Lar escrita por MJthequeen


Capítulo 15
Richard


Notas iniciais do capítulo

Me desculpem pela demora, felizmente acho que agora vou atualizar com mais frequência hahaha percebi que vamos ter uns 30 capítulos, então estou animada para continuar! ;D
Muito obrigada por todo o apoio de vcs, é super importante ♥ vou responder os comentários hoje de tarde/noite, eu sei que demoro um pouco, mas não desistam de mim, por favor kkkk

Ah, como sempre, ninguém nunca reclamou, mas gosto de falar kk: essa história é sobre esses personagens mais humanizados, infelizmente a pancadaria é pra outro lado hahahaah mas espero que todo mundo que esteja lendo, esteja curtindo. Adoro vcs!

Ps: Eu passei na USP!!!!!!!


Boa Noite Gotham!!!



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Lar

22 de Junho.

17hrs56min.

— Licença.

Ela levanta os olhos do teclado do computador, sorrindo alguns segundos mais tarde. Um garoto da sua idade, talvez um ou dois anos mais velho, está a olhando com um sorriso nos lábios. Ela se esforça para por um na boca também, mas não passa de um leve levantar dos cantos da sua boca.

— Sim?

— Estou procurando livros didáticos de história. Mais especificamente sobre a Dinastia Zhou – ele continua sorrindo enquanto fala e suas duas mãos seguram o balcão à frente dela com muito interesse, o corpo curvado. Ele tem lindos olhos castanhos, chamativos no seu rosto magro.

A ruiva se mexe na cadeira giratória, pensando por alguns segundos. Livros de história. História chinesa. Ela se volta para ele com um sorriso um pouco maior dessa vez, e aponta para o segundo andar.

— Ali, corredor 4. Você vai achar algo na seção C.

Ele olha para onde ela apontou e acena positivamente.

— Muito obrigado, hã...

— Barbara. – Ela aponta para o crachá no peito, um pouco divertida. Ele pisca, provavelmente se sentindo idiota, ao finalmente ler as palavras “Barbara Gordon”.

— Obrigado, Barbara.

Ele sorri mais uma vez antes de deixar a recepção da biblioteca, em direção ao segundo andar. Barbara volta ao seu trabalho no computador. 100 novos livros tinham chegado semana passada e ela ainda não havia os cadastrado nos arquivos onlines – isso poderia dificultar que fossem achados. Nesse momento, ela se esforçava para manter a mente focada ali, nos livros.

Poucos minutos depois que o garoto sumiu, talvez pouco mais de 10, ela sente uma mão em seu ombro e se vira para encontrar o rosto suspeito de Nataly, a garota loira que tinha se tornado sua melhor amiga nos últimos dois anos. Depois que Dick... Bem, depois que as coisas mudaram.

— Ele estava dando em cima de você – ela murmura, divertida. Barbara pisca, sem entender.

— O quê?

— O moreno gatinho que passou por aqui. – Nat responde, devagar. Barbara olha para trás, onde pode ver o garoto agachado entre um dos corredores, procurando o tal livro. Quando seu olhar volta para a loira, ela parece surpresa. – Barbara! Vai me dizer que não percebeu?

Barbs ri pelo nariz e se vira para o computador mais uma vez.

— Você tem cada ideia. Ele não estava dando em cima de mim.

— Bem, de mim é que não era. – Ela deixa os livros que tinham sido devolvidos em cima do balcão de Barbara, arrumando o crachá logo depois. Barbs gostava imensamente de Nataly, apesar de sua boca grande. A garota tinha conseguido o emprego para ela, afinal. E tinha estado com ela no colégio mesmo depois de todos os comentários sobre Barbara ter “perdido o namorado”. A ruiva solta um suspiro incrédulo ao se lembrar desse tipo de comentário, mas como Nat não está na sua mente, acredita que seja pelo que disse antes. – Barbara, acorda. É a décima vez que ele vem aqui! E nunca fala comigo. Ou com nenhum outro funcionário.

— Por favor, tem como você me chamar só de Barbs? Quando você diz meu nome completo, parece que está brava. – E faz uma careta. Isso a lembrava do seu pai. Nataly murmura algo como “mas eu estou, sua lerda”, o que Barbara ignora, voltando a digitar. – E eu sou a recepcionista. É normal que ele venha falar comigo.

Nat suspira e se inclina sobre os livros que trouxe. Um silêncio de muitos segundos cai sobre elas, até que Barbara, sem aguentar mais, se vira para a amiga. Ela está sendo encarada intensamente e Nataly sempre teve esses olhos escuros que parecem te julgar.

— Barbs, você está bem?

Barbara quase salta sob a pergunta. Ela balança a cabeça.

— Do que está falando?

— Desde segunda você parece um pouco... distraída. – Nataly faz uma careta, como se analisasse essa afirmação melhor. – Mais do que o normal, quero dizer.

A ruiva mexe os ombros, fingindo não entender.

— É só impressão sua.

Nataly a encara por mais alguns segundos, mas supria de novo.

— Tudo bem, não vou insistir. Você sabe que pode falar comigo. – Ela alonga os braços e Barbs faz um barulho de concordância com a garganta. Ela sabia que sim. Mas existem coisas que você não pode dividir com ninguém, nem com sua melhor amiga. A ruiva espera que a loira saia agora e a deixe sozinha com os 100 livros que precisa registrar, o que não acontece. – Sábado eu e o Brian vamos ir ao cinema, por que você não vem também? Eu prometo que não vamos te deixar de vela.

Barbara ri de verdade, se jogando nas costas da cadeira e se esquecendo do computador de vez.

—Ah, como se você conseguisse!

Nataly fica vermelha, mas sorri.

— Então por que não convida aquele garoto? Garanto que ele está só esperando. – Nataly aponta com o queixo, os olhos cheios de diversão. Dessa vez Barbs tem que concordar que ele está passando tempo demais numa estante só...

Ela olha séria para a loira e levanta uma das sobrancelhas.

— Que obsessão é essa em me arranjar um namorado?

— Não é obsessão! – Nataly diz, um pouco ofendida. Ela respira fundo logo depois e passa a mão pelos cabelos curtos. – Olha, desculpe. Eu me preocupo, sabe? Você é minha melhor amiga. E desde que Dick Grayson foi embora da escola, eu nunca mais te vi com garoto nenhum e...

— Nataly. Eu e Dick não tivemos nada, ok? Nós no máximo nos beijamos duas ou três vezes, nós nunca namoramos. Eu já te disse isso mil vezes. – O assunto “Dick Grayson” faz com que Barbara se retraia e queira voltar imediatamente para o trabalho. Ela não quer falar de Dick. Não agora. Não agora que ele não entra em contato com ela há 3 dias e seu estômago está se revirando de curiosidade. De preocupação. Ela não tinha estado na caverna desde o dia em que voltara para a cidade, depois de ficar em Jumpcity...

