Lar escrita por MJthequeen


Capítulo 12
Estelar


Notas iniciais do capítulo

Uau, esse é o maior capítulo até agora :O
Como sempre, muito obrigada por todo o apoio, eu sou realmente lerda pra responder comentários, mas juro que leio tudo, gente, sério hahaha é que pra mim a '''resposta''' sai escrevendo capítulos, sabe =s mas vou responder todos após postar esse, como sempre ♥
então por favor, não deixem de me mostrar apoio, ajuda muuuuuuito!!
*acho que os capítulos serão menores, mas n posso prometer nada, não me odeiem ;-;*

Eu passei pra segunda fase na Unicamp! Tô bem feliz ;D agora é esperar o resultado da USP.

O próximo capítulo pode demorar um pouco por conta de eu ter que estudar né kkk mas logo sai. Só estou em duvida se será Ravena/Titãs ou Richard :P veremos.

Como diria Vitas:

ha ha ha ha ha haaaa BRRIIII hahahahah



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Lar

 

Apoio a cesta, completa de sementes, no quadril, segurando-a só com uma das minhas mãos. Um dos guardas insistiu para que ele levasse, mas não é nada pesado, então recusei. Mar’i, por sua vez, carrega a cesta antes cheia siandro, agora vazia. Estamos sorrindo uma para outra depois de ela me contar outro caso engraçado que acontecera na cozinha ou nos corredores do castelo – e eu que sempre achara que eram locais monótonos.

Estamos andando em direção à casa do agricultor que requisitou minha presença, para deixarmos as sementes com ele, de forma que eu possa finalmente voltar para o jantar com Galfore, apesar de Vegas ainda não ter se posto.

— E todo mundo pensa que a vida da família real é fácil – brinco, batendo no cesto. Ainda bem que essas sementes tem um cheiro ignorável, se não eu ficaria um pouco preocupada. Mar’i ri da minha expressão. – “Jantares e banhos”, eles dizem. Um dia com o conselheiro Thirlor e suas opiniões obstinadas sobre o mundo, e tal fato seria repensado. – Estou me lembrando de algumas horas atrás, quando eu fui obrigada à ajudá-lo com alguns documentos e esse Sr simplesmente não ficava quieto sobre minha opção de ficar brevemente em Tamaran. Chuto o ar, focando em qualquer coisa menos a conversa que tive minutos atrás com minha acompanhante. – Mas até que ele foi mais ameno do que eu esperava; graças ao Príncipe Karras, eu acho. – Não controlo o impulso de revirar os olhos por conta da velocidade com a qual Delhel conseguiu espalhar que eu e Karras estávamos tendo qualquer coisa.

— De nada, apesar do seu tom não ter sido muito amigável... – a voz ri, sem se importar muito com o que eu disse.

Deixo de andar nesse momento e os guardas param também. X’hal amaldiçoe minha língua, será que não consigo ficar quieta? Mar’i olha para trás, de onde a voz vem, e volta a olhar para mim, como se esperando minha reação. Eu bato os dedos no cesto, respirando fundo.

— Príncipe Karras. Você não ser menos sorrateiro, consegue? – honestamente, eu tento ser o mais gentil possível, mas essas aparições fantasmas dele me irritam um pouco. Me virei lentamente e agora posso vê-lo encostado perto da porta do celeiro onde estávamos. Ele está com um dos joelhos dobrados, pé na parede, e mexe os ombros para mim com um sorriso.

— Eu gosto de ver a sua expressão de surpresa – confessa, um pouco presunçoso. Dessa vez ele está usando um colete roxo escuro, colado no seu corpo, e uma calça folgada que chega até suas canelas. Só um cinto de metal, protetores de pulso e botas de combate completam seu visual despojado. O cabelo castanho, quase ruivo, mais bagunçado do que da última vez que o vi. Queria poder negar sua beleza, mas X’hal não tem sido piedosa comigo. Ele se desencosta da parede e se aproxima. – Acha que eu posso roubar um pouco do seu tempo? Garanto que é mais divertido do que colher sementes.

Antes que eu responda, Mar’i dá um passo à frente. Seu rosto está abafado, isso mostra que ela precisou reunir muita coragem.

— Desculpe, Príncipe Karras, mas a Princesa Koriand’r tem horários a cumprir. Como a acompanhante dela, não posso deixar que a leve! – Tanto eu quanto Karras arqueamos as sobrancelhas para sua resposta. Bem, eu deveria ter previsto isso; faz sentido. A voz dela é trêmula e eu contenho um sorriso, Mar’i é tão delicada que é esquisito vê-la falando com tanta firmeza.

A expressão no rosto dele muda para uma mais compreensiva. Ele se aproxima mais, ficando à dois passos da gente.

— Mar’i, não é? – Seu tom é persuasivo e suave. Eu não me movo, mas Mar’i dá um passo para trás, as bochechas ficando mais vermelhas. Ela acena a cabeça positivamente e seu cabelo move com ela. – Você me ajudou com um ferimento, alguns dias atrás... Ele fechou incrivelmente rápido, você é ótima.

Ela o olha surpresa.

— V-Você lembra...? – murmura baixinho, como se fosse uma grande honra. Eu o encaro mal humorada. Ele está fazendo de propósito. – Quer dizer, eu não fiz nada demais, Príncipe Karras, é meu dever – corrige logo depois, tão rápido que quase se atrapalha em suas palavras. X’hal, Mar’i é fofa.

— Lembro, lembro sim. É bom ver que a Princesa ganhou uma acompanhante tão boa – ele sorri, todo gentil, e se aproxima mais. E eu o encaro de canto de olho; ele segura a mão livre dela e não sei como Mar’i ainda se aguenta de pé, pois está pálida.– Desculpe, Mar’i, é claro que a Princesa Koriand’r está muito ocupada, eu com certeza não quero atrapalhar os horários dela. Mas foi bom ter vindo, posso ver que ela está em... mãos adequadas. – E finalmente a solta, depois de passar o polegar pelos seus dedos médio e indicador. Me olha e acena com a cabeça. – Princesa Koriand’r.

Eu nem respondo o seu cumprimento; não estou acreditando em nada do que ele está fazendo. Não sou tão boba. Karras acena para os guardas também e se vira de costas, levanta lentamente do chão, olhando para o céu para ir embora e...

— P-Principe Karras, espere. Eu... Eu sei que você nunca iria pensar em atrapalhá-la; deve ser um assunto importante, sim? Uma horinha não ia alterar muita coisa...

 

 

— Você enganou minha acompanhante.

Karras arqueia a sobrancelha para mim e olha para trás, para baixo, onde ela se transforma num pontinho cercada por outros quatro, os guardas.     

— O quê? Mar’i?

— E os guardas. Você os enganou. 

Karras ri abertamente.

— De onde eu vim, chamamos isso de persuasão. – Karras voa pouco a frente de mim e sorri para minha careta. – Desculpe, Kori, eu não queria interromper suas atividades... – há um tom irônico na sua voz e eu me pergunto se vem do fato de ele ter me ouvido reclamando poucos minutos atrás. Suspiro.

— Eu não... Olha, não é tão ruim assim – tento, meu rosto recebendo o vento como cócegas. O sorriso de Karras se torna compreensivo.

— Não precisa mentir para mim.

Ergo meu rosto para olhá-lo fundo nos olhos. Alguma coisa no jeito como ele fala isso, como se soubesse exatamente o que estou sentindo, me faz querer confiar nele. Ao mesmo tempo, fico pensando se ele não está simplesmente planejando coisas com seu pai. Porém, quando olho em seus olhos castanhos e vejo tanto de mim nele, e tanto do meu irmão, e tanto de... algo diferente. Algo que me atrai. Não quero admitir para mim mesma, mas deve ter algo a ver com o fato de sermos ambos Tamaraneanos; ele homem, eu, mulher.

Pisco, tentando fugir disso.

— Eu só não pensei que teria que gastar tanto tempo com assuntos que deveriam ser de Galfore – confesso. – Mas o que você entende sobre isso, Príncipe Karras? Eu não quero ser grossa, porém você parece gostar da vida de Príncipe. Visitando outros planetas, garotas, participando de jantares, treinando... E as pessoas te adoram. Se isso fosse uma democracia e não fossem todos tão apegados à tradições, você com certeza seria nosso Grande Governante.

Karras não se abala com nada que eu digo. Sinceramente, não estou o atacando, então não fico tão surpresa com sua reação. Seu rosto bem humorado continua no ponto.

— Tem razão, Princesa Koriand’r. Sinto que minha experiência como príncipe tem sido muito mais proveitosa que a sua como Princesa; você enfrentou muitos conflitos e quase teve a liberdade tomada... – É bom vê-lo flutuando sem a capa, então só o assisto enquanto fala. – Mas é exatamente como você falou. Se fossemos uma democracia, eles esperariam que eu me tornasse o Grande Governante. Graças à X’hal, não somos – e está sério outra vez. Eu suspiro sob sua voz.

— Você realmente não quer o trono, quer?

— Eu já te disse antes; não.

— Achei que a história de Ryan... Achei que você queria me enrolar – eu percebo o termo que usei e levanto os olhos na hora. – Digo, enganar. “Enrolar” é como um gíria para enganar, na Terra.

— Ah, entendo – ele diz rapidamente, sem parecer realmente confuso. – Não, eu não estava te enrolando. Por que eu faria isso, de qualquer forma?

— Casamento.

Um sorriso brincalhão dança nos seus lábios.

— Mesmo, Princesa? Casar comigo seria assim tão ruim para você, que não consegue parar de pensar nisso? – Sua voz é macia e... persuasiva. Um pouco encabulada, eu abro a boca para responder, mas ele segura na minha mão antes. – Acho que vou ter que descobrir outra hora. Nós chegamos.

E olho para baixo, só para descobrir o mesmo ginásio em que ele me levou algumas noites atrás. Dessa vez, porém, a luz já fraca de Vegas o ilumina em laranja e posso ver as pessoas lá dentro... pequenas pessoas, percebo, quando nos aproximamos ainda de mãos dadas. Crianças. Quando finalmente nossos pés estão nos chãos, olho para Karras sem conseguir conter um sorriso. Isso explica suas roupas; ele estava treinando todos os nossos futuros guerreiros. 

É um grupo de no máximo 30 pequenos, entre meninas e meninos. Posso ver alguns guardas reais por ali – Karras tinha avisado os que estavam comigo que teriam alguns para onde me levaria – e soldados que provavelmente auxiliam o príncipe. Algumas crianças estão lutando entre si, no chão, outras voam pouco acima do chão, descansam, limpam espadas que provavelmente cortam tanto quanto as facas que Ciborgue usa para passar manteiga.

 X’hal. Eu odeio guerra e tudo que remeta a elas, mas é uma coisa bonita de se assistir. Toda uma geração de guerreiros se formando sob meus olhos. Faz-me pensar realmente sobre o que é ser um Tamaraneano; eu cresci com a minha mãe me ajudando a segurar uma espada, com meu pai me ensinando a controlar o fogo, com Galfore me ensinando a montar estratégias. E agora, mais velha, luto todos os dias do lado dos meus amigos Titãs.

Soltando minha mão delicadamente, Karras dá um passo à frente.

— Sua futura Grande Governante, a Princesa Koriand’r está aqui – apesar de não ser alta, sua voz ecoa como um trovão e todas as crianças, de pouco mais de 7 e menos de 12 anos, olham na nossa direção. Eu não o corrijo, apesar de não gostar do título de futura Grande Governante, é compreensível que crianças pensem que sim. Num segundo tão rápido quanto um piscar de olhos, estão todas alinhadas em cinco fileiras, algumas erguendo seus pescoçinhos para olhar sobre os ombros das outras, me encarando surpresos e admirados. – Ela me disse que gostaria de ver o progresso de seus futuros protetores.

Karras pisca para mim e eu sorrio gentilmente para todas as crianças. Elas abriram a boca em “o” com sua última frase. Participar da guarda real é o ponto máximo da carreira militar em Tamaran. Se pararmos para pensar, foi como Galfore conquistou o título de Grande Governante – primeiro como soldado, general, mão direita do meu pai, meu guardião e enfim Rei. 

— De fato, Príncipe Karras tem me deixado curiosa sobre as habilidades de vocês – digo, contente. X’hal sabe como o tempo todo que eu estive na Terra, pensei na atividade de treinar essas crianças.

Ele abre a boca e sei que vai dizer algo, quando uma voz estridente, feminina e jovem o corta.

— E qual é a graça de proteger a Princesa? Ela treinou com os Lordes de Okaara e tem o Fogo, papai disse que ninguém a venceria!

Eu e Karras procuramos imediatamente a dona da voz corajosa, que deixa todos os seus colegas um pouco assustados, com medo da nossa reação. Encontramos numa menina muito mais nova que todos ali – ela deve ter 6, no máximo 7 anos – de olhos laranjas e cabelos quase loiros. Seu rosto juvenil é tão corajoso quanto a voz, e tem uma espada longa em suas mãos.

Ela é a primeira da terceira fileira e, sorrindo, eu me aproximo até que esteja a dois ou três passos deles, Karras ao meu lado. Todas as crianças prendem o ar e posso ver até que o rosto dela treme um pouco, como arrependida por ter falado sem pensar. Curvo meu corpo, apoiando minhas mãos nos meus joelhos. O príncipe me assiste paciente.

— Qual seu nome, querida?

Ela pisca algumas vezes e engole em seco.

— H-Halia’r.

Estreito meus olhos.

