Lar escrita por MJthequeen


Capítulo 13
Estelar


Notas iniciais do capítulo

Oie, gente! Primeiramente, agradecer todos os comentários!!! Vcs são top, fiquei muuuuuuito feliz hahahaah tenho alguns pra responder ainda, em outras fics tbm kk, mas queria postar logooo ;D mais tarde já respondo rs queria postar antes do natal, né, vai que vcs viajam hahahah agr acho que só ano que vem capítulo novo :O
Enfim, algumas observações:

— Eu criei o hsuw'ws, esse celular Tamaraneano, e disse que ele funciona por digital, porém o Karras foi capaz de atender e apagar a chamada hahahah vamos deixar claro que só é preciso da digital para ligar para alguém, ok??? Atender todo mundo atende, tipo celular msm hahaha ninguém notou isso, mas já falando né, vai que :P

— Sim, Mar'i é o nome da filha do Dick com a Kori. Tem um motivo para eu ter escolhido esse nome para nossa Mar'i e não só inventado como fiz com a Delhel, por exemplo hahaha enfim.

— O Karras falou inglês com o Robin :O ninguém se perguntou onde ele aprendeu a língua, se não beijou a Kori?? rsrs (parece que só uma leitora notou isso :P)

Ah, e como muita gente me deu parabéns pela Unicamp: passei pra segunda fase da Fuvest, também!! Tô tão feliz gente haahahaha

É isso, gente!!! Observações sobre o capítulo nas notas finais ♥ muuuuuuuuito obrigada dnv pelo apoio, vcs são demais!! ;D



Boa Noite, Gotham!!!



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Lar

 

— Por quê?

Saton é tão pequeno quanto a lua da Terra. Vazio, é como um grande deserto marfim, sem plantas ou animais. Eu não tirei os olhos de Ravena nenhuma vez, mas só agora percebo as olheiras contornando seus olhos lilases. Não há duvida na sua voz; ela sabe a resposta, só quer ouvi-la de mim.

— Preciso encontrar o Robin.

Rae fecha os olhos, apertando-os com força. Ela leva a mão direita até a testa, tentando pensar. Posso ver uma pulseira negra em volta de seu pulso, 3 luzes acesas. Estreito os olhar; lembro-me dessa pulseira. Antes que eu possa perguntar sobre, ela abre os olhos e me encara, parecendo preocupada.

— Estelar, você... Olha, você ao menos sabe onde Gotham fica? — pergunta e sinto minhas bochechas corarem um pouco.

— O mapa do planeta Terra não funcionou por aqui, então eu pensei em simplesmente tentar abri-lo quando eu chegar ai... – explico, um pouco constrangida. Era meu melhor plano. – Mas não é assim tão longe, é? Eu tenho certeza que posso aguentar a viagem.

— Eu não duvido disso — Ravena sabe o quão resistente eu sou, todos eles sabem, mas talvez ela e Robin saibam um pouco mais. Ela se senta na cama. – Star, vai ser difícil encontrá-lo assim, Gotham é uma cidade muito grande.

— Não me importo. Se as câmeras dos jornais conseguem achá-lo, eu também posso. Nem que eu revire a cidade, Ravena. Nem que eu tenha que passar os dias por lá. – Ela parece conter um suspiro a cada palavra minha, mas eu me mantenho firme. – Não pense que sou frágil. Você me conhece melhor do que ninguém.

— Eu nunca duvidei da sua capacidade, não diga isso – ela murmura, um pouco ofendida, e eu perco meu olhar duro, desenhando um “desculpe” com os lábios. Dessa vez, Ravena suspira. – Eu só não... Star, eu não gosto de Gotham. A única vez que estive lá, eu não pude passar um dia inteiro. – Ela olha para algo além da câmera, pensativa. Volta a olhar para mim pouco depois. – Não é um lugar para você.

— Já esteve em Gotham? – pergunto, surpresa.

Ravena sorri sem humor.

— Onde você disse que estava?

— Saton. Um planeta desabitado, para conversar com você – respondo, vendo-a ficar séria.

— Não podia ficar em Tamaran para isso?

— Eu só... Eu sabia que tinha que pegar minhas coisas e ir – explico, massageando meu braço com uma das mãos. Ravena me olha compreensiva. Eu estava suando de ansiedade, meu peito e abdômen se apertando. Depois de ver a foto de Robin no jornal, eu não conseguia tirá-lo da minha mente.

— Por que ele é desabitado? – ela se movimenta pelo quarto enquanto fala comigo, passando os dedos no cabelo para arrumá-lo. Percebo-a saindo da cama.

— O ar é extremamente seco; se é que podemos chamar isso de ar. O gás da atmosfera é venenoso para muitas espécies, quando expostas por tempo demais. Muitos povos tentaram colonizar essa terra, o meu inclusive, mas o tamanho pequeno e o solo infértil não compensam o preço da tecnologia gasta para tal ato – sussurro, olhando mal humorada para o deserto. Quando me volto para o comunicador, Ravena está de cenho franzido.

— Quanto tempo pode aguentar ai? – Seus dedos estão próximos da beirada da tela; Ravena está digitando. Não consigo ver o fundo muito bem por estar escuro, mas estou certa de que ela se sentou na cadeira em frente à escrivaninha que tem no quarto.

— Cerca de... – eu olho para a hora no comunicador. – 30 minutos é o meu máximo.

— É o suficiente – ela murmura e parece sair da tela onde estava digitando. – Eu sei que você poderia achar sozinha, mas já te mandei a localização de Gotham. Quando você chegar à Terra, o seu GPS vai apontar o caminho.

Eu a olho agradecida.

— Obrigada, Rae.

— Agora, você pensou em algum jeito mais fácil de achar o Robin além de revirar esgotos e caçambas de lixo? – Ela parece se esforçar para ter o humor de sempre, embora algo na voz dela me diga que há algo de errado. A pulseira no pulso... Outra vez, estou constrangida e coço minha bochecha.

— Eu não sabia que Gotham era tão grande assim... – confesso.

Ela morde o lábio inferior.

— Existe uma coisa na cidade, se chama Batsinal. Se não me engano, é a polícia de Gotham que usa esse holofote com o emblema do morcego, que reflete no céu. É um jeito de chamá-lo – me explica cuidadosamente, para que eu entenda. – Pode ser visto da cidade toda. Se você segui-lo, tenho certeza que achará o Batman. Aparentemente, Robin sai com ele todas as noites ou boa parte delas. E eu duvido que os criminosos inteligentes fiquem por esse lado, justamente para não encontrá-los, então você ficará segura.

Eu aceno a cabeça, entendendo. Pergunto-me se o Robin tirou essa ideia do “T-coisas” do Batman. Parece que ele coloca Bat em tudo.

— Certo. Parece que não vai ser tão difícil assim, afinal – eu sorrio amarelo para ela e Rae ergue os cantos dos lábios para mim.

O sorriso se dissolve segundos depois. Vejo seu cenho se franzindo. Ela olha um canto no chão, só para não me encarar, percebo, e novamente o pulso com a pulseira está na visão da câmera. Ela rodeia com os dedos da outra mão pouco abaixo da pulseira, como se se coçasse para tirá-la. Odiando vê-la assim, tão nervosa, muito mais do que na última vez que nos falamos pelo comunicador, eu abro a boca para falar. É a voz de Rae que soa, porém.

— Sim, eu estive em Gotham. Na verdade, antes de encontrar vocês, eu estive em muitos lugares — me conta, olhando para um canto do quarto. Meu coração treme de assisti-la assim. Rae parece tão frágil. O que aconteceu? Não pode ser só eu ou Robin. É algo mais. – Foi como eu aprendi todas as línguas que eu sei. – Com isso, apesar de sua voz trêmula, nós sorrimos uma para a outra. Uma vez, durante conversas casuais, descobri que Ravena falava várias línguas e me curvei para beijá-la, inocentemente. Os meninos quase tiveram um ataque do coração. Rae, porém, me afastou com as bochechas coradas e me disse que o beijo significa outra coisa naquele planeta. Eu ainda não entendia muito bem isso e, talvez para me despistar, ela simplesmente falou que não seria útil que eu a beijasse; Robin falava exatamente as mesmas línguas, com diferença de uma, hebraico, mas que ela duvidava que um dia eu precisasse usar.

Ravena respira fundo e continua. Sua voz monótona me aquece; me deixa fria.

— Eu cresci sabendo que meu futuro estava decidido. Que no meu aniversário de 16 anos, meu pai viria atrás de mim, para me usar como receptáculo e destruir a Terra. É um dos poucos lugares onde ele não pode se manifestar por ele mesmo; precisou de um ritual para engravidar minha mãe e precisaria de mim, sua filha – nessa parte, sua voz não é tão triste quanto na primeira vez que me contara. Isso tinha passado. – Até que um dia, eu tive um sonho. Os monges não diziam, minha mãe não dizia, mas nenhum deles acreditou nele. Eu sonhei que eu conseguiria... Eu sonhei que me ajudariam a deter o meu pai – sussurra, me olhando. – Essas pessoas só poderiam estar na Terra, ninguém em Azarath tinha poder para deter o futuro catastrófico que me esperava. Já tinha sido demais para eles acolherem a mim e à minha mãe. Sem apoio, eu fugi com 14 anos – outra vez, o sorriso triste. – Minha mãe não me dizia muito sobre a Terra, ela ainda se arrependia amargamente do dia que decidiu participar de um ritual satânico. Então eu não soube o que esperar. Eu sabia que era um planeta, um planeta grande, com bilhões de pessoas, mas nunca imaginei que poderia ser tão... tão barulhento. As primeiras semanas foram um inferno.

