Encadeados escrita por Nipuni


Capítulo 13
Ainda Não, Izanagi


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!!~~



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— O que você viu? – sua voz rasgou o silêncio mais uma vez. Sasuke se sentou lentamente, atento à mim. Suas mãos tiraram meus dedos de sua pele, destravando um por um, enquanto eu permanecia incapaz de me mover. – Sakura.

Num ímpeto de fúria e pavor, saí de cima dele e tropecei até dar de costas na estante. Sasuke não saiu do lugar.

— O que foi aquilo? – limpei meu rosto, desesperada, mas logo novas lágrimas começaram a cair. Estava sufocando. Se não estava surtando, começaria em breve – Me responda!

Sasuke se levantou devagar, andando até onde eu estava com passos pequenos.

— Primeiro, preciso que você diga o que viu.

— Não chega perto! – peguei um livro que estava atrás de mim e o arremessei em sua direção. Errei feio.

— Sakura, foque em mim. – seus braços estavam abertos como se ele tentasse ocupar mais espaço no meu campo de visão. – O que você viu?

— Eu, eu... – as palavras não saíam. Já estava chorando de novo. – Eu não... Eu não consigo parar de chorar.

Ele já estava do meu lado e eu não tinha pra onde fugir. Sasuke segurou meus ombros, sem pressa, e eu estremeci. Bati as mãos em seus punhos para que me soltasse.

— Como você fez aquilo?! – empurrei seu corpo pra longe, pegando outro livro como munição para atirar novamente. Ele ergueu os braços em rendição, e eu não joguei.

— Pra onde você foi? – sua voz era controlada demais.

— Eu não sei! – arremessei o livro, que quicou sobre o colchão e atingiu o assoalho. Respirei fundo antes de continuar. – Me diga o que está acontecendo. A verdade, dessa vez.

— Não posso. – seus olhos se estreitaram e ele se virou pra baixo.

— Sim, você pode! – queria conseguir soar mais autoritária que aquilo. Apertei a madeira da estante para controlar a tremedeira dos dedos. As lágrimas finalmente paravam de cair. – Você me deve isso.

Um músculo em seu maxilar se tencionou. Ele deu outro passo em minha direção, mas não ousou se aproximar mais do que aquilo.

— Sakura, eu não posso.

Engoli em seco. Não continuaria lidando com aquilo, não daquele jeito. Tirei o cabelo do rosto com calma e passei as costas das mãos pela última vez para secar as lágrimas. Sabia que meu rosto estava inchado e eu provavelmente parecia patética demandando qualquer coisa, mas depois de tudo, me sentiria uma louca se não conseguisse respostas.

— Se você não consegue nem me contar a verdade – minha garganta se fechou como se não quisesse que eu continuasse. Foi preciso – então não se incomode em aparecer de novo.

Sasuke ergueu uma sobrancelha.

— O que...

— Você ouviu. – impedi que prosseguisse. Mantive os dentes colados ao me soltar da estante, rezando para que minhas pernas não fraquejassem ao passar por ele. Sasuke permaneceu imóvel até que eu alcançasse a porta. – Não volte a me procurar.

Num gesto bastante oco de minha parte, girei a maçaneta e puxei a porta de suas dobradiças. Ela não saiu do lugar. Olhei sobre o ombro e vi que Sasuke estava forçando a porta com sua mão. Não sei quando ele apareceu ali, mas tentei não parecer surpresa. Sua presença aquecia minhas costas e me protegia da luz, e me voltei pra frente rapidamente quando ele respirou fundo.

— Sakura. – meu coração se partiu ao ouvir sua voz.

— Solte a porta. – tropecei enquanto acelerava nas palavras. Se não saísse agora, não sairia nunca.

— Eu te mostro. – engoli em seco quando ele pegou minha mão, virando o rosto para o outro lado. – Não vá.

Precisei de alguns segundos pra soltar a maçaneta. Não sabia o que ele iria me mostrar ou como aquilo mudaria alguma coisa – eu precisava ouvir, não ver. Ele me afastou da saída e me sentou sobre sua cama, mas não se juntou a mim. Vasculhou nas gavetas da escrivaninha atrás de alguma coisa, e eu congelei de dentro pra fora quando vi a tesoura em sua mão. Então, se voltou para onde eu estava.