— É um belo nome; a princesa que não sabia lutar e usou da sua esperteza para escapar dos Kurugarianos – lembro, depois de pensar um pouco. Halia’r sorri como que feliz que alguém saiba o significado do seu nome. Agradeço a centenas de lendas que Galfore me ensinou e o tempo que meu pai dedicou para que eu aprendesse todas as constelações de nossa galáxia e outras. – Quero contar um segredo para vocês, mas vocês precisam prometer que não vai sair daqui – murmuro e olho para a carinha de todas as crianças, que concordam rapidamente com a cabeça, em um silêncio mortal. Sorrio. – Seu pai tem razão, Halia’r. Os Lordes da Guerra me treinaram muito bem. Eu posso queimar todos os nossos inimigos. – Eu acendo uma starbolt na palma da minha mão, perto do queixo, e a luz verde ilumina o rosto fascinado da minha pequena menina. – Então ouçam bem o que vou dizer: eu não quero soldados para me proteger; preciso de soldados que possam lutar comigo. Ao meu lado. Não como protetores, mas como aliados.

Posso ver suas íris alaranjadas felizes e sorrio para Halia’r e sorrio para todas as crianças com promessas de fidelidade em seus olhos. A starbolt some no momento em que sinto uma mão na base das minhas costas e eu me ergo, olhando para Karras e descendo lentamente o olhar para seu braço. Não me sinto confortável com ele me tocando dessa forma tão íntima, mas não tenho coragem de dizer nada na frente dessas crianças felizes. Karras me trouxe aqui, afinal. Ele não tem más intenções.

— Mostre-nos, Princesa – e lentamente ele se afasta, sorrindo atrevido. Por causa de sua expressão, não consigo evitar meu próprio sorriso de aumentar. – Eu também treinei em Okaara; não precisa ter medo de me machucar – zomba, afastando seus joelhos, posição de batalha. As crianças estão em êxtase; alguns guardas se arrumam para assistir melhor.

Eu assumo um semblante orgulhoso que agradaria papai.

— Oh, não terei, Príncipe Karras. Com certeza não.

 

 

Eu massageio a linha do meu ombro, até o pescoço, agradecida de ter amarrado o cabelo e me livrado da capa mais cedo. Aproveito esses segundos relaxantes para olhar a imensidão negra, cheia de pontos brilhantes, que é o céu de Tamaran. Não posso dizer se é mais bonito que o da Terra, uma vez que já me acostumei e aprendi a admirá-lo, mas certamente é mais... surpreendente. Temos mais de uma lua, e a atmosfera é livre de poluições, o que permite a visualização de todas as estrelas. 

Eu e Karras, do meu lado, esticando as pernas, estamos sentados no topo do estágio, na beirada, em silêncio. Mar’i me mandou mensagens preocupada; passei pelo menos três horas aqui, treinando com ele, ajudando com as crianças. Eu respondi que ainda estava com Karras, mas que ela dissesse que estou simplesmente ocupada caso alguém pergunte. Não sei se devo dizer que estou com ele...

O tempo todo e depois disso, continuei olhando meu hsuw’ws. Esperando uma ligação dele – uma mensagem, talvez. Qualquer coisa. Outra vez, suspiro e guardo o dispositivo no meu cinto. Enquanto eu ajudava as crianças, esqueci de Robin, me distrai dos pensamentos sobre ele. Mas é só pararmos, X’hal, e minha mente é toda dele. Karras percebeu todas as vezes e me olhava quando eu pegava o “telefone”, mas nada disse.

— Eu imaginei que você ia gostar – ouço a voz de Karras, que me traz para o mundo real. Ele me chamou para sentarmos aqui já tinha 5 minutos e estávamos em silêncio desde então. Olho-o em dúvida. – De treinar as crianças, quis dizer. Depois de passar dois dias decidindo sobre a posse de animais, cores das roupas de bebês, seus nomes, colhendo sementes... – e ri, pegando o cantil que deixava guardado junto dos equipamentos do ginásio. É álcool. Ele bebe um gole e me oferece; eu aceito, só por que minha boca está seca.

 — Eu gostei. Obrigada, Príncipe Karras – agradeço, sendo sincera, e tomo um gole da bebida. É forte e nós dois rimos da minha cara. Volto à entregar o cantil para ele.

— E aposto que gostou de me dar uma surra.

— Foi divertido, não nego – brinco, quando ele sorri e bebe mais um pouco. A verdade é que Karras parecia mais habilidoso no estilo Tamaraneano, o qual perdi o toque há um ano, pelo menos. Eu só o derrotei por que o peguei desprevenido e nós dois sabíamos disso. Eu era muito mais...

—... Fluída – ele completa e percebo que estava falando justamente sobre isso. – É interessante. Aprendeu na Terra?

Balanço a cabeça positivamente, pensando no Richard mais uma vez. X’hal. Preciso falar com Ravena. Por que ele não liga? Batman o deixou tão ocupado assim?

— Eles não são tão resistentes fisicamente quanto nós, então a maioria dos seus estilos de luta são extremamente defensivos.

— Parece conveniente – diz, honesto, e eu rio. – Como é a Terra? Para que nossa Princesa fique fascinada tão impiedosamente, deve ser um mundo de maravilhas – Karras parece genuíno em sua curiosidade e meu rosto se retorce em alegria só de poder falar da Terra!

— X’hal, é sim. É um planeta lindo. Os mares são infinitos; o céu é mais azul que a água, os animais são, em sua maioria, amistosos. A comida é... engraçada. Tem essa bebida, eles chamam de “refrigerante”, e tem gás nela! Você literalmente pode sentir as bolhinhas descendo pela sua garganta. Eles também tem essa comida, “pizza”, que é uma massa redonda e você pode escolher o recheio que quiser! Digo, não é assim tão livre, uma vez meu amigo Mutano me disse que não podíamos misturar banana e carne moída, apesar de ambos os alimentos serem realmente gostosos – conto, animada e Karras ri das minhas reações e expressões. – E a mostarda! Karras, eu amo a mostarda! Queria poder ter trazido para vocês provarem...

— Você falando assim, honestamente, me deixa com vontade de visitar – me responde, parecendo curioso sobre tudo. – Mas eu ouvi falar que é um planeta de nações, certo? E cada nação tem sua própria cultura. Você não se perde? – ele arqueia a sobrancelha e eu balanço a cabeça.

— Um pouco, no começo, mas meu amigo Robin ele... – falar a voz de Robin em voz alta, no silêncio da noite, faz minha barriga revirar. Eu respiro fundo, esperando que Príncipe Karras não tenha notado nada. Não quero atrapalhar uma das primeiras conversas realmente legais que tenho com ele. – Ele sempre me ajuda quando tenho dúvidas.

— Então lá eles tem muitos idiomas?

— Muitas! Eu mesma nã...

E Karras está vindo na minha direção; seu nariz roça com o meu, sua franja faz cócegas na minha testa. Um centímetro, tenho certeza, é tudo o que separa nosso lábios, mas, num susto, eu empurro seus ombros, segurando-o firmemente. Minha respiração é cortada. Seus olhos, fechados, abrem de surpresa e encontram os meus, também arregalados. Minhas bochechas estão vermelhas. X’hal.

Ele me olha em dúvida, não tão perto quanto antes, mas não longe o suficiente para que eu não sinto seu hálito quente nas minhas narinas.

— Kori? O que foi? – murmura, confuso. – Você deveria me deixar aprender as línguas.

E a ficha finalmente cai. X’hal, como sou idiota. Karras queria fazer contato labial, para aprender as línguas. Naturalmente, é o que todo Tamaraneano teria feito no momento em que ouvisse sobre aprender uma nova – é quase uma obsessão para nós falarmos quantas línguas forem possíveis. Ainda mais Karras, que viajava para todo o canto da nossa galáxia, seja por obrigação ou diversão. Eu solto seus ombros e olho para o chão.

— Me desculpe, Príncipe Karras. Eu gostaria, mas não posso... – sussurro, sincera. Não vou conseguir fazer contato labial com ele, não.

É como se uma interrogação pairasse sobre sua cabeça.

— Eu entendo que seja um lugar importante para você, Princesa, mas conhecimento não é algo para ser guardado.

Sinto-me tola. Seguindo as regras culturais de outro planeta, no meu próprio. Me sinto tola, mas não consigo parar de pensar na boca de Richard sobre a minha. Da sua língua. Do seu gosto doce.

— Eu... Na Terra, o contato labial é visto de outra forma. Ele é... romântico, como nossos beijos depois do casamento. O contato labial só é destinado ao Raf’ta — explico o melhor que posso; Raf’ta é um parceiro sexual, sem envolvimento amoroso. Não é o que tenho com Robin, com certeza, mas as outras palavras próximas seria, a tradução de “noivo” ou “alma gêmea”, e eu não nos superestimo tanto assim. Não ainda. – N-Não que eu tenha um, mas eu me acostumei aos trejeitos dos humanos – acrescento logo, para que não corra o risco de que estou me envolvendo com alguém de outra espécie. Mesmo que muitos desconfiem disso, não posso lhes dar certeza; a deficiência ainda me assombra.

Karras finalmente assume uma expressão esclarecida, embora me encare por tempo demais nos olhos. Minhas bochechas continuam vermelhas. Seus olhos passam dos meus lábios, para meu nariz, para minhas íris de novo. O que ele está pensando? Seu rosto é um cofre.

— Entendo, Princesa – murmura, com algo que não consigo identificar o que é, na voz. Finalmente, se afasta um pouco, mas ainda estamos lado a lado. – Uma pena. Uma língua nova é sempre...

— Uma experiência nova – completo, rápida, e ele toma outro gole do cantil, piscando para mim. – Não se preocupe, príncipe Karras, eu nunca ouvi nenhuma língua da Terra sendo falado por aqui, na nossa galáxia. Não seria útil para você, eu aposto.

Ele dá de ombros, voltando a encarar o céu. Eu deveria voltar e jantar; acredito que ele também. 

— Contato labial como introdução sexual, agora isso é interessante – ri, balançando o cantil. – Nessa galáxia também, não acha? – ele me olha de um jeito malicioso e eu aceno a cabeça.

— Quem sabe – X’hal, quero sair desse assunto. Querendo ou não, Karras me atrai. Não posso negar isso. Mas eu não teria coragem de fazer absolutamente nada com ele, Robin não sai da minha cabeça. Por isso não posso deixar Karras acreditar que sim, e não sou corajosa o suficiente para simplesmente dar um fora nele. Ele só está brincando e sendo bom comigo. Eu olho lá para baixo, para o chão, e depois para ele. – Quero falar sobre Ryan.

Ele balança a cabeça.

— Estava esperando por isso.

— Por que precisa da minha autorização? Só a de Galfore não seria o suficiente?

Karras morde o lábio inferior, o primeiro sinal de hesitação que vejo vindo dele.

— A segunda pergunta: não, não seria. Para uma expedição dessas, primeiro eu preciso da autorização do meu pai. Não só como progenitor, mas como Alto do Sul, que é meu povo. Depois, a de Galfore. Também precisaria que ele me fornecesse meios para tal; preciso de soldados, nave, mantimentos, roupas, equipamentos, dinheiro. Tudo isso.

Olho para o chão outra vez. Parece um monte de trabalho. Tudo para Ryan. Aperto meus dedos em punho. E se, mesmo assim, não o acharmos? Terá sido inútil? Karras volta a falar, quando vê que estou pensando:

— A do meu pai, eu tenho. O que meu pai quer é mais simples do que parece, Kori. Ele quer alguém legítimo no trono e não considera que Galfore seja. Como você está bem, seria obvia a escolha por você. Na mente dele, nós nos casaríamos, eu seria o Grande Governante, ou você, e poderíamos unir o Sul e o Norte outra vez, você sabe. Mas não é o que você quer. Então, na mente dele, por ser o Alto, logo vindo da ramificação da família real, ele tem mais direito que Galfore. Assim...

— Um golpe – completo. – Sim, eu entendi.

— Ele me falou tudo isso. Queria minha ajuda para te convencer a se casar comigo. Se mesmo assim você recusasse, então queria que eu o ajudasse com o golpe. Honestamente, Princesa, eu não sei o quanto meu pai seria retalhado. Muitas pessoas influentes concordam com ele, para fazer a cabeça da população não demora um segundo. Já vimos revoluções em outros planetas.

— Mas você se recusou?

Karras me encara e volta a beber no cantil.

— Mesmo se você aceitasse se casar comigo, eu não quero ser Grande Governante. Nem marido de uma. Como príncipe, eu tenho expectativas altas em mim a todo o momento, cobranças excessivas; eu não sei se aguentaria a pressão de ser Rei – confessa, e sua voz é a mais verdadeira que já ouvi vindo de seus lábios. É como se todo o resto que ele tivesse me dito até então fosse bobagem... – Mas eu também respeito às tradições e respeito a divida que tenho com sua família, Kori. Com você. Então eu pensei em como poderíamos deixar todos felizes. Agradar meu pai, para que ele esquecesse essa coisa do golpe, agradar você, para que você possa ser livre vivendo sua vida onde quer vivê-la, agradar essa minoria irritante que deseja alguém “digno” no poder, e agradar a mim mesmo, servindo-a. – Dessa vez, aquela honestidade crua sumiu. Isso me faz me sentir estranha... Depois de algo tão verdadeiro, você consegue cheirar a mentira a anos-luz. Deve ser impressão minha, acredito. Também há sinceridade no que ele diz agora. É como se ele disfarçasse um pouco mais as emoções.

Mas tudo o que ele diz faz tanto sentido, X’hal! É o plano que eu precisava ter pensado antes. Franzo o cenho.

— Então, você já teve a aprovação do seu pai para procurá-lo? – Karras concorda com a cabeça. Não estou entendo uma coisa... – Mas a de Galfore...?

— Não.

A verdade me acerta como um punho na barriga. Não pode ser.

— Não faz sentido, Príncipe Karras. Galfore amava meu irmão! Ainda ama. Ele com certeza quer vê-lo de volta.

Ele mexe os ombros.

—Eu não duvido, Kori. Contudo e ainda assim, ele recusou. Disse que o problema é você.