— Felizmente, eu aprendi muitas coisas. Eu era dita como um fantasma pela grande maioria dos povos com quem tive contato, então, ao poucos, eu me acostumei com os sentimentos deles. Eu me escondi em muitos lugares, visitei milhares de bibliotecas. Acompanhei crianças e idosos. Eu senti, de verdade, a meia-humana em mim. Mais do que sentia o demônio. – Ela deixa de coçar o pulso. – Quando eu soube o que a Liga da Justiça era, pensei que seriam eles que me ajudariam. Foi quando eu fui parar em Gotham, em busca do Batman. Agora percebo que talvez eu devesse ter ido à Metropolis – ela ri de mau humor, balançando a cabeça negativamente. Mas seu rosto fica sério quando me encara, a primeira vez desde que começara a falar. – É uma cidade doente, Star. Eu não pude ficar por muito tempo, ela acordou coisas ruins em mim, coisas que eu adormeci por muito tempo. Foi pouco depois que eu parei em Jumpcity, ao mesmo tempo que você — outra vez, sorrimos uma para a outra. Tinham sido tempos difíceis para nós duas. – Ainda assim, eu não tive fé em nada. Quando meu aniversário finalmente chegou, eu não achei que seriamos capazes de deter meu pai; minha viagem não parecia ter sentido agora, eu tive medo de matar os únicos amigos que tive em mais de uma dúzia de anos. Vocês me provaram que eu estava errada.  – Quando me olha, porém, sua vista não reflete esse pensamento. Não há esperança nenhuma. – Não estou te falando tudo isso para te contar sobre minhas viagens ou vida, Star. Estou te contando para que você saiba como os Titãs são importantes para mim. Muito. Azar, eu agradeço todos os dias por ter conhecido vocês.  

Eu sorrio docemente, meus olhos lacrimejando.

— Eu te amo, Ravena. Juro que sim.

Ravena me olha arrependida. Ela leva as mãos até a lateral do rosto, como se tivesse feito algo de muito errado. Seus olhos parecem perdidos.

— Eu sei, eu sei que sim. Eu... Eu tenho que te pedir desculpas, Estelar. Acho que fiz tudo errado.

Junto minhas sobrancelhas.

— Rae? Não estou entendendo.

— Quando Robin disse que precisava ir para Gotham, eu o incentivei. Quando eu senti duvidas em você, eu lhe dei a ideia de voltar para Tamaran. Eu separei vocês dois. Os sentimentos de vocês... – Suas íris se enchem de lágrimas e toda a alegria por deixar Tamaran e voltar à Terra desaparece de mim . – Os sentimentos de vocês me deixaram tão confusa. Eu acreditei... Eu acreditei que estava aconselhando o melhor para vocês, mas agora eu duvido disso. Agora eu penso se não agi inconscientemente, se não os afastei de Jumpcity para fugir de vocês.

— Ravena...

As lágrimas correm por suas bochechas como rios. Parece que ela estava as segurando por muito tempo; eu nunca a vi chorando. Uma única vez, depois de seu aniversário, vi resquícios em seus olhos vermelhos. Nada mais do que isso.

— E agora, Estelar, Azar, eu estou tendo sonhos. Eu sonho que os Titãs se separam. E a culpa é minha. Eu sinto que a culpa é minha. Mutano disse que a culpa é minha. Eu tento fugir disso, mas não consigo – finalmente, ela cobre o rosto com as mãos, chorando entre os dedos. Eu encaro a pulseira. Foi por isso que ela a colocou. “Mutano disse”, ela falou.

— Ravena. Não. – eu murmuro, sentindo minhas próprias lágrimas nos cantos dos meus olhos. Ela não me olha, mas não há mais nenhum som saindo de sua boca. Eu respiro fundo, observando seus dedos finos e longos, as unhas quase transparentes. – X’hal, não. Eu não aceito ouvir isso de você. Você é minha melhor amiga, você é como uma irmã para Robin. Você não nos separou, você só nos mostrou que há coisas das quais não podemos fugir. Eu precisava voltar para Tamaran; mesmo se você não tivesse me dito nada, eu viria de qualquer maneira. Robin estava tão... tão desesperado para estar em Gotham, que nos esqueceu e nos ignorou. Nada disso é culpa sua. – Tento dizer, entre lágrimas que chegam ao meu nariz. Estou me sentindo tão pesada. Minha voz fica repentinamente brava. – Se eu não tivesse vindo para Tamaran, eu não teria ideia de como amo vocês! X’hal, eu deixei um planeta inteiro por vocês. Não é só pelo Robin, eu juro que não é. E se ele... Se ele não voltar... – minha voz fica cada vez mais trêmula. Ravena permanece parada, sem me olhar. Só posso ver suas mãos, o cabelo caindo pelos pulsos, quase fundindo-a em negro. – Se ele não voltar, que assim seja. Nós ainda somos os Titãs. – E minhas lágrimas param. Ravena desliza as mãos lentamente pelo rosto, revelando de uma vez suas íris redondas, amêndoas, as pupilas dilatadas brilhando na pouca iluminação do comunicador, agora provavelmente apoiado em algum lugar. Ela olha fundo nos meus olhos, expectativa e arrependimento crus, e eu seco as lágrimas com a mão livre, séria. – Estou indo para a Torre.

 — Não precisa. – A voz surge abafada, do outro lado do quarto, e Ravena se vira assustada. Eu também tento olhar, surpresa. Finalmente, um pouco de luz. A porta do quarto dela, na direção do ombro, foi aberta. Só posso ver uma sombra, mas a voz é irreconhecível. – Você precisa ir para Gotham. Atrás do Robin.

A voz de Mutano parece definitivamente mais adulta. Ele tinha agido estranho por vários dias quando liguei, já não bem humorado como sempre. Eu olho a sombra esverdeada, vestindo moletom e camiseta, com uma cara um pouco feia. Duvido que ele possa me ver muito bem, por causa da distância do comunicador, mas ainda assim. Meus olhos já estão ardendo um pouco por causa do choro recente.

— Amigos não culpam os outros dessa forma. Eu não sei por que você disse essa besteira para Ravena, Mutano, mas você...

— Eu sei. Eu vim pedir desculpas.

O arrependimento dele, que vem do fundo da garganta, me desarma. Ele está olhando para Ravena tão diretamente que eu gostaria  de ver o que os olhos dela têm para dizer agora. Rae move a cabeça de forma que fique de perfil para mim, o cabelo caindo nas laterais do rosto. Num segundo, leva as mãos até o rosto e limpa qualquer resquício de lágrima das bochechas pálidos. Ao mesmo tempo, vejo Mutano entrando no quarto, mas a porta não se fecha atrás dele. Ele alcança a cômoda roxa-escura, como madeira velha, que Rae tem no quarto, bem ao lado da porta. Parece procurar algo, mas não tenho mais tempo de prestar atenção, ela está me olhando.

— Não está... Não está com raiva de mim? Mesmo eu dizendo que o incentivei a ir... – murmura, parecendo tão perdida. Eu movo a cabeça.

— Oh, Rae, não, não. Como eu poderia? Vocês já me disseram um milhão de vocês sobre a conexão que têm, se você o disse para ir para Gotham, deve ser tudo o que a mente dele gritou para você. Você só quer o melhor para nós – digo, firme. – Robin não é uma criança. 

Ela me encara, perdida, mexe a cabeça, coloca uma mecha do cabelo para trás da orelha.

— Azar, Kori – murmura, mas finalmente vejo uma ponta de felicidade. Verdadeira felicidade, como alívio. Isso me faz sorrir. Ela me chamar pelo meu nome de batismo me faz sorrir.

Antes que qualquer uma de nós possa dizer mais alguma coisa, ouvimos um leve “click”, mais abafado para mim do que deve ser para ela, e as luzes vermelhas acessas em sua pulseira se apagam. Ravena fecha os olhos com força, juntando as sobrancelhas, e eu olho para além do seu ombro. Mutano tem uma espécie de controle negro na mão e a encara como... um cachorrinho. A comparação é péssima, porém é o único jeito que encontro para descrever seu rosto culpado na direção da minha amiga.

Outra vez, Rae leva os dedos até a testa, perto da sua joia, do seu ajnã, como se estivesse com dor de cabeça. Eu e BB esperamos cuidadosamente, em silêncio. Como eu pensei, era uma pulseira inibidora, as mesmas que usamos no treinamento. Ravena a colocou, a ligou, desligou seus poderes... Olho com raiva para Mutano.

— Não pense que é só pedir desculpas e tudo fica bem! – acuso, irritada, sem conseguir me controlar. – Você tem poderes também, Mutano, imagina se um de nós te dissesse que não pode mais virar um animal? Isso é... – olho em volta, procurando a palavra. – Cruel. Selvagem. Sinceramente, são as traduções mais leves que eu posso pensar. – Mutano está me olhando com as sobrancelhas caídas. X’hal. Eu abaixo um pouco o tom de voz, já não tão brava. É quase impossível quando ele te olha assim. – Não sei o que vocês disseram um ao outro, mas nada justifica isso – murmuro, por fim, esperando que a bronca seja o suficiente. Geralmente quem dá broncas assim é Robin, ou a própria Ravena. Na falta dos dois, eu tento o meu melhor; mas, honestamente, sou péssima nisso.

A mão que segura o controle o aperta mais forte; se eu estivesse lá, com certeza veria a pele verde em tons mais claros. Respiro fundo quando BB fecha os olhos sob minhas palavras e, quando percebo, o controle virou pó em sua mão, agora de gorila. 

— Eu sei. Eu sou um idiota. – Ele joga o pó sobre a cômoda dela, suspirando quando o vê se acumular.

Finalmente, Rae abre os olhos. Ela parece ignorar a presença de Mutano e me encara, séria.

— Star. Meu sonho...

— Com todo o respeito, amiga, mas você é uma empata. Não uma vidente – digo, tentando sorrir. Ravena abre a boca, mas a fecha logo depois, suspiro. – Se você vê os Titãs se separando...

— Eu o vejo indo embora. O Robin. – Sua voz é confusa, um pouco perdida. Meu quinto estômago se revira. Ela me olha, ao mesmo tempo em que Mutano olha para ela, preocupado. Ela olha para o chão, não parecendo convencida de algo. – Mas talvez você tenha razão. Sonhos são... sonhos. E com tudo o que está acontecendo... – sua voz baixa e rouca morre num suspiro.

Eu cravo as unhas na palma da mão.

— Eu o trarei, Ravena. Nem que seja pela última vez. Ele me deve uma explicação. Nos deve.

Nós nos encaramos em silêncio, sérias. Finalmente, vejo o rosto da minha melhor amiga voltando à mesma expressão de sempre, mas há fé nos seus olhos. Fé em mim.

— Acredito em você.

Eu aceno e olho para Mutano.

— Vão ficar bem?

Pela primeira vez desde que a pulseira foi desativada, Rae olha para trás, para BB, que a encara por poucos segundos, antes de se virar para mim.

— Vamos, Star — garante ele. – Me desculpe.