— Sasuke, o que você... – levantei da cama, devagar, os olhos grudados na ponta de metal afiada.

Sua mão disparou contra o próprio peito e eu vi a lâmina rasgando sua carne ao entrar. O sangue escorreu numa catarata vermelha sobre sua pele, manchando o chão em poças irregulares ao cair.

O grito ficou entalado na garganta como uma espinha de peixe. Eu não consegui sair do lugar, encarando fixamente enquanto ele simplesmente deixava a tesoura cravada entre as costelas e olhava para o vazio. Num estalo de dedos, saltei para fora da cama até onde estava, pegando sua camisa que estava largada em algum lugar no caminho.

Sasuke só olhou pra mim quando eu já estava parada na sua frente. Puxei a tesoura para fora enquanto pensava em qualquer coisa pra dizer.

— Você é louco. – falei tão baixo que achei que ele não ouviria. – Completamente maluco. O que eu estou fazendo aqui?

Quando a lâmina estava fora de seu peito, usei a camisa para estancar o ferimento que começou a sangrar imediatamente. Vasculhei o quarto visualmente atrás de um telefone pra ligar pra ambulância, mas não encontrei nada.

— Sakura, olhe pra mim. – ele parecia impassível demais. Relutantemente, ergui o olhar de todo o sangue que manchava sua pele para seu rosto impermeável. – Isso não é diferente do que aconteceu no hospital.

— O quê– sua mão abaixou a minha, espalhando o sangue em seu peito. Me preparei para ver mais sangue jorrando, mas aquilo não aconteceu.

O corte não estava mais lá.

Joguei a blusa no chão e estiquei sua pele para todos os lados possíveis procurando a ferida. Ela simplesmente não estava mais lá. A blusa ensanguentada estava ao lado dos meus pés e a tesoura manchada estava jogada sobre a mesa. Sasuke ainda estava sujo de sangue, mas não estava machucado.

— Como você faz isso? – mordi minha língua por soar tão maravilhada.

Mas como não estar maravilhada? Eu havia acabado de testemunhar algo que nada, absolutamente nada podia explicar.

— Não faço. Isso acontece independente da minha vontade.

— Você é... – a palavra pareceu irreal demais pra falar em voz alta. – Imortal?

Sasuke não respondeu e eu não soube como interpretar seu silêncio.

— Eu não nasci assim. – ele puxou a cadeira da escrivaninha e se sentou. Apanhou uma caixa de lenços e começou a limpar minhas mãos. – Não é uma história agradável, se você quiser mesmo ouvir.

Se eu queria ouvir?

Recostei sobre a mesa, entregando a caixa de lenços para que se limpasse quando ele terminou. Não precisei dizer mais nada.

— Sakura – ele colocou a caixa sobre a escrivaninha, sem jeito. – Antes, eu preciso que você me diga o que viu.

Parecia uma troca justa.

— Era uma cabana. – forcei as lembranças da cena a retornarem. – No inverno. Eu estava lá, mas não era... eu. E tinha um cachorro.

Sasuke fechou os olhos.

— Um cachorro. – ele repetiu, passando a mão no cabelo escuro, as pálpebras ainda abaixadas. – Eu não tenho sorte, mesmo.

— O que foi aquilo?

— Uma memória. – Sasuke se recostou novamente no encosto da cadeira e eu notei a tensão em seus ombros. – A pior que você podia ter visto.

— Não, eu nunca estive lá. – balancei a cabeça para os lados inocentemente. – Nem sei onde fica.

Sasuke olhava pra mim com uma pergunta implícita enterrada em suas expressões. “Tenho mesmo que dizer?”.

— Você já esteve lá, sim. – era evidente que ele não queria continuar. – Na sua última encarnação.

Por dois minutos, não tive o que reagir. Continuei a encará-lo, desajeitada, nem sabendo exatamente o que fazer com aquela declaração.

— Ok, espera. – saí de perto da mesa, cruzando os braços. – Você não morre e eu encarno. É isso?

Sua boca se abriu, mas logo fechou novamente.

— Reencarna. – corrigiu, as sobrancelhas franzidas. – É isso.

Eu estava fazendo uma careta.

— Vamos dizer que isso seja verdade. – eu sabia o que tinha acabado de ver, a cena da tesoura e tudo mais. E já tinha visto aquilo no hospital, também. Ainda assim, não parecia certo. Não parecia real. – Por que?