— Eu?

— Ele tem medo que eu esteja te dando falsas esperanças; que não sejamos realmente capazes de achar Príncipe Ryand’r – está me olhando um pouco receoso. – Sinceramente, Princesa, eu gostaria, mas não posso te prometer nada.

A imensidão da atmosfera de Tamaran não é vazia. Não é nada como a Terra, tão solitária, tão longe de outros planetas. Nós temos vizinhos. Uma grande quantidade deles. Ryan pode estar em qualquer um desses lugares – talvez, além. Se ele foi sequestrado pelos Gordanianos, se fugiu, nós nunca soubemos. Em um minuto, ele estava com meus pais. No outro, eles declaravam em prantos que seu único filho menino tinha desaparecido – a busca em Tamaran foi infinita. Mas Ryan não estava aqui, não. Ele saiu. De alguma forma, ele saiu.

O medo de Galfore faz sentido, não posso negar. Mas eu não sou a mesma menina de 2 anos atrás. E se eu tiver qualquer chance de encontrar meu irmão de novo... Me viro para Karras.

 — Você tem minha aprovação, Príncipe Karras. Eu conversarei com nosso Grande Governante Galfore. – Eu crispo meus lábios. – Diga, Príncipe Karras, você quer algo em troca?

Ele mexe os ombros e sorri para mim, parecendo aliviado com a minha adesão. Mesmo se Galfore não concordar comigo... Bem, eu darei um jeito. E isso pode incluir usar meus benefícios de Princesa.

— Nada. Acredite em mim, Princesa, estou fazendo isso também para benefício próprio; eu gosto de viajar, gosto das atividades militares... – Ele estreita os olhos, como se pensasse em algo que gostaria muito de fazer. Não posso evitar um sorriso. Todas essas palavras e as juras que ele faz para minha família me lembram de Galfore, me contando sobre quando era o general durante o reino de meu pai. Talvez seja o que Karras quer, também? Ser o general para meu irmão? Ele luta tão bem, como eu pude ver hoje, não seria um caminho difícil para ele. – Mas há mais uma coisa que queria te oferecer.

— Está cheio de propostas, Príncipe Karras.

Ele ri.

— Enquanto estou aqui, no Norte, eu passo os dias treinando, ajudando com as crianças, com os soldados, mas também passo muito tempo entre os mercadores, explorando nossas Terras, praticamente conhecendo o Norte – explica, gesticulando. – Eu não sei por quanto tempo você pretende ficar e tenho certeza que participa de muitas atividades... divertidas com Mar’i, porém eu vi sua cara toda vez que nos encontrávamos.

Eu balanço a cabeça, constrangida.

— Eu te falei. Só não imaginava que era o que eu faria quando viesse para cá. Mas eu deveria ter imaginado; sou uma Princesa, afinal.

— Eu queria te dar uma alternativa. Caso se canse da conselheira Delhel, ou de assuntos políticos. Você passar os dias comigo. Se tudo ocorrer como eu penso, poderíamos planejar a busca pelo Príncipe Ryand’r juntos.

Eu ouço seu convite surpresa. Algo dentro de mim quer aceitar – isso me ajudaria a me encontrar, não ajudaria? Mas a outra parte grita sobre responsabilidades e eu me rendo em um suspiro.

— Eu... Eu adoraria, Príncipe Karras. Ajudar-te. Hoje foi incrível. Entretanto, eu tenho obrigações com esse planeta e...

— Obrigações as quais Galfore pode retornar, como Grande Governante – diz, um tom de voz óbvio. Eu arqueio a sobrancelha para ele. – Pensa bem, Princesa, Delhel, Thirlor, todos os outros, só querem te cansar. Se você continuar pensando que “tem obrigações”, uma hora vai adiar sua volta para a Terra. E adiar de novo e de novo. Se Galfore é nosso Grande Governante, eles gostando ou não disso, a responsabilidade é dele. – Me calo, envergonhada. Bem, eu deveria ter previsto isso. É obvio. Karras pega o cantil mais uma vez, sorrindo de canto. – Se você simplesmente se recusar, porém, os cidadãos não verão isso com bons olhos. Mas se você estiver comigo...

— Isso com certeza agradaria Delhel – murmuro, rindo sem humor. – Mas eu não quero dar expectativas que não vão se concretizar. Príncipe Karras, você é... ótimo, mas eu não penso em me casar agora.

Ele dá de ombros e percebo que a bebida acabou.

— Deixe que eles pensem o que quiserem; não diga nada. Você já repetiu que não se casaria, não é? E que não ficará em Tamaran. Se não quiseram ouvir, o problema é deles. Avisados estão.

Não há como evitar um rosto contente que toma conta de mim. Um alívio esquisito. Eu sorrio para Karras, balançando a cabeça, concordando em silêncio. Ele acena de volta e, mais uma vez, se vira para o céu.

Eu passo a mão sobre meu hsuw’ws, desejando falar com Richard e contar que tenho pessoas aqui que realmente se preocupam comigo. Acho que ele ficaria feliz.

 

 

Seguro o comunicador dos Titãs, apertando o dispositivo redondo com força entre meus dedos e a palma da minha mão. Um pouco mais de força, só um pouco, aquela que tenho que controlar sempre, e ele viraria pó. Sumiria. Infelizmente, não posso fazer isso com os meus sentimentos. Eles não somem ou viram pó. Não, não é assim que funciona. Apoiando a outra mão no chão, eu encosto minha testa na cama. Tento se compreensiva, X’hal, eu tento.

— Robin. Robin, sou eu. Eu sei que você deve estar ocupado. Eu sei que Gotham é uma cidade muito perigosa. Mas, por favor, se você está ouvindo isso, eu queria falar com você. Na verdade, não precisamos conversar. Eu só quero saber se você está bem. Por favor, você me fez uma promessa. Você disse... – suspiro, o chão ficando quente sob minha palma. Compreensiva. – Por favor. Você não tem falado nem com os Titãs. Já faz uma semana.

 

 

Eu chuto a madeira, bem no topo, e, como uma cicatriz se abrindo, ela parte até o meio. Olho para o resultado um pouco surpresa; achei que poderia parti-la em duas. Suor cobre a minha nuca e barriga; é a primeira vez em certo tempo que estou lutando com um body, como o que a minha mãe costumava usar. Ele é mais cavado do que Ravena recomendaria, apesar do dela ser bastante também, e tem uma abertura na barriga. Voltar a revelar tanto da minha pele me faz lembrar do meu uniforme Titã.

Mas essa com certeza não seria a roupa mais apropriada para combater o crime na Terra; ela era ainda mais aberta dos que as que eu estava acostumada. Mar’i que me convenceu à vesti-la, depois de eu ter passado no antigo quarto dos meus pais e dado uma olhada nas roupas, junto com ela. Estávamos explorando os cômodos que eu já não via há algum tempo, juntas, e quando Galfore me viu vestida como mamãe, um grande sorriso de aprovação passou pelo seu rosto.

Karras segura minha canela no ar, puxando-a mais para cima, olhando sério para o segundo pedaço de madeira.

— Baixo demais – murmura, e me afasta delicadamente. Eu o assisto atenta. Ele fecha a mão em punho e acerta pouco acima do que eu tinha chutado na outra. Dois ou três centímetros, somente. Como papel, a madeira que é do nosso tamanho, cai em dois pedaços.

Eu suspiro. Príncipe Karras, usando sua roupa de treino, franze o cenho para mim, cruzando os braços. Eu vejo quando seus olhos passam sorrateiros pelas minhas pernas, coxas, barrigas, até o meu rosto. Não tão sorrateiro assim. Eu sabia que essa roupa chamaria atenção e, sinceramente, não poderia ligar menos para seu olhar ou de qualquer um. Não agora.

— Você não erraria isso – constata. – Alguma coisa errada, Kori?

Ergo o rosto para o apelido, suspendendo o ar. Kori. Estrela. Passo a mão na testa.

— Não, nada. Nada demais. Estou pensando sobre Ryan – minto. – Ainda preciso falar com Galfore – na verdade, omito. Antes que ele me responda, eu pego minha capa com a menina de cabelos negros sentada nas arquibancadas, e passo pelos meus ombros, sem abotoá-la. – Preciso de uma pausa, Karras. Mar’i, por que você não treina com ele um pouco? Príncipe Karras é um bom professor.

Mar’i vinha me acompanhando desde que minhas saídas com Karras tinham ficado muito frequentes. Galfore já voltava aos seus afazeres de Grande Governante e Delhel me dava um sorriso estranho toda vez que eu passava por sua sala. Ela se levanta rapidamente, para abotoar minha capa, mesmo sem eu ter pedido. Seu rosto fica um pouco vermelho com a sugestão de treinar com Karras e ela não consegue tirar os olhos das abotoações no meu protetor de peito e ombreiras.

— Não é necessário, Kori. Acho que minha coisa é com livros e ervas, somente – balbucia, constrangida, e eu imagino se é por ter de treinar com Karras sozinha. – Deixo a guerra com vocês – brinca, olhando para Karras por cima do meu ombro. Posso ver, quando ela finalmente termina de arrumar minha capa, que ele sorri compreensivo para ela. – Onde vai?

— Só preciso de um momento sozinha. Estou aqui em cima.

E flutuo para o topo do ginásio sob os olhares dos meus dois acompanhantes e dos guardas, sempre atentos. Eu me sento de modo que eles ainda possam me ver. Sozinha, o incômodo no meu peito volta. Eu não faço nada para pará-lo; passo a mão no meu cabelo solto, jogo-o para o ombro, tento parecer um pouco mais viva do que realmente estou, e finalmente ligo meu T-comunicador.

— Ei, garota. Isso é um decote? Olha, se você quiser minha opinião, as coisas estão tão tediosas por aqui que eu preferia passar um fim de semana ai. Você podia me chamar na próxima vez – ela pisca para mim, enrolando alguns poucos babyhairs que escapam de sua nuca bem penteada. Eu não posso evitar rir. – Eu, você, Ravena e Jinx numa viagem de verão. Garotas se divertindo.

— Acho que as duas não apreciariam muito a ideia, Abelha, mas eu acredito que seria glorioso! – digo, sorrindo, e ela pisca outra vez, um grande sorriso nos seus lábios carnudos. – Então, como estão os Titãs?

 

 

“Eu não quero te incomodar. Eu juro, eu não quero mesmo. Eu só não pensei que você nos ignoraria... Não, Robin, desculpe. É o Batman? Sinceramente, eu só queria saber. Por favor, eu não aguento mais imaginar como você está. Eu estou bem, caso isso passe pela sua mente. Caso você tenha se perguntado alguma vez nessas duas semanas.” 

 

 

— Bumgorf.

Estamos eu e Galfore, sozinhos na mesa. Eu o perguntei se podíamos comer à maneira que se faz na Terra, uma vez que, pela primeira vez em 3 semanas terrestres, iríamos estar à sós. Com um lindo sorriso amável, ele me respondeu que sim, que podíamos, que ele iria se esforçar ao máximo para entender como fazíamos isso lá.

Não há talhares em Tamaran, então continuamos comendo com as mãos, mas não atacamos ou subismo na mesa dessa vez, o que me fez me sentir um pouco na Terra. Só um pouquinho.

— K’norfka – respondo, pegando uma das taças com bebida. A sala de jantar é grande e nossas vozes ecoam.

— Eu não quero me intrometer na sua vida, Kori, mas você e Príncipe Karras estão se dando bem? Ouvi boatos de alguns conselheiros esses dias – ele me olha sério, deixando de comer. – Se Príncipe Karras está te forçando ou te manipulando de qualquer forma, em nome do pai dele, não tenha medo de dizer, Kori, e eu irei pessoalmente...

Eu sorrio com seu jeito protetivo e a expressão de raiva se desmancha na hora.

— Não, não, Galfore. Príncipe Karras é muito gentil. Ontem ele me levou para conhecer um mercante de cryneberry! Ele veio diretamente das Luas de Cietha para fazer comércio conosco – me lembro, animada. – São frutinhas muito saborosas. Mar’i nos acompanhou e levou um espécime para as enfermarias do castelo, ela acredita que possam servir para aliviar sintomas da nossa alergia a cromo metálico. Além disso, posso finalmente ajudá-lo com as crianças, sabe? O progresso delas é animador! Antes de ontem...

E Galfore me olha cativado, parecendo feliz, a coroa muito bem em sua cabeça, enquanto listo, sorrindo, todos os motivos que deveriam me fazer querer ficar em Tamaran. Eles não fazem.

 

 

“Ravena desconversa, mas eu sei que ela está preocupada, como eu também estou. Gotham deve estar te deixando muito ocupado. Ciborgue parece uma pilha de nervos toda vez que falo com ele. Abelha está sempre de bom humor, mas às vezes eu acho que a Ravena pediu isso para ela.Talvez você não queira falar dos nossos amigos hoje. Talvez Batman esteja ocupando seu tempo como seu k’norfka? Dick, eu ficaria feliz de ouvir sobre isso.”  

 

 

 Ele coloca a mão sobre minha boca, tão suave como uma pluma, fazendo com que eu diminua minha respiração. Olha-me e, com a mão livre, coloca suavemente o dedo indicador sobre os próprios lábios, sinal universal de silêncio. Eu aceno com a cabeça, dizendo que entendi. Mesmo nosso sopro pode chamar atenção do bicho.  

Entre os arbustos comigo, Príncipe Karras segura firmemente a lança que tem na mão. Seguindo tudo o que ele faz, eu preparo o meu arco e flecha – é uma das primeiras armas que todo Tamaraneano aprende a usar. Não posso dizer que sou tão boa quanto Ricardito, mas de 10 flechas eu posso acertar 9 com facilidade.