Barbara balança a cabeça. Elas estavam falando de Dick, não de Robin. Admitir que nunca tinha tido nada com ele ainda mexia com sua cabeça. Ela queria que eles tivessem algo, ao mesmo tempo em que sabia que isso não seria bom para nenhum dos dois – não enquanto eles fossem Batgirl e Robin. Dois heróis.  Por que algo nos seus pensamentos, algo gritava, algo tinha certeza que se eles fossem apenas Barbara e Dick... Bem.

Eles não são. Não há sentido em se aprofundar nessa esperança.

— Eu sei! Eu sei. Só estou tentando dizer que ele foi embora, Barbs. Está numa escola inglesa, metido com garotos ingleses e no meio das pernas de uma loira inglesa – Nataly diz e Barbara dá uma cotovelada nela ao ouvir as últimas palavras, tentando não rir. Se ao menos pudesse dizer que nada disso é verdade. – E você está aqui. Ruiva americana sem ninguém no meio das pernas. A última vez que eu te vi com um cara, era aquele tal de Jay, Jack...

— Jason.

— Jason, isso. E olha, não me leve a mal, ele era bonito e tal, mas, hã, havia uma coisa perigosa na aura dele... – Nataly junta as sobrancelhas. – Quer dizer, se você estiver saindo com ele eu vou totalmente te apoiar! Ele é gato. Só estou dizendo que... Não sei, é esquisito.

Barbara arqueia as sobrancelhas para ela.

— Eu não sabia que você era sensitiva ou coisa assim – brinca, tentando fazer com que os pensamentos de Nat se desviem de Jason. – E se isso te anima: eu já te expliquei; não tivemos nada. Você só me pegou conversando com ele uma vez e tirou conclusões precipitadas.

— Bem, mas o que mais eu poderia pensar? Vocês estavam sussurrando perto de um beco! Se estavam planejando um roubo, você sabe muito bem que deveria me chamar... – Nataly sorri, se divertindo com os próprios pensamentos.

Barbs só balança a cabeça e ri de leve.

— Olha, nós no conhecemos no DPGC. O pai teve alguns... problemas... e ele precisava conversar com alguém que não usasse azul ou tivesse o quarto da idade dele. – Barbara dá de ombros, como se não fosse nada demais. – Não iríamos gritar durante uma conversa intima. Ajudar os outros é o tipo de coisa que você tem que enfrentar se é a filha do comissário.

Nataly coloca uma mão sobre o ombro dela.

— Eu entendo. Mesmo assim, não estou falando só de garotos. Eu queria que você saísse mais e se divertisse mais. Estamos no último ano! Você vive as noites enfurnadas no seu quarto, estudando, então eu pensei que se você arranjasse um namorado, talvez ele pudesse te acompanhar nisso... – Nataly morde o lábio inferior.

— Nat, eu agradeço sua preocupação, mas estou bem. Eu nunca fui mesmo de gostar de festas ou de bagunça, acredite em mim, não estou perdendo nada. – Ela acaricia a bochecha da amiga, como se para provar que o que está falando é verdade. Barbara passa alguns segundos a mais olhando nos olhos escuros de Nat, de repente assustada com o tanto de confiança que tem nessa garota. Ela passa a língua pelo lábio inferior. – Se eu te contar uma coisa, promete não dizer para ninguém?

O estômago de Barbs se revira de antecipação. As vozes dela já eram baixas, afinal estavam conversando sobre a vida dela e estavam numa biblioteca, mas agora Barbara tinha praticamente respirado a sentença. Nataly se curva na direção dela, curiosa.

— Eu nunca espalharia um segredo seu.

— Eu sei. Eu sei, o problema é que o segredo não é meu. – Os narizes dela quase se tocam, para que tenham certeza que ninguém mais está ouvindo. Nat pisca sem entender. – Dick não está metido entre as pernas de uma inglesa.

Nataly franze o cenho.

— Vocês ainda se falam? Como pode saber disso? Barbs, ele pode estar mentindo para você! Ele deve estar te esquentando...

Barbara abre um sorriso, mexendo a cabeça, negando a última frase dela. Dick nunca a “esquentaria”.

— Melhor do que falar com ele. Nataly, Dick voltou para Gotham.

A garota segura em seus pulsos e arregala os olhos, a boca aberta num perfeito formato de “o”. Barbara está sorrindo de orelha à orelha. É tão bom poder dizer isso em voz alta. Dick realmente estava de volta à Gotham. Ele realmente estava pisando por ali, nos mesmos lugares que ela pisava. Ele não estava mais sozinho com os antigos amigos – de certa forma, ele estava com ela. Só dessa vez, só essa única vez, Barbs se permite ser um pouco egoísta.

Se ele se virasse e a dissesse que vai voltar para Jumpcity no próximo voo, tudo bem, ela teria que aceitar. Era por isso que estava o dando espaço. Por isso não ligou por três dias, nem para Bruce – ela sabia que Dick iria precisar respirar sobre a notícia que tinha ganhado um irmão. Um irmão que ganharia o “R” no peito, muito em breve. Mas só por hoje, ela se permite pensar que ele ficaria na cidade... por ela. Só hoje.

É um dia feliz e dessa vez não está chovendo. A neblina cobre as ruas e não permite que o sol toque suas bochechas, mas não está chovendo. Então Barbara tenta acreditar que é um dia especial.

Antes que Nataly possa dizer qualquer coisa, o telefone de Barbara toca num volume médio para uma biblioteca e as duas olham para o aparelho, em cima da bancada. O contato está simplesmente identificado como “A.”. Franzindo o cenho, Barbs se desculpa com o olhar por interromper o momento e pega o telefone. Nat, por sua vez, balança a cabeça e pretende se afastar, para dar mais privacidade à ruiva. A expressão de Barbara ao atender, porém, faz com que ela plante os pés firmes no chão.

— Alô? (...) Como assim? – Sua voz falha um pouco, seu rosto se condensando em raiva cada vez mais. – (...) Não, não. Estou indo. Chego aí em 20 minutos. Tchau. – Barbara encara o telefone por alguns segundos, em silêncio. Nataly morde o lábio inferior.

— Ei, amiga? Tudo bem?

Quando ela ergue os olhos, seu rosto está pálido. Os olhos parecem mais úmidos, mas Nat não tem certeza.

— Nataly, você pode cobrir meu turno hoje? Eu preciso sair imediatamente.

Nataly olha ao redor, como se perguntando se mais alguém estava assistindo-as. Ao perceber que não, ela coloca a mão sobre o ombro da ruiva de óculos.

— Sem problemas, Barbs. Está tudo bem?

Os olhos azuis se mexem muito rápido, até que finalmente voltem para o rosto da loira.

— Sim. Quer dizer, eu acho. Parece que meu pai passou mal e foi levado para o hospital; disseram que ele está bem, mas que é melhor eu acompanhá-lo até em casa se for possível. Você sabe como ele é, prefere não atrapalhar os policias. – Barbara diz, rápido demais, juntando as todas as suas coisas na bolsa que deixava atrás do balcão. Raros eram os dias em que colocava tudo no armário; a vida noturna tinha a ensinado a ser o mais prática possível. Nunca se sabe quando algum bandido poderia agir e ter que pegar suas coisas num armário trancado poderia custar uma vida. – Nat, você me emprestaria as chaves da sua moto? Eu vim de ônibus hoje. Ia ser péssimo ter que voltar para casa para só então ir ao hospital...