— Quem precisa te desculpar é a Ravena, Mutano – digo-o, ainda pensando na pulseira. Provavelmente não foi ele quem colocou nela, mas a estimulou de alguma forma. Ele me encara ainda arrependido, mas eu não recuo na minha expressão fechada. BB morde o lábio inferior e parece pensar em algo, mas Rae é mais rápida.

— Estelar, seus 30 minutos – Ravena me lembra e eu percebo que falta menos de 2 antes que eu comece a tossir e ficar fraca. Toda essa agitação fez com que eu perdesse noção do tempo ou do ar poluído que estou cheirando.

— Nos avise quando chegar a Gotham – Mutano pede, percebendo que eu preciso desligar. Sinto falta do garoto que ficava nervoso só de pensar em Batman. Seja lá o que ele e Ravena discutiram, não fez bem a ninguém. Mas ficarão; eu também acredito neles. 

E eu aceno com a cabeça pela última vez.

 

 

As joias em Tamaran não são as mesmas que as joias da Terra. Não temos coisas como anéis ou colares ou brincos de ouro – temos, sim, acessórios, mas eles carregam uma importância festiva. O que chamamos de joias, a tradução literal dessa palavra, são as pedras preciosas que temos em nossos trajes. Cada uma delas diz algo sobre nós – faz com que nos reconhecemos.

Eu, papai e Ryan tínhamos joias verdes. Da cor dos meus olhos. Dos olhos de papai. Dos olhos de Ryan. É uma cor importante para nós – a cor do Fogo. A cor das folhas das imensas florestas onde fui criada. Antes de Komand’r queimá-las até que se tornassem negras, quando foi curada, as suas também eram verdes, apesar de ela não ter nossos olhos.

As de mamãe, porém, nunca foram. Ela não era uma Princesa quando se casou com meu pai, apesar de também ter sido criada próxima da corte. Muito antes de temos nascido, quando ela não pensava que seria uma mãe ainda, quando ela era só a filha de um general, Gordanianos tentaram, pela décima vez, invadir Tamaran. Mamãe foi uma mulher que, sozinha, com as próprias mãos, matou mais de 100 soldados. Sem Fogo. Sem realmente amar alguém, senão a própria pátria. Foi como meu pai se apaixonou por ela, apesar de não ter sido sua intenção inicial.  O presente de casamento dele foram joias... Pedras vermelhas. Vermelhas como sangue Gordaniano.

É nisso que estou pensando quando a Terra finalmente pode ser vista na imensidão negra do universo. Cada joia nesse traje foi um presente de meu pai – não para uma princesa, mas para uma rainha. Três circundam meu protetor de pescoço. Duas, uma em cada pulso, nos meus protetor de pulso, que mal chegam aos meus cotovelos.  Seis, três em cada coxa, ficam nas minhas longas e grossas botas de combate, que param um palmo acima do meu joelho. Uma, a mais chamativa, está bem abaixo do meu umbigo, próximo à minha pélvis.

Nesse momento, quando passo ao lado da quase imóvel e gigantescas Torre de Vigilância, que parece conseguir me observar e todos na Terra, me sinto confiante. Segura. É a roupa perfeita. Certamente não é a roupa que Ravena gostaria de me ver vestida, eu sei que ela não defende muitas partes do meu corpo – na verdade, poucas. Mas é a roupa que eu deveria estar vestida agora. É a que me diz, e que vai dizê-los, de uma vez por todas, que eu não sou desse mundo.

Nem gostaria de ser.

Sem Tamaran, sem Galfore, sem Koma, sem meus pais, meus amados pais e irmãos, sem os Lordes de Okaara, eu não seria quem sou hoje.

Talvez eu ame a Terra por não ser parte dela. Talvez eu ame todas as coisas que me são tão estranhas e que me enchem de curiosidade. Se eu fosse daqui, se eu fosse uma civil comum, eu acordaria todos os dias agradecendo a esse Deus por ter me dado a chance de fazer parte de um time onde eu realmente me sinto útil, e não usada como em Tamaran? Sem as coisas ruins de Tamaran, eu não saberia o que me agrada na Terra e por que anseio tanto voltar para ela. Teria conhecido Ravena? Mutano? Ciborgue? Eles teriam feito parte da minha vida, de alguma forma?

Eu conheceria o Robin? Eu teria qualquer chance de saber quem é o Robin? Ou eu veria seus olhos azuis na cidade e pensaria que são olhos azuis comuns? Eu teria beijado aqueles lábios de forma romântica, alguma vez na vida? Richard. Eu encaro o globo azul celeste, as nuvens brancas cobrindo os oceanos, a terra verde e marrom. É só um segundo, para eu localizar os Estados Unidos.  

E, finalmente, do mesmo jeito que eu sai, eu entro na atmosfera terrestre como um asteroide, meu corpo em queda livre, quente como se eu mergulhasse em vulcão ativo. Meus braços estão esticados ao lado do corpo e eu tento resistir ao impacto da velocidade; Tamaran é menor do que a Terra, o que faz da aterrissagem muito mais complicada. Eu não tinha aberto uma cratera no chão na primeira vez que vim só por que estava desorientada. Meus olhos se adaptam à iluminação, conforme percebo que estou rápida demais. Eu desacelero e levo todo meu corpo para trás, contra a gravidade e, como num carro que foi freado às pressas, eu paro imediatamente e sou jogada para cima por causa da minha própria força.

Meu corpo parece finalmente se realocar à nova atmosfera e eu respiro fundo o ar salgado, olhos fechados. Sinto o vento nos meus cabelos. Meu corpo voltando à temperatura normal; o sol que acabei de tomar parecendo finalmente entrar nas minhas veias como medicação. Eu quase posso senti-lo subindo e descendo pelas minhas veias, o sol, como se meu coração o bombeasse. Estou flutuando. Provando o sol. Bendito sol. Vegas é maravilhosa, de certo, mas há algo sobre esse astro... Não posso evitar abrir um sorriso e os olhos.

Há um pequeno pedaço de terra, longe, e todo o resto é mar escuro por causa da noite. Estou à poucos centímetros da água e percebo que produzi grandes ondas que se espalham como se uma pedra tivesse sido jogada onde estou. Mordo o lábio inferior, olhando para o pedaço distante de terra. Estou aqui. Finalmente, estou aqui. Antes de fazer qualquer coisa, sinto meu comunicador vibrar na bolsa, que deixei nos ombros, como fazem com as mochilas aqui. Na verdade ela é mais parecida com um saco, que eu puxo a corda e se abre.

Tiro o comunicador rapidamente e o ligo. 

 00hrs42min, 25 de agosto. Suspiro para a data, dando uma olhada na notificação, que fez com que o dispositivo vibrasse.  Como Ravena tinha avisado, meu T-comunicador abriu automaticamente um mapa que mostra minha localização atual, um ponto azul, e Gotham City, para onde quero ir, um ponto vermelho a duas horas de carro. Não estou em Jump, apesar de também ser uma cidade perto da costa. Guardo o comunicador sem avisar Ravena que já cheguei; ela precisa dormir.

É hora de ir. Calculo rapidamente a velocidade que posso fazer acima das nuvens e sei que posso reduzir as duas horas à míseros 20 minutos. Talvez menos, mas é o mais apropriado para o tanto de energia que tenho agora – se algo der errado e eu precisar lutar, preciso estar pronta. Quando estou prestes a ir, meu comunicador toca de novo. Franzo o cenho, um pouco irritada, já levantando voo, mas sem estar na velocidade apropriada. Vou me aproximando da terra, já acima das nuvens, ao mesmo tempo que o pego mais uma vez. Deve ser Rae. Quando olho na tela, porém, é uma chamada de Ciborgue. Essa hora? Eu atendo.

 — Star? Tudo bem? Eu recebi uma notificação de que você está na Terra. – Ciborgue, ao contrário das outras pessoas, nunca parece sonolento, pois não precisa dormir. Só precisa carregar suas baterias. A cama no quarto, ele me disse uma vez, era mais decorativa do que tudo; ele a usava raramente, quando queria fazer alguma atividade deitado. 

— Uma notificação? – pergunto, um pouco surpresa, acelerando o máximo que posso sem dificultar nossa comunicação. – Ah, e boa noite, amigo Ciborgue. Sim, estou na Terra – completo rapidamente, tentando sorrir. Infelizmente, tenho muito na cabeça. Não sei nem o que pensar sobre Robin mais. Estou preocupado com Rae. Imaginando se essa hora Galfore já anunciou para todos a busca por Ryand’r; pedi que Karras me mandasse uma mensagem assim que acontecesse. X’hal.

Ciborgue pisca e me olha preocupado.

— Cristo, Star, você deveria ter avisado. Tô feliz, mas a gente poderia ter te preparado uma recepção. Vou acordar a Ravena; você vai demorar para chegar? – ele fala rápido e percebo que já está saindo da sua “cama”; uma espécie de cama de metal supertecnológica que ele usa para carregar a energia. – E desculpe, eu não estou te espionando nem nada. Só que quando arrumei seu comunicador para funcionar em Tamaran, programei o sistema com memórias minhas dos sinais que tínhamos quando estávamos lá. Então quando você entrar em outra atmosfera, eu automaticamente sei por questões de funcionamento. — Cy sorri amarelo, como se pedisse desculpas.

Sinceramente, não ligo para isso. Não é como se eu precisasse esconder as coisas que faço, de qualquer maneira.

— Não tem problema. Eu também estou feliz por estar aqui, mas infelizmente não estou indo para a Torre, Cy, não agora – começo, mordendo o lábio inferior para a imagem do rosto dele. Estou conectada em seu braço. Ele me olha esquisito, arqueando a sobrancelha. Sei que não vai gostar do que vai ouvir. – Vou para Gotham.

— O quê?! – Bem, eu imaginava que a reação seria essa. Não era a cidade mais perigosa dos Estados Unidos, como Mutano tinha me explicado, por nada. Aparentemente, ninguém gostava desse lugar. O que tinha lá para Robin, então? – Star, você tem que estar brincando. Droga, eu sabia que te mandar aqueles jornais não ia ser uma boa... – Ele massageia a parte humana, respirando fundo e parecendo pensar. A conclusão chega logo e ele tira rapidamente a mão do rosto e me olha. – Me passa sua localização. Eu vou com você. – E está muito sério.

