Hastryn: Despertar escrita por Dreamy Boy


Capítulo 5
A Caverna das Duas Irmãs


Notas iniciais do capítulo

Sou Hazel. Prefiro não citar meu sobrenome, pois ele me lembra meu falecido marido.
Pertenci à família Arshaw, dizimada em uma invasão de senhores escravistas, que incendiaram o local em que vivi. Pertenci à família real, até o momento em que o regime foi abolido e pude, finalmente, voltar a viver sem medo.
Era o que parecia.
Até que um sujeito com o qual fui criada como irmão se tornou um homem bárbaro e cruel, sem pensar no bem-estar daqueles com os quais convivia. Desde então, passei a desejar sua morte.
E custei a acreditar quando, finalmente, ela veio a acontecer.



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Hazel

Contemplando as quatro pequenas estátuas posicionadas em uma fileira de sua larga estante, Hazel refletia sobre os fatos que aconteceram nos últimos meses. Estava aliviada por um profundo pesadelo ter se encerrado, mas, devido a um tortuoso passado e a tristes lembranças, tinha dificuldades para se esquecer das sensações provocadas por aqueles tempos ruins. Mas seria obrigada fazê-lo se desejasse ser alguém capaz de proteger aqueles que amava. O fantasma de Lothar Wildshade ainda assombrava a sua mente.

No entanto, Hazel sabia que o homem jamais poderia infernizar as vidas de todos outra vez. Charlotte estava iniciando uma vida feliz e plena ao lado de seu verdadeiro amor, trazendo iluminação e esperança para aqueles que se encontravam ao seu redor. Até mesmo Katherine, que residia em outro continente, era um pouco contagiada pela energia positiva da amiga.

Seus pensamentos foram interrompidos por leves e quase impossíveis de se ouvir batidas misteriosas à porta do quarto. Curiosa com quem poderia ser o sujeito que a estaria procurando no fim daquela tarde, dirigiu-se à entrada e girou a maçaneta da porta, encontrando três seres baixinhos à sua frente.

Aaron, Elizabeth e Richard.

— Boa tarde, ama! — Lizzie a cumprimentou com um abraço carinhoso. — A senhora está ocupada?

Hazel sorriu e empurrou a porta para frente, permitindo que as crianças passassem. Eles não se locomoveram e a fitaram, aguardando ansiosamente por uma permissão de verdade.

— Entrem. Fiquem à vontade. — Com as mãos, fez um gesto para que se sentassem sobre o colchão de sua cama. Puxou uma poltrona encostada à parede e ficou de frente para eles, curiosa. — O que querem?

— Richard disse que a senhora conta ótimas histórias. A senhora poderia nos contar uma? — Aaron pediu, com os olhos brilhando. Era o mais novo dos três. Uma criança encantadora. Pelo pouco que Hazel havia convivido com o irmão de Elliot, já conhecia o seu coração bondoso.

 — Por favor! — Richard insistiu. — Nós gostamos muito delas!

— Tudo bem. Preciso pensar... — Passou cerca de três minutos tentando se lembrar de um relato que não fosse longo demais e trouxesse uma mensagem importante. Foi quando se recordou de um breve conto que ouviu quando era bastante jovem. — Estão preparados para me ouvir?

Aaron, Richard e Elizabeth assentiram e se ajeitaram em posições que fossem confortáveis. Os pequenos prepararam os seus ouvidos, demonstrando estarem dispostos a ouvi-la.

— Em uma terra não-nomeada, existia um casal de jovens escravos. Eles trabalhavam para um senhor rico, que comandava várias e várias terras. Nessa época, os mais pobres eram obrigados a trabalhar para os mais ricos. Sabem que vivíamos assim no passado, não é mesmo?

Sacudiram a cabeça confirmando a resposta que a ama já esperava. Richard e Elizabeth conheciam de perto aquela realidade, pois o pai biológico viera de uma família de escravos. Portanto, foram fatos e acontecimentos relatados de geração em geração. A própria Hazel também havia sido uma escrava, o que contribuía para que sentisse ainda mais empatia pelos irmãos Yorkan.

— Esse casal tinha uma filha pequena, que deveria estar com aproximadamente um ano de idade. Enquanto o homem trabalhava fora para trazer sustento financeiro ara família, a mulher trabalhava em casa, realizando esforços no mesmo nível para cuidar do ambiente de seus patrões e da criança. Era também a responsável pelos alimentos dos seus senhores, já que o proprietário das terras também tinha descendentes. Durante esse tempo, a senhora estava esperando um segundo filho.

— Ele nasceu? — Aaron interrompeu, ansioso. O garoto era agitado e curioso, louco para descobrir as coisas com rapidez. Desejava saber logo o que acontecia no final.

— Tenha calma, meu querido... Chegarei lá! — Hazel riu, se divertindo. — Sim, nasceu. Assim como o primeiro fruto do casamento, o bebê era uma menininha. O casal, com medo de que as filhas crescessem e sofressem muito dentro daquele inferno, tornando-se escravas que receberiam chibatadas e passariam fome, decidiu fugir de suas moradias e buscar um local para ficar dentro das florestas. Eles procurariam um ambiente saudável o bastante para passarem o resto de suas vidas.

