Lar escrita por MJthequeen


Capítulo 14
Richard


Notas iniciais do capítulo

Sim, eu sei, o capítulo tá hiper curto pros padrões hahaah o negócio é: eu escrevo até sentir que quero acabar o capítulo, ou seja, num ponto que seja interessante o suficiente pra vcs seguirem pro próximo, e posto. Às vezes isso é em 17k palavras. Outras vezes é só em 3k, não me matem ♥

Eu quero agradecer todos os leitores e dar boas vindas aos novos, que foram vários no Nyah e alguns no Spirit ♥ muito obrigada, pessoal. Vcs não sabem a diferença que fazem quando comentam ou favoritam ou colocam em suas bibliotecas ou marcam para acompanhar!! Eu fico muito feliz.

É isso, desculpem enrolar ;D ah, eu fiz uma Playlist das músicas que uso pra escrever, vou deixar o link das notas finais, caso alguém queira ler ouvindo!! Aproveita e descobre músicas novas pra mostrar pro/a crush :P

Boa noite, Gotham!

*o próximo cap vai ser maior, prometo*
*os horários e datas no capítulo serão fixos para os capítulos do Richard até a Kori chegar a Gotham. Depois eu vou decidir se vou continuar com isso ou não, é só pra vcs n se perderem*



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Lar

 

19 de Junho.

20hrs40min.

Nunca deixa de chover em Gotham. A água nunca deixa de escorrer pelos vidros embaçados das janelas. Mesmo no verão, é como se ela nunca secasse. Na verdade, Barbara pensa, dedilhando a ponta da mesa, a água seca, é claro que sim. Em algumas manhãs quentes, já não há garoa. Em algumas tardes frias, já não há tempestade. Infelizmente e mesmo assim, a imagem úmida nunca sai da cabeça dos cidadãos.

Nunca deixou de chover em Gotham.

Ela observa quando a última gota finalmente faz seu caminho até o final do vidro e não pode evitar morder o lábio inferior, cheio de batom. Ainda pode sentir os lábios dele contra a pele da sua testa. Ainda pode sentir o tecido da camiseta entre seus dedos.

Nunca deixa de chover em Gotham.

Seu celular vibra, mas ela não precisa pegá-lo para ter ideia de que é seu pai. Ele provavelmente decidiu que o horário de almoço com a filha não é assim tão importante e vai continuar no DPGC. Barbara não pode culpá-lo; a cidade é um caos e ele é o comissário. Não é nada além de justo e, quando ela se levanta da mesa, sabe disso. Ela sai do café evitando olhar qualquer pessoa. Evitando imaginar se eles acham que ela é atraente, feia. Se ela chama atenção com os fios grossos, volumosos em agradáveis ondas e ruivos. Está se perguntando como Dick está. Céus, Barbara ri de si mesma, abraçando-se à bolsa. Está até mesmo se perguntando como Jason está, e o menino é um imbecil. Um imbecil.

Nunca deixará de chover em Gotham.

21hrs00min

(...)

E, Deus, eu não sei de onde, ele aparece. Um garoto de olhos azuis como os meus, mas com um olhar que não me lembra em nada. Apesar de altura, a mesma que a minha, ele parece ser mais novo que Mutano. Contudo, seus ombros definidos na camiseta negra me mostram que ele deve estar morando aqui por algum tempo. Um arrepio corre pela minha espinha. Eu já o conheço de algum lugar.  

— Vem cá, legal te conhecer, sabe, oficialmente, mas se eu virar Robin, eu ganho a Torre a namorada no kit também? Não, espera ai, pode ficar com a Torre. Eu estou bem com a princesa ruiva.

Franzo o cenho, meu sangue fervendo. Meu olhar passa dele para Bruce, de volta para ele numa fúria incomum. Uma fúria que não sou capaz de reconhecer. O mais velho coloca a mão sobre o ombro de... de Jason e o aperta, um olhar desaprovador. Não tenho ideia de como minha expressão parece agora, mas devo estar pálido. Acho que não sinto meus sentidos fracos dessa forma desde que deixei a caverna. Desde que meus pais morreram.

— Jason. – A voz de Bruce soa, uma bronca. O garoto olha sério para ele, como se pedisse desculpas. Mesmo que eu o encare, não o vejo. É como se uma névoa cercasse meus olhos. Como se eu não estivesse ali.

