Lar escrita por MJthequeen


Capítulo 10
Koriand'r


Notas iniciais do capítulo

Quero, mais uma vez, agradecer à todo apoio!! Sério, vocês são demais e me deixam muito, muito feliz! Vou responder todos os comentários entre hoje e amanhã, ok? ;] por favor não fiquem bravos com minha demora! ♥

Sobre o capítulo: como isso é uma fanfic do desenho, que deixou muita coisa em aberto sobre a Estelar, eu resolvi usar da minha criatividade hahaha alguns personagens criados por mim, mas tem dois ai que realmente existem na HQ e eu só adaptei e tal xD
Eu mudei, sim, algumas (muitas!) partes da história dela, mas essência é sempre a mesma hahah não desistam de mim ♥
Eu não sei o quanto desse plot e do plot do Batman vai ser usado aqui, nessa fic, então vamos com calma haha são duas histórias paralelas bem complicadas :P pobre do nosso casal, a gente adora fazê-lo sofrer rs

É isso, muito obrigada de novo, vcs são top! ♥ Lembrando sempre que os capítulos não seguem uma regra, que eu posso deixar de postar sobre o Robin ou sobre a Estelar e que, a partir de agora, também posso alterar a voz da narração hahaha mais nada muito chocante, juro! ♥

****************ATENÇÃO: imaginem que o capítulo foi todo escrito em Tamaraneano e alguém resolveu traduzir para nossa língua, por isso adaptou algumas falas e conceitos kkk********************

******************** se alguém quiser usar algum termo ou conceito criado por mim, sinta-se à vontade, eu só gostaria de saber, para, quem sabe, acompanhar a fic kk**************************************

BONS SHLORVAX TAMARANNN



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Lar

 

A pequena garota gira os pés sobre o chão liso e livre de imperfeições. Ela empunha a espada como se fizesse parte do seu corpo e atinge o alvo uma, duas, três vezes. Urra na quarta vez e seus pés estão fora do chão; ela está rodando no ar com força demais para seu corpo acanhado, mas não importa quantas vezes tenha atingido o pequeno boneco de madeira, ele não se quebra.

Volta ao chão ofegante, encarando mal humorada o que deveria ter sido um alvo destruído.

— Halia’r.

Ainda empunhando a arma na altura de seu nariz, ela arrasta os olhos até o pai. Todos dizem que ela é mais parecida com sua mãe, mas Halia’r tem os olhos alaranjados do homem à sua frente, mesmo que os seus sejam muito mais suaves.

— Papai – ela cumprimenta, sem se mover.

— Você não devia treinar no dia do Wlothog – diz, num suspiro que sai do seu nariz. É um homem alto, ombros largos, pele tão laranja quanto os olhos. O cabelo cai numa trança até seus quadris estreitos; a barba cobre todo o queixo, mas nunca se estende.

Antes que a menina, a quarta filha e caçula, de apenas 6 anos de idade, possa responder, voz de mulher corta o ar grosso e salgado de Tamaran.

— Deixe-a. Não há como amar uma princesa que não conheceu.

Ele reprova a esposa com o olhar. Ela está sentada, costurando uma velha capa que pertence a ele, e seus cabelos espessos, de cachos abertos, caem até onde seu decote se estende, perto do umbigo. Halia’r sai da posição de luta, deixando que o braço que segura a espada caia estendido na lateral do seu corpo. Olha do pai para a mãe, confusa.

Wlothog...? – repete, indecisa. – Como o Blorthog?

O homem olha para sua mulher, que lhe dá de ombros. Em outro suspiro, pensando que deveria ter tido só um menino e uma menina como sua mãe – que teve 7 – tinha lhe aconselhado, ele se senta na cadeira livre ao lado da esposa. Estão na sacada de sua casa, nas construções horizontais de uma das maiores montanhas de Tamaran.

A vista desértica do solo roxo, antes coberto por rios azuis e grandes arvores frutíferas, enche os olhos. Durante e depois da guerra, tudo tinha sido reconstruído do zero. Agora eles podiam ver a Estrela Vegas cobrindo boa parte do céu, e diversos planetas e constelações próximas. O homem bate na própria coxa e, entendendo, a menina deixa a espada de lado e se senta no colo de seu pai.

— Halia’r, minha pequena Vegas, agora você é grande o suficiente para compreender a cultura do nosso povo. E também entender por que nosso Grande Governante é tão importante.

Ela move os olhos no rosto do pai, alcançando sua barba com as mãos pequenas.

— Eu sei, pai. Devemos respeitar a palavra do Grande Governante, pois é ele quem nos guia para a grande vitória – diz, centrada no rosto dele. – Ele está sempre acima de nós, nos protegendo e nos unindo.

A mulher sorri ao ouvir isso e o casal troca um olhar especial, orgulhosos daquilo que puderem passar para a filha.

— Você está certa, pequena Vegas. Mas há alguém acima do Grande Governante. Alguém que deve guiar suas ações.

A mulher solta a capa que está remendando e se inclina para colocar a mão no braço do marido, sorrindo.

— Seu pai tem razão, Halia’r. Na nossa cabeça, devemos levar o Grande Governante. Mas nosso coração é tão somente de X’hal e é para ela que devemos a vida.

— X’hal... – Hali repete, sem entender muito bem. Ela já ouviu esse nome antes. Ela já chamou esse nome antes, após ouvir os pais, os irmãos, todas as pessoas com quem convivia, chamando. 

—X’hal é a luz sobre a escuridão, Halia’r. Quando não havia nada, X’hal desceu do seu trono, cortou seus longos e dourados fios de luz e os amarrou em tranças à Estrela Vegas. E fez-se luz, querida. E, somente na luz, a princesa de fogo pôde ver a constelação; ela se apaixonou por todos dos astros e constelações, e, profundamente cativada, sucumbiu a cada um deles. Do seu ventre, Halia’r, X’hal deu vida aos 22 planetas do nosso sistema – termina sua mãe, passando a ponta dos dedos no pequeno rosto de coração de sua menininha.

Hali pisca seus dois olhos de gato, levemente confusa com tudo o que aquilo quer dizer. X’hal ficou grávida de planetas? Ela já tinha visto mulheres grávidas antes e todas elas tinham essa imensa barriga redonda, mas, até onde ela sabia, nenhuma dessas barrigas tinha virado um planeta.  A mãe sorri como se soubesse exatamente o que a menina está pensando e pisca para ela, um segredo que ela só vai descobrir depois.  

 — 22 planetas, menos um. Um não nasceu do abdômen sagrado de mulher da princesa, Hali. Tamaran nasceu do seu coração. Tamaran nasceu do seu peito. Não nasceu de suas necessidades físicas; nasceu de seu mais puro amor e nasceu somente de seu fogo. É por isso que Tamaran é especial para X’hal. E é por isso que ela é especial para nós.

Halia’r sente a força das palavras na voz e rosto firme de seu pai. De repente ela sabe que nunca teve escolha: X’hal estava lá desde o inicio, desde quando ela era uma semente no umbigo da sua mãe. Estava no seu coração antes dela sequer ter um. Vento forte sopra seu cabelo para trás e Hali ergue o rosto. Ela pisca assustada, os olhos surpresos como duas grandes luas, a boca entreaberta. Olhando através do ombro do seu pai, ela crava as pontas dos dedos pequenos nos ombros dele. Nunca teve tanta certeza de algo na vida como tem agora, que sua língua se enche de saliva e a voz bate em sua garganta como tambores.

A princesa de fogo, eles tinham dito. Que tinha iluminado toda a Estrela Vegas com fios de seu cabelo. Que deu a luz a cada um dos planetas e teve Tamaran como filha especial. Hali’r ergue o braço trêmula e aponta, em tanto choque que não pode dizer.

—Pai. X’hal voltou.

 

 

 

—...a discussão é inútil enquanto ela não estiver aqui – decreta a mulher, firme, aparentando muito mais do que sua idade, que já é bem avançada. Seu protetor de peito brilha como seus cabelos penteados para cima. As duas joias na peça são lilases e combinam com seus fios vermelhos. As rugas e o rosto mal humorado demonstram a velhice que ela tenta esconder na voz.

Galfore, em sua cadeira, nada diz. Ele tenta não respirar demais pelo nariz ou fazer qualquer som que transmita o quanto está profundamente incomodado. Está pensando se a chegada dela realmente vai aliviar qualquer coisa.

—E a minha palavra não basta, Conselheira Delhel? – provoca, a boca numa linha reta. – Eu sou o Grande Governante.

Os outros 6 conselheiros se movem, desconfortáveis. Alguns esticam o pescoço. Outros olham para a mulher, Delhel, que não parece afetada pelas palavras. Alguns concordam com ela; outros, com Galfore. É um embate.   

— Eu respondo somente à Princesa. Uma vez, respondi aos seus pais. Respondo ao seu irmão, se um dia voltar. A você, Galfore, eu ouço.

Um dos conselheiros tosse. Um olha para o lado. Galfore examina a sala, a boca cheia de um gosto amargo. Ele tem ideia de quem ali concorda com ela e deixa isso transparecer. O restante também concorda, só não fala nada. No fundo, talvez ele concorde também. Não tem nenhum direito ao trono – nenhum direito oficial, pelo menos. Mas Koriand’r tinha o escolhido. Ela tinha confiado nele com a sua própria vida – a posição de Grande Governante valia, com certeza, a própria vida.

Por fim ele suspira, passando a mão pela barba espessa.

— Você não está sendo sen...

Antes que possa concluir a fala, um dos guardas reais empurra as portas que dão para a enorme sacada.

 A reunião está acontecendo na sala de encontros do Grande Governante – um cômodo roxo, como a maioria do castelo, decorado com peças históricas do planeta e de alguns outros. No centro, uma mesa de pedra polida, longa, tem mais de 20 cadeiras também feitas de pedra e, nas duas pontas, duas cadeiras maiores. Uma, a maior, é uma imitação clara do trono principal, porém sem as joias ou o acabamento polido. A segunda é exatamente como as outras, diferenciando-se apenas no tamanho. Às costas do trono, onde Galfore está sentado desconfortavelmente por causa do clima tenso da sala, ficam as janelas e as duas portas para a sacada – essas que foram abruptamente abertas. 

