compre um cachorro, se não puder.

Era a alternativa.

— Obrigada, oficial.

O policial hesitou.

— Eu sei que já passamos por essa pergunta, mas dado o estado do apartamento e tudo que analisamos até agora, você tem certeza absoluta que nada foi roubado?

— Tenho, sim. Os computadores estão no mesmo lugar, a TV e o estéreo também. Tudo que tem algum valor continua aqui.

— Esse tipo de invasão sem assalto normalmente acontece quando alguém quer mandar uma mensagem. Se você encontrar mais alguma coisa, por favor, nos chame imediatamente.

Oh, senhor. Eu já havia encontrado a mensagem e me livrado dela há muito tempo. Mesmo assim, agradeci o policial mais uma vez e ele deixou o apartamento junto com a sua equipe.

Eu nunca mais conseguiria dormir. Quem entrou no apartamento sabia o que estava fazendo, e pior, me conhecia. Havia me seguido. Só deus sabe há quanto tempo. Tinha esse sentimento estranho alojado como uma bala gelada nas minhas entranhas, essa sensação pra vigiar minhas costas o tempo inteiro. Até quando estivesse em casa.

Já havia discado e apagado o número de Sasuke mais vezes do que conseguia contar. Avisar o que havia acontecido era uma ideia boa e uma ideia terrível ao mesmo tempo – não poderia esconder aquilo por muito tempo, mas era a incerteza de como ele iria reagir que me impedia de contar.

Estremeci quando Temari abriu a porta do banheiro e já saiu de pijamas. Seu rosto parecia ainda mais vermelho do que antes.

— Nossa – falei quando ela me alcançou na sala. – Você está pior. Como isso é possível?

— Parece que fui atropelada por um caminhão. – ela gemeu, se jogando no sofá. – Nem a minha pior ressaca se compara a isso.

— Temari, eu sei que você não vai concordar, mas acho que está na hora de te levar pro hospital. – me ajoelhei ao seu lado e ela revirou os olhos. – Se você tiver uma convulsão, pode morder sua língua pra fora. E eu não quero ver isso.

— Eu vou melhorar.

— Claro, vai melhorar sim. Quando estiver morta! Se você não vier, eu vou chamar uma ambulância.

— Não, Sakura! É sério, eu não quero ir. Vou ficar bem. Faz um chá pra mim que eu vou me enrolar bastante e suar essa febre pra longe de mim. Eu tomo uns analgésicos e tudo vai ficar de boa.

Suspirei. Temari puxou seu cordão pra fora e o losango de madeira ricocheteou no sofá, aterrissando sobre seu busto.

— Nem assim você tira esse troço? – levantei e fui até a cozinha. Já tinha varrido os cacos para fora, mas agora só tínhamos duas canecas. Hora de ser extra-cuidadosa. Coloquei a água pra ferver e voltei para a sala. – Sério, esse negócio é muito feio, nem sei porque você usa isso em primeiro lugar.

— Eu gosto. – ele virou para o lado, abraçando uma almofada. – Me sinto segura.

Eu não me sentia. Não havia gostado daquilo nem no primeiro momento que havia o visto, e até mesmo agora eu tentava culpar o mal estar de Temari naquele colar de origem duvidosa.

— Pelo menos tira pra ele não ficar todo suado.

— Não, ele fica comigo. – ela apertou o pingente de madeira com força – Outra coisa, se você quiser sair pra comprar um anmitsu pra gente, eu não vou te impedir. Tem aquela lojinha que faz do jeito que você gosta, mas só estou te dando ideia mesmo. Sabe, possibilidades.

— Mais alguma coisa? – me levantei. Não sairia duas vezes.

— Um furutsu cairia bem também.

Peguei a chave e dinheiro antes de deixar o apartamento. Dobrei duas esquinas antes de alcançar a lojinha que Temari se referia, e fui cumprimentada por uma garota vestida de maid que estava na porta. Entreguei meu cupom no caixa ao fazer meu pedido, quando percebi uma cabeleira ruiva que não me era estranha.

Karin estava sentada no balcão, balançando as pernas enquanto cutucava seu bolo sem muito ânimo.

— Karin? – ela virou o rosto, agitada, e seus óculos escorregaram até a ponta do nariz.

— Oi, Sakura! Quanto tempo, como vai?

Apavorada, com medo pela minha própria vida e pelos meus amigos.

— Ah, tudo bem, só vim buscar umas sobremesas pra minha colega doente. Achei que você estava fora da cidade.