Estreito meus olhos, absorvendo o cheiro forte de terra dessa floresta – uma pequena parte que restou da nossa última guerra, grande para os padrões da Terra, mas mínima em comparação ao que tínhamos. E, de olho nesse grande animal, que parece um búfalo duas vezes maior, com quatro chifres e listras, eu estreito meus olhos e finalmente atiro, ao mesmo tempo em que Karras projeta sua lança.

Teria sido duas vezes mais fácil com uma starbolt, certamente, mas a graça de uma caçada é que não seja fácil. O animal cai praticamente sem fazer barulho e finalmente eu e Príncipe Karras podemos tirar nossos capuzes, que usávamos para nos camuflar. Ele se aproxima do bicho caído, verificando com cuidado se ele realmente morreu.

— Sinceramente, eu não gosto de fazer isso – confesso, com um pouco de dó. Faz-me lembrar de Mutano. Karras, no entanto, sorri.

— Se isso te ajuda, pode lembrar que essa espécie tem mais de 10 crias de uma vez. Eu não acho que ninguém se lembrará dele – é humor misturado com compreensão, o que me faz fazer um careta. Karras amarra as patas dele e, por fim, como se não pesasse mais do que eu peso, ergue o animal e flutua pouco acima do chão. Eu diria que mesmo Ciborgue teria um problema para carregar, mas eu e Karras somos Tamaraneanos, certo? Eu flutuo também. – E você tem que admitir que foi divertido.

— Um pouco – digo, ainda me sentindo culpada. Karras ri de mim.

— Certo, vamos. Mar’i disse que vai levá-la num boticário.

Eu concordo com a cabeça, mas quando estamos no ar enfio mais uma vez a mão no meu cinto, na parte de trás, e pego meu hsuw’ws. Ligo-o, com expectativa. Tinha desligado-o para caçarmos, uma vez que fiquei com medo que ele tocasse do nada. Porém, como sempre, a tela está vazia. Antes que eu solte um murmúrio de descontentamento, Karras se vira para trás, sem se atrapalhar com o pseudo búfalo.

— Achei que você tinha combinado com Mar’i, “sem hsuw’ws ou comunicador” – diz, no que parece ser a voz de Mar’i; uma versão tosca, com certeza. Está se referindo à mais cedo, quando Mar’i me pediu com cuidado. Apesar da imitação, seu rosto não tem nenhum traço de bom humor. – Tenho que concordar com ela, você está viciada nessa coisa. Kori, eu tenho certeza que seus amigos podem esperar por um momento ou dois, não preci...

— Chega, Príncipe Karras – interrompo, desgastada. Ele arqueia as sobrancelhas em surpresa com minha reação. Algo como raiva toma meu corpo quando volto a encaixar o dispositivo no meu cinto. Compreensiva, eu tentei. Compreensiva.

— Desculpe – murmura, se virando sem me olhar. Está flutuando do meu lado agora.

Sua voz faz com que eu me sinta culpada. Karras não tem culpa de nada. Mar’i também não. Eu passo a mão por toda a pele exposta da minha barriga, me sentindo desconfortavelmente fria. Em Tamaran, Vegas está sempre à todo vapor.

— Não, me desculpe. Eu só não... Não estou muito bem – as palavras saem como sussurro e Karras balança a cabeça para dizer que entendia.  

 

“Outra vez, sem respostas suas. Eu estou... Eu confio em você. Por favor, confie em mim também. Os Titãs também estão sentindo sua falta, eu consigo ver. Hoje eu liguei e Mutano... ele não parecia bem. Não me recebeu como sempre. Se você pudesse falar com a gente, tenho certeza que as coisas se acertariam.

 

Mas você teve um mês para isso, não teve? Não sei por que ligaria agora.” 

 

Mar’i conversa alegremente com o pequeno senhor, mais baixo que nós duas, com um chapéu laranja e roxo engraçado, enquanto eu ando pela loja de botica. O boticário é um homem engraçado e agradável, mas quando ele e minha acompanhante – agora amiga – começaram a falar sobre pedras e pós e ervas que eu nunca tinha ouvido falar, honestamente eu só fiquei confusa. Com medo de atrapalhar, resolvi andar pela não-tão-pequena loja.

Ele é mais famoso aqui do que eu poderia imaginar e, quando me viu andando, disse para eu tocar tudo o que visse – acredita que isso lhe trará sorte, por eu ser a princesa. É um pensamento engraçado, mas eu o cumpro de qualquer maneira. Mal não fará. Enquanto vejo um pequeno pote com escamas de uma espécie de lagarto cujo nome não consigo ler, percebo o que parece ser chifres, pendurados em um prego na parede.

— Pronto, Kori, nós podemos ir. Ele realmente é uma figura, não é? Eu te disse – posso ouvir a voz contagiante de Mar’i nas minhas costas, mas estou cativada pelos chifres. Quando vejo mais perto, percebo que são chifres retorcidos e moldados até que se tornassem pulseiras; os pego delicadamente, encantada. São rústicos, mas muito bonitos. Não parecem com nada que já vi em Tamaran ou na Terra.

— Olha só, não são lindos?! – pergunto num sorriso, me virando para Mar’i ver e colocando-os nos meus pulsos. Não fica tão bem por conta dos meus protetores. Mar’i olha também encantada, segurando nas minhas mãos e puxando para ver melhor. – Eu nunca vi nada assim.

— São sim, Kori, são muito lindos! São chifres de Ardbe, mas eu nunca tinha os visto como pulseira – ela diz, tom de voz doce. Passa os dedos pelo acessório e eu a assisto em silêncio. – Minha mãe dizia que podemos usar o pó nas pernas, quando há algum problema emocional que não permite o voo. Não há nada que comprove que realmente funciona, mas eu nunca duvido de ditos populares – eu rio de sua expressão e tiro as pulseiras dos meus pulsos.

— Ardbe, você disse... Também é o nome de uma estrela, não é? Uma que também faz parte da constelação do arqueiro, como o seu nome. – Mar’i acena com a cabeça. Dou uma olhada na pulseira e no rosto bochechudo da minha amiga e enfermeira. Mar’i tem sido um amor comigo todas essas semanas que estive aqui. Eu não contei detalhes sobre Robin para ela, porém todas as vezes que ela percebia que eu pensava nele, me distraia e me levava para fazer algo. Se não fosse por ela e Ravena, com quem eu também falava quase todos os dias... X’hal. Eu coloco as pulseiras levemente sobre as mãos dela, que me olha surpresa. – Deve ser um sinal; você deve levá-las, quero te dar de presente. E, mesmo se não for, aceite como agradecimento meu. Você tem me ajudado todo esse tempo.

E o olhar de surpresa dela é tão puro que tenho vontade de empacotar a loja toda para presente. Feliz, Mar’i me abraça apertado pela cintura, enfiando o rosto no meu pescoço. Mesmo com o movimento repentino, eu apoio o peso de nós duas quando correspondo ao seu abraço, por um momento esquecida de qualquer outra dor.

 

— É bonito – posso ouvir a voz computadorizada de Ravena, do outro lado. Estou lhe mostrando os brincos de pequenas pedrarias brilhantes que comprei essa tarde, animada, sorrindo, e ela parece genuinamente feliz em seu pijama. Seu rosto é claro como o dia. Passamos algumas noites, no meu caso madrugadas, assim, conversando em nossos quartos.

Meu olhar se torna travesso.

— Continua bonito se eu te disser que é para ser usado em conjunto, por duas melhores amigas?

Ravena faz uma repentina cara de medo e eu caio na risada. Ela me olha de forma engraçada, suspirando aliviada, percebendo que é só uma piada minha. Sorri logo depois.

— Pode dizer para a Abelha que você é a nova melhor amiga dela, então.

— Rae!

 

“Você encontrou novos melhores amigos? Ou melhor, retornou para eles?

Desculpe, isso é bobagem. Eu não me importo com o seu número de amizades. “Quanto mais, melhor”, é o que vocês da Terra dizem. Deixe-me te dizer, Dick, que eu penso em você todos os dias. Mas que eu penso em outras coisas também. Muitas outras coisas, nesse mês e duas semanas.”

 

 

Estou prestes a bater na porta, já semiaberta. Questão de educação, acredito. É a sala de Galfore; mesmo que eu seja da família real, não seria prudente entrar sem ser convidada. Coloquei o body que pertencia à minha mãe mais uma vez, pensando que isso talvez agradasse Galfore. Precisava que ele estivesse feliz, a conversa que eu teria com ele era mais do que séria.

Eu vinha enrolando para isso, para conversar sobre Ryand’r, mas acordei focada nesse dia, respirando fundo, me banhando sem mal falar com as criadas. Resolver isso era minha prioridade número 1 – quanto mais rápido Karras começasse as buscas, mais chances dela realmente dar certo. Então, eu precisava convencer Galfore, ou estar preparada para lhe dar uma ordem. Com o punho já erguido, porém, algo me interrompe. Uma voz.

Franzo o cenho, eu conheço essa voz. Meu braço se recolhe imediatamente.

— Por favor, Grande Governante, não fale nada para ela – é Mar’i, definitivamente. A voz mais baixa, mais abatida, mas é ela.

Eu me posiciono delicadamente na porta, tentando ver através da brecha sem ser percebida pelos guardas lá dentro. Posso ver quando Galfore a encara, sério, porém um pouco confuso.

— O pedido é compreensível, Mar’i. Embora eu não entenda como eu poderia chegar nesse assunto com a Princesa... – era isso o que eu gostaria de ouvir. Definitivamente, estão falando de mim. Na verdade, de me esconder algo.

Mar’i está de costas para a porta e só posso ver seu brilhante e longo cabelo negro, a saia apertada nas coxas grossas. Uma das mãos está no rosto, a outra esticada ao lado do corpo. Posso ver a pulseira que lhe dei. A partir dos ombros, percebo que ela prende o ar e balança a cabeça de um lado para o outro.

— Não, com certeza não, Grande Governante. Eu não sou presunçosa de acreditar que eu seria o tópico entre você e a Princesa Koriand’r, não. – Não acho que era o que Galfore quis dizer, mas seu rosto permanece em branco sob a coroa. – Eu só queria garantir... caso... caso vocês conversem sobre a Princesa Komand’r. – Posso ouvir quando ela engole em seco. Minha irmã?! O que raios minha irmã tem a ver com isso?! – Por favor, não conte.

Galfore apoia os grandes cotovelos na mesa e junta as mãos perto do queixo, analisando Mar’i.

— Koriand’r fez qualquer coisa que a fizesse acreditar que seria segregada?

Mar’i balança a cabeça quase desesperadamente, sua mão na altura do rosto corre para a pulseira no pulso, segurando-a com força.

— Não, de forma nenhuma.

— Então você não precisa se preocupar com a ciência da Princesa Koriand’r acerca do assunto. Vocês estão a algum tempo juntas, tenho certeza que isso não mudaria o julgamento de Kori sobre você e, se por ventura...

— Sabe, uma princesa não deveria ouvir atrás de portas.

Meu coração quase sai pela boca e eu lembro automaticamente de todas as recomendações de Robin de nunca abaixarmos nossas guardas. X’hal, o maldito estava certo. Apoio-me na parede, virando para o lado para ver Príncipe Karras e uma sobrancelha divertida arqueada. Antes que ele diga qualquer coisa, ergo minha mão e cubro sua boca.

Mar’i está falando mais alguma coisa, mas só consigo reconhecer sua voz e não as palavras. Eu suspiro e seguro no pulso de Karras, me dirigindo até as grandes aberturas entre um pilar e outro, e me jogo junto dele. Nós acabamos no andar debaixo e eu me sento no parapeito, com ele flutuando na minha frente, sério, braços cruzados.

— Era Mar’i, não era? – ele pergunta, e meu rosto é uma junção de confusão e raiva.

— Eu sei que não deveria ficar ouvindo – digo, agridoce. – Mas ele estavam falando sobre mim! Na verdade, sobre me esconder, não me contar algo – explico rapidamente, encarando o céu rosado do meio-dia. Quando olho para Karras e seus cachos castanho-mel, percebo algo em seu rosto. – Você sabe! – acuso, inconformada.

Karras passa a mão na nuca, coçando-a, me olhando um pouco incomodado.

— Eu não deveria te dizer, é privado – murmura e eu passo um dos braços na pilastra do lado onde estou sentada, tentando me distrair. – Mas eu já estou fazendo tantas coisas que não deveria... – termina, olhando para outro canto que seja eu. A frase parece um pouco mais enigmática do que ele pretendia, porém volta a falar antes que eu o interrompa. – Kori, não me diga que não percebeu todo esse tempo?

Estreito os olhos.

— Príncipe Karras, eu não sou boa com adivinhações.

— Não, não é – ele se senta do meu lado. – Mar’i nunca treina com a gente, eu duvido que você tenha a visto voar.

Junto as sobrancelhas, pensando nisso.

— Eu achei que era costume, os guardas também não voam – murmuro, sem entender aonde ele quer chegar.

— Eles só voam quando você os diz que devem – Karras cruza os braços. – Mar’i não pode voar, mesmo se quisesse. Ela nasceu com a agonia de X’hal, a mesma doença que sua irmã. A diferença é que, claro, Mar’i não é uma princesa, ela não teve acesso aos tratamentos alternativos que seus pais puderem oferecer para a Princesa Komand’r. – Está se referindo aos cientistas Psions que meus pais puderam trazer à Tamaran. Obviamente foi uma cura cara; não há como Tamaran bancar isso para todos os deficientes.

Minha boca abre em “o”, sem conseguir esconder minha surpresa. X’hal. Pobre Mar’i. E eu sempre estava tão entretida com meus próprios problemas para prestar atenção nisso... O diálogo que ouvi com Galfore faz todo sentido agora. Ela não quer que eu saiba, tem medo que eu a compare com a minha irmã... Não.