Mesmo com o capacete cobrindo boa parte de seu rosto, todos da sala percebem como parece extasiado.

— G-Grande Governate!

E com sua voz trêmula, não precisa dizer nada. Galfore se levanta num latejo e caminha em passos duros para fora do cômodo, respirando a brisa rasteira, mas muito mais cômoda que o ar de reprovação daquela reunião. Ele mal precisa chegar ao parapeito; mal precisa erguer seu rosto. Os olhos se estreitam com a luz esverdeada que toma tudo ao seu redor, que preenche cada espaço vazio no seu campo de visão, que aquece a ponta do seu nariz. Um sorriso estampa automaticamente suas feições e então ele pode vê-la.

Sob toda a luz que emana de sua pele, de seu cabelo, de todo seu corpo, Galfore consegue vê-la desenhada no céu, se aproximando deles cada vez mais, devagar, um voo suave. E Koriand’r nunca esteve tão linda e tão iluminada. Seu cabelo laranja flutua pelo ar, a sua segunda pele de metal completa-a de forma que todo o destaque é para o rosto, os olhos brilhantes em verde, as bochechas coradas na pele laranja.

É como se a Estrela Vegas tivesse tomado forma de mulher. Todos os conselheiros, e todos os guardas estão em silêncio mortal, estupefatos, como Galfore também está. Mas ela está apenas sorrindo. Seu sorriso nos lábios carnudos aumenta conforme se aproxima e Galfore também não consegue esconder a emoção.

Finalmente, a Princesa chega e pousa delicadamente com um dos pés no parapeito. Depois, o outro. A proximidade da luz faz com que Galfore tenha que leva a mão até a testa, cobrindo a visão. Ela fecha os olhos por um momento, parece se concentrar e a luz diminui, diminui, até que cessa em seu umbigo e o cabelo cai nos seus ombros. Galfore deixa que o braço caia estendido na lateral do seu corpo. Então suspira, permitindo que o ar escape pelo nariz.

Koriand’r, de pé, de armadura, tão linda quanto nunca, está sorrindo para ele e de seus olhos descem grossas linhas de lágrimas. A Estrela Vegas está chorando de emoção.

— Galfore – suplica, a voz saindo como uma oração de seus lábios.

Ele não a olha nos olhos. Abaixa o rosto como deve ser feito; se ajoelha como deve ser feito. Pois ela é a Princesa. Koriand’r é a última herança da família real e do sangue de X’hal. E tudo na visão que acabou de ter prova isso.

— Princesa Koriand’r.

E todos atrás dele se ajoelham também. E todos os outros atrás desses também. Não importa se são conselheiros, ou guardas reais. “Princesa Koriand’r”, todos repetem com intensidade. Galfore tira o rosto do chão brevemente.

— Toquem os tambores e as trombetas. A Princesa voltou.

 

 

— Por favor, ergam-se.

Estou energizada. Eu olho brevemente para trás, ainda surpresa com o poder da Estrela Vegas. A velocidade da minha viagem, meu contato próximo demais do astro e a minha entrada súbita na órbita do meu planeta devem ter me causado esse pico de energia. Foi... Extasiante. Acho que não me sentia assim tão bem há muito tempo. O Sol é impressionante, muito mais forte que Vegas, mas nunca fiquei tão perto dele para isso acontecer.

Volto a olhar todos no momento em que estão de pé outra vez. Minhas bochechas permanecem molhadas das minhas lágrimas. X’hal, estou tão feliz. É tão bom ver Galfore. Quero muito abraçá-lo, mas sei que não posso. Não com todas essas pessoas aqui... Olho-os por um momento. Todos os conselheiros na sala de reunião? Estavam me esperando? Ou... Percebo que estão me encarando.

— Eu não esperava tal recepção; fico feliz que todos vocês estejam aqui – digo, olhando de um conselheiro para o outro. Os guardas tentam manter seu rosto limpo e sem emoção, mas eu apenas os encaro compreensiva. Desço do parapeito, entregando minha única bolsa para o guarda que se aproxima automaticamente à minha direita. Não sei se devo ficar surpresa; os guardas reais são treinados para isso, afinal. – É glorioso estar em Tamaran outra vez.

— A notícia da sua vinda alegrou todo o continente e além, Princesa – Galfore me diz e ergue sua grande mão para o meu rosto, secando todas as lágrimas com o polegar. Ele sabe que não deveria fazer isso, não na frente deles, mas eu só consigo sorrir como uma criança.

— Estava com tantas saudades de casa – confesso, ainda olhando-o. Galfore se afasta, sorrindo, e eu voltando meu olhar para os conselheiros em suas túnicas, as únicas três mulheres em vestidos. – Tenho muitas notícias da Terra, mas a minha prioridade não é essa. Eu espero conseguir aproveitar meu planeta natal durante minha breve estadia. Também quero saber como vocês estão cuidando da nossa casa.

Um dos homens dá um passo à frente. É Thirlor. Ele serviu o meu avô e meu pai por muito tempo. O aconselhou por muito tempo. Todos os conselheiros dessa formação são idosos, sim, mas Thirlor deve ser o segundo mais velho...? Conselheiros são escolhidos pelo Grande Governante e ficam em sua posição até a morte, mesmo que o Grande Governante mude e esse não goste tanto deles. Um novo só pode ser escolhido depois dos dias de luto.

— A sua chegada nos alegra, Princesa.

— Obrigada, Thirlor. É bom vê-lo outra vez, como sempre – eu sorrio, sendo sincera. Sua sabedoria é enorme; meu avô não o escolheu por nada. Ele acena.

— Todavia, “breve estadia”, você disse? Nós não queremos perturbá-la depois de uma viagem longa, contudo temo que esse seja um assunto a ser discutido— ele não parece muito gostoso de ter que me falar isso e seus olhos estão tensos.

Estreito meus olhos. Há algo no ar. Eu deixei alguns assuntos em aberto depois que coloquei Galfore como Grande Governante e já sabia que isso voltaria agora que retornei mais uma vez.

— Eu não pretendo ficar em Tamaran, se é o que você está sugerindo, Thirlor.

Outro conselheiro tosse e eu levanto uma das sobrancelhas. Bem, não era esse o tipo de recepção que eu estava esperando. Tanta... desconfiança num mesmo ambiente. Mas o que eu estava mesmo esperando?  É ele, Kor’tha, que fala.

— Princesa, uma vez que você está longe de Tamaran...

— Uma vez longe de Tamaran, eu continuo sendo a primeira para o trono. Ou isso já não vale de nada?

Todas as boca se fecham. Eu não tenho ideia de onde essa Estelar tão brava surgiu, mas acho que é Tamaran. Quando estou aqui, eu sou muito, muito feliz, X’hal sabe que sim. Porém, quando estou aqui, eu sinto essa responsabilidade nos meus ombros. Mamãe e Papai se foram. Komand’r  ficou cega pelo trono. Meu amado e querido irmão desapareceu entre as estrelas. Sou eu quem sobrou. É de mim que eles esperam algo.

Quando estou com os Titãs, não tem que ser assim. Quando estou com os Titãs, nenhum deles me trata como superior ou inferior. Quando estou com Robin... engulo o pensamento.

Kor’tha engole em seco, de repente pálido.

 — Não foi o que eu quis dizer, Princesa... – gagueja e eu quase me arrependo do tom que usei.

Antes que eu possa responder alguma coisa, Delhel dá um passo para frente. Minha coragem se dissipa. X’hal, eu nunca gostei muito dela. Delhel sempre me assustou – ela é tão séria com as mãos na frente do corpo. Quando eu era menor, ela era a conselheira direta da minha mãe; mamãe fechava a cara toda vez que ela se aproximava e, apesar de eu ser muito nova para entender o que estava acontecendo, eu já sabia que ela tinha opiniões muito fortes.

Hel era a conselheira mais velha, a mais desagradável e a mais apegada a todas as tradições. Algo me diz que ela deve ter ficado feliz quando Komand’r tomou o trono. Galfore nunca tinha deixado isso muito explicito, pois não “queria me perturbar” durante nossas conversas, mas aparentemente Hel não estava satisfeita com o Grande Governante atual – alguém que não era da família real.

 — Kor’tha tem razão, Koriand’r. Você não está aqui, onde deveria estar. Galfore é um grande guerreiro e muito capacitado, eu não duvido de sua intuição como Princesa e nem duvido dele como líder, mas ele não é parte da família real.  Não importa o quanto você tenha grande afeição por seu guardião, isso não pode dá-lo o Fogo. – A raiva parece crescer em sua voz conforme ela fala, e fica cada vez mais alto. Eu não me mexo. Ela está me olhando fundo nos olhos e eu percebo como sua pele é esticada e com pequenas manchas. Seu olhar dourado é como ouro derretido. Eu não me lembro de ter ficado assim tão receosa desde Okaara. – Tamaran precisa de sua herdeira natural. E se todos os infortúnios a levam para longe de nós, e se nem todo o amor que você diz ter por X’hal pode fazê-la ficar, os seus antepassados já deixaram claro quem é o sucessor.

Minha cabeça arde de raiva. Eu não acredito em como ela tem coragem de falar isso. Sinto fogo nos meus olhos e minhas mãos se acendem automaticamente.

— Princesa Koriand’r – eu cuspo, estreitando os olhos. Ela ergue as sobrancelhas para mim. – Para você, Princesa Koriand’r. Nunca Koriand’r. E Delhel, não me importa todo o respeito que meus avós nutriam por você. Não me importa todo o respeito que minha mãe devia para você. Se ousar, se só pensar em duvidar do meu amor por X’hal, eu vou tomar providências. E nem ela seria capaz de me parar.

Os guardas estão apostos, tensos entre Delhel e mim. Se eu mandar, eles têm que prendê-la – mas isso seria considerado um absurdo. Uma conselheira presa? Galfore parece tenso só de imaginar e eu aposto que ele já desejou muito isso. Ela me olha de olhos chocados por um instante, ultrajada, e, segundos depois, sua face é limpa, sem sentimentos. Delhel olha para o chão.