— É claro, aqui. – Nat tira as chaves do bolso da calça e a entrega. – Eu peço para o Brian me buscar, não se preocupe.

— Obrigada. Eu passo na sua casa mais tarde e a deixo lá, ok? – Ela abraça a loira rapidamente num agradecimento e Nat acaricia suas costas, dando alguns leves tapinhas.

— Não seja boba, Gotham é perigosa de noite. Se você não for para a escola amanhã, eu passo na sua casa de manhã no carro do Brian e pego – garante, colocando na bolsa dela um batom que Barbs tinha esquecido no balcão. – Me envia uma mensagem quando você chegar.

Barbara tem vontade de dizer que não temia a noite de Gotham. Nem um pouco. Na verdade, ela gostava. Gostava do sentimento de perigo rondando sua barriga, subindo por sua espinha e trazendo um sorriso corajoso para seus lábios. Ela gostava de assistir Batman e sua longa capa aberta no ar, como se ele voasse. Gostava de sentir os maxilares contra seus punhos. Das lágrimas de agradecimento quando salvava alguma mulher de um destino cruel. De salvar os cidadãos enquanto Bruce tentava deter o grande vilão da noite.

Às vezes, ela até gostava da dor que tudo isso trazia. Demorava muitas horas olhando para seus machucados nas pernas e nos braços, alguns dos quais a fazia vestir suéteres e calças de pijamas ao em vez das camisolas, que as garotas da sua idade gostavam – não podia arriscar que seu pai desconfiasse que aquilo não tinha nada a ver com as boas e velhas aulas de ginástica.

São palavras que guarda para si mesma quando agradece a loira e sai em disparada em direção ao estacionamento, para encontrar a moto vermelha que combina com seus cabelos ruivos. Barbara não precisa do capacete e, montada, acelera no sentido contrário ao do hospital.

 Em direção à Mansão Wayne.

 

 

A jaqueta de couro negra está firme no seu corpo quando ela ergue o braço e toca a campainha com os dedos tremendo. Leva uma mão para atrás da nuca e, reunindo todo o cabelo ruivo, prende-o firmemente num rabo de cavalo. O óculos está na gola de camisa branca, três botões abertos, o sutiã a poucos centímetros de ser mostrado. Ela não se importa. O crachá, outrora no peito, foi colocado no bolso traseiro do jeans e já não resta qualquer traço que, há apenas alguns minutos, ela era a recepcionista da biblioteca municipal.

É claro, nenhuma recepcionista de nenhuma biblioteca deveria ter um rosto tão bravo. 

— Srta. Gordon, fico feliz que tenha vindo tão rá... – Alfred tenta dizer, abrindo a porta. Barbara praticamente o empurra para o lado e entra, impaciente. Seu tom de voz duro revela isso muito bem.

— Onde ele está?

Alfred pisca, mas seu rosto não parece surpreso ou assustado. Com muita calma, ele fecha a porta atrás de si e a olha. Barbara já está indo em direção à biblioteca e, dando dois passos de cada vez, ele a segue.

— De quem, especificamente, a srta. está falando?

Barbara não parece escutá-lo. Ela alcança o relógio com uma velocidade que Alfred não se lembra de ter visto em Bruce ou em Dick. Num segundo, ela puxa o livro para trás e Alfred não pode fazer nada para pará-la. A garota está agindo rápido demais.

— Não importa. Eu sei que ele está aqui – ela solta entre os dentes e, após digitar a senha, o relógio se afasta num barulho quase inexistente. Alfred solta uma exclamação.

— Srta. Gordon, receio que você... – ele deixa de falar, pois a garota sumiu nas escadas. Ótimo. Alfred se apressa em segui-la, fechando a entrada logo depois. Como ele esperava, ela já pegou o elevador no fim dos degraus e está descendo rápido demais. Ele terá que esperá-lo subir novamente.

Lá embaixo, Barbara pisa firmemente no chão do elevador, como se isso fosse fazê-lo se movimentar mais rápido. Obviamente não adianta, mas controla sua ansiedade o suficiente para, segundos depois, ela finalmente se ver de frente à imponente caverna. Seus olhos só buscam uma coisa e seus ouvidos, num instinto que tinha aprendido a seguir há bastante tempo, captam o barulho da respiração alta. Dos golpes num oponente mudo. Seu estômago se revira, mas ela não deixa de andar, passando pelo computador e pelos mostruários de trajes. Se tivesse se virado, veria um que não deveria estar lá.

Mas Barbara não se virou. Ela finalmente para na plataforma de treinamento de combate: um enorme espaço redondo e aberto, vários tipos de armas pendurados na parede contrária, bonecos prontos para serem arrastados e receberem golpes. No topo e nas laterais projetores ultramodernos fornecem hologramas extremamente reais de ninjas e assassinos treinados. Mas, como ela, ele preferia arrastar um dos bonecos de boxes e socá-lo e chutá-lo até que estivesse cansado disso.

É como o encontra. A regata negra e a calça, também escura, são de poliéster, mas desenham seu corpo exatamente como o traje noturno que ele costumava usar faz. É claro, nesse ponto Barbara já conhece o corpo dele o suficiente para saber que ele é magro, mais alto do que deveria para a idade, mas com uma estrutura forte e treinada. No ar, um cheiro forte e quente, masculino, misturado com desodorante amadeirado, quase mexe com os seus sentidos de menina. Os cabelos negros grudam em sua testa com o suor e o esforço que ele faz para acertar cinco chutes seguidos, um com cada pé, trocando-os entre piruetas. Tudo isso em menos de 6 segundos.

Seu corpo é fluído e ele nunca deixa aberturas para trás, algum espaço para que seja pego de surpresa. Seus olhos azuis são sempre atentos. Isso faz com que ela recue um passo, prendendo o ar. Desde a primeira vez que o vira, tinha o achado parecido com Dick. Seu corpo e cabelos, apesar das claras diferenças nos traços do rosto. Seu estilo de luta. Exceto, claro, que Jason parecia muito mais... intenso. Havia uma fúria não verbalizada em seus movimentos. E, por mais que Barbara e Bruce insistissem que ele deixasse esse tipo de ponto específico do corpo para trás, esses pontos mortais... Barbs volta a se mover quando ele chuta, o sexto chute, o pescoço do boneco.

Esse movimento teria quebrado imediatamente o pescoço de uma pessoa real. Jason tenta recuperar a respiração, encarando sem emoção o boneco agora jogado no chão – a sua força tinha tirado a pressão das ventosas que o mantinham parado.

É quando ele franze o cenho, ao perceber a presença de alguém atrás de si, e se virando imediatamente. É tarde demais, pois Jason recebe um chute no seu ombro e reprime um gemido de dor, olhando para quem o atacou.