A doença de minha irmã pouco tem a ver com seu caráter. Não posso negar o peso que isso teve na vida dela; todos os comentários e olhares tortos. Não posso negar, mas o que Komand’r fez é imperdoável. O que ela fez não tem nada a ver com voar, com ter o Fogo ou não. Komand’r descendeu nosso planeta ao caos. Vendeu-me como escrava. A morte dos nossos pais – que amavam tanto, X’hal, tanto, e a protegiam de todas as fofocas que podiam – foi produto direto de tudo isso. Talvez o desaparecimento de Ryand’r também tenha a ver com ela; tão provavelmente que dói. Ryan vivia em seus braços.

Eu já não era a mesma menina, a criança que acreditava que ela podia se arrepender. Não, Komand’r só tinha a coroa nos olhos. Não a importava nossos laços de sangue ou o tanto que eu a amei – amo. Mar’i não era como ela, nem de longe. Para Koma, eu não era sua irmã, era puramente a barreira que a impedia de alcançar a maldita coroa.

Quando levanto os olhos para Karras, ele ainda está esperando uma reação mais expressiva minha.

— Karras, você poderia me emprestar sua capa? 

 

O calabouço do castelo principal de Tamaran não é uma das partes mais convidativas desse planeta. Ele não é sujo e mal iluminado como os filmes da Terra gostavam de representar os deles, mas não há nada de atraente em todos os condenados que mantemos aqui. Eu não visito esse lugar há tanto tempo...

Seguro a lateral da capa de Karras, que me cai como um grande lençol roxo escuro. Não é minha cor preferida, a cor do Sul, mas eu não tive vontade de voltar para meu quarto ou esperar alguém pegar para mim – um minuto a mais de pensamento, e eu não colocaria o pé aqui. Quando se trata de Komand’r, eu nunca posso pensar demais. Quando ela me faz pensar demais, X’hal, eu nunca sou capaz de tomar a decisão certa.

Sigo os passos do guarda à minha frente, armado com uma espada e machado presos nas costas, o mais calma que posso. Meu rosto é sério, mas por dentro eu me sinto desmontada. A prisão de Tamaran não tem muito mais do que alguns traidores, alienígenas desertores de seus planetas natais, a maioria no Sistema Vegas, ou mercenários pagos para matar alguém dentro da família real. Ninguém que realmente tenha qualquer coisa pessoal contra mim. É por isso que quando passo, sem olhá-los em suas prisões de uma espécie de vidro reforçado indestrutível, tecnologia que não vi na Terra, eles só me encaram em silêncio.

Ninguém que realmente tenha qualquer coisa pessoal contra mim; menos uma. O guarda deixa de andar quando viramos em um corredor um pouco mais estreito que os demais, depois de ele desativar uma trava de segurança que o separa dos demais. Nem eu tenho a chave, só esse guarda. Finalmente, posso ver uma prisão de vidro pouco maior que as demais, com móveis básicos. Ele me encara e eu demoro um minuto para olhá-lo, fascinada pela prisão – se é de medo, não sei dizer.

— É o mais perto que posso me aproximar da Princesa Komand’r, Princesa Koriand’r – sua voz é tão séria quanto o rosto. Eu aceno, sabendo que é uma advertência de Galfore. Koma é, além de muito persuasiva, uma mulher bonita. Ela aprendeu como ser... feminina em muitos planetas diferentes. Além de, claro, uma guerreira habilidosa. E com o título de Princesa. Sua traição que nos trouxe a guerra ainda era mantida em segredo da população; quando meu pai descobriu, teve medo que a matassem. Todos pensam que ela está aqui por minha causa. O guarda limpa a garganta. – Perdão, Princesa, porém eu ainda acredito que o Grande Governante deveria ser avisado de sua presença aqui.

Eu tento sorrir, o mais sincera que posso.  

— Não é necessário. Se o Grande Governante Galfore não os advertiu de proibir minha visita, ele sabia que eu viria, hora ou outra – explico, tentando acreditar nas minhas palavras. Com certeza Galfore gostaria de ser avisado, mas eu preciso ver minha irmã agora

Finalmente parecendo convencido, ele se posiciona atrás de mim.

— Ela não recebe mais de Vegas do que o necessário para a sobrevivência, então mesmo se seus poderes funcionarem, não deve ser forte o suficiente para afetá-la. Estamos monitorando tudo, Princesa Koriand’r, então devo avisá-la que se a Princesa Komand’r tentar atacá-la, tenho autorização para matá-la.

— Tenho certeza que isso não será necessário. Só preciso de alguns minutos com minha irmã. 

Ele acena com a cabeça e sei que é minha hora.

A capa de Karras tem seu cheiro impregnado, mas tento não pensar nisso. Tento não pensar que na última vez que vi Koma, Robin me salvou de outro plano dela. Robin...

— “O bom filho a casa torna”. Não é o que dizem na Terra, irmã?

A porta de vidro se fecha atrás de mim. Eu olho para a garota sentada em um divã cinza, como todos os outros móveis, e um dos meus estômagos se revira. Seu longo cabelo negro cai em ondas até o fim das costas, mas sua pele parece menos dourada que a minha. Muito menos. A roupa também cinza, um traje com poucos detalhes, colado em seu corpo, me anestesia. Ela fica tão melhor em roxo. O que mais me assusta, porém, é que Komand’r está usando inglês.

— Essa não é a minha casa.

Komand’r se curva e posso ouvir sua língua estalando no céu da boca. Finalmente, ela volta a se endireitar e dessa vez posso ouvir uma risada, um riso que começa baixo, afiado como faço, e termina numa gargalhada seca.

— Você sempre foi a melhor com piadas – Ela leva o braço até os olhos, secando lágrimas falsas de riso. Sua voz some outra vez e eu prendo minha respiração. Devagar, Komand’r se vira. X’hal, finalmente posso ver seu rosto. E seus olhos não têm nem um pouco do humor de segundos atrás. É puro ódio. Como se ela pudesse me fazer desaparecer com uma olhar; não. Desaparecer é simples. Como se ela pudesse me queimar. Transformar-me em pó. – O que diabos está fazendo aqui, então?!

E ai está, minha irmã. Meu rosto se retorce de pena. Ela está muito mais magra, muito mais pálida, com olheiras sob os grandes olhos roxos. Anêmica. É a falta de Vegas. É cruel, mas com um pouco mais, só um pouco mais, ela poderia explodir a cabeça dos guardas um por um. Pobre Komand’r.

Quando olho em seu rosto, percebo que ela está me analisando também – e junta as sobrancelhas, olhando para meus ombros, seguindo a linha até minhas coxas. Meu body.

— Vista o que quiser, isso não vai fazer sua mãe voltar dos mortos – ela ri de canto, voz frouxa. Nossa mãe. A pena se transforma em desprezo em mim. Seu olhar volta para meu ombro e depois para minha face. – A capa não é dela. E você está cheirando a homem... – Komand’r se levanta, mas não na minha direção. Ela segue para um pequeno criado mudo ao lado de uma cama de solteiro, servindo um copo d’água, de uma jarra, em um copo de vidro. – Não me diga que veio me pedir para ser sua dama de honra. É assim que eles chamam na Terra, não é? Pobre Robin, deve estar despedaçado... – e me olha sugestiva, a raiva sempre lá, debaixo de todos os outros sentimentos.

Eu ignoro todos esses comentários, falando no mesmo inglês que ela usa.

— Um grupo de guerreiros do exército real vai atrás de Ryand’r. Eu ainda acredito que ele possa estar vivo, em algum lugar do Sistema Vegas... – suspiro, olhando para meu reflexo em uma das paredes. Volto-me para Komand’r. – Eu resolvi vir te contar isso não só por que ele será nosso Grande Governante, eu não acredito que reste qualquer gota de compaixão, reconhecimento ou respeito em você, mas por que ele é nosso irmão mais novo. Nosso.  

E por um segundo, um vislumbre, eu vejo isso nos olhos dela. Nos seus olhos roxos que sempre lhe caíram bem, que combinam mais com ela do que os verdes no meu rosto, herdados do meu pai. Eu vejo esperança. Realmente, esperança. Glória. Vitória. Um sentimento inconfundível de... paz. Separo meus lábios, em choque, e tudo desaparece exatamente do mesmo jeito que surgiu.

Komand’r deixa de me olhar para encarar o copo com raiva quando a água acaba. Então sorri cínica para mim.

 — Olha só, irmãzinha, concordamos em alguma coisa. Você está certa. Eu realmente não dou a mínima.

 

 

 Galfore olha tão fundo em meus olhos que, por alguns segundos, o saguão e o trono parecem pequenos. Eu pareço pequena. Ele encosta os ombros no encosto do trono e segura firme nos braços incrustados em joias.

— Eu não apoio essa decisão – sua voz soa como gelo trincado pelo cômodo. Os únicos seis guardas não devem ter movido um centímetro, mas eu sinto como se sim, tamanha a autoridade na voz do meu K’norfka.

Dou um passo à frente, tentando ler esse olhar que ele me dá. É preocupado, mas também... receoso. Franzo o cenho.

— Eu não entendo, K’norfka. Não entendo essa sua aversão a algo tão bom.

— Príncipe Karras encheu sua cabeça com besteiras, foi o que ele fez – ele movimenta a mão perto da cabeça, o rosto bravo. – Te encheu de falsas esperanças. Koriand’r, você precisa repensar isso. Eu temo que... Temo que Ryan não esteja vivo. Por mais que nós quiséssemos que sim – e agora, preocupado outra vez. Eu o encaro compreensiva, mas ele está quase implorando. – Eu não quero vê-la infeliz, pequena. Eu faria qualquer coisa pela sua alegria.

Sinto meus olhos cheios de lágrimas com suas palavras. Eu me aproximo mais, tanto que subi os degraus e estou de frente ao trono que pertenceu, uma vez, ao meu pai. Eu me sento sobre minhas pernas e seguro as mãos de meu guardião entre meus dedos, sorrindo quando beijo delicadamente as costas da mão dele.

— Galfore, meu querido Galfore – murmuro, e agora ele parece inconformado. Sabe minha resposta. – Eu pensei muito sobre isso, eu juro. Se há uma faísca que indique onde Ryan está, por mínima que seja, eu quero ir atrás dela. Nós nunca encontramos um corpo. Komand’r nunca se responsabilizou pelo sumiço dele e, apesar de tudo, eu duvido que ela tenha algo a ver com isso. Meu irmão pode estar por ai em qualquer lugar. Eu... Eu tinha desistido desse pensamento quando parei na Terra, mas agora que estou de volta, Príncipe Karras abriu meus olhos. E ele está disposto a fazer qualquer coisa por mim e por Ryan. Eu acredito nele – juro, meu tom de voz mais sincero. – Esse trono pertence ao meu irmão agora. Se ele voltar, não serão dias felizes apenas para mim, Galfore, serão dias felizes para todos em Tamaran. Ryan seria capaz de unir o Sul e o Norte outra vez, eu tenho certeza.

Galfore estala a língua, ainda parecendo abatido. Quando toquei no assunto, a cor tinha sumido de suas bochechas. Ele tira as mãos das minhas e segura meu queixo para cima, sério.

— E o que acontece se vocês não o acharem?       

Eu estreito meus olhos. Na verdade, não queria contar com isso. Mas contei. Eu não fiquei semanas aqui fazendo absolutamente nada. Eu pensei. Pensei muito. X’hal. As lágrimas e os lamentos que derramei para Richard, maldito Richard, é pouco comparado a quanto pensei sobre Ryan.

— Então o Alto Tharras terá caído em uma armadilha – sussurro, um segredo que mal contei para Karras. Meu guardião me olha intrigado. Continuo sussurrando, dessa vez com medo que algum dos guardas apoie a causa de Tharras. – Diremos á todos que a ideia da busca foi sua. Que você decidiu procurar o Grande Governante legítimo. E todos os cidadãos e os conselheiros reconhecerão sua vontade, seu amor por Tamaran. O povo será seu, mas os conselheiros também serão. E então, se não o acharmos... Você será conhecido por ter tentando, Galfore. Tharras não terá voz para conter todos os gritos em seu nome. – Ele arqueia a sobrancelha para mim e, como um sopro, eu digo. – Fingiremos um corpo. Mataremos “Ryand’r”. Enterraremos meu irmão de uma vez por todas, cantaremos todas as canções de luto, acenderemos as velas, mensagens com lágrimas serão mandadas para cada planeta do nosso Sistema... Por Tamaran.

 

 “Por favor, eu queria tanto saber se você está bem. Se você pensa em mim... nos Titãs. Eu te dei um beijo, Dick. Eu pensei que isso significava alguma coisa... Eu sei que Batman tem algo a ver com isso, ele deve ter. Você não pararia de falar conosco do nada... Pararia?

X’hal.

Não sei o que estou falando. Você está na cidade em que foi criado. É isso? Mesmo eu, em Tamaran, estou tomando decisões que não achei que seria capaz de tomar. Dizendo coisas que eu não deveria ser capaz de dizer.

Acho que nunca te expliquei a senha do meu quarto. “Funxnaske”.  Servir para ser servido

Quando eu penso nisso, já não sei mais o que estou disposta a fazer por Tamaran.”

 

 

 

— Isso é mesmo necessário?

Estelar pergunta pela décima vez, quando uma das criadas, a de cabelo castanho, a coloca sentada na cama e puxa seu pé próximo ao colo dela. A mulher sorri.

— Mas é claro que é – garante, sorrindo. – Uma princesa deve ter os pés como as das ninfas – e, sem esperar uma resposta, começa a lixar.

— Não que eu não goste, mas não podemos deixar isso para amanhã? – tenta, outra vez, a princesa, mesmo que ter seus pés lixados seja, na verdade, muito relaxante. – Eu não sei como acordei tão tarde hoje, já estou atrasada! Príncipe Karras não merece ficar me esperando por tanto tempo – murmura, inconformada. Kori não costuma perder o horário, entretanto talvez os eventos do dia anterior, ter conversado com sua irmã e com Galfore sobre Ryan, tenham a deixado mais cansada do que imaginava.

