Hastryn: Despertar escrita por Dreamy Boy


Capítulo 16
Os Earn


Notas iniciais do capítulo

"Há momentos em que, simplesmente, não conseguimos compreender o motivo de certas coisas acontecerem." - Thomas Earn



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Thomas

Exausto, o adolescente Thomas Earn retornava do trabalho pesado.

Abriu a porta, forçando-se a caminhar até a cozinha, onde Magdalena já estava com o jantar preparado, à sua espera. Havia uma mesa retangular de madeira entre dois assentos com o mesmo formato. Uma toalha vermelha com listras brancas havia sido colocada sobre estas. Um vaso de flores brancas ocupava o centro da superfície, e três pratos e três copos vazios foram devidamente posicionados. A mulher serviu o suco de laranja como acompanhamento de uma refeição composta por pão, carne de javali e salada de legumes. Simples, mas apetitosa. Thomas se encantava com os alimentos produzidos por Magdalena, sabendo que jamais conheceria alguém que cozinhasse como ela.

— Como foi o dia? — A mulher perguntou, atenciosa.

— Como qualquer dia rotineiro... Cansativo e repetitivo. — O filho resmungou, levando um pedaço da carne à boca. — Hmm... Está muito saboroso! Não vejo a hora de chegarem os finais de semana para descansarmos e passarmos mais tempo juntos.

 — Penso que você precisa de um tempo para si mesmo também. — Magdalena sempre se mostrava preocupada com o futuro do filho, temendo não viver o suficiente para vê-lo adulto e encaminhado. — Para conhecer alguém com quem possa construir uma família.

— Honestamente, não sei se tenho esse ideal de felicidade. — Thomas riu, mesmo sabendo que a mãe estava falando sério. — É difícil encontrar alguém por quem eu realmente me apaixone e sinta o desejo de conviver para o resto da minha vida.

— Não saberá se não continuar tentando, não é mesmo? — Apesar de sua insistência, o jovem sabia que ela não fazia por mal e que não era de seu desejo pressioná-lo, portanto, relevava as duas palavras. — Às vezes, nosso coração nos guia para uma direção errada. Devemos estar atentos à razão, sem permitir que a emoção fale mais alto.

— Tive uma paixão, como a senhora já sabe, mas ela acabou assim que vi minha amada com outro, que era mais afortunado. Não existe espaço de felicidade no amor quando se trata de nós, pobres, mamãe. — Sentia-se entristecido ao dizer aquilo, mas, conforme os acontecimentos de sua trajetória mostraram, era uma verdade que não poderia ser negada. — Nós não vivemos. Nós sobrevivemos.

O clima leve, tranquilo e íntimo entre ambos se encerrou a partir do instante em que a porta de entrada foi brutalmente aberta. Theseus adentrou a residência, dirigindo-se imediatamente ao ambiente em que estavam. Sentou-se no espaço vazio, sem proferir nenhuma palavra.

— Boa noite, meu marido. — Magdalena o cumprimentou, pois, em outro momento, foi repreendida por não ter feito a atitude. Thomas engoliu em seco, sentindo a energia pesada propiciada pela presença do pai. — Bom apetite. Espero que saboreie o jantar.

— Por que está vestida dessa forma? — Ele questionou, incomodado. Olhou diretamente para um dos botões que a esposa havia aberto. Não era uma vestimenta considerada vulgar, mas foi interpretada como tal, mesmo que a abertura não mostrasse muito do que estava coberto.

— Hoje está quente...

— Isso não importa! O único que deve ver seu corpo é o seu marido!

— Mas eu não deixei a casa em nenhum momento... Ninguém viu. — Magdalena tentava se defender, mas Thomas sabia que seria em vão. Sofria por ver uma mulher que ainda acreditava que o homem com quem se casou poderia mudar e ser mais amável com a sua família.

— Ainda representa um mau exemplo para nosso filho. — Aquela frase trouxe ao rapaz uma sensação de asco e repulsa ainda maior. — Você nunca aprende, e é por isso que deve sofrer com as consequências de seus próprios atos.