— Perdão, Princesa Koriand’r. Eu não pretendia ofendê-la – fala, sem me encarar. Minha starbolt some lentamente.

Mal cheguei e as coisas já estão tão pesadas. Suspiro, levando uma das mãos para minha cintura, incerta sobre o que pensar. Quero falar com Robin.

—Nem eu a você, conselheira Delhel. Não questionaria sua sabedoria. Contudo, acabei de chegar. Gostaria de me retirar para os meus aposentos por alguns instantes; estou certa de que podemos continuar essa conversa daqui um momento – todos eles acenam, parecendo concordar com o meu pedido. Quatro guardas se posicionam atrás de mim e na minha frente. Bem, eu tinha me esquecido disso. Tento não parecer incomodada enquanto Galfore também vem para o meu lado.

Antes que atravessemos o salão de reuniões, ouço outra vez a voz de Delhel.

Tharras veio especialmente pela sua chegada, Princesa. Ele gostaria de vê-la.

O nome faz com que eu franza os lábios. Galfore está tenso do meu lado e sei que foi ele quem informou Tharras da minha vinda – mesmo que não quisesse, ele tinha que fazê-lo. Volto a andar.

— Ele pode e vai esperar.

 

Os quatro guardas se posicionam na frente da porta do meu quarto e apenas um deles abre a porta – sem nunca me olhar. Eu agradeço com a voz baixa e finalmente entro, com Galfore bem atrás de mim. Quando as duas enormes e pesadas passagens douradas se fecham, eu me permito suspirar de agonia. De repente, me sinto tão pequena. As coisas são tão díspares aqui de quando estou na Terra, todos eles me olham tão diferente.

Na Terra eles me olham como se eu fosse uma estranha; os jornais me tratam como algo exótico. Aqui, eu sou vista com tanta admiração que me sufoca.

Meu quarto não mudou nada e, me sentindo pesada, eu me sento na minha enorme cama, perto do centro. As luzes aqui saem das flores de grandes plantas que se acendem e se apagam conforme minha presença. Fecho os olhos por um instante, respirando o perfume de cômodo limpo e incensos que as criadas acendem.

— Koriand’r?

Galfore me chama e sinto que ele está aqui perto. Quando abro os olhos, vejo-o de joelhos na minha frente, um olhar puro de desculpas no rosto. A coroa lhe cai bem e eu sorrio, mesmo com meu olhar triste.

— Galfore! Meu querido Galfore... – suspiro, levando uma das mãos até seu grande e calejado rosto.

— Me desculpe por isso, pequena. Eu não queria que Tharras viesse. Não queria que ele a perturbasse assim que chegasse aqui. Sinto muito – murmura, cheio de arrependimento na voz. – Ele motiva os conselheiros, e motiva Delhel... – sua mão fecha em punho, de repente com raiva. – Ela só precisa de uma desculpa para me tirar do trono... Às vezes, acho que ela está certa... – sua mão em punho se abre e ele suspira.

Eu balanço a cabeça, tentando sorrir.

— Não, não é culpa sua. Eu sabia que ele viria. Mas, honestamente, eu esperava que eles fossem bondosos o suficiente para aguardarem por alguns dias... – franzo os lábios e o encaro. – Vocês não estavam esperando por minha chegada, estavam? Era uma reunião, não era?

Ele parece apreensivo, mas concorda.

— Sim, e você pode imaginar o assunto, pequena.

Eu levo meus lábios até sua testa, até a coroa que um dia serviu a cabeça do meu pai, e me levanto. Estou indo em direção à sacada, muitos pensamentos rodando na minha cabeça. Eu me inclino sobre o parapeito, tão parecido com o do salão de reuniões. Não há nada para ver além do deserto roxo que Tamaran se tornou depois da guerra – nós fomos devastados de tal forma que agora a cidade se ergue na diagonal, numa montanha, um pouco como os terráqueos fazem. Mas já não estamos mais em guerra. Eu estreito os olhos, imaginando toda a floresta que um dia perambulei na minha infância. O sabor fresco das frutas recém-colhidas.

Eu e Ryand’r, meu amado irmão mais novo, nos divertíamos, nas poucas horas que tínhamos livre, atingindo as arvores com nossos raios e voando sobre elas. Um sorriso triste invade meu rosto. Komand’r nunca participava – ela não conseguia voar, não direito. Não conseguia usar o Fogo.  Mas eu e Ryan éramos só crianças, não brincávamos na frente dela por mal. X’hal, Ryan era como uma pequena estrela. Minha pequena estrela. Sempre tão sorridente e irresponsável.

Eu sabia das coisas que o povo falava; eu sabia que eles diziam que eu era a Vegas do castelo. Só que, para mim, Ryan sempre seria a luz da minha vida. Ele era tão puro e pequeno – só X’hal sabia o que havia acontecido com ele. Às vezes penso que mamãe e papai morreram de desgosto por que ele se foi; que minha captura não teve quase nada a ver com isso.

Galfore está do meu lado, também olhando o horizonte, provavelmente procurando o que eu estou vendo.

— Se lembra de como você brigava comigo e com Ryan quando nós desaparecíamos na floresta? – pergunto, sorrindo. Galfore balança a cabeça, rindo rouco.

—Eu sempre conseguia achar seu cabelo brilhante entre as plantas, mas Ryan...

— Era muito bom em se esconder – completo, agridoce. Sim, ele era muito bom em se esconder. Até hoje.

Galfore me olha triste.

— Minha pequena Bumgorf. Você não veio para relembrar sua infância ou mesmo pensando em discutir a atual situação de Tamaran, veio? – a pergunta é retórica. É claro que ele sabe a resposta. – Há algo a tornando infeliz na Terra, Kori?

Eu me inclino, colocando o queixo sobre o parapeito. Tenho um leve bico nos lábios, mas meu olhar é bagunçado.

— Eu... Eu não sei, Galfore. Vim para descobrir. Eu amo Tamaran, porém, quando chego aqui, é como se eu não pertencesse a esse lugar. Mamãe e Papai se foram. Ryand’r se foi. Komand’r... Koma me odeia. Enquanto cresci, eu nunca pensei que chegaria ao trono. Meus pais pareciam invencíveis; imortais. Komand’r sempre fora uma ótima líder e eu não era capaz de entender que sua deficiência nunca a deixaria tomar o trono. E, mesmo se eu entendesse, teria passado à tarefa para Ryan. Eu nunca fui uma Grande Governante, Galfore – digo tudo, num único ar, sem esconder as diversas emoções que passam pelo meu rosto. Um lapso de felicidade surge quando volto a falar: — Mas quando estou na Terra... Quando estou na Terra, Galfore, tudo parece tão certo. Quando estou com meus amigos, eu não os trocaria por nada nesse mundo ou em qualquer outro. Eu não os trocaria por coroa nenhuma.

Galfore me olha compreensivo.

— Então o que aconteceu, Princesa? Você sabe que não precisava, necessariamente, ter vindo. Essa crise com Tharras permaneceria por mais algum tempo em surdina. E, se ele resolvesse de uma vez por todas que estava cansado de debates, eu teria entrado em contato com você – ele coloca uma mecha do meu cabelo para trás da orelha.

Eu me lembro de Robin. É ele quem me deixa confusa. É dele que eu não sei quase nada, e, X’hal, queria saber de tudo. É por que ele foi, que eu vim. Será que eu amo a Terra, ou será que eu o amo? Amar. Eu devoro a palavra. Não preciso pensar nisso agora. Não é só isso. Eu me lembro do jornal, e me lembro de Ravena, Mutano, Ciborgue. Outro suspiro escapa.

—Meu coração está na Terra, Galfore, mas talvez ela não me queira – murmuro, encarando o infinito céu rosado de Tamaran. – Talvez simplesmente não seja o lugar certo. Talvez...

— É uma fala cheia de possibilidades, Princesa – ele me interrompe, seu tom de voz como a de um velho professor. – Cheia de incertezas. Assim, é impossível que se crie certezas. Se você veio para Tamaran em busca de se encontrar; em busca da verdadeira Koriand’r, vá e se encontre. – Galfore é firme. – Enquanto eu visitava os bosques de Nase, quando eu tinha pouco mais que sua idade, eu duvidei de muitas coisas. Eu duvidei do meu lugar como general do exército do seu Pai. Os exércitos do sistema Vegas sempre se ajudavam entre si e eu pensei se valia a pena lutar em outro planeta, batalhando por uma causa que não era minha. Talvez morrer em um planeta que não era meu.

Às vezes me esqueço de como Galfore foi um marechal durante a guerra contra os Gordanianos. Seus músculos não mentem, mas ele é sempre tão gentil comigo que é fácil esquecer de sua ferocidade no campo.

— E em que conclusão chegou?

— Que valia a pena pelo seu pai, meu rei.

Eu não posso evitar o sorriso e aceno com a cabeça, agradecendo. Ele também sorri para mim e o silêncio nos cerca. Estou pensando sobre isso. Também quero ter certeza de quem eu sou como Galfore tem a certeza dele, como ele tem a certeza de que quer servir a família real.

Eu me afasto por um momento, ainda pensando nisso, e Galfore deixa que eu fique sozinha. Minha bolsa foi colocada em cima da minha cama e eu a pego, abrindo e pegando meu T-comunicador. Será que funciona? Ciborgue tinha o arrumado para mim, mas, mesmo assim... Eu ligo, um pouco ansiosa, e o aparelho acende. Tem sinal!

 O horário está desregulado, provavelmente por causa das ondas de transmissão de Tamaran, mas eu faço as contas e percebo que faz uma hora que sai da Terra. Os Titãs já devem estar dormindo, então eu prefiro não ligar e mando uma mensagem para o computador.  Ansiosa, tento contatar o T-comunicador de Robin. Está desligado. Mordo o lábio inferior; não tenho ideia de quanto tempo é até Gotham.