É engraçado como nem Ravena, nem ele, tentaram me fazer desistir. Eles sabem o quanto me importo com Robin. Eles sabem como isso é importante para mim.

— Não, Ciborgue. Não é necessário. Quero ir sozinha – murmuro, tão séria quanto ele. Cy abre a boca para falar algo e eu o interrompo. – Eu não preciso mentir para você, para nenhum de vocês. É pessoal. Robin me prometeu que não abandonaria os Titãs, Ciborgue. Se é o que ele quer fazer, ao menos quero ouvir de sua boca – Abandonar os Titãs. X’hal. Não parece real. Parece que não sou eu quem está falando isso com tanta calma e seriedade. Karras certamente me ensinou alguma coisa; a não surtar. É exatamente o que quero fazer agora, mas não posso. Simplesmente não posso.

Ciborgue parece refletir tristemente sobre o que falei. Fico imaginando se ele sabe sobre Rae ou Mutano, mas algo me diz que não. Ele suspira.

— Eu não acho que o Robin vá nos abandonar – me garante, como uma promessa, e eu desvio o olhar do comunicador. – Às vezes... Pais são muito difíceis, Star. – Ele me olha como se tivesse grande experiência com isso e não o questiono; Cy nunca fala de sua família, assim como Mutano. – Você não pode mesmo estar achando isso.

— Talvez não – murmuro, confusa. Pisco logo depois. – Mas está afetando a todos nós, Cy. Tenho certeza que, apesar de tudo, Abelha e Aqualad gostariam de voltar para casa, ou de uma explicação do Robin para estarem aí. Eu tenho certeza que eles gostam de nos ajudar, mas mesmo assim... Ravena e Mutano... – me calo, num suspiro. Estou falando demais.

— Então você percebeu – Ciborgue crispa os lábios. – Sim, tem algo incomodando a Ravena, mas deve ser sobre nós, Star. Ela sofre com nosso sofrimento e Mutano... – ele bufa, parecendo se lembrar de algo. Arqueio a sobrancelha. – Nada. – Balança a cabeça, claramente não quer me contar o que é. Talvez o motivo da briga? Resolvo não insistir nisso.

— Você também. Não me pareceu que você gostou da atividade de líder... – murmuro, com medo de dizer algo errado. Todas as conversas que tivemos pelo comunicador, todos os Titãs juntos, eu sentia que eles estavam mentindo para mim. Eu não sou assim tão inocente, X’hal. Sabia que havia algo de errado com Mutano e Rae, e veja só.

Cy parece perdido em pensamentos, como se pensasse o que deveria me dizer. Sabe que não estou errada.

— Não estou dizendo que você não deve ir atrás dele. Só estou dizendo que não deveria fazer isso sozinha – abro a boca para dizer que é o que preciso fazer, mais uma vez, mas Cy me interrompe – Star, Robin ficaria bravo de ter sozinha lá – ele apela, e eu fecho a boca. – Olha, se você não quer que eu vá, tudo bem. Mas fale com a Ravena. A Abelha, talvez. Tenho certeza que podemos ligar para o Kidflash e ele vai estar ai, literalmente, em um minuto.

Eu desvio o olhar. O mapa está pequeno agora, do lado da imagem quadrada do Ciborgue, mas posso ver o ponto azul, eu, se movendo cada vez mais rápido.

Sem olhar para Cy, eu respondo.

— Já tomei minha decisão. Eu agradeço a preocupação, Cy, do fundo do coração, mas já decidi.

Ele não responde e eu não o olho, sabendo que tudo o que ele pode ver agora é meu pescoço, queixo e cabelo. É isso. Não quero ser grossa, mas eu preciso ver o Robin sozinha. Preciso de explicações que ele só pode dar para mim, mesmo por causa de sua identidade secreta. Coisas que ele só pode me contar, por que só eu o beijei. Vou arrancar aquelas máscara do seu rosto e não quero que mais ninguém, X’hal, mais ninguém esteja por perto.

Quando acho que Cy vai desligar, já que estou sem coragem, ouço sua respiração.

— Tudo bem. Eu entendi – ele murmura, e há quase um tom de desculpas. Isso me faz olhá-lo. – Olha, acho que posso ajudar de outro jeito. Você tem certeza que vai encontrá-lo hoje? Gotham é grande, Star. Até onde eu sei, Batman não anda por ai com um sinalizador.

Eu não tinha pensado nisso, na verdade. Parece meio obvio que vou encontrá-lo hoje.

— Tenho certeza que posso encontrá-lo ainda hoje. Se e chegar lá na hora prevista, ainda tenho até o amanhecer, não é? Eles agem de noite – digo, tentando me lembrar de tudo o que tinha absorvido sobre Batman e Robin até agora. Isso explica por que Dick sempre dormia tarde. Ele estava acostumado com o horário noturno.

— Olha, se mandássemos uma mensagem para Robin, dizendo que vai encontrá-lo lá, vocês podiam marcar um enc...

— Sem avisá-lo – corto na hora, fechando o rosto e olhando brava para Ciborgue. Não, nem pensar. Isso daria tempo para ele pensar em jeitos de me despistar, com certeza faria isso. Eu quero a verdade. Cy parece chateado.

— Mas...

— Sem. Avisá-lo. – digo, até deixando de voar. Cy suspira e parece constrangido e mau humorado.

— Certo, certo, foi mal. – Percebo que ele não sugerir de novo e volto a voar. – Mas a minha ajuda era outra, na verdade. Você está sem dinheiro humano, lembra-se? Transferir agora seria difícil, já que você não sabe operar um caixa eletrônico... – Cy faz uma careta e minhas bochechas ficam vermelhas. É, talvez eu me lembre de um episódio onde Robin tentou me ensinar à usar essas máquinas que cospem dinheiro, mas talvez eu tenha entendido tudo errado e explodido o caixa... – Meu pai é um cientista, Star, e a empresa onde ele trabalha tem um vínculo com outra chamada Wayne Tech. A sede deles fica justamente em Gotham, então meu pai acabou ganhando um apartamento quando perceberam que ele precisava viajar demais de uma cidade para a outra, a trabalho – conta, sem me dar detalhes demais do seu pai ou de onde ele trabalha. Eu ouço tudo atentamente. – Eu tenho uma cópia da chave.  Não tem como eu te dar, mas você com certeza poderia abrir ou quebrar uma janela e ficar por lá, se precisar. É um lugar ok, você não vai poder ligar os eletrônicos, mas deve ter comida nos armários e se não se movimentar muito, ninguém vai te perceber. Pelo menos para dormir ou descansar, se for preciso. 

Eu deixo de voar e o encaro, agradecida.

— Eu não quero incomodar, Ciborgue. É o apartamento do seu pai...

— Ele não vai precisar ir por pelo menos uma semana, tenho certeza. Se você danificar algo por lá, eu converso com ele – garante, parecendo despreocupado. – Na verdade, se você quiser danificar algo lá, eu ficaria até agradecido... – brinca, mas parece ser aquilo que Mutano disse se chamar “humor negro”.

Mordo o lábio inferior. Na verdade, isso seria bom. Eu posso passar muitas horas sem dormir, mas se eu precisar descansar ou fazer uma pausa, é melhor que fosse em algum lugar da cidade do que ter que voar até um ponto distante. Economizaria meu tempo.

— Bem... Eu ficaria feliz, na verdade. Muito obrigada, Cy! – digo, sorrindo. Ele sorri de volta, ainda parecendo preocupado.

— Ótimo. Estou te enviando as coordenadas do prédio, o apartamento fica no décimo andar, o último; tenta entrar pela janela vermelha, entre duas brancas – explica e eu balanço a cabeça, assistindo-o digitar próximo de onde eu devo estar. – E Estelar, cuidado. Gotham é perigosa, não confie em ninguém, nem na polícia. Se você precisar de algo, nos diga. Eu sei que a Rae poderia nos transportar rapidamente, então vamos parar ai em um minuto se for preciso. – Continua, me dando uma série de instruções como um K’norfka preocupado. Acho que esse é o momento em que Mutano reviraria os olhos, braços cruzados, e diria “Tá bom, pai”. Eu continuo agradecendo e concordando. – Star?

— Sim, Cy?

 Vê se chuta a bunda dele. Por mim.

 

Voando acima das nuvens, há poucas coisas que podem te incomodar. O máximo que tenho que fazer, às vezes, é ficar de olho se algum avião se aproxima. Eu saio da rota deles quando isso acontece, tomando cuidado para ser rápida o suficiente. Infelizmente, nem em Tamaran, muito menos na Terra, é possível viver tão longe da superfície. É sempre preciso voltar, por mais que eu queira ficar em cima. O que me avisa que o momento infortúnio chegou é a ponto azul, magicamente se transformando em roxo no meu comunicador. Estou onde é preciso estar.

Enquanto desço, evito olhar para baixo. Evito passar por dentro de uma nuvem e me molhar; não escapo da chuva por muito tempo, porém. Finalmente abro os olhos, assistindo ao que me espera, ao mesmo tempo em que sinto meu cabelo se encharcando, a água descendo por minha barriga e umbigos nus, brincando no espaço entre meus seios, descendo pelos menos dedos como rios, se acumulando no topo da minha bota, que não deixa que meu pé se molhe.

Gotham é um extenso e profundo véu negro, feito de metal e pedra. Um véu cheio de luzes, brilhos, fumaça. Da altura que estou, pouco acima do maior prédio que vejo – um grande edifício comercial onde um “W” se desenha intimidador - posso ouvir o barulho dos carros, indo de um lado para o outro. Posso sentir o calor da poluição, apesar do frio da chuva. Nada disso é capaz de me afetar. A água escura do mar serpenteia a cidade enquanto a observo. Procuro uma razão para Dick gostar desse lugar; uma só seria o suficiente. Não é um lugar vistoso, talvez impressionante por causa da altura e do contraste de prédios novos, moderno, entre os moribundos, mas nada além disso.

Minha atenção é chamada quando ouço um barulho já conhecido de helicóptero. Junto as sobrancelhas, isso não pode ser bom. Não posso ser vista assim. Sem pensar muito, eu mergulho e, num segundo, estou firme no chão. Tive a decência de cair próximo a um beco escuro que, honestamente, não tem o cheiro mais agradável do mundo.