— Meu trem acabou de chegar, na verdade. Pensei em comer alguma coisa antes de ir pra casa. – ela apontou para o bolo, mas pareceu se arrepender quando percebi que a fatia estava intacta.

A balconista entregou meu pedido dentro de uma sacola de plástico, agradecendo. Mesmo com tudo para ir embora, algo me manteve ali mais um pouco.

— Sabe, se você não tiver nenhum compromisso agora, pode vir comigo. – Karin pareceu surpresa com a sugestão. – Eu sei que ninguém quer passar o domingo com uma doente e sua amiga, mas sei lá. Poderíamos conversar.

— Tem certeza? Eu não quero incomodar.

Balancei a cabeça para os lados. Puxei seu braço, fazendo-a se levantar do banquinho, e a conduzi para fora da pequena loja.

— Vamos, nós podemos ver um filme e fazer alguma coisa. – começamos a fazer o caminho de volta para o apartamento, o sol cálido do outono sobre nossas cabeças. – Você estuda?

— Eu só ajudo o Sasuke com a pesquisa, comecei quando saí... – ela se interrompeu. – da faculdade.

Me perguntei se ela sabia da história que Sasuke me contou. As probabilidades apontavam que sim, que dificilmente ele confiaria alguma coisa como aquilo à alguém que não soubesse no que estava se metendo. Ainda assim, achei melhor não abordar o fato que eu estava inteirada nesse grupinho do Izanagi e deixar que as coisas acontecessem ao seu rítmo.

— Como uma estagiária, então?

Entramos no elevador e eu apertei o oito.

— É, mais ou menos isso. Já faz uns dois anos que eu o ajudo com isso, e estamos começando a fazer progresso. – Karin se encostou no espelho do elevador. – Finalmente.

O elevador parou no andar e nós fomos até minha porta, onde Karin segurou minhas sacolas para que eu abrisse a porta. Travei na entrada.

Temari estava no chão, vermelha e encharcada de suor, apertado a camisa na altura do peito. Suas costelas se expandiam bruscamente toda vez que ela inspirava, fazendo um barulho estranho. Deixei tudo como estava e me ajoelhei ao seu lado, percebendo como sua temperatura havia subido ainda mais. Ela estava queimando.

Antes que eu percebesse, Karin já estava ao meu lado, e parecia estranhamente controlada. Arranquei o casado de Temari e desabotoei sua blusa, minhas mãos queimando ao toque de sua pele.

— Temari, consegue me ouvir? – chamei, mas ela não saiu do lugar. A chaleira estava gritando ao fundo. – Karin, pode desligar o fogo pra mim, por favor?

Ela se levantou e saiu enquanto eu continuava fazendo de tudo para resfriar o corpo de Temari. Ela estremecia esporadicamente e eu me perguntava como não havia tido uma convulsão ainda. Àquela temperatura, ela devia estar internada em uma UTI.

Karin voltou e eu vi seus olhos se arregalando.

— Onde ela conseguiu isso?! – ela apanhou o colar estranho em mãos e o encarou. Notei como ela não parecia ter tomado o mesmo choque que eu, quando o toquei.

— Alguém deu pra ela, sei lá! Isso importa? Vou chamar uma ambulância. – me levantei do chão e me lancei contra o telefone, mas Karin passou por mim como um raio até a cozinha. Voltou alguns segundos depois. Com uma faca. – O que você vai fazer?!

De joelhos ao lado de Temari, Karin cerrou a corda do colar, desesperada, e vi que seus olhos se arregalavam ainda mais quando a faca simplesmente não cerrava o cordão. Ela falou alguma coisa baixinho e acelerou o punho enquanto a faca ia pra frente e pra trás, repetidamente. Karin só conseguiu respirar novamente quando a corda se partiu.

— Está tudo bem. – ela suspirou aliviada, caindo sentada sobre o carpete. – Tudo bem.

— Ela precisa ir pra um hospital, eu não sei o que você fez, mas... – como uma tese pra derrubar a minha completamente, Temari abriu os olhos.

O cabelo loiro-escuro estava grudado ao rosto e ela ainda estava vermelha, mas parecia mais calma. Surpreendentemente, parecia melhor.

— Sua colega ainda vai sofrer alguns sintomas pelos próximos dias, mas o pior já foi. – Karin olhou para o colar em sua mão, e depois pra mim. – Ela devia ter mais cuidado com os presentes que ela aceita. 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! ♥



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