A ruiva, em seu jeans e camisa, já não está em posição de luta. Não que ela precise ficar em uma para atacá-lo, é claro. Jason alonga o ombro, colocando uma mão sobre onde deve estar vermelho agora – ela tinha usado uma força considerável.

— Você endoidou? – xinga, entre os dentes. Ela nunca tinha o atacado assim antes; não quando eles não estavam treinando.

Quando a encara melhor, Barbara dá um único passo para frente, o óculos se movimentando na camiseta conforme ela anda em sua direção. Merda, por que essas garotas bonitas sempre tinham que tentar feri-lo? Ok, ele podia entender as motivações de Ravena ou Estelar, mas ele não se lembrava de ter feito qualquer comentário sarcástico sobre Barbara recentemente. Talvez ela tivesse ficado sabendo dos antigos...?

— O que você fez?!

Jason a olha sem entender, algumas gotas de suor muito geladas escorrendo por seu pescoço. Arfando, tenta formar alguma resposta:

— Do que você está falando?! – pergunta, franzindo os lábios. É isso. Ela tinha descoberto. – Olha, ser chamada de gostosa é um elogio para muitas garotas, você deveria ficar lisonjea... – Jason se interrompe, desviando de um soco dela. Essa tinha sido perto.

— Seu idiota, estou falando do Dick! – ela praticamente grita, o rosto numa careta furiosa. – Você disse alguma besteira, não foi? Jason, não me interessa o quanto estar aqui significa para você. Você não tem ideia do quanto isso significa para ele!

 Jason arruma a postura, de repente a dor do chute parece ter desaparecido do seu ombro. Ele encara o rosto vermelho dela, os lábios rosados juntos numa linha reta. Um sorriso sem humor aparece no canto dos seus lábios.

— Você acha que eu fiz algo para ele ir embora – murmura, raiva escondida sob a voz. Barbara parece estar apertando o punho; ele pode dizer por causa do jeito com o braço dela se mexe devagar. Se ela realmente tivesse o atacado para valer, desviar teria sido muito mais complicado. – É claro, por que você acharia outra coisa? – Jason abre os braços, rindo de raiva. – Olhe para mim, fui enviado só para infernizar a vida de vocês.

Quem ri agora é Barbara, que mexe a cabeça de um lado para o outro.

— Você não vai bancar o inocente para cima de mim, Jason. – Ela dá um passo para frente, sem medo nenhum de se aproximar dele. – Então você está aqui, ótimo. Bom para você. Conseguiu provar algo pro Bruce vestido naquela fantasia. – Jason não recua, mesmo sentindo o hálito quente dela contra seu nariz. Precisa olhar para baixo para encará-lo no rosto, e Barbara está mais próxima dele do que qualquer outra vez em que eles treinaram juntos. Os olhos dela parecem muito sérios. Cheios de mágoa. – Eles ainda são pai e filho.

E então, por poucos segundos, Jason é capaz de sentir exatamente o que a mente dela está pensando. Ela se pergunta se ele sabe como esse sentimento é. Se ele tem noção do que paternidade significa. Em resposta, ele a encara com ódio, mas sem nunca dizer uma única palavra. Os segundos de silêncio passam como anos para Barbara, que rosna e coloca a mão na testa. Parece arrependida, brava consigo mesma, com Jason, com a caverna, com tudo.

— Merda. Como eu pude pensar que... – Ela suspira, fechando os olhos. – Imaginei que daria certo. – Se vira para ele novamente, outra vez furiosa. – Mas você... Você tinha que estragar as coisas de alguma forma.

— Srta. Gordon! – É a voz de Alfred, dois tons mais alto do que ele costuma usar, ecoando pelas paredes da caverna. Barbara se vira subitamente, assustada, como se fosse a primeira vez que realmente o visse. Jason também está surpreso, apesar da raiva por conta da ruiva suprimir tal sentimento. Ele já está vivendo na mansão há tempo o suficiente para saber que Alfred nunca grita. – Você está cometendo um engano. – Ele se aproxima dos dois, às pressas.

Barbara, de costas para o garoto suado, cruza os braços no peito. A ponta do seu rabo de cavalo, amarrado firmemente no topo da cabeça, faz cócegas na base do seu pescoço. Ela respira entre os dentes, tentando controlar os nervos. Como fazia quando sentia que estava há um ponto de machucar alguém mais do que deveria.

— Alfred, eu não acredito que você realmente concorde com qualquer coisa que Jason tenha dito para Dick, por mais... Ruim que seja a sensação de ser deixado de lado por 2 anos. – Barbara fecha os olhos por um segundo, sentindo que está falando muito mais de si mesma do que de Alfred ou Bruce. Ela não é assim. Desse jeito.  Volta a abrir os olhos, mas tudo o que vê é o rosto impassível, quase se desculpando, do mordomo.

Isso a faz franzir o cenho.

— Patrão Jason não teve nenhuma relação com a partida do Patrão Dick – explica, devagar. – Não diretamente, pelo menos.

Barbs olha para o chão, os lábios numa linha reta. Ergue a cabeça poucos segundos depois, as unhas cravadas no tecido da camisa.

— Bruce. – O silêncio de Alfred é uma concordância vagarosa. Ela dá um passo à frente, na direção dele, sentindo as pernas mais fortes do que nunca. – O que houve?

Alfred suspira, como se suspirasse só quando Bruce não está por perto. É outro pedido de desculpas indireto, como o que ele manda com os olhos.

— Receio que não seja meu dever contar-lhe, Srta. Gordon, por mais que eu quisesse. – Barbara abre a boca, prestes a falar que ela precisava saber. Alfred, no entanto, ergue a mão delicadamente, interrompendo-a de forma cortês. – Chamei-a por outro motivo. Espere um momento, por favor. – Ele desaparece entre uma escada, para outra plataforma, e Barbara o segue com o olhar até que seus ombros sejam só sombras escuras.

Então encara o chão, absorta nas próprias perguntas. O que Bruce tinha feito, dessa vez? Ela tinha ido buscar Dick para que eles se acertassem, não para que o Wayne expulsasse o garoto de novo. E tudo estava indo tão bem! Dick não contara com detalhes, mas ela havia captado no ar que eles tinham se entendido na manhã de segunda-feira, quando os dois, ela e Dick, chegaram à caverna. Então, o que raios aconteceu?! Talvez Richard fosse mais apegado à alcunha de Robin do que ela tinha imaginado. Será que Bruce não havia dito as coisas com as palavras certas? Ela esperava um pouco de mágoa, sim, mas não que ele saísse da mansão – e sem dizer uma única palavra com ela.

Barbara se achava melhor do que isso.

Um barulho de água faz com que ela se sinta com sede e se lembre de que não está sozinha. Virando-se para trás, vê Jason do outro lado da plataforma de treinamento, com uma toalha no pescoço, bebendo uma garrafa d’água que ele aperta com força demais. O coração da ruiva despenca, o rosto pálido. Ela entreabre os lábios.