Era uma história intensa, mas necessária de se ouvir.

— Conseguiram escapar, mas os capatazes os descobriram e os perseguiram, até que os encontraram. Como punição, toda a família foi aprisionada dentro de uma caverna escura e sem saída, para morrer de fome. Lá dentro, ficaram sem comida, sem água, sem nada! A mãe ficou fraca por ter dado à luz ao bebê e por ter corrido enquanto fugia. Depois de um tempo, acabou não resistindo. O pai demorou um pouco, mas também faleceu. As duas meninas cresceram sozinhas e, por um milagre dos deuses, a fome e a sede não foram o bastante para matá-las. Tinham somente uma à outra, mas ao mesmo tempo não tinham ninguém. Não sabiam o que era sentir amor, o que era família... Nem mesmo o que era viver.

— Sem sentir nada?

— Exatamente, Lizzie! Não existiam pessoas mais velhas que pudessem ensiná-las sobre as coisas. O que sentiam era somente uma ligação forte entre si, mas ainda assim algo que não compreendiam exatamente. Não sabiam como lidar uma com a outra e estavam inteiramente acostumadas com o ambiente escuro em que cresceram.

Hazel respirou fundo, pois estava para falar sobre a parte mais intensa do conto. A sua parte favorita, sem dúvidas. A parte em que as coisas começavam a se resolver.

— Houve um dia em que não aguentaram mais aquela situação e choraram muito. O choro foi tão alto que todos os que viviam na cidade mais próxima foram capazes de escutá-lo. Eles se organizaram e caminharam até a fonte do som, descobrindo que o mesmo vinha de uma caverna situada na distante floresta. Dispostos a salvar quem quer que estivesse em seu interior, esforçaram-se e retiraram a grande pedra que impedia a passagem. Pela primeira vez na vida, as irmãs sabiam o que era o mundo. No início, se assustaram, mas logo se habituaram à visão. Descobriram o que era a natureza, o céu, os raios solares, as construções, os animais, o canto dos pássaros... Conheceram a beleza das coisas e aprenderam a conviver em sociedade, descobrindo como funcionava a cultura e os valores da nação que as acolheu. Aprenderam também que nem tudo dentro daquele novo mundo era um mar de rosas, pois existiam muitos problemas e dificuldades, mas nada seria pior do que viver na escuridão eterna. Por mais que fossem existir momentos tristes e dolorosos ao longo da caminhada das duas irmãs, elas estavam prontas para enfrentá-los.

— Elas foram felizes? — perguntou Aaron.

— É o que acreditamos! O grande ensinamento da história é: devemos valorizar tudo o que temos, mesmo que seja algo considerado pequeno. Outra pessoa pode estar precisando de exatamente aquilo que está em nossas mãos e que não tratamos com a devida importância. Por exemplo: às vezes, somos hospedados em quartos pequenos e nos alimentamos quando precisamos, ao mesmo tempo em que existem humanos que desejavam ter um lar para morar e passam fome.

Os pequenos ficaram alguns minutos em silencio, absorvendo o conteúdo passado e refletindo sobre ele. Essa era a verdadeira intenção da ama: fazer os seus ouvintes observarem as coisas através de outra perspectiva, colocando-se no lugar do outro. No futuro, isso faria diferença em seus comportamentos. Hazel tinha fé nisso. Era a sua maneira de contribuir para melhorar o mundo.

— Gostaram?

Novamente, assentiram.

— A senhora é tão sábia... — Richard elogiou, com sinceridade.

— Obrigada, meu anjo. Mas saiba que nem sempre fui assim. Já fui tão pequena quanto vocês, mas, quando tive a chance, procurei livros para me aprofundar em relatos e escritas de autores que contavam vários fatos interessantes de Grimwerd. Algumas histórias foram me passadas através da voz também, mas nunca as esqueci. A maioria dos livros possui cópias na Biblioteca de Horgeon. Procurem por eles!

— Pode nos levar? — Elizabeth pediu, com carinho.

— Sim, mas terá que ficar para outro dia. — Hazel se levantou da poltrona e eles a seguiram até os corredores. — Tenho um compromisso importante neste momento. Assim que tivermos tempo, podem me procurar novamente. Será um grande prazer passar uma tarde com vocês.

Caminharam juntos até certo local. Hazel os acompanhou, mas, depois, despediu-se deles e seguiu o seu próprio trajeto. Estava indo à procura de rainha Charlotte Trannyth, que alegou ter assuntos importantes para conversar na hora marcada. Hazel sabia que algo de ruim havia acontecido. Estava preocupada com o estado da filha.


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Notas finais do capítulo

O que acharam??
Hazel é uma peça chave da história e, nesse livro, vai ter a sua própria jornada. Ela é a representação de que, por mais velha que uma pessoa venha a ser, ela sempre vai ter uma coisa a mais para viver ♥
Vcs conhecem o mito da Alegoria da Caverna? Foi inspirado nele!