— Príncipe Karras é um príncipe! – A voz da segunda criada soa, como sinos sendo tocados. Ela se esgueira pela cama de Kori, passa os joelhos um de cada lado das costas da Princesa, e desprende o cabelo úmido do coque que tinham prendido para banhá-la. – Tenho certeza que ele não irá se importar de te esperar, você é a princesa dele – sussurra, rindo com a primeira, enquanto passa uma fina camada de óleo nos fios já brilhantes de Kori.

— Sim, outra razão para lixarmos seu pé hoje – a primeira afirma, convicta. – Imagina só se você perde o seu sapato no meio do... treino...? – Ela arqueia as duas sobrancelhas para a criada loira, maliciosa, e as duas caem na risada.

Estelar, porém, só consegue suspirar.

— Se o Príncipe Karras me recusasse simplesmente porque não lixei o meu pé, a perda seria dele – sussurra, emburrada, mal se dando conta do que está dizendo.

Karras tinha prometido que hoje começaria a escolha dos homens de confiança para levar consigo, todos que jurassem fidelidade a ela. Ou seja, que, se fosse preciso, mentissem sobre um corpo falso ser de Ryand’r e levassem esse segredo ao túmulo. Então ela não deveria, definitivamente, ter acordado tarde. Ou perder tempo lixando o pé. Já estava de banho tomado, isso não era o suficiente? Não é como se ela quisesse ficar cheirosa para Karras, de qualquer forma.

Enquanto ainda pensa nisso, as quatro meninas ouvem batidas na porta. Sem parar o que estão fazendo ou os assuntos paralelos, a terceira, que estava desamassando a capa da Princesa, anda rapidamente até a porta e abre só uma brecha, por onde pode olhar e ver quem é.

— Bater nos aposentos da Princesa enquanto ela se arruma é estritamente proibido, quantas vezes temos que repe... – Ela para abruptamente ao ver quem é.

— Perdão, eu só queria checar se a Princesa Koriand’r estava se sentindo mal – Karras sorri, sedutor, para a mulher morena que abriu a porta para ela. – Mas é bom ver que só a vaidade a pegou.

A criada acena a cabeça, sem absorver quase nada do que ele está dizendo, perdida nos olhos cor de mel. Príncipe Karras é tão lindo e imponente, o peito nu sob o protetor de peito e a capa, quase arrastando no chão. A calça até a canela, as botas de combate e o cinto, com uma grande espada na lateral, também lhe cai bem. A criada não pode evitar pensar que ele está arrumado demais para quem só vai treinar – tinha visto a princesa e o príncipe juntos esses vários dias e estavam ambos em roupas de treino.

O que ela não sabia, é claro, é que eles começariam, de verdade, a planejar a missão que poderia mudar o estado atual de Tamaran.

— Príncipe Karras! Desculpe. Por favor, entre, entre – ela dá espaço, abrindo mais, e os guardas que estavam na porta arqueiam a sobrancelha para ela; Karras também parece receoso.

— Eu não acho que isso seria muito prudente...

— Oras, vamos, a boca deles é um túmulo – brinca, se referindo aos guardas, os quais conhece muito bem. Ela segura no pulso do príncipe e o puxa. – E as nossas também.

E fecha a porta atrás de si. Karras apenas consegue se equilibrar em seus pés a tempo de ver Koriand’r sentada na beira da cama, perfume exalando de todo seu corpo numa camisola curta de mangas longas, pós-banho, uma criada ajoelha sob seus pés descalços, e a outra atrás dela, na cama, trançando seu longo cabelo. Ela o encara em choque.

— Príncipe Karras!

— Hã... Princesa Koriand’r, com licença, eu não deveria ter entrado, só estava checando se você estava bem. Estranhei sua demora hoje. – As duas criadas que cuidam de Estelar se olham entre si e riem, mas continuam a fazer seu trabalho como se não tivessem ouvido nada. Ele parece um pouco envergonhado. – Mas vou esperar lá fora, não pretendo atrapalhar sua rotina pessoal.

Koriand’r olha para a criada que abriu a porta e suspira, voltando seu olhar ao príncipe.

— Não, Príncipe Karras. Você já entrou, fique. A culpa é minha, acordei atrasada, elas estão fazendo o seu trabalho – ela sorri e Karras acena com a cabeça. – Mas ainda preciso completar minha roupa, como você pode ver – diz, um pouco constrangida. É sempre uma situação vulnerável quando alguém não a ver em seu uniforme de combate. – Você espera um segundo enquanto me troco na sala de banho? – pergunta, já de pé, enquanto a criada tenta continuar lixando o pé dela. A última se equilibra de joelhos na cama para continuar a trança.

Karras, parecendo agora um pouco mais tranquilo, ergue as mãos em sinal de rendição.

— Não vou sair daqui. Ou tocar em nada.

Kori sorri.

— Ótimo. Vamos, meninas, tenho certeza que lá vocês podem fazer isso duas vezes mais rápido – diz, dando destaque nas palavras, como uma exigência. As três se olham e começam a reunir tudo o que precisam rapidamente.

— Sim, Princesa Koriand’r!

E, quando Karras percebe, não há mais ninguém no quarto. A sala de banho de Koriand’r fica quase do outro lado do quarto e, apesar de nunca ter entrado lá, Karras tem a sua própria e sabe como esses cômodos são grandes. Ainda mais se ele pensar que só o quarto de Kori é muitas vezes maior que o seu – ela é uma princesa, afinal.

Ele continua em pé no mesmo lugar, não conseguindo evitar pensar que o quarto combina com ela. Tão roxo e rosa – rosa definitivamente era a cor dela. Ele permanece ouvindo o som dos poucos pássaros na sacada dela, sentindo o cheiro leve de óleo de tlila, provavelmente usado no cabelo dela. Poucos minutos se passam, quando o assoviar dos pássaros da lugar à outro barulho. Karras estreita os olhos.

Definitivamente, é um hsuw’ws tocando. Mas não é seu, ele verifica tocando no cinto. O barulho fica um pouco mais alto e ele percebe o objeto em cima da cômoda de Kori, perto da cama. Dá uma olhada na direção que a princesa foi, só para ver se ninguém vai aparecer. Deveria avisá-la, mas não quer atrapalhar. Provavelmente a pessoa pode esperar, de qualquer forma... mas Koriand’r sempre está checando esse aparelho tantas vezes. Ele tinha perdido as contas de quantas vezes tinha virado para ela, para fazer um comentário ou outro, e ela estava olhando perdida para o dispositivo. Mar’i também notava, mas quando ele a encarava, curioso, a acompanhante desviava o olhar ou chamava a atenção de Kori para algum assunto. Como se para não dar brechas que Karras perguntasse alguma coisa.

A única vez que ele tinha questionado sobre, Kori lhe cortara rapidamente. Bem, dizer que ela estava viciada não era a melhor abordagem, mas ele tinha ficado simplesmente com raiva. Tinha se acostumado a ter boa parte das atenções em todos os lugares, mas Kori parecia mais interessada no dispositivo do que qualquer coisa.

Quando ele percebe, sem querer, já andou até a cômoda e pegou o aparelho na mão. Honestamente, não é ciúmes. É curiosidade. Quando olha para a tela, está toda em Tamaraneano, menos o nome do contato que chama. Não há correspondência para esse nome nas letras deles. Mas Karras consegue ler, saboreando a linguagem na língua. “Robin”. Esse é um nome masculino? Feminino? Não tem ideia, nunca esteve na Terra. Mas, bem, isso explica muita coisa. Kori estava esperando uma correspondência da Terra.

Ele tinha ouvido uma história, certa vez, Delhel comentara só por cima, mas que quando Koriand’r veio para se casar, trouxera alguns amigos do planeta com ela. Entre eles, um garoto. O Raf’ta da princesa, os criados diziam. Ela tinha lhe dito pessoalmente que não tinha ninguém assim, quando tentara beijá-la, mas ele tinha duvidado muito da resposta.

Suspira. Não é problema seu. Está prestes a deixar o aparelho onde estava, pensando em fingir que não ouvira, não dizer nada a não ser que ela perguntasse, quando algo passa em sua cabeça. Essas pessoas da Terra... Karras entendia que ela devia ter muito apreço por elas, mas Kori estava em Tamaran. E ele tinha notado muito bem que, seja lá quem esse ou essa Robin for, não tinha ligado para ela desde que chegaram. Por isso ela permanecia com esse olhar perdido e suspiros. Quando falava com outros amigos da Terra, era sempre por outro aparelho amarelo, que ele não reconhecia muito bem. Nunca por esse. 

Karras não era idiota. Ele tinha sido criado para ser um mestre da guerra, um ótimo líder, bom estrategista, achar soluções para problemas; ele sabia ligar um ponto no outro. Ela tinha dado um hsuw’ws para essa pessoa, para poder falar com ela exclusivamente, por que não podia andar por ai com um aparelho estrangeiro amarelo brilhante. E se a pessoa não tinha ligado até agora, ou ligara pouco o suficiente para ela ficar agoniada...

Sem pensar muito no que está fazendo, Karras aperta para atender. Alguns segundos depois, uma pessoa aparece na tela. Definitivamente é diferente deles, mas é um homem. Da sua idade, ou talvez pouco menos. De cabelo negro desarrumado, rosto pálido e olhos de íris azuis e escleras brancas, lhe parece tão humano quanto poderia ser. Tinham lhe falado que os humanos eram muito parecidos com os Kriptonianos. O garoto tem algumas marcas vermelhas e roxas perto dos ombros até parte do peito, que Karras pode ver por causa da regata cinza justa – para ser honesto, os ombros e o peito são fortes. Um guerreiro, sem dúvida.

— Star, eu... – ele para de falar ao ver que não é Estelar ali. “Star”, Karras percebe. O garoto, Robin, junta as sobrancelhas, confuso. – Hm... Me desculpe. Eu achei que só ela tinha acesso à esse dispositivo. Não, espera, você não deve estar entendendo nada. Eu quero falar, hã... com a princesa, Princesa Estelar. Princesa – esse Robin tenta, levando a mão até a cabeça, provavelmente imitando uma coroa. Está falando o nome Estelar lentamente, como se para ajudar.

Karras franze o cenho.

— Estelar. Ela não teve coragem nem de dar a vocês o nome verdadeiro. É uma boa tradução, mas não chega à magnitude do original – diz, sério. Engraçado Koriand’r ter escolhido uma tradução.

O queixo do terráqueo cai, surpreso. A surpresa logo passa para um pouco de raiva, no entanto. Karras percebe que o garoto não gostou nem um pouco do que ele falou.     

— Eu não sabia que havia um mecanismo de tradução nesse comunicador — murmura, uma voz num tom mais baixo do que antes. Extremamente cuidadosa, como se para avaliar se Karras é aliado ou inimigo. Karras percebe então que, com certeza, é um guerreiro.

— Não há. Você deve saber como aprendemos novos idiomas por aqui.

O príncipe não queria mentir desse jeito – ele não beijou Koriand’r. Ela não deixou, apesar de sua intenção ser puramente para absorver conhecimento. Mas ao ouvi-la falar que contato labial tem outro sentido na Terra e falar com aquele que deve estar deixando-a angustiada, X’hal. Ele não se importa.

A recompensa vem quando as sobrancelhas de Robin caem num semblante irritado, os olhos bravos e a boca numa linha reta. Karras quase pode dizer que essa expressão lhe assusta. Quase.

— Quero falar com ela. Agora – exige, e o Príncipe precisa segurar uma risada.

— A Princesa está ocupada, se arrumando para sair comigo – explica brevemente, sem entrar em detalhes. O rosto do garoto do outro lado, no vídeo, quase começa a ficar vermelho de raiva. Seja quem ele for, se for mesmo o Raf’ta da princesa, é alguém que a considera o bastante para ficar bravo com uma insinuação qualquer. Karras olha para ele quase com dó. – Olha, Robin, eu consigo ver olhando-a o quanto ela considera a Terra. O quão importante vocês são. Mas esse é o planeta dela, o povo dela. Se você gosta da Princesa Koriand’r, pensaria nisso antes de deixá-la esperando por uma resposta por tanto tempo – é só um chute, um chute arriscado, mas quando Karras  vê o rosto bravo dele se dissolver em arrependimento, percebe que foi certeiro. – Ela está bem. Não está fazendo nada obrigada, como da última vez – explica, esperando que isso o acalme, já que Kori não está em Tamaran obrigada pela irmã ou por um casamento fajuto. Está por que quis voltar e aceitou a procura por Ryand’r por conta própria.

Karras assiste quando o garoto fecha os olhos com força e leva uma das mãos até o cabelo negro, levando-o para trás, respirando fundo, parecendo conter toda a raiva que quer sair do corpo.     

— Quem diabos é você?

— Príncipe Karras.

A palavra “príncipe” o desestabiliza outra vez, o tamaraneano percebe. Bem, já perdeu tempo demais aqui. Duvidava muito que esse Robin ligaria outra vez – uma hora Kori ia descobrir sobre a mentira, mas ele sabia que era convincente o suficiente para fazê-la perdoá-lo. Ou esperava que sim. De qualquer forma, nesse momento eles já estariam muito longe um do outro, o tempo o faria o favor. E também quando voltasse com o irmão dela... Não que o perdão de Koriand’r fosse o ponto máximo disso. Gostava dela. Gostava muito. Mas tudo tinha começado por outro motivo. Um motivo que ele não podia simplesmente deixar para trás, agora... Podia?

— Espero que o que falei o faça pensar.

E Karras desliga, se certificando de apagar aquela marcação de chamada. Era o melhor para Kori, ele tinha certeza.