 — Jason, eu...

— Não é necessário – interrompe, secando o rosto molhado com as costas da mão. Boa parte do suor se foi, mas seu rosto continua com aquele brilho e vermelhidão do esforço. Barbs sempre foi boa em ler pessoas, é verdade, mas ela não sabe o que pensar do tom de voz dele.

— Me desculpe. Dick era... – Ela franze os lábios. – É meu melhor amigo. Eu não... Não o trouxe para Gotham para brigar com Bruce novamente. Ou para brigar com você. Eu sei como Bruce te ajudou, como tudo isso te ajudou, então eu...

— Puta que pariu. Não me obrigue a ir até ai e calar sua boca. – Jason faz uma careta para ela, que o olha extremamente ofendida. – Deixa de porcaria, Barbara. Não é como se você me devesse qualquer explicação. – Ele deixa a garrafa sobre a mesma mesa onde a pegou e seca o suor do cabelo com a toalha. – Ou como se eu quisesse ouvi-las.

— Hmpf. – É todo o som que Barbs consegue produzir, assistindo-o. Desde que Bruce tinha aparecido com esse garoto aqui, algo entre depois de completar 1 ano que Dick tinha ido embora, ela não tinha gostado da ideia. Bruce nunca dissera nada, mas ela sentia que Jason era o substituto de Dick. Ou era o que achava no começo, até perceber que na verdade o milionário parecia gostar de Jason não como um substituto, mas simplesmente como outro filho. Bruce sempre fora irredutível em suas decisões e, quando pedira para Barbara ajudá-lo a treinar o garoto, foi difícil dizer não; então ela não disse. – Você estava aqui, não estava? Quando eles discutiram.

Ele ergue o olhar para a pergunta. Tinha se preparado para dar o fora dali.

— Hm.

— Isso é um sim? – Barbara se aproxima um passo dele. Jason leva seu tempo passando os olhos das coxas dela para o queixo, até a expressão meio zangada, meio arrependida. A maioria das garotas que ele tinha conhecido, e não foram muitas, gostavam de olhá-lo com raiva. Na maioria das vezes, os olhos da ruiva ficavam perdidos entre isso e dó. Por mais que ela tentasse esconder, ela o olhava da mesma forma que fazia quando ajudava criancinhas desamparadas, nas rondas noturnas com Batman. Ele tinha visto diversas vezes nas imagens que a máscara do morcego captava.

— Isso é um “você deveria cuidar da sua vida” – sugere, movendo os ombros. – Se ele quisesse que você soubesse, ruiva, já tinha te ligado ou te achado.

Barbara penteia os cabelos com os dedos, movendo a cabeça. Por que mesmo que ela continuava tentando com Jason? Ele nunca estava feliz com nada. Quando ela se preocupava com ele durante os treinos, era obrigada a aguentar grosseria. Quando ficava com raiva, ele ficava duas vezes mais. Quando se desculpava, o garoto não queria ouvir. Era como ter um irmão mais novo pentelho – e ela era muito feliz sendo filha única, obrigada.

Jason se vira em direção à escada que dá para a plataforma do batcomputador, a principal e que dá acesso para o elevador do relógio. Barbara o assiste em silêncio e, já no topo, ele diz:

— Mas se você quiser a minha opinião sobre a coisa toda, a última coisa que Robin está sentindo por Bruce agora é paternidade.

Barbs tem vontade de segui-lo e arrancar tudo da pior maneira possível, com os métodos que tinha usado naquele beco, com Dick e um babaca – céus, ela nem sequer tinha tido vontade de comunicar Bruce sobre o que eles tinham descoberto, sobre a tal prima de Selina Kyle. (In)felizmente, um arranhar de garganta interrompe seus pensamentos de tortura e ela se vira para ver Alfred. O mordomo está carregando uma mochila e Barbara solta um suspiro de surpresa, se aproximando para pegá-la da mão dele.

— Mas isso é... – Ela não termina a fala, analisando o quão pesada a bolsa está. Alfred acena positivamente.

— Infelizmente.

— Dick saiu sem nada? – Solta uma exclamação ao abrir os zíperes. A bolsa de Dick estava estufada e, logo nos primeiros bolsos, ela vê o celular dele e o T-Comunicador. Levanta os olhos para o inglês, pedindo uma explicação. – O que raios aconteceu?!

— Ele e Patrão Bruce tiveram um, hm – Alfred tosse, parecendo envergonhado. – Desentendimento. É tudo o que eu posso dizer, Srta. Gordon. – Ele respira fundo, arrumando a postura. – Mas eu sei onde o Patrão Dick está! Ou imagino que sim. Ele só saiu com a carteira, não foi muito longe. Imaginei que voltaria para pegar as coisas, mas como nunca aconteceu... Gostaria que me fizesse essa gentileza. E também que conversasse com ele. Se você o trouxe de Jumpcity, creio que algumas avenidas e ruas não seria muito, não é? – A voz de Alfred está cheia de preocupação, por mais que ele esconda.

Barbara se sente mal e, resolvendo não questioná-lo mais, balança a cabeça firmemente, colocando as alças da mochila no ombro.

— É claro que vou, Alfred, não se preocupe. Obrigada por me chamar. E se ele não quiser me ouvir, eu soco um pouco de senso de volta pra cabeça dele – diz, a voz suave. É o que está pensando em fazer. Socar alguém.

 — Sim, é claro. É claro. – Alfred murmura, sem parecer ter ouvido a última parte. – Eu coloquei mais algumas roupas e preciso que fale sobre a nota no primeiro bolso, tem alguns dados que eu sei que ele precisará. – Barbs balança a cabeça, imaginando se deve ser a senha de algum cartão ou coisa do tipo. – Ele não saiu com muito, então acrescentei algum dinheiro. Também está no bolso da frente.

Barbara morde o lábio inferior.

— Alfred, eu não acho que Dick aceitará...

— E por isso estou contando com a senhorita – diz, muito sincero, um pequeno sorriso cobrindo os lábios. A ruiva sorri de volta, sussurrando que irá tentar.

A ruiva agarra a alça da mochila, trocando o peso do corpo de um pé para o outro. Ela e Alfred estão sozinhos na caverna agora; Bruce ainda deve estar na empresa e Jason muito provavelmente no quarto, tomando um banho. Ela olha ao redor.

— É como da primeira vez, não é? – murmura, sem ter muita certeza. Dois anos atrás.

Talvez Alfred tenha concordado, mas Barbara não ouviu. Seus olhos pararam nos mostruários de vidro. Os dois primeiros eram antigos de Batman. O terceiro era o seu último, muito parecido com o atual, exceto por poucas mudanças que o deixaram mais seguro e prático. No manequim, Batgirl parece mais perigosa do que ela se lembra de parecer. Ela se achava bonita quando estava vestida, mas era diferente vê-lo em outro corpo. Por fim, o penúltimo mostruário não deveria ter manequim nenhum. Ele permanecia vazio, como o último – até três dias atrás, pelo menos.