Sasuke se ergueu da cadeira, lentamente. Limpou o sangue seco que manchava seu corpo e parecia desconfortável. Mais do que desconfortável, na verdade.

— Antes, eu não menti quando te falei que fiz um pacto. – ele jogou os lenços sujos na pequena lixeira e não tirou o olhar dali. – Eu não cumpri minha parte e agora é você que está pagando o preço.

— Quando você fez? – cruzei as pernas sobre a cama, digerindo ao meu tempo. Deitei sobre os travesseiros e vetei o teto. – O pacto.

Pela primeira vez em longos minutos, consegui ouvir o meio-sorriso em sua voz.

— Há uns novecentos anos. – ele andou até a cama mas não se juntou a mim. – Era uma coisa de família.

Família.

— Você disse que tem um irmão. – sentei no colchão num sobressalto, segurando nas cobertas para não pender a nenhum lado. – Era mentira?

Havia um frio inquestionável em seu olhar. Talvez aquela não tenha sido a melhor pergunta.

— Não.

— Ele morreu, então?

— Itachi está vivo. – seus olhos viajaram até a porta da varanda. – Parece que quebrar contratos também é de família.

Sasuke passou por mim e se deitou, virado para cima. Deitei ao seu lado.

— Porque eu vi aquilo? – eu estava completamente centrada em seu rosto, mas ele não se virou pra mim. – Tem a ver com a foto, não tem?

Foi quando consegui sua atenção de volta.

— Você sabe da foto?

— Estava em seu carro, uns dias atrás. – batuquei uns dedos nos outros enquanto ele nem piscava. – Eu a peguei. Era isso que ia te mostrar hoje, mas ela sumiu.

— Como sumiu?

— Ela estava na bolsa, mas quando voltamos da praia ela tinha desaparecido.

Sasuke não elaborou. Mesmo assim, percebi que aquilo havia o atingido de algum jeito.

— O que você viu, é por causa da Marca. – ele rolou na minha direção, e eu revi a tatuagem. Acho que não dava mais pra chamar daquele jeito. – É por causa dela que você volta. – estendi minha mão, mas Sasuke a interceptou. Apertou meus dedos, finalmente olhando pra mim. – E você não pode tocá-la, Sakura.

Tentei puxar minha mão de volta em vão. Sasuke a manteve ali.

— Eu entendi essa história do pacto, tudo bem, mas isso não explica quase nada. Qual é o verdadeiro motivo de você estar assim? – ele fez menção de responder, e eu fui mais rápida. – Sem enigmas.

Senti um alívio indescritível quando um sorriso minúsculo apareceu em seu rosto.

— Itachi e eu, assim como todos do nosso clã, fizemos um contrato com um sacerdote em nosso aniversário de quinze anos. Itachi havia feito antes de mim por ser mais velho e me avisou o que era. Eu teria que ser leal ao sacerdote e ele me daria poder. – ele fez uma pausa. – Poder de verdade. Eu era jovem e idiota e achei que não teria problema. Itachi não concordava.

Me apoiei sobre os cotovelos.

— E então? – cutuquei seu ombro quando ele não continuou.

— O problema é que eu não sabia que o sacerdote era um maníaco com pensamentos estranhos e vontades mais estranhas ainda. Quando eu tinha dezessete anos, meu clã foi contratado pelo seu, já que éramos uma facção de samurais. Depois de seis meses, Itachi e sua noiva, Izumi, desapareceram. – Sasuke exalou o ar antes de prosseguir. – Todos acharam que ele havia deserdado e evitaram fazer um caso. Não preciso dizer que minha família ficou em maus termos depois daquilo. Ficamos em provação, outro erro e estaríamos fora. Mais seis meses, e eu cometeria o erro.

Acabei sorrindo sem querer.

— Você ficou com a filha do seu chefe, não foi?

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Que no caso, era você. Sim, foi isso que aconteceu, mas ninguém descobriu. – ele cerrou os olhos. – Os próximos dois anos foram bastante interessantes, como você pode imaginar.

— Parece um filme. – recostei a cabeça sobre a coberta.

— O sacerdote continuava pedindo que eu fizesse o que ele queria, e a maior parte das coisas era estranha, mas aceitável. Como trazer pés de coelho. E então, certo dia, ele ordena que eu te mate.