Theseus se levantou, cerrando os punhos. Sabendo o que estava prestes a ser feito, Magdalena correu até a bancada e apanhou uma colher de pau para se defender. No entanto, a força bruta do homem era algo que ela não seria capaz de enfrentar, mesmo que estivesse com o objeto em suas mãos. Isso a fez se encolher em uma parede e fechar os olhos, aguardando o tortuoso momento.

Thomas correu e segurou o mesmo pelo pescoço, puxando-o para trás. Os dois tombaram contra o chão. Sem perder tempo, o rapaz socou o seu rosto e imobilizou os seus braços.

— Corra! Por favor! — gritou para Magdalena, em desespero. Sentindo-se acuada e sem forças, a mãe o obedeceu, arrastando-se até o cômodo em que o filho dormia. Quando estavam somente os dois, sentiu-se livre para fazer o que desejava há tempos. — As suas maldades não passam de hoje. Eu prometo! Estou cansado de toda a dor e o sofrimento que tem causado para nós. Nunca merecemos o tratamento que nos deu. E chegou a hora disso acabar.

Thomas se levantou e, com os pés, pisoteou o peitoral e a barriga do pai. O mesmo tentava se levantar e berrava palavras de ódio que não foram absorvidas pelos ouvidos do adolescente, que estava concentrado em sua vingança. A sua raiva e o seu ódio eram grandes o bastante para fazê-lo sentir uma força que jamais soube que existia. Força esta que impedia Theseus de recuperar o equilíbrio e o debilitava cada vez mais.

Aproveitando-se da inconsciência do agressor, o filho se dirigiu à sala de estar e apanhou a almofada que se encontrava mais próxima. Retornando ao local de antes, posicionou a mesma sobre o rosto de Theseus, pressionando-a por longos minutos, cumprindo, desse modo, a promessa feita.

Magdalena estava sentada sobre o chão, apoiando a sua cabeça nos braços acima dos joelhos. A matriarca chorava sem parar, colocando para fora toda a tormenta mantida guardada por duas décadas.

Thomas levantou o seu rosto e a abraçou.

— A partir de hoje, somos só nos dois. — Afirmou, sem ter a coragem de olhá-la diretamente. — Eu a protegerei até o fim de nossas vidas. Os tempos ruins finalmente acabaram, mamãe. 

...

A mando de Thomas, um grupo de guardas se dirigiu aos acampamentos e trouxeram consigo três dos afetados, tomando os devidos cuidados para não contraírem a doença através do contágio físico e respiratório. Estes funcionariam como cobaias para serem feitos experimentos científicos, em busca de um remédio que fosse capaz de curar a todos. Os médicos precisava ter um contato maior com a ameaça que estavam enfrentando, para descobrir uma maneira de contê-la. Isso possibilitaria que a monarca lhes fornecesse condições mais dignas.

Um dos homens retirou o elmo e se dirigiu à Katherine e ao conselheiro real.

— Senhor Thomas, algo ruim aconteceu. Estes sujeitos estão acorrentados, pois um deles conseguiu escapar e desapareceu de nosso encalço por alguns minutos. Nós o encontramos e impedimos que fugisse novamente, mas já era tarde. Em um dos corredores nos quais o fugitivo correu, sua mãe estava caminhando. Acreditamos que ela teve um contato direto com o adoecido, podendo ter riscos de a doença ter passado para o seu corpo. Está sendo conduzida às enfermarias.

Thomas ficou em choque. Paralisou, observando as luzes da lamparina mais próxima. Seu corpo estava estático, sem realizar nenhum movimento. Não conseguiu proferir nenhuma palavra, e muito menos dirigir o olhar à Katherine. Enrijeceu por inteiro.

Aquilo não podia ser real.

Aquele pesadelo não poderia ter vindo justamente em um momento no qual a família Earn estava vivendo em paz, aproveitando o conforto e a tranquilidade existente no palácio, sem a tormenta e as dificuldades da vida anterior. Não era justo. Os deuses não fariam isso.

...

— Por favor, façam de tudo para salvá-la! — Thomas gritou, segurando as mãos de Diana. A ideia de perder Magdalena era apavorante e fora de cogitação. Ele não passaria por mais aquela dor. Não naquele momento. — Não permitam que a morte a leve! Eu não vou suportar...