Por que agora, para o total choque de Barbara, o traje de Robin, o traje original, brilhava no manequim.

Ela realmente precisava achar Dick.

 

19hrs19min

A moto de Nataly não chega nem perto do que a sua, na Batcaverna, pode fazer. Mas a moto da Batgirl é chamativa demais para uma ruiva comum de calças jeans, adidas e jaqueta de couro. Felizmente, Barbara é a melhor motociclista da cidade, então o trajeto todo é feito mais rápido do que ela tinha imaginado. Num minuto, estava parada de frente à imponente Mansão Wayne. No outro, a noite roçava em seus ombros, o leve chuvisco noturno molhando as partes expostas de sua pele e cabelo, e ela estacionou na 14º, Burnley.

Como sempre, o bairro parecia pacato. Ele era relativamente seguro para os padrões de Gotham, mas, só por segurança, Barbara resolve parecer alguns metros antes do número da casa que Alfred tinha lhe dado. A moto é estacionada próxima à uma arvore, aproveitando-se dela para se cobrir da garoa, e Barbara desmonta, suspirando. Não havia muitas casas residenciais em Burnley, pelo menos não na décima quarta rua, então também não havia muita gente para espreitar. O que era bom, é claro, mas ela ainda se pergunta o que exatamente Dick estaria fazendo ali e como Alfred sabia exatamente onde o garoto estava.

Será que Robin havia criado esconderijos com suplementos para si e para o traje, exatamente como Batman? A diferença, é claro, é que Batman escondia os seus em prédios altos, e não em armazéns. Batgirl conhecia a localização da maioria – onde parava às vezes, quando tudo parecia seguro, para fazer algum curativo e beber uma água. Robin também sabia onde eles ficavam, obviamente, então era estranho que ele não dividisse um próprio com ela. Outra vez, talvez Barbara só estivesse esperando demais de sua amizade com Dick.

Ela tira o celular da própria bolsa, que carregou no meio das pernas, e digita uma mensagem para seu pai e outra para Nataly. O conteúdo é basicamente o mesmo, de que ela está bem, exceto que para Nat diz que está com o pai, e para o pai diz que está com Nataly. Era como ela lidava com as coisas. Para os amigos, poucos, que tinha e se preocupavam, dizia que estava estudando ou fazendo companhia para o pai. Para Jim, a frase “coisas de garota” já tinha salvado sua vida uma par de vezes – o pobre coitado nunca queria discutir sobre “coisas de garota”.  Exceto, claro, quando Jim tentara falar sobre camisinhas e menstruação com ela. O embaraço do momento faz um arrepio subir por sua espinha e Barbara guarda o celular, um sorriso constrangedor nos seus lábios.

Ela resolve deixar a mochila sob o banco da moto e, só por um momento, a de Dick fica em cima do guidão.  De mãos vazias, Barbs dá uma olhada nela, na mochila. Ela morde o lábio inferior e olha para o fim da rua, onde, se você seguir os números, está o de Dick. 234. E então volta a encarar a mochila. Num segundo, seus dedos foram direto para o bolso da frente, onde ela tinha visto o T-Comunicador e o celular. O celular está desligado e ela o deixa de lado. O comunicador, por outro lado, ela não tem muita certeza se está ligado ou não.

Barbs sente que não deveria mexer. Não é seu. Mesmo assim, ela aperta um dos botões e a pequena tela do centro se liga sozinha. Barbara franze os lábios. 10 ligações, 4 mensagens de voz, dos amigos dele – dos Titãs. Era um número alto, considerando que ela sabia que todos tinham medo de atrapalhar o grande Batman. Ela aperta o mesmo botão e o comunicador volta a se apagar. Eles estavam preocupados e Dick não deveria ter qualquer outro tipo de acesso aos amigos; nem sequer com o celular ele estava! Como ela, eles também não mereciam isso. Era a equipe dele.

“Se ele quisesse que você soubesse, ruiva, já tinha te ligado ou te achado.” As palavras de Jason de repente flutuam por sua mente – ele tinha razão, não tinha? Dick poderia ter facilmente acessado a janela do seu quarto e pedido para usar o celular dela.  Céus, ele poderia ter ido numa lanhouse! Se todo o problema do mundo fosse ele não ter acesso a internet... Um pouco trêmula com os pensamentos e mordendo o lábio inferior, ela desliza os dois de volta para a bolsa e, prestes a fechar o zíper, algo desliza para fora e cai no chão com um barulho quase surdo. Barbara pisca, se agachando para pegar.

Os detalhes dourados da lateral brilham sob o roxo, quase invisível por causa da pouca luminosidade. É como um celular. É só quando o pega que Barbara se lembra de já tê-lo visto antes, no café com Dick... É o dispositivo que Estelar deu para ele – e só para ele – se comunicar com ela, que tinha voltado para seu planeta natal. Sua boca fica seca, se levantando devagar.

Então ele também não tinha falado com ela.

Dick não tinha falado com ninguém.

O sentimento flutua com alegria demais pelo peito de Barbara que, se sentindo culpada, coloca o tal dispositivo dentro da bolsa e depois a bolsa nos ombros. Ela não queria admitir para si mesma, mas tinha se sentido bem. Dick não tinha falado com Estelar, a alienígena de pernas douradas e sorriso perfeito. Barbara fecha os olhos e murmura um xingamento por seu comportamento. Se Richard gostava dela romanticamente, e Barbs sabia, um pouco chateada, que sim, não era problema seu.

Mas ele havia tratado a garota-dourada exatamente como tinha a tratado. E essa garota estava longe, longe demais agora. Era ela quem estava ali, não era? Caminhando firmemente até o galpão com a luz fraca, baixa, ainda acessa. Havia algumas pessoas na rua e alguns carros e caminhões passavam, mas ninguém parecia se interessar por ela, então Barbara continuava seu caminho. Estelar não estava ali. A garota gótica, Ravena, de quem Dick comentava às vezes, também não. Ciborgue ou Mutano? Nenhum lugar para serem vistos.

Por escolha dele.

Mas ele sabia, tinha que saber, que uma hora ela viria. Que escalaria o armazém por trás, como estava fazendo agora, sem esforço nenhum. Que olharia pela janela, de joelhos no teto e mãos como garras, e o veria e...

Aquilo era um motorhome?!

Barbara virou o pescoço, afinal estava de ponta cabeça, mas definitivamente aquilo era um trailer. Não havia mais nada no pequeno galpão, pouco iluminado, provavelmente de propósito, além do trailer – que era velho, mas parecia em bom estado.  A porta dele estava aberta e as luzes acesas, mas Dick não estava lá dentro.

A ruiva desviou os olhos para frente, finalmente tirando sua atenção do motorhome, aparentemente a nova casa de Richard, só para acabar mordendo o lábio inferior. Ele estava de costas para ela, fazendo flexões invertidas só com a mão direita. Usava uma calça de moletom dobrada, como se fosse um pouco longa demais para ele, e estava sem camisa. Isso, claro, permitia uma boa visão dos músculos das suas costas pálidas – a pele leitosa ondulava sobre eles toda vez que Dick descia e subia, contando mentalmente. Seu cabelo parecia encharcado de suor, como o resto do corpo, o que denunciava que estava ali há um tempo.