Aqui debaixo, a cidade parece ainda maior. Os prédios se erguem ao fundo, mesmo que os daqui estejam quase caindo aos pedaços. Vejo um ou outro carro passando rapidamente, a chuva não parece importar para eles. Eu me escoro na parede, usando tudo o que aprendi em Okaara e com Robin sobre não chamar atenção, tentando me esconder entre as sombras, mesmo que meus olhos brilhantes deixem a missão um pouco mais difícil. O chão é sujo e molhado, tenho certeza que estou numa área pobre. Vejo pessoas, poucas, passando sozinhas. A maioria é homem e veste casacos pesados – deve estar muito frio. Do outro lado da calçada posso ver uma fogueira acessa num lixo, que uma moradora de rua tentar usar para se aquecer; ela cobre o fogo com pedaços de papelão.

Engulo em seco. Ravena e Cy tinham me avisado que Gotham não era nada parecido com Jump – não que Jump não tivesse distritos pobres, toda cidade têm, aparentemente, mas eles pareciam menos ameaçadores que esses. O beco quase cheira à morte. Perigo. Estou toda alerta quando pego meu comunicador que vibra levemente na minha bolsa. Algo me diz, quase me grita, que não posso abaixar minha guarda.

O comunicador abriu automaticamente o mapa mais uma vez, agora que estou em Gotham. Dessa vez, o outro ponto me diz onde fica o apartamento de Ciborgue. Eu tomo um tempo para ler o nome do bairro onde estou. Park Row, a imagem diz. Estou próxima a um “Beco do Crime”. Que nome acolhedor para um beco. Sinceramente, eu não sabia que os humanos podiam ser tão literais na escolha de nomes, mas eu deveria – “Batman” e “Superman” falam por si só. O apartamento de Cy ficava no Distrito Diamante, longe dali, mas eu poderia fazer o caminho rapidamente. Para não ter que pegá-lo toda hora, eu configuro o T-comunicador de forma que ele vibre quando eu estiver próxima do prédio, e então o guardo.

Já são 01hr14min. Tarde para a maioria dos humanos, mas aparentemente cedo demais para essa cidade. Saio das sombras quando percebo que mais ninguém vai passar. Preciso achar o Robin. Flutuo até o topo do prédio – “um sinal que pode ser visto da cidade toda”, a voz de Ravena ecoa na minha mente quando finalmente chego ao terraço, uns 4 andares, e paro em pé no parapeito.  Olho para cima, ignorando as gotas irritantes de chuva. Posso ver as grosas nuvens, pelo menos três helicópteros que são incapazes de me notarem, e um dirigível mais a fundo, que parece percorrer a cidade como se estivesse de olho nela.

Tudo isso fica pequeno, imperceptível, quando meus olhos finalmente notam o imenso, branco, deslumbrante, fecho de luz. Ele parece atravessar tudo em seu caminho e brilha no céu, preenchido por um grande morcego negro – o mesmo no peito do traje de Batman. Intimidador, praticamente grita que não é para onde você deveria ir.

Eu garanto que a mochila esteja presa nas costas e vou.

 

 

Atravessar Gotham nas sombras, se você quiser ser rápido, não é tão difícil quanto parece. Todo o tempo, eu tento voar, mas às vezes não há jeito e preciso me esconder entre muros, paredes, prédios, casas. Só não quero ser notada por um helicóptero; seria ruim ter que parar para dar uma explicação à polícia ou confundida com um bandido, afinal não há motivos para eles me conhecerem por aqui. Sou de Jumpcity.

Aproveito o momento para sentir a cidade. Todas as pessoas parecem ter um frio excessivo – ou eu sou calorenta demais – exceto algumas mulheres que encontro em algumas ruas mais escuras, fumando e conversando entre si com shorts jeans e saias coladas. Algo não me parece certo, quando eu as observo rapidamente, de sombra em sombra. Mas não posso parar ou perguntar. Preciso encontrar o Robin.

Eu noto o grande número de policais nas ruas, seus carros estão parados em praticamente todo lugar que olho, mas, ao mesmo tempo, parece que é pouco. O número de homens reunidos, estranhos, que de certo devem ser gangues, como Ravena tinha me explicado, é muito maior. Eu também os evito ao meu máximo, já um pouco cansada. Nunca pensei que precisaria andar escondida em um lugar que me apetece tanto. Não há tempo para ficar chateada. Preciso encontrar o Robin.

O feixe de luz parece mais próximo do que nunca, minutos depois. Eu suspiro; teoricamente, Robin e Batman devem vir nessa direção. Será que posso encontrá-los a qualquer momento? O que exatamente eu direi, se assim for? X’hal. Antes que eu pense demais, o comunicador vibra. É isso, estou no Distrito Diamante. Próxima ao apartamento de Cy. Isso é bom – se eu realmente não conseguir encontrá-lo essa noite, pelo menos o apartamento fica próximo ao Batsinal. Sei que deveria parar e deixar a bolsa, talvez, ou comer algo, agora que percebo que estou com fome. Mas o sinal está tão, tão perto...

Eu sigo o caminho até que o comunicador deixe de tocar. Sai do bairro anterior. Conforme me aproximo, parece que as ruas ficam mais agitadas e meu cuidado é dobrado. Departamento de Polícia, Ravena tinha dito, sem ter certeza. Faz sentido; é a polícia que precisa do Batman, afinal. Eu me escondo quando um cara passa perto demais. Estou quase chegando, o feixe parece mais brilhante do que nunca.

Tomo um tempo para reparar o bairro. Vejo aquele mesmo prédio, o mais alto da cidade, com seu grande W. Mais para frente dele e virando minha cabeça 90º, posso ver outra torre também alta, um grande relógio redondo em seu topo. Junto as sobrancelhas, apoiada com os dois braços no parapeito de um sobrado. E então é quando posso ver, enfim, de onde a luz vem. Uma construção muito mais tímida que a torre W, mais larga e mais velha, se estende. Em letras grandes e garrafais, brilhantes, posso ler “DPGC”. A escultura de uma águia montada sobre um emblema separa as letras em pares. Sem me conter, solto um sorriso. Finalmente. Finalmente cheguei.

Eu salto do prédio, mas não chego ao chão. Rápida demais, molhada demais, eu voo até o prédio, esperando que a velocidade seja o suficiente para ninguém nas ruas quase vazias – quase – me notem. Talvez sim, mas eu já terei sumido. Perto das letras, do topo do prédio, da onde o feixe de luz vem, eu sorrio para a ironia. Há uma única gárgula me esperando. Uma única, grande, enorme, boca aberta para assustar. Eu fico em pé sobre ela, sabendo que poucos metros me separam do holofote e, consequentemente, de Batman. Daqui, da gárgula onde Robin já montou, posso ver as benditas ruas. Meu estômago se revira. Fecho os olhos com força, as unhas fincadas na palmas da minha mão úmida. E, automaticamente, começo a subir. Cada vez mais, até parar.

Eu paro no topo do prédio, pisando cuidadosamente quando dou um passo à frente, saindo do ar. O holofote está lá, enorme, majestoso, apontando para o infinito. É um espaço relativamente pequeno e, além dele, só há uma caixa d’água grande. Só. Não há mais nada. Mais ninguém. Uma exclamação pula dos meus lábios quando dou mais um passo à frente, meu uniforme brilhando por causa da água. O cabelo grudado nas minhas bochechas, a franja em minha testa. X’hal! Não há ninguém. Eu esperava, sinceramente, que houvesse alguém. Que algum alarme tocasse no momento em que eu pisasse aqui. Talvez Batman esteja recebendo um sinal em seu comunicador agora? Inconformada, crispo os lábios, olhando ao redor, o som dos carros atrapalhando meus pensamentos.

— Não se mexa. – Meu corpo para automaticamente. Posso ouvir o som de um gatilho. De certa forma, estou aliviada. Não estou mais sozinha. A voz grossa, um pouco velha, vem das minhas costas. Atenta, eu faço o que ele manda. É um bom começo. Não sei se ele acha que estou colaborando, mas logo posso ouvir sua voz outra vez. – Se vire devagar.

Eu me viro num pé só e finalmente posso ver minha companhia. É um homem velho, da minha altura, com cabelos brancos e óculos no rosto sério. Posso ver um guarda-chuva no chão, perto de onde ele está, dois passos de mim, e suas roupas parecem secas ainda. Por cima da camisa inflada, provavelmente vestindo colete por baixo, e da gravata vermelha, está vestindo uma jaqueta marrom que diz, no peito, “DPGC”. Ótimo, um policial.

Sua arma está na direção do meu peito, quase braço. Apesar de sério, ele afasta seus olhos dessa direção quando eu me viro... é o que estou pensando? X’hal, é quase engraçado, se sua arma não estivesse na minha direção.

— Por favor, não quero lutar – eu o encaro, mordendo o lábio inferior. – Meu nome é Estelar.

O policial semicerra os olhos para mim, mas eu me mantenho firme. Ele afasta a arma por um momento, parecendo confuso.

— É, eu imaginei que não era a Batgirl – murmura, e acho que está falando sozinho, pois massageia a testa como se pensasse algo idiota. Algo me diz que é sobre minha roupa outra vez. – Estelar... você disse? – repete devagar, a arma ainda em mãos. Eu aceno positivamente com a cabeça. – Essa não é aquela garota do... Jovens alguma coisa... – ele olha para outro ponto, tentando pensar. Eu sorrio.

— Jovens Titãs – completo, feliz em ser reconhecida. O homem me olha de canto.

— Hm… É isso. Minha filha adora vocês; ela sempre para o que está fazendo quando vê uma notícia na TV – murmura, sem parecer estar falando comigo, de fato. Está olhando para o Batsinal. Quando olho para sua mão, posso vê-la ainda sobre a arma, que ele está guardando dentro da parte interna do casaco.

— Ela faria pouco efeito. – Ele se vira para mim e levanta a sobrancelha, sem mover a mão. – Digo, a arma. Faria pouco efeito em mim. Minha pele é mais resistente que a dos humanos; muito mais.

Apesar de meu tom de voz não ser acusatório, só estou deixando-o saber, o policial parece um pouco constrangido e, enfim, solta sua arma. Eu sorrio ao mesmo tempo em que me aproximo e pego o guarda-chuva que ele deixou no chão, entregando-o.

— Força do hábito – tosse ele, aceitando o guarda-chuva, me olhando de uma força engraçada como se se perguntasse se eu também não precisava de um. Apesar de molhada e seminua, não, não preciso. A água não é muito mais que incômoda, mas já estou encharcada de qualquer maneira. – O que está fazendo aqui? No DPGC? – outra vez, levanta a sobrancelha. Seus óculos estão nublados. – Robin...