Pego o meu segundo hsuw’ws e tento ligá-lo por lá. A tela de loading fica por mais tempo que o normal, mas ele nunca atende. Talvez não tenha chegado em Gotham ainda? Eu guardo o T-comunicador, conecto o hsuw’ws no meu cinto, tentando não ficar apreensiva sobre Robin, e deixo minha bolsa perto dos meus travesseiros. Nesse momento Galfore aparece perto de mim e ele parece ter pensado sobre alguma sugestão para minha “busca por mim mesma”.

— O Wlothog vai acontecer daqui poucas horas. Talvez seja um bom momento para você tentar espairecer; nós vamos ter muita comida, bebida e música como sempre. Eu vou ordenar que você não seja incomodada durante todo o festival. 

Eu tinha me esquecido do Wlothog. Ter avisado Galfore tão cedo sobre minha vinda tinha o propósito de, além de deixar todos avisados, que a festa fosse preparada. Mesmo que eu não estivesse me sentindo num clima muito festivo, ainda mais depois de deixar os Titãs no nosso próprio aniversário, o Wlothog tinha que acontecer, eu gostando ou não. Era uma festa dada toda vez que alguém da família real retornava depois de uma longa viajem – era tradição. E, para ser sincera, eu gostava de todas as nossas comemorações, então acho que me faria bem. Sem os guardas, então? Muito melhor.

— Seria ótimo, Galfore. Obrigada. - Sorrio, mas logo depois mordo o lábio inferior. – Galfore, eu gostaria de saber sobre minha irm...

As portas do meu quarto se abrem rapidamente, me interrompendo. Levanto as sobrancelhas. Ninguém pode entrar no meu quarto sem bater antes. O guarda que abriu parece constrangido, mas mantém a postura séria.

— Perdão, Princesa Koriand’r. Eu não queria perturbá-la, mas o Alto Tharras insiste em falar com a senhorita agora. – Ele olha para Galfore, que só acena. – Grande Governante.

— Diga-o para esperar – ralho, brava. Ninguém deveria interromper uma conversa minha com Galfore; ele era o Grande Governante e eu, a princesa. Tharras podia ser o Alto, mas ainda assim...

— Eu disse – o guarda parece incomodado, provavelmente com medo de que, se ele insistir, eu vá brigar com ele e, se desistir, Tharras quem lhe dará uma bronca.

Suspiro, talvez seja melhor vê-lo de uma vez.

— Eu ia sugerir que as criadas viessem te ajudar a se arrumar para o Wlothog agora, Kori, mas creio que isso pode esperar – Galfore está sério e eu posso imaginar que ele já conversou com Tharras muitas vezes sobre esse assunto. Eu olho para o guarda.

— Diga-o para aguardar na sala de reuniões. 

O guarda acena, mas olha para o Grande Governante por um segundo.

— Tharras imagina que você e ele poderão conversar a sós, Princesa – Imaginar, hein? Tá mais para “exige”. Eu aceno com a cabeça e meu comando com o queixo faz o guarda se retirar e fechar as portas enquanto sai.

Olho para Galfore, que não parece surpreso, só desgostoso. Ele se vira para mim e coloca a mão sobre meu ombro.

— Eu vou estar esperando do lado de fora – promete, me olhando fundo nos olhos. Não sei identificar muito bem o que ele sente. – Nós dois sabemos o que ele quer. Eu nunca vou ficar bravo com você sobre qualquer decisão que você tomar, Koriand’r. Você é minha Princesa e eu nunca questionaria sua palavra.

Eu entrelaço seus dedos nos meus, tão séria quanto ele, tão firme quanto ele. Agora mesmo, devo estar parecida com minha mãe... mas todos sabemos que quem realmente se parecia com minha mãe é Komand’r.

— Você é o único Grande Governante, Galfore. Eu vou lutar até onde eu puder para que todos percebam isso.

— Até onde você puder e até onde Tamaran não entrará em Guerra – Galfore me corrige, sorrindo sem humor, e eu rio também. Tamaran em guerra civil. Ele tem razão; eu não arriscaria algo do tipo, portanto eu tenho que convencer Tharras e confiar na sua antiga amizade com meu pai e mãe.

Eu deposito um beijo na sua mão.

— Galfore, antes de eu ir, há algo que quero te pedir. Eu não gostaria dos guardas me seguindo por ai. Na Terra, eu não tenho toda essa proteção e já me acostumei com isso. Você acha que consegue fazer algo a respeito? – ele tinha acabado de falar sobre pedir para que os guardas não fiquem comigo durante o Wlothog, mas eu queria mais que isso. Quero poder ficar livre por Tamaran, como eu era livre para voar por Jumpcity.

Ele está pensativo, mas segura minha mão.

—Eu não posso te prometer, Kori, porque isso vai ser muito mal visto pelos conselheiros, entretanto, irei tentar – garante e eu concordo. Só isso me basta.

 

 

Uma das criadas abriu o meu protetor de peito e, colocando meu cabelo para trás, posicionou uma capa sobre meus ombros, acoplando-a a minha peça. A manta é longa, grossa, da cor das minhas roupas e cai até meus pés, se arrastando no chão conforme ando até o salão de reuniões, 6 guardas alinhados em duas filas de 3, nas minhas costas. Em suas mãos, lanças. No seu rosto, só o adorno de guerra que escondem seus semblantes.

Quando em um dos corredores uma peça de metal me reflete, não posso evitar pensar em como estou parecida com Komand’r da última vez que a vi, aqui mesmo, nesse castelo. A diferença é que eu não uso a coroa – e que nunca a quis.

A capa não é nada mais do que um status de autoridade. Um símbolo de poder. Quando a sala de reunião se abre para mim e se fecha quando entrar, é a única coisa que estou pensando. Poder. É uma palavra necessária agora.

Eu tenho mais poder que Tharras.

Ele está de costas para a porta, apoiado na única cadeira que imita o trono – a cadeira do Grande Governante. Também está usando uma capa, mas a cor da sua é muito mais forte do que a minha; o mesmo tom de roxo que Komand’r gostava de usar. O tom de roxo do Sul. Cruzo os dedos na frente do corpo, tentando recordar todas as aulas de diplomacia que recebi conforme os anos passavam.

Tharras se vira depois de alguns segundos; somos os únicos do histórico cômodo. Ele é mais baixo do que Galfore, mais alto do que eu. Sua pele é dourada como a minha e seus olhos, num tom de azul profundo. Ele é tão forte quanto Galfore, mas a barriga de muita bebida e pouco treinamento se revela mesmo sob sua regata compressora. A joia no seu protetor de peito também é roxa, como a da minha irmã. É sempre estranho perceber como Koma se identificava com as pessoas do sul.

— Princesa Koriand’r. É venturoso vê-la outra vez – Quando curva o corpo em sinal de repeito, um grande sorriso se estende no seu rosto gordo, os cabelos castanhos caindo na lateral, através de sua coroa, que é muito menor que a de Galfore. A barba longa, é trançada até seu peito. Eu não posso identificar nenhuma mentira no seu tom de voz; ele está realmente feliz de me ver, por isso sorrio, mesmo que seja muito menor e controlado que o dele. 

— Alto Tharras. A ventura é minha – Em Tamaran, não devemos mentir. Só em casos diplomáticos, mamãe dizia. Eu dobro os joelhos só um pouco e aceno a cabeça, também em sinal de respeito.

Tharras leva a mão até a barba, passando os dedos por ela e me analisando.

— Quando éramos menores, ninguém imaginaria que Myand’r teria filhos bonitos; ele não era a mais afortunada das pessoas, como eu não sou – ri ele, batendo no próprio peito. – Mas aqui está você. Você cresceu, Koriand’r. Está uma bela mulher. Eu não tive contato com você da última vez que veio, quando a princesa Komand’r... fez coisas... mas deixe-me felicitá-la pela Transformação.

Uma vez Ravena me explicou, quando me deu o livro sobre anatomia, que as garotas da Terra tem uma coisa chamada “menstruação”. Aparentemente, não é muito educado falar sobre a menarca na frente dessas garotas. Acho que podemos dizer o mesmo da transformação; é só um momento vergonhoso que as pessoas mais velhas gostam de te dizer parabéns sobre. Komand’r tinha só ficado roxa na dela, mas eu fiquei muito, muito feia. Tento não parecer constrangida.

— Obrigada, Alto Tharras, mas eu ainda sou muito nova. Não sei se sou uma mulher, não ainda.

Ele ainda está coçando a barba e o sorriso vai sumindo do seu rosto aos poucos, conforme seu olhar finca mais fundo em mim. Meu já pequeno sorriso também desaparece.

— Alguns sábios gostam de dizer que as garotas crescidas na corte se tornam mulheres mais rápido do que os meninos se tornam homens – me diz, um tom esquisito na sua voz. Meu corpo fica tenso de repente. – Princesa, eu não gostaria de perturbá-la agora que acabou de chegar. Antes mesmo do Wlothog, mas o assunto que temos de discutir é de suma importância. 

Eu concordo arranhando a garganta.

A família real de Tamaran é tida como descendente direta de X’hal. Nós somos os únicos Tamaraneanos que têm o que chamamos de Fogo – o poder que me permite atirar starbolts. Os outros só podem voar, o que fez com que ganhássemos o posto de líderes e, conforme a sociedade crescia, o de reis. A família real cresceu de forma que, de muitos nascimentos entre os nobres e plebeus, Tamaraneanos com sangue real sem o Fogo apareceram e ganharam títulos menos nobres na corte Tamaraneana. 

Mais cidades montadas, mais lugares para governar. Em dado momento, a urbanização de Tamaran cresceu de forma que já não conseguíamos liderar tudo. Não sozinhos. Tamaran foi dividida em dois continentes; o norte e o sul. No norte se estabeleceu o Grande Governante. Para o sul foi dado um governador, que também tinha sangue real, mas não o Fogo. Esse governador, apesar de tudo, era subordinado do Grande Governante. O nome que ele recebeu era de Alto.

O sul e o norte se desenvolveram de tal forma que os cidadãos do Sul vinham a respeitar o Alto da mesma forma como respeitavam o Grande Governante, o que fez com que a família do Alto também fosse considerada tão real quanto a do Grande Governante. Assim surgiu a realeza do Norte e do Sul, onde o Sul precisava responder ao Norte e nunca poderia tomar o trono de Grande Governante, por que não tem o Fogo.