 

 

 

Eu penteio meu cabelo com os dedos, finalmente encontrando uma escova. Ultimamente eu ando tanto com ele preso que sinto que estou perdendo mais fios do que o normal. Finalmente, Rae atende minha chamada e eu sorrio antes mesmo de o vídeo carregar. Ela aparece sem seu manto para cobrir os ombros, uma mecha do cabelo para trás da orelha, o fundo do seu quarto me dizendo que ela também está em cima da cama.

— Saudações, amiga Ravena! – cumprimento, feliz de poder vê-la. Nós nos falamos praticamente todos os dias. É só então que eu reparo que ela parece um pouco... abatida. Rae pisca rapidamente e sorri de volta, daquele jeito enigmático dela.

— Ei, Star.

Eu franzo o cenho.

— Hm... Está tudo bem com você? – pergunto, deixando a escova de lado. Eu tinha falado com todos os Titãs juntos um pouco mais cedo, Mutano parecendo um pouco mais rude outra vez. Eu não tinha perguntado o que causou esse comportamento nele para Ravena, entendendo que era o estresse de ter Aqualad por perto.

Ele e Abelha tinham se juntado ao time por tempo indeterminado, enquanto eu e Robin não estávamos – Ravena me disse que não era para eu me preocupar com isso, que eles tinham os chamado puramente por questões “estéticas”. Os únicos que pareciam realmente felizes com essa decisão, porém, eram Abelha e Ciborgue, somente.

Apesar de ela falar pouco sobre isso, eu tenho ideia que ser a segunda em liderança, junto de Ciborgue, não é muito agradável para Ravena. Mas eu nunca tinha visto suas íris tão perdidas ou estressadas quanto hoje. Por mais que ela esconda, eu a conheço.

— Sim, sim, está – murmura, tentando passar segurança. – Só estou com saudades de vocês – completa, sorrindo um pouco mórbida, e já não sei se é mentira. Meu semblante cai e eu suspiro. Ravena parece perceber o que fala e completa antes que eu tenha chance de falar sobre ele, de novo. — Mas não quero te preocupar. Como estão as coisas em Tamaran? Você conseguiu conversar com aquela sua amiga? A que te faz se lembrar de mim.

Tento me concentrar em Mar’i.

— Eu decidi que realmente é um assunto pessoal, como você me disse, Rae. Acho que Mar’i vai me contar sobre sua doença quando quiser, não posso obrigá-la a falar ou dizer que já sei de tudo.

Ravena sorri pela minha conclusão.

— Eu concordo. É melhor que você dê a ela um tempo.

Eu seguro a escova na mão e volto a olhar para a filmagem no T-comunicador.

— Rae, eu queria ter te perguntado antes, mas está tudo bem com o Mutano? Ele não parece muito... ele, ultimamente – pergunto, sincera preocupação. Olho para o relógio no topo do dispositivo. Ainda é de tarde, pouco depois da hora do almoço.

 2 meses.

 Ravena entreabre os lábios e então os crispa, olhando para o lado antes de voltar a olhar para mim. Parece um pouco brava. Mas rapidamente ela balança a cabeça e respira fundo.

 É... A falta de vocês, também. Tem mexido com ele — diz; não parece ser mentira, mas há algo que ela não quer me dizer. – Você sabe que ele adora você... e o Robin.

Quando ouço-a o chamando, aquela fúria dentro de mim me arrebata como fogo. Eu seguro a escova mais forte, juntando as sobrancelhas de forma inconformada. Robin, Dick, não importa, não está apenas me afetando. Meus amigos também. X’hal.

— Ele não... Ele não deveria, Ravena. O mínimo que o Robin podia ter feito era entrar em contato com a gente. Não sabemos nem se ele está bem! Se ele está vivo, ao menos. Eu não entendo isso, eu não consigo... X’hal! – esbravejo, de repente feliz que os guardas atrás da minha porta não falem inglês e não possam entender minha raiva.   

Quando olho para Ravena, porém, para ouvi-la concordando como sempre faz, seu rosto tem uma expressão de dó. Nós duas nos encaramos em silêncio.

— Eu... Eu concordo totalmente, Star, mesmo...

— Você sabe de alguma coisa – murmuro, como uma revelação. Ravena me olha como quem pede desculpas. Desde as duas semanas que Robin não nos contatou, ela parece menos minha amiga sarcástica e mal humorada. Sinto que seus poderes estão sendo afetados, mas, X’hal, ela não me diz! Um mix de sentimentos que nunca vi nela, a não ser quando seu pai nos atacou, passa por seu rosto.

— Olha, não é nada demais. Eu só não quero que você fique remoendo coisas da Terra no seu planeta quando toda vez que você me liga parece preocupada com outros mil problemas! — desabafa e até sua respiração muda. Ela percebe a mini-explosão que está tendo e fecha os olhos com força. – Me desculpa.

— Rae, tem certeza de que está bem? Por favor, eu quero que você converse comigo – sussurro, preocupada, quase me esquecendo de Robin.

Ravena abre os olhos devagar e respira fundo, me olhando como quem diz “obrigada”.

— Eu não vou mentir para você, Star, não estou bem. Mas vou ficar. Só parece que estou lidando com sentimentos conflitantes demais, além dos meus próprios – conta, e eu chuto que ela se refere à Mutano e Aqualad. Abelha e Cy não devem estar dando problemas. – Eu juro que vou falar com você se sentir que devo.

Eu aceno a cabeça, concordando.

— Por favor. Você é minha melhor amiga. Olha, vou pedir para Mar’i separar algumas ervas que dão boas infusões e levar para você provar, eu sei que você ama chá. Também podemos meditar juntas quando eu voltar, sim? – sugiro, animada, e Rae me responde com seu sorriso de canto.

— Seria ótimo, Star. – Ela olha para baixo por um momento e depois volta-se para mim. – Desculpa, eu sei que não deveria te esconder nada. Achei que era o melhor enquanto você não resolvia seus “problemas políticos” por ai. Não queria mais uma coisa te estressando. – Eu não detalhei os eventos que se seguiram desde que cheguei a Tamaran para Ravena, ela só sabia por cima. Minhas mãos ficam geladas. Do que será que ela está falando? – Robin tem saído nos jornais já faz 3 semanas. E ontem ele nos mandou a primeira mensagem, depois das dezenas que enviamos para ele. Era um simples “Estou bem”. Eu achei que ele teria te mandado também, Star...

A escova cai enquanto tento raciocinar isso.

— Nos jornais... – repito, baixinho. – Há três semanas?

— Com Batman, na maioria das vezes – Ravena completa, tão baixo quanto eu, parecendo arrependida. – Mas não é nada... Sabe. São fotos amadoras, eles combatendo o crime. 

Levo minha mão até a testa. Dick mandou uma mensagem para eles. X’hal. Ele estava bem. Ele estábem. Era tudo o que eu orei para ouvir, todo esse tempo. Mas queria ouvir dele. Ele tem saído com Batman há pelo menos três semanas. Ele mandou mensagem para eles, para todos eles, mas para mim... Eu tento controlar minha respiração acelerada. Ravena permanece em silêncio, provavelmente tentando concluir se fez a coisa certa.

— Estelar, eu...

— Está tudo bem, Rae. Estou feliz de ouvir que ele está bem, era o que eu queria saber – murmuro, ainda com a mão no rosto. Estou tentando controlar essas vibrações na minha voz, essas lágrimas de alívio e raiva que querem sair.

— Entendo.

— Eu só... preciso de um momento para pensar... obrigada por me contar. – X’hal, não tenho coragem de abrir os olhos.

— Certo. Fica bem, ok? Me liga se precisar. Star, eu tenho certeza que há um bom motivo para ele não ter te mandado essa mensagem. Ele sabia que iríamos contá-la. Talvez o dispositivo que você deu para ele tenha parado de funcionar, ou ele não viu as mensagens que mandou para ele pelo T-comunicador — Ravena começa a contar, suspirando no final. – Um bom motivo, eu aposto.

Eu aceno com a cabeça.

— Obrigada, Rae.

E desligo, antes que ela pense em outra coisa para me confortar. 

O comunicador vai parar do outro lado da minha cama, enquanto eu tento botar todos os meus pensamentos em ordem. Robin está bem. Robin está lutando ao de Batman. Ele não nos contatou todo esse tempo, mas estava lutando ao lado de Batman. E ontem... Ontem ele enviou uma mensagem para o time, mas não para mim. As lágrimas começam a cair nas minhas coxas, conforme eu curvo meu corpo. X’hal. Eu não sei se estou feliz, se estou triste. É tão forte. É tão intenso.

As lágrimas param quando eu percebo. Eu as seco com meu lençol.

Não posso chorar. Já chorei demais. Derramei lágrimas com Mar’i. Derramei lágrimas com Ravena. Ele me fez chorar vezes demais. Tempo demais. Eu alcanço meu T-comunicador, dessa vez focada em ligar para alguém com quem eu não falava sozinha já tinha um tempo.

O comunicador carrega e carrega, quando finalmente uma imagem aparece eu preciso olhar para o canto, envergonhada. Acho que Ciborgue não percebeu que já tinha atendido, pois posso ver ele e Abelha em um beijo, através de uma câmera na parede que ele só usa quando está no quarto próprio quarto. Minha amiga está sentada ao lado dele na cama, uma mão na parte humana do rosto dele, só uma das pernas, cobertas apenas por um shorts, no quadril dele. Cy a segura pela cintura em sua direção e eles só deixam de se beijar quando eu dou uma tossidinha, como Rae me ensinou que devo fazer. Em Tamaran, é comum que um casal tenha relações sexuais mesmo se alguém entrar no quarto, mas na Terra não funciona bem assim.

Os dois se separam um pouco surpresos e olham na minha direção, que também devo estar sendo refletida na parede livre do quarto dele. X’hal, Cy e Abelha. Eu já devia ter imaginado, sinceramente, eles pareciam felizes demais, mas é sempre uma boa surpresa quando alguém da equipe fica junto. Como Kidflash e Jinx.

— S-Star! Foi mal, eu não percebi quando aceitei a chamada... — Ciborgue parece envergonhado e solta Abelha rapidamente, apesar de delicado, se levantando. Eu espero que eles achem que o vermelho do meu rosto é só de vergonha, não por causa do choro de alguns minutos atrás.

— Ei, raio de sol – Abelha acena para mim, sorrindo como se nada tivesse acontecido. – Desculpe, acho que o deixei distraído – ela pisca para mim e Cy lhe dá um olhar de canto, de advertência.

Eu só consigo rir.

— Me desculpem vocês, eu não queria atrapalhar, mas precisava falar com o Ciborgue, juro que é breve – peço, olhando-o diretamente. Ciborgue acena a cabeça para mim.

— Não se preocupe, tome o tempo que precisar. Eu tinha mesmo que ir tomar banho, você ligou em boa hora – Abelha garante e eu sorriso em agradecimento para ela. – Vou deixar vocês a sós – e fica na ponta dos pés para dar um beijo estalado na bochecha de Ciborgue, que parece corresponder o carinho acariciando as costas dela. É fofo de se ver.

A garota entra no banheiro de Ciborgue e posso ouvir quando a porta se fecha. Meu amigo aperta alguma coisa em seu braço e, quando percebo, agora posso vê-lo desse ângulo. Ele mudou a câmera, provavelmente para temos mais privacidade ainda. Ele está outra vez sentado na cama.

 Hã... Desculpe por isso de novo, Star.

— Não, para ser sincera, é bom vê-los juntos. Eu adoro a Abelha.  

— Fico feliz, então, mocinha – nós sorrimos um para o outro. – Mas no que eu posso te ajudar? O T-comunicador está dando algum problema?

Respiro fundo.

— Não, ele está ótimo. Eu queria saber da possibilidade de você fazer algo por mim – Cy arqueia as sobrancelhas, esperando, e eu respiro fundo. – Quero uma cópia de todos os jornais impressos de Gotham das últimas três semanas. – Ciborgue parece um pouco chateado por mim, já percebendo onde quero chegar. Ele abre a boca, muito provavelmente para me dar um conselho, mas eu o interrompo antes. – Por favor, Cy, é importante para mim.

Ciborgue suspira e coça o queixo.

— Tem certeza? Eu juro, Star, não tem nada muito importante lá. Eu li tudo, mas não passam de notícias sobre os dois juntos. Nenhuma entrevista.

— Absoluta.

Ele acena.

— Me dê um momento para baixar e converter os arquivos para móbile, para que você possa ler no comunicador, e eu te enviarei todos.

— Obrigada, obrigada, Cy!

— De nada, Star. Vê se volta logo. A gente tá sentindo sua falta.

Não sei de onde isso vem, mas eu sorriso de canto para ele.

— É mesmo, Ciborgue? Por que não parece que você tá sentindo tanta assim... – X’hal, estou passando tempo demais com as criadas e suas insinuações. Até rio do rosto constrangido, mas risonho, dele.

— Ei, cuidado com o que fala, ou eu vou mandar todos os arquivos corrompidos.

Eu faço um X na boca com os dedos, como BB faz sempre que diz que vai guardar um segredo, e nós dois nos despedimos entre risos. Estou feliz por ele e Abelha, mesmo que aquele beijo possa não ter significado nada sério. Se os dois estão contentes, também fico.

Alguns minutos depois, enquanto tento não pensar muito em nada do que estou fazendo, recebo os jornais. Ciborgue realmente os converteu de modo que as imagens ficam grandes e acima do texto, assim é só rolar a tela para ver. No topo tem as datas e um por um eu os sigo. O jornal se chama Gotham Gazzete e, como todo jornal, fala das partes sociais e econômicas da cidade – mas eu sei que o Batman é primeira capa e, se não está nela, muito provavelmente não está no jornal ou em alguma crítica ou artigo de opinião que não me interessa. Tive minha dose de artigo de opinião sobre mim e não foi legal – eles sempre têm opiniões ácidas.  