Honestamente, Barbara queria ficar mais um pouco e só observar. Isso a faz se lembrar de como encontrou Jason na caverna, treinando. Eles eram realmente parecidos, assim de costas. Mas Dick era muito mais leve em seus movimentos, mesmo agora, só esticando as pernas para cima, qualquer um poderia dizer. Infelizmente, ela não podia apenas observar e sentir suas mãos suando e seu coração batendo um pouquinho mais rápido.

Saboreou o alívio de encontrá-lo bem e, silenciosa, empurrou a janela, dando uma olhada lá para baixo. Hm... A janela estava a uns 12 metros do chão. Barbs não estava usando suas botas amortecedoras, mas aguentaria o tranco. Com a janela aberta, conseguia ouvir a respiração ofegante dele ecoando pelo galpão vazio, chegando aos seus ouvidos como um sussurro. Tinha pensado em simplesmente bater na porta, mas a vida não é divertida assim, é?

Barbara se impulsiona para frente e entra, a janela pouco maior que sua cabeça. De costas para ele, se pendura com as duas mãos segurando o batente branco e a ponta dos pés apoiados na parede. Ok, já está dentro. Agora só precisa cair. Barbara solta a janela, sem nenhum medo da altura, e, quando sente o chão firme, ela se impulsiona e roda para o lado, a fim de não explodir os próprios joelhos. Ao fazê-lo, ela ouve uma exclamação de surpresa.

Agachada, com um dos joelhos no chão, Barbs ergue o rosto na direção dele. A pouca luz quase o cobre totalmente, mas Barbara pode ver seu rosto úmido, sério, os olhos azuis estreitos, olhando-a. Ele tinha afastado os pés delicadamente, pronto para assumir uma posição de luta – o que não foi necessário ao ver que era ela. O peito de Richard sobe e desce, por conta da respiração pesada, enquanto a ruiva se levanta devagar até estar sobre os dois pés. Ela agarra a alça da bolsa, tentando não desviar os olhos para o tronco dele, ou abdômen.

Talvez Nataly estivesse certa; talvez ela precisasse de um namorado, afinal. Ninguém pode lidar com esses hormônios sozinha.

Mesmo assim, Barbara o faz e sua boca fica um pouco seca. Ele definitivamente parece pálido. E grandes círculos roxos cobrem seus olhos baixos, como se ele não estivesse dormindo muito. No corpo, algumas marcas vermelhas, arroxeadas, com as bordas verdes, se fazem presente.

— O que é isso? – ela pergunta, voz suave, se aproximando em passos lentos. Apontou com o queixo para o motorhome; é claro que sabia o que era, mas não estava entendendo de onde tinha surgido. Tenta não parecer preocupada; sua voz é um sussurro e ela tem certeza que Dick só ouviu por que o local é vazio. Ele não se mexe, mesmo ela chegando cada vez mais perto. Só a segue com o olhar. Mesmo assim, sua mão se fecha em um punho.

— Vai para casa, Barbara.

Ela deixa de andar a dois passos dele e respira fundo. Ele nunca a chamava de Barbara. A voz não parece zangada, só um pouco tensa – um pouco cansada. De repente, ela se sente nervosa. Tinha esperado ser recebida com um sorriso, talvez uma expressão de alívio.

— Dick. Alfred não me contou nada, mas eu posso imaginar o que aconteceu. Eu sei que...

— Você sabia – ela é interrompida e ergue os olhos, sem entender. A voz dele não é uma acusação, somente uma constatação. – Sabia que ele estava tentando... – Dick estreita mais os olhos, de repente perdido. – Provar um ponto ou algo do tipo. Você sabia a identidade de Red X. Você sabia e mesmo assim...

A mochila dele cai automaticamente no chão e Barbara dá um passo à frente, olhos arregalados. Ela sabia o que ele queria dizer. Que achava que Bruce estava duvidando da capacidade dele.

— Provar um ponto...? Dick, não, você entendeu tudo errado! Eu juro, eu não deixaria Bruce fazer isso, eu te contaria. Não foi isso... – Ela engole em seco, tentando por as coisas em ordem na própria mente. – N-Não parecia isso. Toda essa coisa do Red X, Bruce não sabia. Jason roubou o traje sem que nenhum de nós soubesse. Ele queria mostrar que podia virar um vigilante e... As coisas saíram do meu controle.  

 A expressão dele não muda nem um pouco e Barbara se sente nauseada. Como todas as vezes que tinha cheirado sangue e cadáveres, exceto que não havia sangue ou violência ali. Ele estava... Ele estava...

— Não aja como se não esperasse por isso. É por isso que estava com medo que eu ficasse zangado com você – ele murmura, parecendo não ter ouvido nada do que ela disse. – Eu disse, Barbara, vá para ca...

— Você prometeu. Disse que me ouviria – ela apela. Mais um passo e estaria o tocando. – Dick, você tem que voltar e ouvir o que temos para dizer. Não pode ficar aqui... Seja lá o que “aqui” seja.

Ele a encara por mais um momento e se vira, voltando para o motorhome como se ela não estivesse bem ali, parada na frente dele. Parece cansado. Provavelmente é por ter dormido pouco, mas Barbara desconhece isso e se sente mal por ser ignorada. A falta de reação ou de credibilidade que ele estava lhe dando mexe profundamente com algo dentro de si e, de magoada, ela passa para uma raiva praticamente sem fundamento.

— O que está pensando em fazer, se não vai voltar para a caverna? Quer tanto a roupa de Robin? Aqui, por que não a engole?! – Barbara abre o zíper, falando muito mais alto do que deveria, e mete a mão dentro da mochila. Sai segurando a parte de cima do traje, que tinha enfiado lá com muito esforço; sem pensar no que está fazendo, taca nas costas de Dick, que deixa de andar imediatamente.

O tecido vermelho e verde escorrega pela cabeça dele devagar, até os ombros. Barbara deixa de respirar, profundamente arrependida. Oh, céus. Ela não deveria ter feito isso. Seus músculos ficam tensos.

Lentamente, Dick alcança a blusa e, erguendo-a na direção do seu rosto, olha profundamente para ela, para o símbolo “R”, em amarelo. Em silêncio, Barbara só pode assisti-lo. Os segundos duram anos para ela. E então, numa velocidade tão incrível que a ruiva mal pode registrar, o tecido foi parar no chão, arremessado com força. Ela encara a blusa com uma enorme vontade de se abaixar e pegá-la. Ao em vez disso, segura protetoramente a mochila dele contra suas próprias costas, com medo dele arremessá-la se tentar entregá-lo.

— Pode queimar. – Ele diz, olhando-a, entre dentes. Então um sorriso surge no canto dos seus lábios, mas não o sorriso que ela está acostumada a ver nele. – Ou dar para aquele Jason, se é o que você quer.