Tharras é o atual Alto. Eu sou a última portadora do Fogo.

Galfore, infelizmente, não é nenhum dos dois. Nem sangue real ele tem. Quando a Guerra começou e devastou cidades inteiras, a interligação entre o Sul e o Norte se tornou um imenso deserto; assim, já fazia anos que o Sul vinha se governando praticamente sozinho, já que era um espaço consideravelmente grande para ser atravessado e dentro de planetas não podemos voar na velocidade da luz, como eu faço na galáxia. Meu pai só vinha dando conselhos ao Sul através de cartas, como Galfore também fazia agora. Por conta disso, Tharras achava que deveria ganhar o título de Grande Governante, pois ele era o mais próximo do que sobrava da família real, pelo menos até eu ter filhos.

Isso se eu sequer tivesse filhos um dia. Filhos com o Fogo... engulo em seco. Se eu quero ficar na Terra, quais as chances disso acontecer? Humanos e Tamaraneanos podem conceber? Eu e Robin poderíamos...

— Galfore não é da família real. Ele não tem nenhum direito ao trono – observa, interrompendo meus pensamentos.

— Ele tem experiência direta com o Grande Governante. Ele tem grande experiência em campo de batalha. Ele me criou – reforço, olhando Tharras com certo ressentimento. Ele e meu pai eram grandes amigos, tinham sido criado juntos, já que eram primos de terceiro grau. Foi papai quem o colou como Alto. – E ele também tem apoio popular.

Essa é a minha carta na manga. Um Grande Governante precisa do apoio popular. Tharras me encara como se eu fosse uma criança mimada, mas eu não recuo.

— Koriand’r, você tem apoio popular. Por que é a primeira para o trono e X’hal sabe o quão feliz eu ficaria se resolvesse assumir sua posição de nascença – ele suspira e puxa uma cadeira, se sentando. Me lembro da voz de Galfore me falando praticamente a mesma coisa. – Eu não discordo das suas palavras, Galfore tem tudo isso. Porém, tente imaginar o que os outros governos do sistema Vegas pensam disso. Um plebeu qualquer como Rei, sentado num trono que não é seu – ele acaricia a barba, movendo a cabeça negativamente. Morro de nojo do jeito como ele fala essas palavras. X’hal, não gosto de Tharras, mesmo que às vezes ele seja sábio e correto. Certas coisas não podem ser perdoadas. – Não, não. Eles pensarão que estamos enfraquecidos; agora, que acabamos de superar uma guerra. E o pior, não superamos a Guerra por que vencemos, Princesa. Superamos por que você foi entregue como prêmio. Se não tivesse fugido antes, imagine onde estaria agora?

Meus estômagos se embrulham. Cidadela. Eu tento manter o foco.

— E o que sugere, Alto Tharras? Quer que eu o coloque no poder? – murmuro, inquieta. – Meu pai gostava muito do senhor, mas mesmo ele percebia sua sede em cada palavra. Você deseja o título de Grande Governante. Você deseja que cada planeta concebido por X’hal trema de medo do nosso nome. Você quer nosso antigo título de guerreiros imbatíveis em cada boca de cada alienígena dessa galáxia e de outras além...

— E não é isso o que todos queremos? A glória de Tamaran outra vez? Os dias em que cada Tamaraneano treinava até que o sangue escorresse? – acusa, esperando que eu responda positivamente. Eu junto minhas sobrancelhas. – Todos os servos que acumulamos com vitórias...

— Eu não quero guerra – minha voz ecoa pela sala, tão dura quanto a pedra dessa mesa, tão corajosa quanto eu nunca a ouvi. O fogo no meu umbigo some pela minha costela, alcança minha cabeça e meus olhos estão tão brilhantes como a joia na altura das minhas clavículas. Percebo como os olhos dele se arregalam, impressionado. É assim que o Fogo deixa todos eles. É assim que eles sabem que eu sou a princesa. Meu peito está aquecido, porém é porque me lembrei dos Titãs. Acho que dois anos atrás, talvez eu tivesse concordado, em partes, com Tharras. Robin... X’hal, Richard me ajudou a entender como isso é errado. Como os tempos de glória de Tamaran não eram de tanta glória assim. – E não quero escravos. E se você está planejando um golpe, Tharras, deixe-me avisá-lo de que vai se arrepender amargamente.

Ele franze o cenho, o medo desaparecendo do seu rosto para dar lugar a um tom bem humorado.

— Céus, você se parece mesmo com seu pai quando ele estava bravo. Sua mãe era mais contida, um pouco como Komand’r, mais ameaçadora – ele sorri e o brilho nos meus olhos diminui. – Golpe? Ah, não, Princesa, não estou planejando nenhum golpe. Mesmo que alguns conselheiros não estejam felizes com Galfore, aquela doce conselheira Delhel, por exemplo, nenhum deles me apoiaria num golpe. Alguns soldados viriam comigo, mas eu arrisco que você poderia nos queimar em um instante, não poderia? – Ele ri, abanando a mão. – Por favor, não responda, Myand’r já me provou isso durante nossos treinos, quando éramos jovens que nem você é agora.

Tharras é um tradicionalista, como Delhel é. Mas agora mesmo, não estou gostando muito do tom dessa conversa. Ele ri, mas sua risada nunca realmente me alcança. Há algo de errado. Ele disse que não está planejando um golpe, não que não está pensando em um.

  — Então o que, Alto Tharras?

Outra vez, a risada desaparece. Sua face parece cansada, velha, mas nunca desistente. Ele me contempla como se visse algo além, como se eu fosse muito mais do que sou agora.

— Eu ouvi muitas vezes sobre sua recusa em ficar em Tamaran. Ouvi duas vezes mais sobre sua beleza, a Vegas do Norte. Quero que repense, Koriand’r, agora que você não é mais uma menina. Minha proposta é que juntemos o Sul e o Norte, como deve ser.

Minha expressão passa de séria, para incredulidade e repugnância. Nojo que mal consigo esconder, dando um passo para trás, prestes a gritar para que Galfore, que sei que está ali fora me esperando, entre e o leve para bem longe daqui.

 Como pôde? Como tem coragem? O homem que conheceu meu pai, que me pegou no colo quando eu não passava de um bebê?! Estou com vontade de vomitar. Eu aperto a ponta da mesa entre meus dedos com tanta força que sinto os farelos na palma da minha mão. Eu tinha ouvido que sua esposa falecera, mas, mesmo assim...

— Se meu pai estivesse vivo agora, Tharras, você seria um homem morto – murmuro, cheia de ódio. – Sugiro que passe por aquela porta, esqueça esse pedido ridículo e asqueroso de casamento e nunca mais apareça aqui. Por que se você voltar, eu vou...

A risada dele interrompe minha frase e eu arregalo os olhos, em choque. Ele está gargalhando e batendo na barriga como esses guerreiros fazem quando bebem. Franzo o cenho, ele não está me levando a sério?!

— P-Perdão, Princesa – gagueja entre as gargalhadas, limpando uma lágrima que escorre de tanto rir. – A culpa é minha. Fui ambíguo, é verdade. É uma proposta de casamento, mas não comigo. X’hal! Você é muito bonita, Princesa, mas eu estava lá quando Luand’r lhe deu seu primeiro banho – as risadas dele finalmente cessam e eu largo a mesa, um pouco mais tranquila.

— Eu não penso em me casar. Não agora, Alto. A proposta é interessante, mas casamentos em Tamaran só acontecerão puramente por amor.

—Não recuse ou aceite ainda, Princesa. Se o sul e o norte se juntarem, só temos a ganhar com isso. Você seria a Rainha e, se for de seu desejo, a Grande Governante. X’hal sabe que Luand’r poderia ter governado muito melhor que seu pai... – ele sorri para mim, mas eu sequer movo os lábios. – Talvez você não se lembre, mas vocês brincavam juntos quando eram pequenos. Ele foi treinado pelos Lordes da Guerra, em Okaara, como você. Destacou-se em sua classe como o melhor aluno; Galfore até mesmo o mandou para conferências com outros planetas, como representante, pois tem grandes habilidades diplomáticas. Eu sou só um velho para poder falar sobre isso, mas as garotas cantam e declaram poesias sobre sua beleza nas escolas. Eu te prometo, Princesa, não é nada como a gosma verde com quem sua irmã queria te casar – ele sorri de canto para mim, como se isso pudesse me convencer. Não quero ouvir mais nada.

Eu piso nesse planeta e eles querem me casar. É como uma piada interna para todos eles, eu aposto. Não me importa quem é. Não me importa nada disso. Antes que eu possa expressar isso, seu rosto bem humorado dá lugar a uma feição mais fechada, mais séria, mais experiente...

— Não quero que me diga nada agora. Ele vai estar no Wlothog, o conheça. Converse com ele. Pense sobre isso. O que você quer, Koriand’r? Deixe-me dizer o que vai acontecer, caso você não pense bem: você vai voltar para a Terra. E não vai poder vir para parar qualquer coisa. Estou te dando uma chance de resolvermos as coisas com calma. Estou te mostrando que você pode não só se tornar a Grande Governante e fazer o que bem entender com isso, como também pode juntar um povo separado por títulos. O sul e o norte. E se resolver ficar aqui, ficar aqui e lutar pelo que acredita, vai ter coragem de derrubar os seus próprios?

É um tom misterioso que cerca sua voz. Eu estreito meus olhos. Não parece em nada o homem que estava rindo.

— É uma ameaça, Tharras?

— Eu nunca ameaçaria a Princesa. É um fato – ele está sério como a morte. Minha respiração está pesada; eu vim aqui para evitar isso.

— Você disse que não estava planejando um golpe... – Não tenho ideia por que disse isso, mas estou tentando chamar a atenção da sua consciência. Uma Guerra Civil, X’hal. Não.

Ele se curva e olha para a mesa com o que parece tristeza e, ao mesmo tempo, confiança. Como se não tivesse outra escolha.

— Eu digo muitas coisas.