Sabendo disso, eu dou uma olhada só na primeira capa. É quando encontro os primeiros artigos. A maioria é exatamente como Cy e Rae descreveram: pouco interessantes, sempre com um tom de surpresa de que “a dupla dinâmica” esteja de volta, mas as imagens são borradas ou eles estão pequenos demais. As descrições e opiniões dos cidadãos são mistas, mas a maioria parece feliz com a volta de Robin. Algumas reportagens questionam seu sumiço dos Titãs e se seria apenas temporário.

Então eu encontro a primeira interessante e a que me faz suspirar de desagrado. Batgirl e Robin juntos, mas só podemos vê-los de costas. O cabelo ruivo dela praticamente brilha sobre a câmera. A reportagem comenta sobre antigos amores e sobre a vez que eles foram visto juntos em Jumpcity, poucas semanas atrás.

Eu continuo passando, lendo relatos sobre eles terem parado um assalto ao banco, sobre o sumiço de uma tal Arlequina, que tenho certeza já ter ouvido antes, sobre criminosos debochando do passarinho. Até que finalmente outra coisa interessante. É uma foto de uma semana atrás. Eu estreito os olhos e aproximo a foto com os dedos, mesmo que ela fique um pouco pixelada, para ter certeza que estou vendo certo.

A imagem é ele e Batman caindo de um prédio e está muito, muito escura, mas estou vendo certo. O uniforme é... Diferente. As mangas são longas, as luvas parecem ter mais proteção no pulso, a gola que se ergue até o pescoço já não é preta, senão vermelha. Muito vermelho nesse uniforme – o verde, porém, já não é o mesmo. É um tom de musgo forte, quase tão escuro quanto o preto. As botas também já não são cinza, e sim do mesmo tom de verde, parecendo extremamente pesadas e com proteção extra nas canelas e joelhos. É quando eu olho para o rosto.

A máscara vermelha. A pele pálida. Os cabelos negros bagunçados. Robin. Há algo de diferente nele. Eu posso dizer. Eu realmente posso dizer. Batman... Batman fez algo com ele. Não é só o uniforme, X’hal. Eu olho para a foto mais uma vez, eu viro o T-comunicador, e essa sensação não passa. Não passa, de jeito nenhum. Meu Robin... Dick.

Finalmente, eu jogo o comunicador para outro lado, meus dedos tremendo. Minha barriga formigando. Minha cabeça latejando em uma sensação crescente.

E então eu decido.

 

 

— Princesa Koriand’r! Princesa Koriand’r, por favor! – Delhel vem correndo atrás de mim, como todos os outros fazem, mas seus saltos são duas vezes mais irritantes e ela fica puxando a saia para cima toda hora, esganiçando a voz. Só pode voar na minha presença se eu permitir, mas sinceramente, eu prefiro os saltos.

Continuo andando, ignorando-a.

— Princesa, por favor, nos dê um minuto – Thirlor pede, também pouca atrás de mim. Pelas minhas contas, são mais de 18 pessoas, entre conselheiros e guardas. Todos andando rápido nos corredores do castelo, tentando me acompanhar. Não param de falar por um único segundo, pedindo para que eu os escute. X’hal.

— Eu quero meu quarto trancado, os únicos que devem ter acesso são as criadas, para limpeza, Grande Governante Galfore e Mar’i, minha acompanhante – digo para o guarda, sem parar de andar nunca. Ele acena positivamente.

— Como quiser, Princesa.

— Kori, bumgorf, você não pode mesmo parar um momento? – dessa vez é a voz de Galfore que se sobressai.

— Perdão, Grande Governante, estou com pressa. Mas não se preocupe, eu entrarei em contato. Hoje é um grande dia, uma pena que eu não possa ficar – digo, com um sorrio pequeno nos lábios. Finalmente chegamos à sala de reuniões e eu abro as portas.

— Grande dia? – outro conselheiro pergunta, muito provavelmente olhando de mim para Galfore. – Há algo que não sabemos, além da retirada repentina da Princesa?

— Ah, é uma notícia muito agradável! – respondo, enquanto atravessamos o salão. Se eles querem me seguir, que seja. Finalmente dou de cara com a porta que dá para a sacada, o lugar de onde cheguei. – A Conselheira Delhel ficará feliz. Todos vocês, na verdade.

Não posso ver, por estar de costas, mas tenho certeza que estão todos um pouco animados, agora. Na sacada, eu finalmente vejo o parapeito e, antes que eu suba, vejo uma mão.

— Aqui – Karras oferece, para que eu não tenha que voar. Isso daria autorização para todos os outros. Eu seguro na mão dele, mesmo que não seja mesmo necessário, e estou de pé no parapeito.

— Obrigada – murmuro, ele acena e vai para trás. Quando finalmente viro de frente, vejo todos me encarando, um andar menores que eu. Alguns rostos cansados, outros preocupados e mais alguns indignados. – Como eu previ, minha estadia foi breve, mas prazerosa. Eu gostaria de ficar, mas, se ficasse, meu espírito não seria de vocês e isso não é bom. O anúncio acontecerá mais tarde. Ideia sublime de nosso Grande Governante, Galfore, e com apoio do nosso ilustre Príncipe, Karras. E o meu também, é claro.

Todos olham entre um e outro. Antes que possam falar mais alguma coisa, ouço uma vozinha.

— Princesa Koriand’r! Eu separei o que me pediu para sua ida e mais algumas coisas que achei pertinente incluir, também – Mar’i aparece, se desdobrando para passar por todas as pessoas ali, e me ergue a bolsa que eu tinha trazido, mais cheia do que quando veio. Seguro nos seus dedos antes de pegar a bolsa.

— Obrigada, Mar’i, por tudo. Se Galfore e Karras estiverem certos, e eu sei que estão, voltarei logo para uma grande comemoração – digo a última parte bem alto e os conselheiros voltam a se olhar e fofocar entre si. Aproveitando o sossego deles, sussurro para Mar’i: — você foi e é uma grande amiga, Mar’i. Eu não vou me esquecer de você.

Ela ergue o pulso, mostrando uma das pulseiras que a dei, e me entrega um grande e sincero sorrio.

— Eu que não vou me esquecer de você, Kori. Eu queria que você ficasse mais, mas seu coração deve estar onde precisa estar – confessa, beijando minhas mãos e enfim se afastando, quando desenho um “obrigada” com os lábios.

Os conselheiros voltam a me encarar. Galfore dá um passo à frente.

— Não acredite quando disserem que você não parece sua mãe – me diz, parecendo bem humorado. Ainda posso ver a fresta de preocupação por conta da missão de Ryand’r. – Quando você realmente bota uma ideia na cabeça, não conseguimos tirar por nada. A teimosia é de família – brinca, e também beija minhas mãos. Eu beijo as suas em troca. – E você fica linda na roupa dela.

X’hal, eu tinha me esquecido do body. Eu o peguei por me sentir nervosa de voltar assim, de repente, e essa roupa me dá uma segurança tão grande, X’hal. É como vestir a pele da minha mãe, acho. Como estar em seu sorriso confiante. Eu aproveito a liberdade de já não ter uma capa nas minhas costas. O único peso no meu corpo são meus protetores de metal e minhas botas. Algo me diz que essa não é a roupa mais adequada para batalhar na Terra, mas pedi à Mar’i que botasse meu uniforme Titã na bolsa. Se eu precisar, trocarei.

Dessa vez, é Karras quem se aproxima, mas, apesar de ele ser um homem, nem os guardas se movem. Certamente a notícia que ele entrou no meu quarto se espalhou por ai, devem achar que ele é meu Raf’ta. Não seria incomum na minha idade. Ele aproveita a deixa de ninguém se importar com isso para segurar minhas mãos e me olhar nos olhos.

— Eu vou achar Ryand’r – sussurra, em segredo, uma promessa. – Vamos começar como você aconselhou, pelas Luas de Bshyd-2.

— Sei que vai – sussurro de volta, sorrindo doce. – Obrigada por tudo, Príncipe Karras. Sua presença aqui fez dos meus dias muito mais agradáveis. Por favor, cuidado na viagem. Coloque alguém confiável para continuar o treino das crianças. Contate-me para o que precisar.

Ele está me olhando nos olhos, mas de repente desvia e, poucos segundos depois, volta mais uma vez.

— Você se lembra da recompensa? De ganhar algo em troca.

Eu franzo meu cenho. Tinha me perguntado há um tempo para Karras, na segunda vez que ele me levou ao ginásio, se queria algo em troca de encontrar Ryan. Ele deixara bem claro que não. Eu poderia facilmente trocar o líder da missão, ou ir eu mesma, se ele tivesse feito uma exigência idiota, mas eu não sou tonta. Eu não poderia ir, chamaria atenção por todo o Sistema, entretanto Karras pode se esconder facilmente por ter uma aparência comum Tamaraneana – ele não tinha o Fogo. Karras é um ótimo guerreiro, vi com meus olhos. Tem habilidades diplomáticas, Galfore confirmou diversas vezes, mesmo depois de ouvir a ideia de encontrar Ryan e não gostar nem um pouco. Apesar de não gostar da ideia, isso não mudou sua boa vontade com Karras. Além de tudo, Príncipe Karras se tornou um... amigo, enquanto estive aqui. Não posso reclamar dele.

A conversa continua baixa, só para nós dois.

— Claro que lembro. Há algo que quer, agora? – pergunto, pronta para ouvir. Talvez ele queira uma boa posição ao lado do meu irmão? Isso seria uma decisão de Ryan, embora eu tenha certeza que ele concederia isso ao homem que decidiu salvá-lo.

— Se eu achá-lo e trouxê-lo para você, quero um beijo, como vocês fazem na Terra – e, antes que eu responda, ele beija levemente meus dedos e se afasta, de costas para mim.

Delhel nos olha inconformada, ao ver que Karras não foi me convencer a ficar.

— Príncipe Karras! Impeça-a de fazer essa loucura!

Agora de lado, posso ver a sobrancelha dele se arqueando e ele coloca as mãos na cintura.

— O que quer eu faça, mulher? Quer que eu a amarre?  

Delhel fica vermelha e alguns conselheiros cobrem a boca para não rir.

— Como ousa falar...

— Por favor, cuidem de Tamaran enquanto eu não estou, como vocês já vêm fazendo. Foi ótimo vê-los outra vez – interrompo, juntando minhas mãos no peito. Delhel suspira inconformada. – Minha ida não vai ser chorada após a notícia dessa tarde, confiem em mim.

E antes que Delhel ou qualquer outro conselheiro fale mais alguma coisa, eu estou tão iluminada quanto Vegas. E, de uma vez por todas, vou embora.

 

 

— Star? — Ravena pergunta, piscando para a tela. – Tudo bem? É um pouco tarde por aqui.

— Ravena! Que bom que atendeu. Desculpe-me, mas eu precisava mesmo saber as horas, acho que o relógio do comunicador atrasou enquanto eu saia da atmosfera de Tamaran – digo, olhando para o rosto um pouco cansado da minha amiga. Posso ver pelo seu cabelo levemente desarrumado que ela estava dormindo. – E também te avisar.

— Saiu da atmosfera de Tamaran? Tem alguma reunião em outro planeta? – pergunta, bocejando. – Desculpe. Agora são... 23hrs30min. Quinta-feira. – Enquanto ela fala, eu ajusto meu relógio.

— Não – digo, voltando para a tela onde ela aparece, cabeça no travesseiro. – Eu parei em Saton para falar com você, é um planeta praticamente desabitado. Eu estou indo para casa. Bem, na verdade, não exatamente para casa.

Ravena parece acordar abruptamente e tira a cabeça do travesseiro.

— O quê?!

— Estou indo para Gotham. 


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Notas finais do capítulo

Alguns detalhes:
— eu não reviso, né, então enfim kkkkkkk

— O uniforme novo do Robin que usei foi o do Rebirth ;) https://comicnewbies.files.wordpress.com/2016/12/jason-todd-as-robin-red-hood-and-the-outlaws-3.jpg

— EU SEI que o body da estelar é bem odiado por n ser prático, gente, mas ela fica TÃO linda, que eu queria pelo menos uma cena dela em Gotham com. Juro que ela volta dps a usar o uniforme normal, ok? kkk eu imaginei isso aqui: https://vignette2.wikia.nocookie.net/injusticegodsamongus/images/8/83/Starfire-Cell.jpg/revision/latest?cb=20131125233213

— como eu já tinha dito antes, eu não sei o quanto desse plot da Star vai ser usado nessa fic, ou se ele um dia será totalmente usado. Tudo depende da minha criatividade e da minha vontade tbm hahaha apesar de q acho q vcs não curtiram tanto essa pegada né, então enfim :P

— como vcs puderam perceber, do meio pro final a velocidade da história aumentou justamente pq eu SEI q ficar falando de Tamaran é desgastante. O nome da fic é ''Lar'', sabe, e eu queria que vcs sentissem que o lar da Star pode ser em Tamaran sim, que tem coisas lá que ela ama também. Por isso toda essa história dela em Tamaran e tal xD

— Os diálogos com os Titãs, mencionados aqui, serão explorados em um futuro capítulo da Ravena! Se alguém ficou curioso hahaha

É isso, gente. Capítulo grande como sempre, fazer oq ;P por favor me deixem saber se vcs gostaram ♥ é importante, na boa. E os capítulos são tão grandes, gente, poxa, sempre tem algo pra falar sobre kkkkkkk principalmente nesse... hahaha

Star em Gotham? :O só x'hal na causa viu pq olha hahaaha

Obrigada por tudo novamente, vejo vcs na resposta dos comentários!!!!! ♥ ou no próximo capítulo, vai que ninguém comenta kkk cada k uma lágrima



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