E dessa vez Dick não se move, só continua encarando-a. Barbara olha para o chão. Talvez ela devesse ter desobedecido as ordens de Bruce só uma vez. Talvez devesse ter contado para Dick sobre esse garoto novo. Mas ela queria que ele viesse. Queria que visse com os próprios olhos. Seu olhar percorre o R mais uma vez. Queria que, se ele tivesse que deixar de ser Robin, que fosse no mesmo lugar em que se tornou; Gotham.

— Queria que ficasse em Gotham – murmura, quase uma confissão. Os lábios de Dick estão em linha reta.

— Conseguiu.

Ela fecha os olhos em agonia e mexe a cabeça, abrindo-os logo depois.

— Não desse jeito. – Ela dá mais um passo a frente, sua mão nunca solta a mochila. – Dick, não desse jeito. Precisa voltar para a mansão. Eu tenho certeza que Bruc... – Ela deixa de falar, vendo a expressão dele se cansar novamente. Engole em seco. Seus olhos passam rapidamente pelo trailer quando ela se esforça para dizer, de novo: — Tudo bem. Tudo bem, sem caverna ou mansão. Eu não sei que lugar é esse, mas ao menos você está em algum lugar, não é? Então... – Sua voz falha e Barbara arranha a garganta, trazendo a mão para frente. Tinha aberto-a e pegado o que precisava pegar. – Então pelo menos precisa falar com seus amigos.

Dick olha para baixo, para a mão espalmada dela. Ela está segurando o T-Comunicador. Sua má alimentação desses três dias parece falar mais alto, por que de repente ele se sente zonzo. Sim, os Titãs. Ele não tinha se esquecido deles, é claro que não. Mas o que exatamente poderia dizer agora? Como poderia aparecer lá? Ele não tinha um uniforme, então não era Robin. Ciborgue e Mutano sequer sabiam a identidade dele. Tudo o que dissesse para Ravena só iria preocupá-la. Não havia nada para fazer ou dizer agora – não havia nada que ele quisesse fazer ou dizer agora.

— Leve essas coisas de volta. Agradeça Alfred por mim – diz, rápido demais, numa só respiração. E se vira novamente. A voz de Barbara o interrompe no meio da pequena escada para entrar no motorhome.

— Não pode estar falando sério! – diz, guardando o comunicador no próprio jeans. – Eu tenho certeza que eles estão preocupados! Deixa de ser idiota e...

— Estou falando sério. – Ele é tão firme na resposta que Barbara sente a garganta se fechando.

— Fale comigo. Comigo, Dick. Converse comigo! Eu sou sua melhor amiga. Desabafe, grite, eu não sei. Mas faça algo. – Se ela fosse só um pouco mais fraca, sentiria lágrimas rolando nos cantos do seu rosto. Barbs é forte o suficiente para elas só se acumularem nos seus olhos. Dick estava verdadeiramente bravo com ela. Não; ele estava magoado com ela. Raiva ela teria suportado. – Por favor.

Mais uma vez, ele não a responde. Sobe as escadas em silêncio enquanto ela permanece lá, olhando-o fechar a porta do motorhome. Ela poderia ficar ali por muitas horas. Dar uma desculpa para o pai e ficar ali – o que Dick faria? A expulsaria? Chamaria a polícia? Ela pagaria para vê-lo tentar. O esforço não valeria a pena. Ela o conhecia e, se ele estava magoado dessa forma, não mudaria em nada que ela continuasse parada ali. Quem acabaria de coração partido era ela, no final.

Antes que a última fresta desapareça, Barbs tem outra coisa na mão. As gotas de chuva continuam caindo nas telhas e, honestamente, o barulho é quase assustador. Mais algumas lágrimas se acumulam nas suas íris e na sua garganta quando ela aperta os dedos, piscando os olhos com energia.

Barbara não entendia quase nada de assuntos do espaço ou de aliens no geral. Sua vida já era movimentada de humanos o suficiente na má e velha Gotham; não era necessário nenhuma ajuda espacial. Mas ela entendia que alguém havia viajado no universo – ! – para muito além dali. E que esse alguém se preocupava com ele, assim como ela fazia.

— Você nunca foi egoísta – murmura, balançando o dispositivo alto o suficiente para ele ver. A fresta da porta continua a mesma. Ela pode ver a sombra dos sapatos dele. Um nó profundo se faz na sua garganta. Tinha se preparado tanto para quando Richard voltasse e ficasse bravo com tudo isso. Tinha mesmo. E agora ali estava ela, se sentindo perdida. – E algo me diz que ela não se importa se você é Robin ou não. Eu não me importo.  

Um calor delicado cobre os lábios de Dick de repente. Um gosto cítrico de frutas. Peso percorre suas pernas, contra seu quadril, e ele se lembra perfeitamente dessa sensação. Estelar. Star. O segundo beijo que ela tinha lhe dado – o primeiro que realmente valia. Tinha sido há apenas cinco dias atrás, e já parecia um ano inteiro.

Barbara achava errado. Quem mais se importava se ele era Robin ou não, era Estelar. Ela tinha o conhecido assim e ele havia se tornado seu ponto seguro num planeta novo – reconhecia isso como reconhecia a atração magnética deles e o fato de ter reprimido isso por tanto tempo. Então como encará-la e dizer que não havia mais Robin? Que não havia mais nada, praticamente. Richard sequer tinha uma vida longe da Torre? Ele tinha mesmo algum lugar para voltar, como ela tinha Tamaran? Era diferente com ele. Ravena, Garfield ou Vic não usavam máscaras. Não literais, pelo menos.

Como poderia? Não, ele não queria vê-la, não com a mente tão confusa. Não se fosse para atrapalhar a viagem dela e deixá-la preocupada com as coisas da Terra – pelo menos ela pensaria que Batman estava o mantendo ocupado, ou qualquer coisa do tipo. Mentiras doces podem ser melhores servidas que verdades amargas.

E então a porta se fecha num clique surdo, e a luz do motorhome já não reflete as centenas de sardas no rosto pálido e melancólico de Barbara Gordon.


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Notas finais do capítulo

Playlist da fanfic: https://open.spotify.com/user/12168464754/playlist/2zSDy4bV1MKVxR1eea2WLz

*desculpem os erros, eu não reviso*

Então......... Talvez eu tenha **alguma coisa** por Jason e Barbs KKKKKKKKKKK ai gente :( não me julguem. Como eu não gosto dela com o Dick, minha mente tenta achar um substituto kkk
Oq vcs acharam?? Foi interessante sair da primeira pessoa e escrever um pouco o lado da Barbara, tadinha dela kkk

Espero que tenham gostado ♥ por favor, é muito importante para mim saber que sim ou que não, então se puderem comentar tamo agradecendo né não hahaha

Até o próximo, que não vai demorar 1 mês, prometo ♥



Eu postei uma one no universo animado da DC, se alguém quiser ler: https://fanfiction.com.br/historia/753567/A_Namorada_Misteriosa_do_Grayson/ ♥



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