Eu engulo todos os xingamentos que quero soltar. Engulo a raiva. Engulo a vontade de matá-lo que tenho, mas que sei que nunca concluiria por que Richard está na minha mente. Tharras deixou as coisas claras. Se eu voltar para a Terra, ele vai convencer o povo do Sul a se juntar a ele, talvez alguns do Norte, convencer todos de que Tamaran precisa de um membro real sentado no trono. Se eu ficar sem tomar o trono que é meu por direito, vou tentar lutar contra ele – ou, se eu não quiser lutar, vou ter que assisti-lo. Se ele tomar o trono, sei que vai tentar conquistar os antigos dias de glória. X’hal, eu não quero assistir meu povo tentando tomar controle da galáxia. E se os exércitos do Sistema Vegas se juntassem e dizimassem os Tamaraneanos? Então vem isso. Eu ficar e me tornar Grande Governante; é só o que Tharras quer, só o meu nome já teria peso o suficiente para a ascensão de Tamaran. Mesmo sem me casar, isso seria um pesadelo. Não quero ficar. Não quero ficar.

X’hal, não quero ficar. Não quero ficar longe de Richard. Não quero ficar longe de nenhum Titã. Não quero ficar longe de Richard.

Não posso prender Tharras. Esse “golpe” não é uma ameaça. É uma conclusão, uma visão dele. Eu poderia esperar a guerra começar e então prendê-lo, mas quantas cabeças ele teria feito? Quantos irmãos eu teria que prender ou matar também? Não.

Não.

Eu preciso de uma solução. Uma solução rápida. Puxo uma cadeira e me sento, de repente desejando que eu pudesse simplesmente matá-lo. É o que Komand’r teria feito. Se eu tivesse coragem de só demandar a sua morte, tantos líderes já tinham matado inimigos públicos assim...

— Quem é ele? – pergunto, num fio de voz, quando ergo meu olhar do chão.

— Meu primogênito, Princesa. O Príncipe Karras.

 

 

Ela retira todas as minhas roupas, peça por peça, e me senta num pequeno banco no centro do quarto azul, ladrilhado por pedras coloridas, cheio de vapor. Meu cabelo cai para trás e eu fecho os olhos, inspirando o cheiro doce dos incensos que elas acenderam. Uma das meninas se ajoelha atrás de mim e molha meu cabelo com a água fervente e relaxante das termas; ela esfrega meu cabelo enquanto cantarola uma das músicas feitas para minha avó. Eu sorrio, sem abrir meus olhos.

— Sentimos muito sua falta, Princesa Koriand’r – uma delas me diz, a que está esfregando meu braço com óleo. Ela massageia meus dedos devagar.

— É sempre divertido cuidar do seu cabelo – a que está lavando o meu cabelo fala, sempre murmurando. – Alguém cuidava dele quando você estava na Terra?

— A Terra, a Terra! – A terceira, pedicura, exclama, parecendo feliz. – Ah, Princesa, nos fale sobre a Terra! Da última vez que você veio, havia um garoto da Terra...

Eu sorrio, aproveitando o vapor que brinca com minha pele. Estou tão calma. Tomar banho e me arrumar sozinha é bom, traz um ar de independência, mas ser tratada pelas criadas, que são pouco mais velhas que eu, é divertido. Tento não enrubescer quando uma delas fala do Robin.

— Ele é um bom amigo – mordo o lábio inferior. Todas as três param o que estão fazendo e aposto que se olham, pois soltam risinhos estranhos logo depois. Eu acabo rindo junto.

— O seu K’Norfka não está aqui, Princesa. – a do cabelo murmura, puxando meus fios entre seus dedos. Seu tom de voz é suspeito. – Conte-nos sobre suas noites de amor na Terra. Como os homens da Terra são?

A pergunta não me deixa surpresa. Em Tamaran, o sexo é um assunto discutido entre todos e não é necessário que alguém se case virgem, como eu ouvi que muitas garotas da Terra fazem. O comum é que se tenha parceiros antes, na verdade. Para minha idade, eu diria que estou atrasada. Komand’r já tinha dormido com alguns jovens do exercito logo depois da sua transformação.

— Carinhosos na cama, eu acredito. Olhe só para o Raf’ta da Princesa, ele era bonito, tinha belos ombros, mas era menor que ela – a dos meus braços e mãos, diz, muito certa. Raf’ta é como são chamados namorados sem envolvimento amoroso, apenas sexual. Eu tento não rir de sua conclusão só por que Robin é mais baixo que eu; em Tamaran, como eu reparei na Terra também, é comum que o homem seja mais alto.

Eu nunca fiz sexo com ninguém, mas enquanto estava aqui, já tinha ouvido falar que os homens devem ser agressivos. Enrubesço outra vez. Robin era muito calmo, mas quando nos beijamos, ele realmente me mostrou um lado que eu não conhecia tão bem.

Balanço a cabeça negativamente, sentindo quando a espuma escorre da minha testa, passando pelo nariz, até o queixo.

— Hm... Não... Ele e eu nunca fizemos algo assim – admito, um pouco tímida. Passei tanto tempo com Ravena sem poder tocar em assuntos que ela considerava “íntimos” demais a não ser que eu precisasse muito, que me desacostumei. – Nós só nos beijamos uma vez.

Elas soltam exclamações de surpresa por eu nunca ter tido uma experiência assim, e de repente estou pensando se Robin já teve algo do tipo. Será que ele já teve relações com alguém?  

— Se beijaram...? – uma delas pergunta, quando me levanta do banco e, de mãos dadas comigo, me leva até a grande fonte termal, natural, que temos na casa de banho do castelo. É só para uso da família real e está completamente fechada para mim, apesar de ter o tamanho de uma piscina pequena.

Eu entro, incerta, aproveitando para lavar o óleo e o sabão que passaram em mim e elas se sentam na beirada.  Tinha esquecido que em Tamaran não beijamos antes do casamento.

— Na Terra, eles se beijam na boca, com a língua, como... como mais que um ato sexual, creio. Para expressar sentimentos. Eles não absorvem línguas como fazemos – explico, tentando soar do mesmo jeito técnico que Robin e Ravena tinham soado quando me esclareceram. 

As três se olham, indecisas se isso parece bom ou não. Mesmo depois do casamento, alguns casais nunca se beijavam desse jeito.  

— Então... Como ele beija? – pergunta outra, sorrindo travessa. Eu sorrio de volta, mais uma vez corada.

— Muito bem – murmuro, sem conter um sorriso. – E eu senti o seu... – Não consigo terminar a frase, vermelha, e mergulho o rosto na água, só meus olhos cheios de saudades de fora. Elas soltam pequenos gritos e batem as mãos uma nas outras; quando eu rio, pequenas bolhas chegam à superfície.

— Eu sabia que os homens da Terra tinham pênis! – ela se vira para a amiga, que dá de ombros.

— Os Avlarianos não têm – diz. Provavelmente elas tinham apostado sobre? Rio de novo.

— Os Avlarianos se reproduzem por ovos, é por isso que eles não precisam de pênis – a terceira revira os olhos. – Mas isso não importa agora. Você queria passar o Wlothog com ele, não queria? Pobre da nossa Princesa apaixonada... – sussurra, com um leve sorriso nos lábios, colocando uma mecha do meu cabelo para trás da orelha.

— Não se preocupe, Princesa. Muitos guerreiros vão estar lá. Todos vieram para prestigiar você e eu ouvi quando o Grande Governante ordenou que nenhum guarda ficasse com você nessa noite de festa... – outro tom sugestivo. Eu mexo a cabeça, mas elas não deixam que eu responda.

— Muitos guerreiros, mas só um realmente chama a atenção... – ela se abana e as outras riem. Eu arqueio a sobrancelha. – Eu ainda não acredito que o Príncipe Karras está aqui, no mesmo castelo que a gente...

Eu engulo a expressão de surpresa. Ninguém sabe ainda do que Tharras está planejando e eu ainda não pensei em nenhuma solução para o problema. Estava tentando não pensar nisso desde que Galfore as chamou para tratarem da minha aparência. Eu permaneço quieta, ouvindo. Me lembro de Karras há muito tempo, mas nós éramos crianças e sequer tenho as linhas do seu rosto firmes nas minha memória.

— Gidhel me disse que ele esteve no quarto da Sharil noite retrasada e os gritos espantaram os ratos da cozinha... – murmura como um segredo, rindo cheia de sugestões.

A segunda junta as sobrancelhas.

— Eles estavam fazendo sexo ou ele estava a espancando? – Nós quatro rimos. – De qualquer forma, todo mundo sabe que Gidhel adora aumentar as coisas...

— Mesmo assim. Karras é lindo. Ele deve ser o guerreiro mais bonito do Sul, talvez até mesmo do Norte, não parece em nada com seu pai. E você com certeza já ouviu algum rumor sobre as aventuras amorosas dele.

— E de como ele é gentil com as crianças...

— E bondoso com os velhos...

— E de como manuseia bem a espada...

— Ah, eu queria ver a espada dele! – ela suspira e as duas garotas se olham, rindo como loucas. A terceira revira os olhos para mim e eu sorrio para ela, tentando não pensar muito nesses detalhes sórdidos.

— A Princesa com certeza pode nos falar sobre tudo isso depois do Wlothog, Príncipe Karras vai ficar caidinho quando terminarmos de arrumá-la!

— Dá para imaginar? A Princesa e o Príncipe, isso é tão... Uau.

Aceno com a cabeça, sem nunca concordar ou discordar de algo. Meu estômago se revira de pensar nisso, então eu não penso. Não ainda.

 

 

Sento-me na cama, perfume de flores cobrindo meu olfato. As três criadas que me arrumaram acabaram de sair e eu estou sozinha no quarto, sem se quer ter me olhado no espelho ainda. Não estou tão curiosa: o fato de que vou conhecer esse tal Príncipe Karras, na verdade voltar a encontrá-lo, já me deixa nervosa o suficiente. Encarando as unhas postiças que elas me colocaram, alcanço minha bolsa e pego os dois comunicadores.