— Preciso falar com o Batman – digo imediatamente, olhando séria para o morcego no céu. Quando me volto para ele, segundos depois, o policial apoiou o guarda-chuva no antebraço e tenta acender um cigarro, sem sucesso, pois seu isqueiro não parece querer funcionar. Talvez por causa da chuva. Franzo o cenho. Só havia visto gente fumando na televisão; não era uma prática comum para nenhum Titã, apesar de eu lembrar sugestões bem humoradas de Terra sobre o assunto. Aproveitando a distância que estamos, próximos, eu ergo meu braço, meu dedo indicador direito e, a centímetros do cigarro, o acendo com uma firebolt muito pequenininha. O policial olha surpreso para o cigarro e depois para mim. – Achei que ele vinha até esse sinal, Sr... – Quando o homem traga, o cheiro é forte, quase ruim. Talvez seja por isso que ninguém que eu conheça fume.  

— Jim Gordon. Comissário Gordon – completa para mim e eu aceno. Faz sentido que seja ele quem fale com o Batman, é claro. É o cargo mais elevado da polícia. É com quem, quase sempre, Robin conversa em Jump. – Obrigado – está falando do cigarro e eu aceno outra vez, enquanto ele traga. – Sinto muito, menina. Acho que você chegou cedo.

Mordo o lábio inferior, observando o céu. Imaginando Batman chegando a qualquer momento.

— Você não tem nenhuma informação sobre onde ele pode estar? É importante – peço, num suspiro preocupado que sai dos meus lábios. Talvez eu devesse ficar e esperar. O Comissário Gordon me olha com certa graça.

—Se eu tivesse a localização do Batman, posso te dizer que metade dos meus problemas seriam resolvidos – há um tom de bom humor na sua voz profunda, mas eu, honestamente, não acho graça. Me viro de costas para ele, abraçando meus próprios braços como faço sempre que estou nervosa e observo o resto da cidade. É isso. Vou esperar. – Batman sabe que você está aqui? – Gordon pergunta depois de alguns segundos, sua voz é cheia de dúvidas.

De supetão, eu me viro.

— Não, e nem pode saber!

Acho que meu tom foi desesperado demais, por que o Comissário agora está surpreso. O tempo que eu levo para perceber que fiz besteira, é o tempo que suas sobrancelhas caem até que sua expressão seja... desconfiada. X’hal. Bendita seja você, Kori! Gordon traga o cigarro um pouco mais devagar.

— Motivo especial? – pergunta, a voz calma. Ainda assim, eu posso ver que, se eu não resolver isso de uma forma boa, ele vai me expulsar desse terraço e contar ao Batman que estou na cidade, assim que ele aparecer.

Estou pensando rápido demais. O que eu posso falar?! X’hal. Afundo as unhas no braço.

— Não! Digo... Talvez... – balbucio, confusa. Suas sobrancelhas voltam a se arquear. É quando eu tenho uma ideia. – Para vocês, humanos, é muito importante – estou tentando impressionar com o meu melhor tom de voz alienígina-curioso. X’hal. – Hoje é meu... Nosso... Aniversário de namoro... – murmuro, quase como uma pergunta. Os olhos de Jim voltam a se arregalar.

— Com o Batman?!

— O quê? Não! Não, não! Não com o Batman – corrijo rapidamente e a cor parece voltar ao rosto dele. – Com o Robin. Nosso aniversário de 3... meses.  – completo, tentando por todos os pontos no lugar. – É, isso, 3 meses. Muito especial. Mas como Robin está fora da cidade eu pensei em fazer uma surpresa para ele! Sabe, vindo aqui sem avisar. Com uma roupa diferente. Como... Como fazem nos filmes que vi. – Estou falando rápido demais. Ao mesmo que Jim parece acreditar, ele me olha como se eu fosse doida. – Mas o Batman não é a criatura mais romântica desse planeta, ele ficaria bravo com o Robin se me visse aqui. – Essa parte eu sinto que é verdadeira. É quando o rosto de Jim começa a clarear, o que me mostra que ele está acreditando. – Então ele não pode saber!

  O Comissário me encara por alguns segundos e se volta para a caótica cidade de Gotham. Há muitos carros na rua e o barulho deles consegue ultrapassar a altura, o som da chuva e dos helicópteros, e chegar até onde estamos.

— Gotham também não é a cidade mais romântica – murmura, um último trago no cigarro que finalmente acabou. Ele joga no chão e pisa em cima com a ponta da bota; a mão esquerda firme no guarda-chuva.

Sorrio desamparada.

— Não. Mas não escolhemos por quem nos apaixonamos ou de onde eles virão.

Jim desvia o olhar para minha expressão mais uma vez, porém estou encarando o topo dos prédios, imaginando Robin surgindo de qualquer um deles. A noite sobre suas costas. A capa em ondas, com o vento da chuva. Algumas gotas de água terão se acumulando nos seus lábios – seu cabelo estará grudado no rosto e na máscara, tão liso sem o costumeiro gel. Sinto falta dele. A raiva de seu sumiço repentino, do fato de que talvez ele queira deixar os Titãs, se mixa com a tristeza que tudo isso me causa.  Meus pensamentos são interrompidos pela voz de Gordon.

— Você e seu time são boas crianças; fui quase obrigado a acompanhar quando vocês apareciam na TV ou nos jornais – Eu me viro para olhá-lo e o vejo mexer a cabeça, rindo sem humor. – Então ouve um conselho de um velho. Descanse essa noite. Se não tiver um lugar para ir, pode ficar no DPGC. Se ele gosta de você como parece que você gosta dele, a melhor surpresa que pode dá-lo é ficar em segurança. – O Comissário vê quando olho rapidamente para o chão úmido, que reflete a luz da lua. – Gotham é pior do que você deve estar imaginando.

Crispo os lábios. Talvez ele tenha razão. Provavelmente ele tem razão. Coloco uma mecha do meu cabelo molhado para trás da orelha, séria.

— Comissário, o senhor teria uma caneta e papel?

 

 

Alguns conselhos são bons. A maioria, você deveria seguir. No meu planeta, nós respeitamos a sabedoria dos mais velhos mais do que qualquer coisa; então eu faço o que o Comissário Gordon me disse para fazer. O que eu queria de verdade era deitar naquela gárgula e esperar, mas e se Batman ou Robin nem sequer aparecessem? Ou, pior, se o Robin não estivesse com o Batman? Era com ele que eu gostaria de falar. E se Batman fosse tão convincente ao ponto de me fazer acreditar que não devo falar com o Robin? Talvez ele ache que os Titãs são má influência.  Pensando nisso, na chuva e no escuro, tenho muitos motivos para ir para o apartamento de Ciborgue.

Distrito Diamante. Eu ando muito mais devagar do que vim, esperando algum sinal divino – algo que não se pareça com o morcego gigante entre as nuvens. Conforme me aproximo do que local onde o apartamento deve ser, nada acontece. Suspiro quando meu comunicador vibra, a prova de que estou por perto – deve ser um desses vários, penso, olhando ao redor. Quando estou prestes a pegar o comunicador e dar uma olhada melhor no GPS, um barulho chama minha atenção.

Ergo o rosto na hora, olhos surpresos. Não, não era um trovão. Definitivamente, tinha que ser uma explosão. Tinha que ser.  Procuro fumaça, mas não encontro nada. Alguns carros passam pela rua em alta velocidade, como se o som não fosse nada demais. Quando percebo, estou voando na direção que acho que ele veio – direita.  Eu tomo certa altitude, ignorando que posso ser vista por algum helicóptero. Se era uma explosão, X’hal, mesmo que não seja o Robin, algum civil podia estar em perigo. Eu não podia simplesmente deixar essa possibilidade para lá.

Voando sobre os prédios, eu olho para todos os lados nas grandes ruas e avenidas. X’hal. Onde está? Algum sinal? Não há fumaça. Não há maldita fumaça. Minha barriga treme. Eu mal sinto meus dedos, estremecendo com tanta força que sou obrigada a fechá-los em punho. É quando outro barulho alto, outra explosão me faz parar bem no meio do céu. Quando olho para baixo, olhos arregalados, vejo quando a porta de enrolar de aço voa no ar, várias voltas completas até achar o asfalto da rua.

Meu coração para. Falha uma batida. Meu olhar se revira. O que fez com que a porta voasse não foi a explosão; foi uma pessoa. Uma pessoa arremessada com força nela. Não qualquer uma, mas uma que agora está jogada no chão, no outro lado da rua, na outra calçada, e sou capaz de reconhecê-la em mil anos.

Robin. X’hal. É ele.

Eu me jogo em sua direção, perdendo meu voo completamente, me fazendo cair tão rápido quanto posso. Em segundos, paro com os dois pés atrás do seu corpo. Ele está sentado, tentando se recuperar, e a mão direita cobre o rosto, provavelmente com dor. A capa é maior do que a que estava acostumada e, jogada no chão, posso ver alguns rasgos vindos do combate – todo o seu uniforme parece um pouco danificado, na verdade.

Eu ignoro todo o vermelho desse uniforme novo que não me faz bem aos olhos. Ignoro os dois meses que ele passou sem falar comigo. Esqueço Ravena chorando, Mutano quebrando o controle de uma pulseira inibidora. Não há mais nada, simplesmente mais nada, senão preocupação e alívio quando me ajoelho do seu lado, me esquecendo da água ou da sujeira da rua, e ergo minhas mãos em seus ombros e meus olhos estão cheios de lágrimas.

— Richard – eu chamo, quase imploro, quase suspiro seu nome.

O peito dele que vai para cima e para baixo, respiração descompassada, para de repente. Como se ele prendesse o ar. De vagar, assisto quando sua mão, coberta pela luva, sai lentamente do rosto... tão devagar... até que posso ver a máscara vermelha; os olhos estão arregalados e a boca aberta quando me olha.

— Estelar?!

E eu franzo o cenho, olhando aquele rosto fantasiado. Aqueles cabelos negros, uma cicatriz pequena na sobrancelha. Algo está... O que raios...?!

— Você não é o Robin!

Ele junta as sobrancelhas para mim e seus lábios se retraem.