Quis não ter me sentido ofendida.

— Porquê?

— Já parei de me perguntar isso há muito tempo. Pessoas ruins fazem coisas ruins porque podem. – ele suspirou. – Enfim, eu neguei e ele transformou tudo numa grande brincadeira pra se divertir. Ele fez o Izanagi.

— E o que isso significa?

— Significa que pelos últimos novecentos anos eu fui compelido à te proteger e falhar toda vez. – Sasuke se virou completamente pra mim, e eu finalmente vi toda a dor que seus olhos escondiam. – Eu te assisti morrer mais vezes do que achei ser capaz de aguentar.

Engoli em seco.

— E qual o motivo de isso acontecer até hoje?

— Você foi o Izanagi perfeito, Sakura. – ele voltou pro teto, expressão franzida. – Você volta sem que ele tenha que fazer nada. É por isso que ainda está aqui.

Minhas mãos se fecharam em punho involuntariamente. Foquei minha atenção na lâmpada acesa, acalmando os oceanos furiosos que se chocavam dentro de mim.

— Sabe que o que acabou de me contar não faz sentido nenhum, certo?

A expressão em seu rosto se aliviou um pouco.

— Mas você acreditou do mesmo jeito.

Ele estava certo.

[...]

O cerúleo claro no horizonte começava a se expandir debaixo das nuvens enquanto o sol se erguia numa alvorada fria. Apertei as cobertas próximas ao rosto, pedindo ao meu subconsciente que voltasse a dormir. Havia apenas acabado de deitar há algumas horas e estava cansada – exausta.

— Que horas são? – sussurrei pra mim mesma, caçando minha bolsa com o olhar.

— Não sei. – a voz de Sasuke não parecia cansada ou dormente. Espiei sobre o ombro e o encontrei de olhos abertos.

— Você estava acordado?

Ele piscou duas vezes e fingiu um bocejo.

— O quê? Claro que não.

Me virei pro meu lado com um sorriso gigante no rosto.

— Estava sim! Você estava me assistindo dormir. – apertei a fronha do travesseiro, rindo.

— Não estava. Isso seria estranho. E chato. – ele se aproximou, seus lábios tocando meu ombro. – Assistir você tomar banho, por outro lado...

O empurrei pra longe ao me sentar.

— Você é ridículo, Sasuke. – mas estava sorrindo.

— E você adora.

Adorava sim.

— Preciso ir pra casa. – levantei da cama e peguei minhas roupas. Já estavam secas, mas cheiravam a sal.

— Nem amanheceu direito, pra que essa pressa?

— Estou louca pra fugir de você, achei que fosse óbvio. – me escondi no banheiro com a porta aberta enquanto trocava de roupa. Abotoei o jeans e abandonei minha toca, minha expressão diferente. Ele percebeu. – O que vamos fazer?

Sasuke saltou para fora da cama, dando uma longa espreguiçada.

— Não se preocupe com isso. – ele vestiu uma camisa e pegou as chaves sobre o criado mudo. – Vou dar um jeito.

Sozinho, era o que queria dizer.

Cheguei ao apartamento quando a cidade já estava iluminada pelo dia. Sasuke não me disse muito mais depois daquilo – só que viria me ver em breve. Subi o elevador e vaguei pelo corredor como se estivesse cheia demais pra me mover propriamente.

Abri a porta e não consegui fazer nada ao ver o estado do apartamento. Todos os móveis estavam revirados, os livros estavam espalhados por toda a casa e havia cacos de louça quebrada em todo o chão.

— Temari?! – não houve resposta.

Corri pra dentro, desviando de vidro quebrado e das cadeiras que estavam jogadas, abrindo a porta do meu quarto com um chute. Minha cama estava desforrada e os travesseiros haviam sido arremessados em todas as direções, páginas de minhas apostilas haviam sido rasgadas, minhas roupas estavam espalhadas com meu armário escancarado.

Adentrei a cena, horrorizada. Quando vi meu banheiro, no entanto, quase chorei. No espelho, alguém escreveu com meu batom:

Izanagi, eu te avisei.

Ainda não.

A foto estava colada bem ao lado.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado e que pelo menos algumas perguntas tenham sido respondidas!! ♥ Até o próximo!



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