Primeiro ligo pelo hsuw’ws para Robin, mas outra vez a tela de loading fica por mais tempo que o normal e ele não atende. Suspiro. É a terceira vez que tento ligar, a segunda foi quando saí do salão de reuniões com Tharras. Então pego o T-comunicador e vejo que Ravena me respondeu. É uma mensagem breve que me pergunta como estou por aqui e diz que está tudo bem por lá. Respondo que preciso conversar com ela, mas não agora, mais tarde. Depois dessa festa, acho.

Talvez ela possa me ajudar sobre isso.

Estou prestes a ir até o espelho, esperando Galfore me dizer que o festival começou e devo descer, quando alguém bate na porta. Eu mando que entre, de pé no meio do quarto. É Galfore, meu Grande Governante, que aparece na porta. Ele parece embasbacado quando me vê, mas sorri feliz logo depois. Fecha a porta quando vem na minha direção.

— Elas fizeram um ótimo trabalho – diz, segurando minhas duas mãos com uma só. Eu levanto voo para ficar da sua altura e não precisar erguer a cabeça para olhá-lo. – Você está divina, Princesa.

Balanço a cabeça.

— Obrigada, Galfore.

— Aqui, só falta uma coisa – percebo que há algo na sua mão livre e ele solta as minhas para segurar o objeto. É meu adorno, como uma coroa, mas menor que a dele, um pouco mais quadrada. Minha tiara de princesa. Ele passa o objeto pela minha testa, levando minha franja para trás e eu sorrio. – Está perfeita. Tão parecida com sua mãe... – A emoção toma conta da voz dele e eu o abraço forte, passando os braços pelo seu ombro. Ainda não tínhamos discutido sobre Tharras e ele não tinha ideia do que o Alto tinha me dito, apesar de eu poder ver curiosidade e preocupação em suas feições. “Depois do Wlothog”, eu tinha dito.

Como se soubesse que ainda não me vi, Galfore segura minha mão e me leva até o espelho que cobre quase toda a parede, emoldurado por ouro e outra joias incrustadas. Sem querer, eu solto um suspiro de admiração. Ele tem razão, realmente estou parecida com minha mãe.

Além da maquiagem típica cerimonial Tamaraneana – linhas verdes que chegam até minhas têmporas, cílios com brilhantes, bochechas marcadas e batom escuro – a minha roupa é praticamente uma cópia da que mamãe usava. Uma calça roxa, colada, com um cinto de metal incrustado de Dasitonita, o mineral verde nas minhas roupas. Minhas botas, geralmente de pano, dessa vez são de metal também roxo, e alcançam meus joelhos. Minha barriga está de fora por causa do top, que chega num “v” ao contrário, contornando meus seios. As mangas são longas, mas como a capa também cobre meus braços, isso não importa tanto – e, outra vez, ela está presa no meu protetor de peito. Também estou usando os protetores de pulso.

Isso é tão Komand’r que sorrio agridoce. Geralmente minhas roupas revelavam muito mais pele do que as dela. Mas não reclamo; só agradeço Galfore outra vez e ele me diz que precisamos ir até o pátio, onde o festival está acontecendo, onde cidadãos do Norte e até do Sul estão me esperando. Prestes a sair, eu ouço o toque do meu hsuw’ws, preso no cinto. Meu ar some.

Galfore me olha e sai rapidamente do quarto, me deixando sozinha. Ansiosa, eu me sento na cama e pego o aparelho, ligando-o tão rápido que estou tremendo. Meu coração bate tão, tão forte! X’hal me ajude.

Ele finalmente aparece. Robin finalmente aparece. E, X’hal, ele está sem máscara. Nada cobre seus amáveis olhos azuis e eu quase suspiro, quase desejo nunca ter vindo para Tamaran. Estou sorrindo enquanto nos encaramos, segundos tortuosos de silêncio.  Não consigo identificar muito bem o fundo, onde ele está, mas Robin tem os cabelos levemente molhados, usa camiseta branca e uma toalha no pescoço. Parece ter acabado de sair do banho e eu queria ir até lá e sentir o cheiro de shampoo nos seus fios.

Jogo o cabelo para frente, tentando controlar meu nervosismos. Ele me olha parecendo... surpreso? Abro a boca para falar e quase falo Tamaraneano, mas minha mente retorna para o inglês rapidamente.

  — Robin! X’hal, é tão bom vê-lo! Eu te chamei algumas vezes, espero que eu não tenha atrapalhado nada. Só queria saber se está tudo bem. Você chegou, eu presumo?

Star... Você está linda...— murmura, e eu fico extasiada com seu tom de voz. Acho que fiquei vermelha, de novo. Ele pisca e tosse, passando os olhos pelo que deve ser seu quarto. Ele é tão fofo quando está assim, imagino o que deve estar pensando. – Quer dizer, é, eu cheguei. Estou bem. Acabei de sair do banho, na verdade. Você chegou há muito tempo?— Sabia que ele estava tomando banho! Santo chuveiro. Acho que eu trocaria a fonte termal pelo chuveiro do Richard.

— Fico feliz que tenha gostado – digo, olhando para baixo para ver as calças. Sinto falta do shorts, ou da saia. De repente percebo que ele deve estar achando que me arrumei para ficar aqui no quarto, sentada. – Mas não estou super arrumada para nada! Eles insistiram que eu me arrumasse para a festa que darão pela minha chegada. Quer dizer, alguns criados me arrumaram. – Explico, tentando parecer o mais contente que posso. Richard não pode saber do que Tharras me disse. Ele tinha ficado louco com aquele primeiro casamento, o que diria desse? – É muito agradável te ver também, Dick. – Sorrio, sincera, e ele me responde com um lindo sorriso também. Ele perguntou há quanto tempo estou aqui e olho para o marcador de horário no teto, bem acima da minha cama. – Pelas minhas contas, eu cheguei há 5 horas.

Uou, isso é bastante, Star. Me desculpe, eu queria ter ligado antes, mas cheguei deve ter menos de 1 hora— diz, coçando a bochecha, um pouco nervoso. Logo depois sorri de canto, tão bonito!  Gotham realmente fica à muitos quilômetros de Jump, não fica? – Acho que as motos não são tão rápidas quanto você.— Céus, Dick está me provocando?

Eu volto a sorrir também.

— Da próxima vez, você pode me pedir uma carona para Gotham – ofereço e ele parece rir da possibilidade. Lembro-me do motivo dele ter ido e meu sorriso some. – E você conseguiu conversar com o Batman?

Ele acena positivamente com a cabeça.

Foi mais simples do que eu imaginei. Acho que só temos algumas poucas coisas para resolver, agora— Não posso evitar a expressão feliz que toma conta do meu rosto. – Ele e eu... Nós nos entendemos como pai e filho devem fazer.

Eu o olho compreensiva. Eu sei o que ele quer dizer. É como eu me entendo com Galfore, também. Pai e filha. Eu e meu pai éramos muito próximos antes dele morrer, também.

— Eu fico tão, tão feliz! É fundamental que o Bumgorf esteja em sintonia com seu K’norfka. – Explico, feliz, esperando que ele se lembre do significado dessas palavras. – E eu percebi como Batman é importante para você, Richard. As boas notícias são gloriosas! – X’hal, é tão bom que tudo esteja dando certo para ele.

Quero vê-lo. Quero muito vê-lo.

São sim— ele concorda, tirando a toalha do pescoço. Posso ver algumas gotinhas passeando por sua pele, até a gola da camiseta... – Mas e as coisas por ai em Tamaran?

A fala corta meus pensamentos e faz com que eu morda o lábio inferior. Como explicar isso? Não, Richard não entenderia. Ele nem queria que eu viesse. Não posso preocupá-lo agora por nada; eu não vou me casar. Eu vou achar uma solução. Uma solução sem mortes, prisões ou casamentos. E só quando essa solução aparecer é que posso comunicar Robin.

Não quero mentir para ele.

— Boas, no limite do possível. Aparentemente, eu preciso resolver alguns problemas territoriais.Simplifico o máximo que posso. Não é uma mentira! É uma omissão. Ravena gosta de dizer que, na verdade, não há diferenças entre as duas.

Territoriais?— Repete, confuso. Eu balanço a cabeça, concordando, e volto a encarar o meu quarto. É da cor do que tenho na Torre Titã, mas não se parece quase em nada com ele. Esse é muito maior e muito mais vazio. Não de coisas, eu tenho muitas coisas nos dois. Vazio de mim. Volto a olhar para ele, desejando que estivesse aqui comigo. Eu sei que teria que cuidar dessa parte de Tamaran hora ou outra agora que a Guerra acabou, mas ainda assim, acho que gostaria simplesmente de adiar tudo. Volto a olhá-lo, suspirando. Talvez eu devesse contá-lo. – Star, você sabe que pode contar comigo para qualquer problema.

Sua voz é sempre doce comigo. Ele é sempre doce comigo. Bem, quase sempre. Mas sei que Robin não faz por mal. É sua preocupação; preocupação com Slade, com Batman. É aquele monstro dentro dele; aquele que grita que, na frente de tudo, ele é um líder.

— Não é nada demais, eu prometo. Eles só querem minha... – Não é nada demais por que vou arranjar uma solução. Preciso. – Opinião. 

Na verdade, Tharras quer um casamento. Mas minha opinião sobre isso ou sobre ele é NÃO.

Ele me olha sem acreditar. Richard não é bobo. Franze o cenho e parece estar lembrando de algo. Alguma coisa me diz que é sobre a última vez que estive aqui.

Se você diz. Mas estou aqui, se precisar da minha opinião— jura, e eu aceno. Não quero mais falar sobre isso. Não há nada mais que posso dizê-lo. – Você conseguiu falar com os Titãs?

Um assunto que posso desenvolver. Ok.