Necessitou utilizar máscaras e luvas para evitar o contágio, caso quisesse se manter próximo da mulher. Magdalena não parecia mal, mas Thomas sabia que, se a praga realmente tivesse se instaurado nela, era somente uma questão de tempo até o mal se manifestar e mostrar os seus sintomas incuráveis. Ele jamais sairia de seu lado, mesmo que também se tornasse uma das vítimas da ameaça. Preferiria morrer do que abandonar sua mãe.

Cumpriria a promessa de protegê-la até o fim.

As portas da enfermaria se abriram e Katherine Wildshade chegou ao local. Quando Thomas encontrou o olhar da monarca, permitiu-se, finalmente, a deixar as lágrimas caírem sobre o chão.

...

Adentrou a grande casa. Desta vez, por vontade própria.

Seu olhar a respeito do ambiente havia se alterado por inteiro. Agora, era um rapaz, não uma criança indefesa. Sabia o que iria encontrar e era exatamente o que desejava. Era o que seu coração pedia.

Sempre que observava o próprio reflexo no espelho, Thomas odiava a imagem que lhe era mostrada. Isso foi aumentando conforme o passar dos anos, quando as moças pelas quais demonstrava interesse não o retribuíam, sempre optando por se comprometer por outros, considerando-os mais interessantes. Muitos deles, com condições econômicas maiores, o que contribuiu ainda mais para odiar a vida que levava.

Thomas estava presente quando as gêmeas Evelyn e Katherine chegaram ao Rosa Indomável. Sentou-se em uma das mesas, contemplando a beleza de ambas, mas sabendo que nunca seria capaz de tê-las, principalmente naquele dia, em que eram disputadas pelos sujeitos mais afortunados, em uma forma de leilão.

Sua relação com as prostitutas se dava de forma romântica. Viu nelas pessoas que poderia amar e, de certa maneira, também ser amado, por mais que houvesse uma questão financeira envolvida. Tornou-se um vício. Ele não as via como meros objetos de satisfação sexual, pois a relação que tinha com a mãe o fazia pensar em como uma mulher gostaria de ser tratada. Além disso, era uma forma de profissão das mesmas, e, como tal, deveria ser respeitada, por mais que a sociedade não visse dessa forma. Thomas viu nelas pessoas que poderiam o mais próximo possível de amá-lo, por mais que houvesse uma questão financeira envolvida.

Thomas reparou a presença de Lothar Wildshade e o momento em que o mesmo se relacionou pela primeira vez com a jovem Katherine. Entristeceu-se com a trajetória de vida das gêmeas, que era narrada através de boatos e fofocas dos frequentadores do estabelecimento. Surpreendeu-se quando soube que a caçula foi convidada para residir no palácio e se tornar a nova rainha.

Mafalda, a proprietária do Rosa Indomável, havia desaparecido, e Katherine nomeou Evelyn como a responsável pelo funcionamento do local. Thomas admirou a ascensão das jovens Muirden, por mais que tivessem seguido por caminhos completamente diferentes. Ambas se mostraram fortes e conseguiram sair das dificuldades enfrentadas antes. Mesmo que não as conhecesse diretamente, essa sensação de admiração era grande.

Houve um dia em que parou, fitando uma pintura que havia sido recentemente pendurada na parede de um corredor. Abstrata, a imagem parecia retratar uma baía, com cores amareladas, que representavam as areias, e azuis, as águas que seguiam até o horizonte infinito. O céu, também azul, em uma tonalidade mais escura, era repleto de borrões brancos que faziam uma alusão às nuvens. Rochedos circundavam a terra e, mais atrás, uma região de casas simbolizava as moradias da cidade de Arroway. 

— Gostou? — Evelyn Muirden questionou, aproximando-se. — Achei bonita e resolvi comprá-la. Contrasta bastante com as outras, e essa foi minha intenção. Trazer um olhar um tanto quanto diferente.

— É linda. — Thomas elogiou, um tanto quanto sem jeito diante da figura. — Houve um dia em que quis ser pintor, mas fui abandonando a ideia. É uma profissão que somente os melhores conseguem ser reconhecidos.

— Sonhos nunca devem ser abandonados, por mais que demoremos a realizá-los.