Mas estou.

— Red X. – O nome sai da minha boca como um xingamento, um murmúrio. E então eu tiro os olhos de Todd e Bruce é claro como nunca sob meus olhos. Todo esse tempo, todo esse tempo que eu procurei por Red X... – Desde o começo, foi seu plano – é tudo o que consigo dizer. Minha mão direita se fecha em punho.

Bruce junta as sobrancelhas, mas sua expressão se suaviza logo depois.

— Dick, você entendeu erra...

Sem conseguir controlar essa raiva, eu soco a primeira coisa que vejo. É um carrinho de hospital, cheio de remédios e curativos que Alfred deve usar em Batman. O equipamento e seus utensílios caem no chão, rolam com a força, e o barulho agudo ecoa pela caverna. Posso ver um único frasco que se abriu, e o líquido escorre rapidamente pelo chão polido. Espalha-se como óleo. Eu me viro para Bruce.

— Todo esse tempo! DESDE A PORRA DO COMEÇO! Você esperou... Você perseguiu um erro meu – grito, do fundo dos meus pulmões, sentindo meu diafragma doer como se queimasse. – Você sabia que eu faria algo errado.  Você queria eu errasse, só para ter a maldita chance de esfregar isso na minha cara. Para provar que sem você eu não poderia ser porra nenhuma!

Minha cabeça está latejando. Meu corpo está dormente. Bruce tirou a mão do ombro de Jason, Red X, e seus olhos vagam para a bagunça no chão, logo depois para mim, assustadoramente sério.

— Jason não roubou o seu traje com minha autorização. – Sua voz é extremamente intensa no silêncio da caverna. – Mas se ele o fez, sua preocupação deveria ser como. E não por quê.

Eu levo minha mão até o rosto, cobrindo os olhos, tentando conter toda aquela dor no meio da minha testa. Tentando ignorá-lo. É quando sinto algo quente escorrendo pelo meu nariz, até minha boca. O gosto é de ferro. Eu não tenho disposição para olhar o corte na minha mão, ou para sentir a dor que deveria estar me agoniando. Eu só quero olhar para Bruce. Eu só queria saber se há alguma verdade na voz dele. Se algo que ele me disse, desde que cheguei, é verdade.

— Vai para o inferno, Bruce.

 

 

Meu celular, moletom e óculos estão em cima da minha cama, quando entro no quarto rapidamente, sem me preocupar em fechar a porta atrás de mim. Eu não penso em nada quando ando até a cômoda e pego minha bolsa, a mesma que trouxe, e enfio todas essas coisas lá. Jogo o papel úmido, sujo de vermelho, que usei para limpar o rosto, em algum lugar do chão. Minha carteira está na primeira gaveta da cômoda; tem uma quantidade boa o suficiente que tirei da minha parte da verba que os Titãs recebiam da Liga da Justiça – hm, dele. O uniforme que vim usando está na segunda gaveta e eu a abro rapidamente, também enfiando na bolsa, com as botas e junto do meu cinto. É bom que eu não tenha usado nada e não preciso reabastecê-lo antes de chegar a Jumpcity.

Todas as outras coisas ficam intocadas, do mesmo jeito que sempre estiveram. Os videogames que há tempos eu não toco. A televisão que sequer liguei. Meus sapatos, todas as minhas roupas de marca, todos os ternos e gravatas, não tenho coragem de tocá-los. Não sinto que nada disso realmente é meu. Minha mão arde e eu a encaro, deixando a bolsa de lado e me sentando na cama por um momento, para observar o corte. Pegou todos os meus três dedos, mas não é tão grande, só saiu muito sangue, que lentamente está secando. Suspiro e, ainda de mau humor, pego a gaze e enrolo rapidamente, sem me preocupar com nenhum antisséptico – não há tempo para isso. O que sobra do tecido eu enfio dentro da bolsa, também, com um sorriso amargo – que prejuízo isso poderia ser para um bilionário?