— O T-comunicador funciona aqui, felizmente. Quando cheguei, mandei uma mensagem para o computador e Ravena acabou de me responder. Provavelmente ela é a única acordada – digo e nós dois rimos. Pobre Rae, sozinha com BB e Cy. BB principalmente, ele a deixa louca. Quando o riso cessa, eu percebo algo enquanto o olho. Ele está num quarto. Eu também estou, mas há muito mais do que uma parede nos separando. Há uma galáxia inteira. Richard está onde cresceu, eu também. Mordo o lábio inferior. Isso é tão esquisito. Nunca enquanto cresci eu acreditaria que estaria morando em outro planeta, com outra família. Nunca enquanto cresci eu acreditaria que teria outro planeta. – Então, estamos ambos em nossas casas... – murmuro, confusa. Ele abre a boca para falar algo, as sobrancelhas juntas, mas nunca vou ouvir o que era, pois nesse momento alguém bate na porta. Sei que é Galfore, nós precisamos ir. Olho para o lado.

Princesa Koriand’r, nós precisamos ir para o Wlothog, vamos no atrasar – Galfore diz, em Tamaraneano.

Eu respiro fundo e levanto a voz, também falando em Tamaraneano que já estou indo. Só preciso de um minuto. Ele concorda com uma tosse, provavelmente sabendo que estou falando com um Titã. Volto a olhar Robin, que está confuso. Adoro seus olhos azuis, que me lembram do céu da Terra.

— Richard, me desculpe. Galfore está me chamando. Atrasos são tão charmosos aqui quanto na Terra. – Ele sorri por causa da minha fala.

Não tem problema, Estelar. A gente pode se falar mais tarde.  Aproveite a festa— me diz, parecendo desejar que eu realmente me divirta. Karras vai estar lá. Eu duvido que isso seja qualquer coisa próximo de divertido. E também duvido que Dick estaria me falando isso se soubesse desse fato. Odeio mentir para ele. Odeio ter que desligar. Estou penteado com os dedos, ansiosa, a parte do cabelo que coloquei para frente do ombro. Há algo que preciso dizer antes de ir embora.

— Eu sei que o Batman deve estar te mantendo ocupado, então vou esperar que você me ligue sussurro, como um segredo. Uma vez mamãe me disse que, se você falar tão baixo que só X’hal poderia te escutar, os desejos se tornam realidade. – Você vai me chamar, não vai...? 

Me sinto boba implorando. Mas quando é sobre Richard, eu não tenho vergonha de me sentir boba. Eu não tenho vergonha de nada com ele.

Ele me olha com as íris cheias de algo estranho, que só vi poucas vezes em seu rosto de homem, já não tão jovem de quanto o conheci. Lascivo. Eu suprimo um gemido de expectativa quando ele morde o inferior e, parecendo pensar sobre o que vai falar, passa a língua no de cima. Acho que ainda consigo sentir essa boca na minha. 

Só se você prometer me dar outro beijo quando voltar.

Quase não acredito em suas palavras. Richard geralmente é tão contido, é até engraçado ouvi-lo dizer algo do tipo. Estou feliz e lhe dou um meio sorriso, meu dedo sobre o botão do hsuw’ws.

Glurth sakves, Dick.

E a imagem dele desaparece quando, de uma vez por todas, eu desligo.

Mil e um beijos, Dick.

 

O pátio, que tem o tamanho de três campos de futebol ou mais, está decorado com plantas que se enroscam pelas esculturas, nas três amplas fontes e mesmo nas duas mesas repletas de bebidas e comidas. Uma das fontes, a menor e, ainda assim, impressionante, está espirrando um líquido azul escuro, quase brilhante. Eu inclino meus dedos, molhando a capa, e os levo até a boca quando Galfore não está olhando.

Hmmm... é mur’r – uma bebida parecida com rum – com zorkaberry.  Muito gostoso.

Consigo ouvir a banda tocando tambores, chocalhos e as enormes trombetas pelas quais Tamaran é muito conhecida. É um ritmo dançante, duplicado com ferramentas como caixas de som, que embala as centenas de pessoas. Grupos de dança típica de Tamaran fazem suas apresentações, todos juntos em lugares separados, nos mais diversos compassos, e outros dançam à sua própria sorte.

Todos me reconhecem quando estou andando lado a lado com Galfore e, conforme passamos pelas pessoas, elas deixam de dançar, de comer, de conversar, e nos olham como se fossemos Deuses vivos. Na verdade, me olham como se eu fosse uma Deusa viva. Eu tento só sorrir, conforme os guardas abrem caminho para nós. Poderíamos facilmente voar até a sacada onde eu devo discursar brevemente, ou simplesmente ter saído por ela, mas faz parte do show passar pelas pessoas. 

Alguns jogam grãos e folhas e flores em mim, sinal de boa sorte que eu retribuo lançando starbolts para cima que estouram como os fogos de artifício da Terra. Quando passo por bebês ou crianças, toco suas testas e os pais me agradecem como se tivessem ganhado algum tipo  de benção. É uma prática comum que se trata os recém-nascidos para que alguém da família real os toque – não tenho certeza se alguém trazia para Galfore tocá-los, mas pelo número de crianças fazendo anos que tive que tocar, creio que não.

Uma vez na sacada, depois de caminharmos por um espaço grande demais, Galfore dá um passo para trás e finalmente se afasta, e eu estou sozinha encarando toda essa multidão. Todos param o que estão fazendo. Todos me encaram, cheios de expectativa. Erguem suas taças para mim. Seus bebês para mim. Abanam suas mãos. Gritam saudações em Tamaraneano; às vezes, em outra língua.

— À cada um de vocês que veio me saudar e comemorar comigo a minha chegada à Tamaran, eu agradeço profundamente. Os tempos de guerra acabaram de uma vez por todas e eu prometo que, se depender de mim, eles nunca mais voltarão. Por favor, bebam como se não bebessem há dias. Comam como se não comessem há dias. E dancem como se o chão pegasse fogo ou as estrelas fossem cair sobre nossas cabeças, é para isso que o Wlothog serve. Tempos de ouro se aproximam de Tamaran, enquanto vocês estiverem nas mesmas mãos que me criaram. Tempos de ouro que espero ter o prazer de presenciar com vocês. Lembrem-se que nosso coração é tão somente de X’hal e é para ela que devemos a vida. Que ela possa guiar todas as suas decisões. – Eu ergo a taça com bebida que um dos guardas acaba de me dar e as trombetas soam absurdamente alto. O líquido é Thos, semelhante a uísque, mas um tom forte de cinza. Meu discurso é duplicado pelas mesmas caixas de som, para que todos possam ouvir. – Por Tamaran! – E bebo tudo num gole azedo.

Os gritos e palmas fazem meu corpo tremer e eu sorrio, acenando conforme a música volta a tocar e todos eles gritam:

— Por Tamaran!

Sentindo-me meio tonta por causa da bebida que não estou lá muito acostumada, dou as costas e entro pelas portas abertas da sacada; é onde os nobres e os conselheiros estão reunidos para comemorar, tem pouco menos de 100 pessoas. Logos desceremos e comemoraremos entre toda a população, mas o comum é que eu cumprimente todos aqui primeiro.

Estou indo em direção à Galfore quando as pessoas, muito bem vestidas, deixam de me encarar para fazer o que faziam lá dentro, um grande salão de festas que imita a decoração do pátio. Tem algumas obras de arte, esculturas de meus antepassados, e é decorado com muito dourado, azul, vermelho e, claro, roxo. Algumas faixas se estendem pelas paredes e guardas estão apostos em todo lugar, apesar de já não me seguirem mais como sempre fazem – Galfore ordenou, afinal. Há uma banda própria que tenta suprimir o volume da que está tocando lá embaixo e tem sorte do castelo ser tão alto e fazer isso com eficiência. Também tem bebida e comida e eu não posso evitar pensar que quero mais daquele drink de zorkaberry. Antes que eu alcance Galfore, ouço uma voz masculina que para meus passos.

— Foi um belo discurso, Princesa Koriand’r.

Eu me viro para agradecer, mas quando o vejo, minha voz desaparece. A Tamaraneana dentro de mim, àquela que cresceu entre garotos tamaraneanos, grita de emoção. Esse homem, garoto, não deve ter muito mais que minha idade, é tão absurdamente bonito.

Sua pele é dourada, como a própria Vegas, e parece brilhar mais e mais conforme eu o olho. Seu cabelo é levemente encaracolado, um tom que quase se aproxima do laranja, mas se transforma em doce castanho e cai até seus ombros extremamente largos. Ele é só um pouco mais alto do que eu e nada cobre seu peito, além da proteção de metal e a capa, um roxo escuro do Sul, que nunca chega a seu abdômen exposto e definido. Volto rapidamente os olhos para seu rosto, e percebo suas íris e escleras castanhas, quase mel, da cor de seu cabelo, que brilham sobre os cílios espessos. Há uma cicatriz na lateral de seu queixo triangular, mas isso o deixa estranhamente mais atraente.

Não tenho tempo de resposta rápido o suficiente e, do nada, seu polegar está no canto dos meus lábios, perto da bochecha, e ele esfrega a ponta e o tira rapidamente, sem nunca deixar de me olhar nos olhos. Leva o polegar até a boca e suga só a digital rapidamente, como num beijo estalado.

— Eu odeio como eles sempre deixam o Thos doce demais. – Ele parece rir de algo na minha cara. Hã... Parece rir da minha cara. – Desculpa, Princesa, você não deve estar me reconhecendo. Já faz um tempo desde que nos vimos pela última vez; Príncipe Karras. Não sabe como é bom vê-la de novo. Tamaran sangrou a sua falta.


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Notas finais do capítulo

As vezes fico entediada e passei num desses sites de jogos para fazer a roupa da Estelar e o Karras kkk o Karras da hq é bem feinho então usei uma versão própria hahaha se alguém quiser visualizar isso:

Roupinha da Star: https://uploaddeimagens.com.br/imagens/starfire-jpg
Karras: https://uploaddeimagens.com.br/imagens/karras-jpg (pfvr o imaginem de sapatos kkkk)

*EU NÃO CURTO REVISAR ENTÃO IGNOREM OU ME AVISEM DOS ERROS KK*

Nesse capítulo não há tanta descrição pq como é um planeta alienígena, achei que vcs gostariam de se sentir livres para imaginar as coisas hahaha
É isso!! Obrigada, mais uma vez, pessoal! Vcs são tão fofos e legais! ♥
Espero vê-los nesse capítulo e no próximo, também ;D



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