A partir daquela conversa, Thomas começou a se sentir mais próximo de Evelyn. Encontrou na jovem uma amizade verdadeira, na qual poderiam revelar seus problemas, suas dificuldades. Tornaram-se ouvintes um do outro, oferecendo ajuda quando podiam. Aos poucos, um relacionamento amoroso se desenvolveu, e isso mudou a vida de ambos.

Houve um dia em que Thomas chegou em casa e se deitou sobre o sofá, sem cumprimentar a mãe. Havia sido cansativo, mas, ao mesmo tempo, realizador e incrível. Por não acreditar que aquilo estava sendo real, o jovem não conseguia se expressar de nenhuma forma. Não enquanto seus pensamentos não estivessem colocados em ordem.

— O que houve, querido? — Magdalena perguntou, quando o viu. — Seus olhos estão brilhando!

— Ainda não falei com a senhora sobre isso, porque estava esperando que o resultado fosse diferente desta vez. E, como aparenta ser, creio que devo contar a verdade. — As palavras de Thomas saíram com uma rapidez incontrolável. O rapaz estava sendo tomado por profundos sentimentos de euforia e felicidade. — Mamãe, estou amando novamente!

— Posso saber quem é a felizarda?

Thomas sorriu, permitindo que a mulher se sentasse no sofá e, depois, deitou em seu colo, como uma criança fazia nos momentos em que relatava como estava sendo o início das aulas e do novo ciclo de amizades propiciado pelas mesmas.

— Ela se chama Evelyn. Um dia farei com que se conheçam!

Entretanto, esse foi um momento que nunca pôde acontecer.

...

Um dos médicos trouxe maiores informações a respeito da praga. Era uma doença sem regras, que atingia pessoas de diferentes formas. Aqueles que a contraíam poderiam demonstrar os sintomas no mesmo instante, ou levarem bastante tempo para que isso viesse a acontecer. Às vezes, pessoas que aparentavam estar bem e sem nenhuma chance de terem adoecido podem ter sido vítimas sem terem consciência disso.

O caso de Magdalena se mostrou um dos piores. Em questão de horas, a matriarca dos Earn teve a sua pele e seus cabelos inteiramente modificados e afetados. Seu organismo não estava resistindo da forma que era desejada.

— Tom... — Ela proferiu, em meio a tanta dor e sofrimento.

— Mamãe, não fale demais... Isso pode piorar a situação!

— Mas... eu... preciso... Não tenho pouco tempo...

O filho assentiu, permitindo que continuasse. Ele não desistiria da mãe enquanto a mesma continuasse viva. Suas esperanças não iriam morrer, pois eram mais do que necessárias para enfrentarem aquela ameaça.

— Estou... orgulhosa... — Cada frase parecia exigir mais de seus esforços, mas Magdalena não desistiria com facilidade. Suas tosses estavam aumentando, mas existia uma necessidade de terminar o raciocínio. Thomas compreendeu isso e respeitou a sua decisão. — Você foi, para mim, o melhor filho que poderia ter... Não se culpe por nada... Você fez todo o possível... E eu te amo.

Magdalena Earn fechou os olhos e, nesse instante, Thomas soube que a mãe estava nos braços dos deuses. Todos os sons ao seu redor pareciam impossíveis de se ouvir. As suas forças estavam desgastadas. O jovem perdeu o equilíbrio, caindo de joelhos sobre o chão. As lágrimas escorreram pelo seu rosto, caindo sobre a vestimenta que utilizava. A única motivação que existia para permanecer vivo o tinha deixado, fazendo-o se sentir sozinho.

Via somente escuridão. Uma caverna sem saída e sem luz.

Alguém tocou em seus ombros. Thomas estava absorto demais em suas lembranças para dar importância à pessoa, mas a insistência da mesma o fez se virar. Tratava-se de Katherine, a amiga que ele tinha se esquecido de que estava ao seu lado o tempo inteiro.

Em silêncio, o jovem se levantou e a puxou para um abraço forte. Talvez o mais forte de todos. Era um pedido de socorro. Uma forma de fazer aquela dor sair de seu corpo, por mais que isso fosse impossível.

Uma forma de se sentir amado novamente.


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Notas finais do capítulo

E o impacto da primeira morte?



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