Eu poderia pedir um caminhão e despachar todos esses moveis para a Torre. É troco de pão para ele. Levanto-me, imaginando como vou voltar – será que deveria descer e pegar a moto? Ela é do Robin. E eu continuo sendo Robin, muito obrigado. Mesmo assim, não quero ter que descer e ter que vê-lo outra vez. Só por um momento, queria que Bruce, Batman, desaparecesse. Completamente.  Balanço a cabeça e puxo a carteira, que coloquei no bolso do jeans, dando uma olhada. O dinheiro é mais do que o suficiente para eu comprar uma passagem de avião. Eu poderia simplesmente ligar para Ravena e pedir que ela me teletransportasse, mas sei o quanto isso a deixa cansada. Volto a guarda a carteira, determinado a pedir um táxi até o aeroporto, e pego a bolsa, pendurando-a no ombro direito.

 Quando estou indo em direção a porta, vejo, através da minha visão periférica, algo em cima da cama. Franzo o cenho e volto alguns passos, pegando objeto com a mão – ele é pequeno como um celular, mas eu já tinha guardado o meu e também o T-Comunicador, então...

 Eu o giro entre meus dedos, soltando um longo suspiro. É o dispositivo da Estelar. Quero ligá-la e dizer que me arrependo de ter vindo. Que eu nunca deveria ter saído da Torre, exatamente como ela queria. Mordo o lábio inferior. E agora ela está tão longe... quando vai voltar para Jump? Quando vamos nos encontrar outra vez? Não posso evitar pensar que talvez seja bom que ela não esteja. Sei que minha mente ainda vai bagunçar os sentidos de Ravena. Sei que vou pensar sobre esse maldito assunto por muito tempo, ainda. Pelo menos não vou ver a fuça de Red X outra vez – está explicado por que ele roubava tecnologia das Empresas Wayne; poderia devolver quando quisesse. Então, talvez seja bom que Star não esteja na Torre quando eu chegar.

Sem pensar muito nisso, eu ligo o dispositivo e procuro o nome dela, tentando suavizar os traços de raiva no meu rosto, mas antes que eu possa ligá-la, ouço passos e olho imediatamente para a porta, a raiva voltando como uma onda grande e perigosa. Enfio o dispositivo na mochila e começo a andar, pensando em sumir antes que a pessoa apareça. Seja Bruce ou esse garoto Jason – não estou com raiva dele, a culpa é de Bruce – não quero falar com nenhum dos dois. Antes que eu chegue à porta, porém, a pessoa aparece.

— Indo tão cedo, Patrão Dick?

Suspiro. É Alfred. Pergunto-me o que ele acha de toda essa história de Bruce ter achado outro garoto, mas também não posso culpá-lo. Ele era o mordomo dele, afinal – não exatamente o meu, apesar das circunstâncias. Mesmo assim, minha boca se mantém em uma linha reta, enquanto ele me analisa; posso ler um pedido de desculpas em seus olhos. Eu aperto a alça da bolsa.

— Estou voltando para a Torre, Alfred. Nunca deveria ter saído de lá – digo, amargo. Minhas próximas palavras não são muito pensadas, mas é o que preciso dizer. – Depois de Novembro, vou... – Aperto os dedos, franzindo a boca. 11 de Novembro, o meu aniversário. – Vou anular a adoção – garanto, como uma promessa, e volto a andar, mas ele não se move um passo de frente da porta. Isso faz com que eu junte as sobrancelhas. Quando olho em seu rosto, está surpreso. Literalmente, chocado. Nunca vi essa expressão em Alfred, talvez nem quando Bruce decidiu que queria se fantasiar de morcego e caçar criminosos por ai. O choque some segundos depois, do mesmo jeito que apareceu, e agora ele só está sério. Sério, pensativo e no meu caminho.

— O Patrão Bruce tem maneiras... Incomuns de demonstrar que se importa, Patrão Dick.

Ah, não. Alfred não veio para defendê-lo, veio? Sinceramente, não sou obrigado a ouvir isso. Bruce procurou, achou um garoto e o treinou para roubar um traje meu – puramente para dizer que podia fazer isso, se quisesse. Puramente para me trazer aqui, meses depois, e mostrar que pode me substituir quando quiser. Que pode criar outro Robin, mesmo que essa criação seja minha.

— Eu cansei disso, Alfred. Cansei dele. Cansei do fato dele precisar ser superior em tudo que faz – estou convicto e tento não pensar no quanto me tornei parecido com toda essa descrição. Não. Ao contrário de Bruce, eu me importava com os Titãs como uma família, não como um simples time, como ele fazia com a LJ. – Cansei dessa cidade horrível – É tudo o que digo, e ando em direção à porta. Se Alfred não me deixar passar, irei tirá-lo da minha frente. Se não adiantar, duas estrelinhas e um giro duplo por cima da sua cabeça devem fazer o serviço. Eu riria do pensamento, se tivesse sobrado qualquer humor.