— E você não é a primeira ruiva a me falar isso – antes que eu diga algo, ele volta a arregalar os olhos e me puxa para baixo e nos gira violentamente, muito rápido, para o lado. Eu só tenho tempo de respirar quando vejo um batarang fincado na parede atrás da gente. O corpo de Robin (???), dessa pessoa, está acima do meu e me segura pela cintura. Ele olha feio para a arma e depois olha para baixo, para mim. – Prometo que tem uma explicação boa para isso, lindinha, mas você precisa sair daqui.

E se levanta, mas eu ainda não saí do chão. “Lindinha”?! Só havia uma pessoa que me chamava assim. Minha mente tenta raciocinar rápido, mas ainda estou em choque. O garoto está prestes a erguer a mão para mim, para me ajudar a me levantar, quando ergue uma sobrancelha e, literalmente, me olha dos pés a cabeça. Demorando um pouco mais na abertura do meu body.

— Sinceramente, te ver nessa roupa quase compensa receber o olhar de nojo. – Ele cruza os braços, analisando a situação. Ao fundo, posso ouvir barulhos estranhos de... batalha? – Esse seu planeta por acaso se chama “paraíso”?

Ele não tem tempo de piscar para mim por que, quase que automaticamente, meus olhos atiram lasers na direção do seu peito. Ele é capaz de desviar com um pulo para trás e eu me levanto na mesma hora.

— Era só ter dito não – Já não há mais brincadeira na sua voz e ele me olha sério. Ergo o braço, os olhos ainda brilhando, e uma firebolt aparece bem na palma da minha mão. Estou fervendo de ódio. De duvida. Confusa.

— Red X – cuspo o nome, e o sorriso de canto que ele solta só confirma. Só poderia ser ele. Eu praticamente senti seu cheiro no meu nariz. – Eu vou perguntar só uma vez. Onde. Está. O. Robin – digo, pausadamente. Esse... glubnardk tinha roubado o traje do Robin?! Como Batman não percebeu nada?! Será que ele tinha um aliado mais velho, alguém como... Slade?! X’hal. A Liga da Justiça perceberia. Isso não faz nenhum sentido.

— Quis dizer “Richard?” – Ele brinca com a identidade secreta de Robin e sinto a culpa fervendo minha língua. X’hal. Maldita mente. Sem pensar duas vezes, eu atiro a starbolt, porém mais uma vez ele desvia. – Calminha aí, princesa.  

Antes que eu responda, mais uma bomba é disparada e eu olho na direção do armazém que perdeu sua porta. É grande, enorme, várias pilastras, e posso ver alguém se movimentando lá dentro. Na verdade, duas pessoas – mas uma delas, X’hal, é enorme! Parece uma pessoa normal, mas deve ter quase o tamanho de Cinderblock. Sei que ninguém deve ser julgado pela aparência, mas ele está indo na direção de Batman com as duas mãos, então, teoricamente, ele é o vilão.

Batman... Ele pula para trás, sua capa espetacularmente o conduzindo como se fizesse parte do corpo dele. Não posso falar muito daqui, mas ele é forte, alto e extremamente habilidoso enquanto desvia do monstro enorme. Percebo que a bomba era para essa criatura – mas já ouvi três e, pelo jeito, não parece que ela vai parar tão cedo. Franzo o cenho.

— Tenho que voltar para lá. Não sai daqui – Red X diz muito rápido, e volta para lá correndo. Como ele acha que vai fazer isso? O ser acabou de jogá-lo contra um portão de aço! E resistiu a três bombas!

Estou tão confusa que parece que minha cabeça vai explodir a qualquer momento. Já sinto uma dor na nuca. Red X tem que voltar e me dizer o que raios está acontecendo. Paro um tempo para pensar no que fazer, e isso me permite observar a luta. O vilão que está os atacando, enquanto eles desviam – Batman tenta atacar diretamente e Red X, fantasiado de Robin, joga vários birdrangs – aparentemente é uma pessoa normal... ou era. O tronco é deformado, um excesso de músculos, as veias saltadas. No rosto, uma máscara estranha, como um lutador das lutas livres que Mutano gostava de assistir. Ele é tão forte que deixa crateras no chão quando não consegue acertar os dois heróis – cof, um herói e um ladrão.

 Distraio-me observando Red X, quando me aproximo de modo que o lutador não possa me ver. Como das últimas vezes que nos encontramos, seus movimentos são parecidos demais com os do Robin; mas ele não é capaz de alcançar o nível de intimidade que Richard tem com o ar. Dick praticamente dança no ar, porém Red X, por mais que pareça tentar, continua preso no solo, apesar de toda a inegável habilidade.

 — Janub, Shimoliy, Yomg'ir yoki Quyosh, siz ularni ekib olgan o'simliklar o'sadi, bu bizning hosildorlik xudosining hadyasidir — o monstro repete, ainda atacando, num sotaque forte demais e eu estreito meu olhar. Por que ele está falando O'zbek?  Eu não tinha ideia que na Terra havia alguém habilidoso o suficiente para aprender isso. Tamaraneano já era difícil o suficiente; quando tentei ensinar Mutano, ele ficou dias para aprender a falar “bom dia” e, por mais que eu tentasse, a nossa gramática simplesmente não encaixava para ela.

— Alfred, alguma ideia do que isso pode significar? – Batman está perto de mim agora, de costas, e posso ouvi-lo falando, com uma mão na máscara, onde sua orelha deve ficar.

— Ei, Bane, a gente gostava mais de você quando xingava em espanhol! – Red X grita, com uma risadinha, provavelmente para tirar a atenção do monstro de Batman. Funciona, pois agora esse Bane está correndo na direção dele.

Isso não pode ser bom. Pelo cheiro no ar, chuto que uma bomba atordoante já foi jogada há certo tempo. Quanto faz que eles estão aqui? Eu preciso falar com o Red X – e depois com o Batman! Talvez ele não soubesse que Red X é um vilão, ou que o garoto por baixo da máscara é o Red X. E se ele disse que Dick simplesmente lhe passou o manto de Robin e o treinou? Seria fácil de acreditar, os movimentos são muito similares. Talvez eu esteja odiando o Batman, mas ele é tão vítima quanto Dick. X’hal, preciso achá-lo.

Sem pensar mais nenhum minuto, aproveitando que Bane está de costas para mim, tentando acertar um soco em Red X, ou Robin, voo em sua direção, passando por Batman sem nem olhar que cara ele fez. Então eu o agarro pela cintura e, com toda a força que tenho, usando meu voo como propulsor, eu o jogo com força para trás, num grito de guerra. X’hal, como ele é pesado! Bane bufa de dor quando sua cabeça atinge o chão com força e eu me arrumo, ofegante.

Nunca usei esse tanto de força para derrubar uma única pessoa! Red X me olha impressionado enquanto nós dois assistimos Bane no solo... não por muito tempo. Ele se levanta e parece mais bravo do que antes. Está vindo na minha direção e eu preparo meus punhos na frente do rosto, com starbolts que coçam meu nariz. Antes que ele chegue, Batman aparece na minha frente com um chute no peito de Bane e duas pequenas bombas em sua cara. É o suficiente para ele ser jogado para trás outra vez. Se levantando, Batman olha para Red X.

— O que ela está fazendo aqui?   

Red X levanta as mãos em rendição.

— Eu falei para ela não se aproximar.

Olho irritada para os dois. Para Batman por ter me ignorado, sem nem me olhar, e para Red X por ser tão, tão... cínico! Volto a encarar Batman, tentando manter a compostura. Ele é mais alto do que eu. O símbolo negro no peito é a primeira coisa que chama atenção; logo depois sua máscara que parece tão brava quanto ele realmente deve ser. Sua voz é profunda e há algo de... obscuro quando você passa muito tempo olhando para ele. Um arrepio sobe na minha espinha quando percebo que Batman me lembra da forma como Richard fica quando falamos de Slade.

Quero falar que esse Robin é uma farsa e que ele, Batman, está sendo enganado, quando ouvimos grunhidos e Bane parece recuperado outra vez.   

— Janub, Shimoliy, Yomg'ir yoki Quyosh, siz ularni ekib olgan o'simliklar o'sadi, bu bizning hosildorlik xudosining hadyasidir – de novo esse mantra! É uma voz calma demais para quem se mostra tão irritado do lado de fora.

— Estou começando a pensar que é uma daquelas frases mágicas, sabe? Que você repete dez vezes e dizem que emagrece 1kg – Eu e Batman olhamos para Red X. Era para ser uma piada? Batman parece sério e eu junto as sobrancelhas, sem entender.

— Você não está de todo errado; o povo  O'zbekiano acreditava muito no místico, apesar do seu forte envolvimento com a ciência – digo rapidamente, e agora quem está sendo encarada sou eu. Bane está vindo à nossa direção, mas devagar demais.

— Consegue entender o que ele está falando? – Batman pergunta, finalmente olhando no meu rosto. É o único que não desvia para meu uniforme.

Estreito os olhos. Eu conhecia algumas palavras do  O'zbek, mas puramente por que havia certos termos nos antigos livros sobre agricultura em Tamaran;  O'zbekiano eram conhecidos por sua cultura agropecuária e de seus avanços nesse campo. Nunca havia tido contato labial com nenhum falante da língua, apesar de ter conhecido um ou dois durante minha vida. Simplesmente não apareceu o momento certo para eu beijá-los. De qualquer forma, era uma língua praticamente extinta no Sistema Vegas e não havia razão para eu tê-la aprendido.

— Desculpe, vagamente. Consigo entender que há algo sobre plantar... plantar uma planta, porém é tudo.

Batman e Red X se encaram por um momento e, antes que possamos dizer qualquer coisa, Bane está perto outra vez e quase destrói uma pilastra. Quase. Sem esperar uma autorização da Batman ou outro questionamento, meus olhos estão brilhando mais uma vez e, com pressa, eu parto para cima de Bane. Se há alguém aqui que tem qualquer chance contra ele, sou eu. Red X é só um humano comum, como Batman também deve ser e já que as bombas não deram certo...