Prestes a ficar frente a frente com ele, sinto sua mão em meu peito, bem no meio. Franzo os lábios, olhando para o rosto já velho do mordomo.

— Eu pretendia guardar isso para o seu aniversário. Pensei que seria um bom presente – ele murmura, suas íris castanhas nunca saem das minhas. – Mestre Dick, eu não ousaria te dizer o que você deve fazer, mas o Sr está irritado essa noite. Magoado. Talvez... Existam maneiras melhores de lidar com o assunto. Digo para os dois – e suspira, tirando lentamente a mão do meu peito. Mesmo que seu tom seja compreensivo, continuo com a expressão irritada. Ela some, no entanto, quando percebo que havia algo debaixo da mão dele; eu olho para baixo, cenho franzido, e seguro antes que caia.

É um chaveiro e um pequeno papel dobrado. No chaveiro há três chaves, duas que parecem comuns, de porta, e uma última de carro. De carro...? Eu me lembro dessa chave de algum lugar. Eu me lembro de segurá-la em outro momento. Outro momento, tão distante... Minha boca seca e eu finalmente ergo o olhar para Alfred, surpreso. Antes que eu diga qualquer coisa, ele acena.

— Se existe outro jeito melhor de lidar com isso, tenho certeza que você vai encontrar. Todos temos fé no senhor, Patrão Dick – e Alfred se curva brevemente, um velho olhar de quem me conhece mais do que eu mesmo me conheço, o mesmo olhar que me deu quando eu fui embora da caverna pela primeira, e jurava que última, vez. Quando enfim some do quarto, ainda não sou capaz de dizer nada. Ou pensar nada.

Estou em branco. A chave ferve na minha mão, cheia de uma memória estranha, engraçada, que me enche de culpa de querer ir embora de Gotham antes de... Deus. Eu sou um idiota. Abro o papel para perceber que é um endereço e sei exatamente onde fica, na décima quarta rua em Burnley, um dos poucos bairros pacatos – lê-se: com menos atividade criminosa do que os outros – que esse lugar ainda tem. Balanço a cabeça e coloco tudo no meu bolso, junto da minha carteira. É hora de sair daqui.

Eu atravesso a porta e dou de cara com o corredor vazio. Os quadros de natureza morta, obviamente sem faces, parecem me observar. Os retratos me julgam, sobrancelhas arqueadas. O tapete escorrega minhas botas, como se entendesse me derrubar. Os vasos, os últimos que eu noto, parecem se perguntar quando a criança animada vai chutá-los e socá-los para que sejam substituídos sobre o olhar reprovador de Alfred. Inevitavelmente, mesmo com todo esse ódio, eu sorrio. A Mansão não tinha culpa. Tinham sidos bons anos, apesar de tudo. Eu conhecia cada parte dessa casa com meus pés e mãos. Eu tinha tido meu primeiro beijo aqui. Eu tinha treinado e me tornado forte aqui. Não é como se deixar tudo para trás fosse fácil. Nunca é.

Estou pensando nisso quando desço as escadas pela última vez. Posso ver a sombra de Alfred me esperando, provavelmente para abrir a grande e pesada porta. Do lado de fora a chuva reina em trovões, embora o som me seja extremamente convidativo. Quero sair – vou sair. Eu olho uma última vez para o mordomo, com certa vontade de abraçá-lo. Não o faço, porém; só me esforço para sorrir sobre a careta, agradecido pelo presente adiantado. Eu veria Alfred de novo, com toda certeza. Ele sorri de volta e se vira para a porta quando percebe minha ansiedade em ir embora, sua expressão outra vez transparente. Quando sua mão está prestes a puxar, eu percebo pelo movimento leve de seus dedos dentro da luva perfeitamente branca, uma voz nos interrompe.

— Dick.

Aperto minha mão enfaixada em punho, meus lábios juntos em uma linha reta. Alfred também parece surpreso e se vira antes de mim. Quando finalmente tomo coragem para fazê-lo, posso ver Bruce. O morcego em seu peito nunca foi tão detestável. Nem mesmo da última vez. De relance, subindo as escadas, consigo ver Jason. Agora que sei que ele é Red X, é estranho olhá-lo – ele é mais magro do que parece na roupa, ainda que seu corpo revele o treinamento que está tendo, de quem está tendo. Ele também para de subir, virando-se para trás com uma expressão curiosa.