Com os punhos carregados com starbolts, voando, estou cara-a-cara com ele e acerto um soco, outro, outro, e outro, e mais, gritando entre eles, empurrando-o para trás com força. Meu umbigo queima. Tudo queima. Estou usando toda a minha força. Ele já se provou resistente antes, mas num soco final, o maior deles, ele bate contra a parede do outro lado, uma grande cratera causada pelo seu corpo. Eu vou imediatamente para o chão, curvada em meus joelhos, respirando fundo. Tento achar meu fôlego de volta. É quando ergo o olhar para ver o estrago; sua máscara simplesmente derreteu, se desfez completamente. No seu rosto, queimaduras se espalham, os olhos fechados em dor. Então eu arregalo meus olhos, descrente.

Sob minha visão, lentamente, a pele dele simplesmente começa a se regenerar. Como se nunca tivesse sido queimada. Pisco assustada. Então todos os socos que eu dei nele, toda a força que usei... Bane alonga os ombros, olhando para mim como se eu fosse algum tipo de inseto pequeno. X’hal. Fecho os olhos, pronta para o ataque que vou levar dele, sem forças para alcançar voo assim, do nada, quando sinto um braço sobre minha cintura e estou voando para cima. Abro os olhos de supetão.

Red X me segurou pela cintura e me trouxe até a parte de cima do armazém, onde estamos em pé em cima de grades que devem fazer o segundo andar. Olhando para baixo, dá para ver Batman lidando com Bane – ou tentando. Red X também assiste a luta, sério, e parece que quer voltar para lá para ajudar. Não sei como, mas vejo... preocupação em seu rosto. Estou muito confusa. Ele continua me segurando, mas eu não penso em afastá-lo ainda.

— Como podemos pará-lo se ele se regenera?

Red X me encara, como se só agora tivesse se dado conta de que estou bem do seu lado, apoiando minha mão em seu ombro, ainda ofegante. Ele é pouco mais baixo que eu, da mesma altura que Robin. O cabelo negro e o tom de pele são iguais aos do Dick – será que foi assim que nenhum Titã percebeu que havia algo de errado naquelas fotos dos jornais? X’hal, eu sabia que sim! Ainda bem que vim. Ainda cômodo na posição em que estamos, próximos e quase abraçados, Red X guarda pistola de corda no cinto para apontar para Bane.

— Está vendo aquela bomba nas costas dele? Ligada à coluna vertebral?  - Eu tinha percebido isso antes, mas achei que talvez fosse uma parte moderna de sua roupa. É uma grande bomba de metal e canos que parecem pouco flexíveis dão, quase todos, na medula espinhal e na nuca. – Bane é um humano normal. Mas dentro daquela bomba tem uma droga chamada Veneno, que é o que dá essa aparência, força monstruosa e poder de regeneração para ele.

Junto as sobrancelhas.

— Nesse caso, não seria simplesmente cortamos o suplemento de droga dele?

Red X arqueia as sobrancelhas na minha direção.

— Uau, gata, já pensou em ser o novo Batman? – Seu tom é claramente irônico e eu olho feio para ele, brava. Red X suspira, voltando a assistir a luta, que não parece progredir. – Da última vez aqueles canos eram de plástico; resistente, mas, ainda assim, plástico. Batman foi capaz de cortá-los em alguns golpes. Agora, olha bem.

 Tiro meu olhar dele para encarar Bane mais uma vez. Na verdade, suas costas. Um som inconformado sai da minha boca. Céus. Aço. Os canos eram feitos de aço. Não tinha como Batman cortar. Não sem o instrumento certo, pelo menos. Red X deixa de olhar a luta quando percebe que eu não respondi, e me encara de forma engraçada.

— Ei, calma. Vamos arranjar um jeito – ele aperta um pouco minha cintura e olho em seu rosto, o meu ainda pensativo, assustado. Esse tom de voz tranquilizador não combina com ele, mas não posso dizer que não gosto. Encaro bem sua máscara. Preciso parar Bane e perguntar onde Dick está. Preciso mesmo. Acho que ele pensa que me acalmou e me solta devagar. – Vou voltar para lá. Você vem?

Antes que ele salte, porém, eu o seguro pelo ombro. Respiro fundo e fico séria.

— Qual o ponto de fusão do aço?

— O que?! – Ele pergunta de volta, sem entender. Na verdade, entendendo até demais. – Não está pensando em...

— Qual é? – insisto na pergunta, o mesmo tom de voz de autoridade que estava usando em Tamaran. Red X crispa os lábios.

— Algo em torno de 1500ºC e 1600ºC – responde, depois de pensar um pouco. Está esperando meu próximo movimento, embora não pareça concordar com ele.

Já deve passar das 2hrs da manhã. Quando vi a Terra, não fiquei muito tempo antes de simplesmente entrar nela – mas tinha tomado certo sol, sim. Um pouco. Talvez eu... É uma temperatura elevada, eu não tenho forças para liberar isso só com as minhas mãos, de uma vez só, mas se eu puder ficar um tempo lá, talvez eu possa...

Não penso em nada – puxo Red X para trás, em direção às grandes, de forma que ele nem pense em me impedir como sua expressão declarava, e uso o impulso para me jogar em Bane, que acabou de lançar Batman contra uma das paredes. É agora ou nunca. Eu coloco os pés, um sobre cada lado de suas costelas flutuantes, e seguro em dois dos canos. Um, posso ver rapidamente, dá para a nuca. Se eu for capaz de romper pelo menos esses dois...

Bane me percebe em cima dele e tenta me alcançar com suas mãos, empurrando meus pés num rugido quase animalesco. Ah, não. Não. Ele pega impulso e está correndo na direção das paredes, mas já é tarde demais para ele – e para eu parar.

Meu cabelo seca automaticamente e, num único segundo, está queimando como fogo. Todo o meu corpo está queimando como fogo; eu sinto-a saindo de mim. Sinto-a rasgando minhas veias. Pulsando nas minhas pernas, acabando com meu ventre, surgindo do meio da minha testa, transbordando dos meus lábios abertos, dentes rangendo. Tudo o que posso, coloco em minha mão. Todo o Fogo que sinto, coloco em minha mão. Ouço Bane gritando, mas é baixo perto do meu próprio grito de fúria e dor.

Contamos lendas para as crianças sobre a origem do Sistema Vegas. Dizemos, com orgulho, que X’hal iluminou Vegas com seus cabelos, amarrando-o em tranças; ela era puro fogo. Contamos que ficou grávida de 22 planetas, e que seu parto dolorido deu-se em milhares de estrelas – cada uma para cada vogal que saiu de sua boca. Quando eu era pequena, costumava me perguntar como devia ser dar a luz a um planeta.

Talvez seja sacrilégio, talvez eu devesse ficar quieta. Mas acho que agora sei, esplendidamente, orgulhosamente, me lembrando de que sou uma Princesa, como X’hal se sentiu. E, sob o calor e o líquido quente que chega às minhas mãos até as coxas, sob a brilhante detonação de cores e os gritos de Bane, sobre os meus próprios, eu finalmente apago.

Como X’hal deve ter apagado.

 

 

— Papai, não acha que está meio tarde?

Jim se acomoda em sua cadeira, um minuto de paz dentro do manicômio que era o DPGC. Mesmo sabendo que não deveria e que sua filha, Barbara, com quem estava no telefone agora, não aprovaria se estivesse ali, acendeu outro cigarro. Ele dá um trago rápido antes de responder.

— Como se você dormisse cedo – provoca, ouvindo quando Barbs ri em seu ouvido. – Só queria saber se está bem.

— Por favor, papai. Só estou dormindo na casa de uma amiga. Está ouvindo? Não está rolando nenhuma festa, mesmo amanhã não tendo aula — a menina insiste, o tom levemente ofendido. Jim suspira. – Desculpa, pai. É só que você se preocupa demais. E acho que está na hora de eu te ensinar a mandar mensagens; e se eu estivesse dormindo?

Dessa vez, Gordon faz uma careta. Sinceramente, toda essa tecnologia atual era coisa demais para sua cabeça.

— Te conhecendo bem, você e Nataly vão ver filmes até às 3hrs e depois discutir sobre eles – Jim traga o cigarro. – Às vezes preferia você em uma festa, como uma adolescente normal. Sem álcool, mas mesmo assim... – brinca, ouvindo a risada de Barbs, como sinos.  

— Sabe que, agora que você falou, estou com saudades de assistir filmes até mais tarde com você e discutirmos sobre isso. Sessão terror no domingo? E cuidado com o que deseja, Sr. Gordon.

— Marcado. Vou comprar refriger... – Barbara tosse e Jim faz outra careta. – Frutas. Para fazermos um suco.

— Ótimo. Como estão as coisas aí no DPGC?

Jim olha para o pedaço de papel que deixou do lado da luminária, sobre sua mesa. Pega-o só mais uma vez, girando entre os dedos; é do tamanho de um bloco de notas, o único que carregava nos bolsos internos do casaco. Com caneta de tinta azul, letra cursiva e longa, está escrito “Estelar”.

— Estranhas. – Os dois, pais e filha, riem em conjunto. “Estranho” é o mais normal que o Departamento de Polícia consegue ser. – Consegui um autógrafo para você. 


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Notas finais do capítulo

Como sempre, não reviso, desculpem os erros =(

— Gente, pelo que eu entendi, o Veneno não é capaz de regenerar o Bane; mas eu precisava disso para funcionar, então leiam como licença poética hahahaah desculpem, nunca li mt coisa do Batman, li mais dos Novos Titãs ;( li mais saga solta ou com o Robin, mas nunca curti mt o Bane hahaah

— Como eu já expliquei, eu uso o desenho de base para a maioria das coisas dessa fic. A Ravena apareceu simplesmente do nada em Jump e, ao contrário das hqs, não parecia que ela tava atrás de um grupo de gente hahaahah então dei meus toque aqui e acolá.

— O mapa de Gotham que usei: https://goo.gl/491zno

— Espécie alienígena desse capítulo criada por mim tbm, fazer oq kkkkkkk a língua usada nesse caso foi o Uzbeque, que achei bem com cara de Tamaraneano, vcs não? rs se quiserem jogar no tradutor, tá ai kkk por favor, se alguém fala esse idioma, espero que não tenha sido ofensivo (?), mas me deixe saber que eu mudo. É que já é chato criar o Tamaraneano, imagina essa outra língua tbm kkk Jesus.

É isso! Era oq eu queria comentar com vcs ♥ muito obrigada mesmo por todo o amor e suporte que vcs me dão, é super importante!! Espero que tenham gostado ;D
O próxima é da Ravena/Titãs (ainda não decidi hahaha) e dps Richard ;) até láaaaaa



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