Se Bruce quer pedir desculpas, eu não vou ouvi-las. Se quer dizer qualquer besteira para mim, não vou ouvi-lo. Se quer pedir que eu passe pelo menos a noite, falsa preocupação, eu não me importo.

— Bruce, eu não... – começo, voz irritada.

A capa, longa, pesada, escura em seus ombros são como asas fechadas. Seu rosto é fechado.

— Deixe o uniforme.

Seu tom é tão gelado e enfurecido que sinto minha boca secar. Um arrepio percorre minha espinha quando percebo que estou olhando Batman, não Bruce. O susto se converte em ódio logo depois. Ouço uma exclamação de Alfred, mas é tudo o que entra nos meus ouvidos. O resto é nebuloso e frio.  

— Você não pode...!

— Agora.

E ergue sua mão, como se esperasse. Se a ferida na minha já cicatrizou, ela não me deixa saber disso, pois arde e leva toda sua dor para o meu estômago, para o topo da minha testa, para meu olhar desacreditado. Filho da puta. Eu tiro a mochila do ombro num movimento só e, em silêncio, arremesso em sua direção – a última vez que estive tão bravo, Slade era o culpado. Isso parece pequeno agora.

Alguém normal não teria conseguido pegar a mochila. Teria, provavelmente, recebido o peso na cara e se desequilibrado. Ela nem sequer seria rápido o suficiente para saber que fui eu que joguei. Mas ele não é qualquer um. Ele é o Batman e segura a bolsa como se não passasse de uma bola de golfe lenta demais.

A última coisa que vejo antes de deixar a casa é o olhar arregalado de Jason Todd. Todo o resto é chuva, raiva, e lágrimas de ódio que se juntam no canto dos meus olhos.

 

 

Poucas coisas são piores do que as noites em Gotham City. Uma delas é ser a vítima da noite em Gotham City. A outra é ser o criminoso enquanto o batsinal está ligado. Ás vezes, mesmo quando ele se desliga.

A chuva faz seu caminho através do meu cabelo, grudado nas minhas bochechas, descendo pelo meu nariz até o queixo. Minha camiseta, antes branca, está transparente sobre meu tronco, os músculos tensos com o frio. A noite nunca foi tão escura, sem lua, sem estrelas, sem sinal nenhum. E eu estou sozinho, sozinho outra vez nessa rua sem iluminação – na minha frente, só um galpão relativamente pequeno para os padrões, fechado e com janelas pequenas e altas, nas laterais. Quando olho para a esquerda, o táxi já foi embora e, sem as luzes do carro, meu único aliado é o conhecimento que tenho da noite – é nossa amizade, que jurei estar perdida por dois anos. Posso lê-la como se faz com as linhas da mão e sua linha do destino nunca me pareceu tão curta e detestável.

Minha mão está trêmula, não sei se de frio ou de nervosismo, quando a enfio no bolso de trás do jeans e seguro o chaveiro, puxando-o com força. Me encaminho para a segunda porta do galpão, uma que é para pessoas e não para carros, e a tateio até encontrar a fechadura, onde encaixo a chave que cabe. Num click demorado, ela se abre e enfim posso entrar, deixando a tempestade do lado de fora, mas não a água. Quando puxo a porta lentamente até que se feche e giro a chave de novo, trancando-me do lado de dentro, sinto poças se formando sob minhas botas.

As luzes brancas se acendem numa respiração e eu levo o braço até os olhos, piscando para me acostumar com a luz – seis lâmpadas espalhadas pelo local vazio, paredes de um tom de amarelo envelhecido, um pouco de pó e sujeira até onde posso ver. E lá está, na lateral, o motivo para eu ter vindo aqui. O presente que não deveria, mas não pôde esperar até meus 18 anos.

Minha boca está entreaberta quando ando até lá, já acostumado com a iluminação, e ergo o braço para tocar, devagar demais, suas paredes de metal. É menor do que eu me lembrava e um sorriso agridoce percorre meus lábios. É claro. Eu também era menor, muito, naquela época. Qualquer coisa parecia grande. Meu pai parecia um escudo de aço. Minha mãe parecia uma amazona, o lugar onde eu poderia me segurar e chorar quando algo me chateava. Os braços deles eram sempre como âncoras – âncoras do ar. Eu ainda me lembro da sensação nos meus cabelos quando voava com eles. Nenhuma pistola de corda poderia chegar perto disso, nenhum desses prédios em Gotham.

Quem tinha me trazido a sensação mais próxima estava longe demais para ser chamada agora. Star era tão mais corajosa que eu. No instante que foi chamada para casa, mesmo que isso custasse sua felicidade pessoal, ela foi. Eu enrolei por dois anos para voltar para Gotham e agora, um dia depois, quero sangrá-la e ir embora. Estelar. Soco o metal com a mão não machucada, num suspiro.

É assim que percebo que estou encarando a porta do trailer dos meus pais, meu trailer, fechada e trancada há anos. Anos. Fazia anos que eles tinham ido embora, apesar de minha mente querer me convencer do contrário. Eu engulo a nostalgia e encaixo a segunda chave normal, abrindo-a com mais facilidade do que a do armazém.

Penso em encontrar a cozinha pequena, o cheiro da comida da minha mãe na ponta do nariz. A televisão estaria parada em algum canal infantil que eu não conseguia deixar de ver, talvez em um dos programas sobre alpinistas que meu pai não conseguia deixar de ver. Algum saco com besteiras do nosso lado, salgadinho e pipoca, mesmo que ela repetisse que já iríamos jantar. Ela sorri para meu pai quando ele a abraça pelas costas e beija sua bochecha, tentando distraí-la da reclamação – e, como mágica, eu penso, funciona. Mamãe sorri em silêncio sempre que meu pai a beija e não posso evitar pensar que o seu sorriso é o mais bonito do mundo. Que seus olhos azuis são os mais bonitos do mundo.

Quando a porta se abre, porém, a única coisa que eu sinto é o odor do tempo, do que ficou fechado por um período longo demais. Não sou capaz de subir e entrar, pois meu olhar fica preso na primeira parede que enxergo, iluminada somente pelas lâmpadas do galpão, sem brilho próprio. Colado nela, como uma placa irônica de boas vindas, está o pôster dos Graysons Voadores; eu e eles. Em colantes pretos, máscaras claras sobre nossas faces, o peito azul com asas que alcançam nossos ombros e nos fazem voar.

Meu corpo finalmente despenca, molhado e frio, quando caio de joelhos no chão escuro. Quando cubro o rosto com as duas mãos e me escondo desses fantasmas, o gosto salgado das minhas próprias lágrimas inibindo meus sentidos. Quando percebo que não estou usando uniforme nenhum e tudo o que tenho agora parece ser isso. Tudo o que tenho agora sou eu, Richard J. Grayson, e uma propaganda velha, que só cheira a luto.

Sem máscaras dessa vez. Nenhuma delas. 


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Notas finais do capítulo

A playlist (tem vários estilos, pq sou bem eclética, e músicas que eu uso pros caps da Kori e pros caps do Dick, então recomendo as primeiras pra ler o capítulo de hj, pq são mais tristinhas haha): https://open.spotify.com/user/12168464754/playlist/2zSDy4bV1MKVxR1eea2WLz

Não gosto de favoritar nenhum leitor pq sei que isso é chato, e acho que todas as formas de apoio contam (apesar de, cof, a gente gostar mais de comentários kk), mas eu queria agradecer a Unknown, que deixou uma recomendação no Nyah! Foi a minha primeira em muuuitos anos, então vcs n sabem como eu fiquei honrada kkkk Obrigada mesmo, mocinha ♥ um beijão pra vc.

Ah, eu finalmente, dps de muito tempo tentando, acabei de ler as hqs do Asa Noturna de 1996 hahaah eu evitei por muito tempo pq sei que ele fica com a Barbara lá, mas me arrependo, viu. É muuuito bom! E a Oráculo é ótima, apesar de eu não curtir o ship ainda (DickKori pra sempre ♥). O capítulo foi muito inspirando no Ano 1 do Asa, o link aqui (em inglês, n sei onde tem em PT =(): http://readcomiconline.to/Comic/Nightwing-1996/Issue-101?id=13035#1
Podem ler a hq a vontade, claro, essa foi minha única inspiração hahaha o resto q vai acontecer é loucura da minha cabeça kk



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