Hastryn: Despertar escrita por Dreamy Boy


Capítulo 14
A Praga


Notas iniciais do capítulo

"Quando as coisas fogem de nosso controle, somos tomados por um temor absoluto de tudo o que nos cerca." - Charlotte Trannyth



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Charlotte

Os cidadãos foram devidamente abrigados e suas tarefas, designadas por indivíduos responsabilizados especialmente para essa função. A rotina de trabalho se iniciou dois dias depois, de modo que os hóspedes pudessem recompor as energias e descansar da viagem por algumas horas.

Diariamente, Charlotte Trannyth pedia aos deuses para a trazerem um vislumbre do que era necessário fazer a respeito dos novos membros. A nação do sul dependia de seus cuidados, e a sensação ruim era algo ainda mais frequente em seu coração. Costumava não se enganar. Algo terrível estava para acontecer.

Após o desjejum, caminhou por um gramado próximo de um lago, refletindo sobre como a sociedade já existente lidava com a chegada dos libertos. Se os aceitaria ou se mostrariam dificuldades com o processo. Temia que pequenos conflitos pudessem se iniciar e acabar com a paz conquistada na última guerra.

Apesar de todo o pressentimento, o dia era calmo. O céu, completamente azul, com poucas nuvens. Os raios solares criavam sombras de árvores refletidas na grama. Havia palmeiras, bananeiras, coqueiros, macieiras, laranjeiras e pinheiros. Para chegar ao lago, era preciso fazer um longo caminho de pedras. As pedras serviam como uma forma de se guiar pelos matos, mas ainda assim era fácil de se perder, para aqueles que ainda não conheciam o percurso.

Charlie precisava daquele tempo sozinha.

Tinha um cavalo que sempre a acompanhava em trajetos maiores. Quando se sentiu novamente disposta, montou sobre o mesmo e ordenou que fosse levada ao palácio. Ao chegar, um jovem servo estava à sua espera e deixou o animal em segurança dentro dos estábulos.

A monarca adentrou o hall, passando pelos altos portais de pedra e mármore. No interior, havia duas pinturas imensas nas paredes, representando os atuais governantes do reino. Imagens feitas sob um ponto de vista inteiramente artístico e surreal, sem representar o ser humano em sua forma verdadeira. Características físicas, como as cores do cabelo, dos olhos e da pele eram as mesmas, mas o formato, diferenciado. Estavam em tronos semelhantes, com um mesmo cenário atrás. A moldura ao redor das pinturas era feita de ouro. A arte era uma forma de expressão bastante valorizada em Hastryn do Sul. Os pintores, vistos como verdadeiros profissionais na habilidade de expor ao mundo a visão que tinham a respeito dele.

Havia uma grande porta de madeira entre as duas pinturas, posicionada exatamente no centro do hall. Era a entrada para o Salão Principal, no qual Elliot Trannyth já se encontrava sentado em um dos tronos. À sua frente, uma imensa fila de cidadãos foi organizada pelos guardas.

— Não sabia que haviam sido marcadas sessões para o dia de hoje. — Charlotte afirmou, em alto som, para que o marido a ouvisse. Estava um pouco distante deste.

— E não foram. — Elliot respondeu, com seriedade. — Este grupo caminhou até o palácio para realizar um protesto a respeito de algo importante. Acredito que saiba o que pode ser.

— Tenho minhas dúvidas... — Sentou-se no trono restante, pronta para ouvi-los com bastante atenção. Precisava saber os lados de todas as classes, sem declarar preferência a nenhuma. O que os monarcas costumavam fazer após escutar atentamente às suas reclamações era mostrar formas de solucionar o problema.

— Que venha o primeiro! — Elliot gritou, e um senhor que deveria ter cerca de quarenta anos de idade se aproximou. O sujeito encarava a ambos com raiva. Seus olhos eram assustadoramente pequenos e negros. Os cabelos escuros estavam começando a ficar grisalhos. Seu corpo extremamente magro fazia as suas vestimentas parecerem muito largas.

— Sou o dono de um dos mercados da cidade e, assim como me foi ordenado, forneci de bom grado trabalhos para alguns dos novos moradores, mas eles mostram uma fraqueza anormal. Desde a sua chegada, nossos antigos funcionários também se comportam de maneira diferente.

Os olhos de Charlotte se afixaram nele. Prestando atenção nos detalhes presentes em suas palavras e, curiosa, a jovem questionou:

— Diferente como?

— Da noite para o dia, também se mostraram fracos, sem saberem como explicar o motivo de estarem assim. Têm problemas para respirar, carregar peso... Até mesmo para ficarem de pé! Exatamente com os novos trabalhadores! Fui obrigado a fechar o estabelecimento e procurá-los para pedir ajuda.

Elliot e Charlotte se entreolharam, sabendo que compartilhavam do mesmo pensamento. Com o intuito de tirar a dúvida que ocupava a mente do casal, o monarca se virou para os demais protestantes.

— As reclamações de todos são por questões semelhantes?

Eles assentiram, e uma longa conversa se iniciou. Charlotte não conseguia entender o que estava sendo dito, pois um intenso movimento se iniciou. Inconformados, os proprietários dos estabelecimentos desabafavam entre si, sabendo que seriam compreendidos.

— Basta! — Charlotte gritou, em um tom tão alto que nem mesmo ela era capaz de acreditar que fosse ser capaz de atingir. — Fiquem em silêncio! O que tenho para lhes dizer é importante. A equipe médica da cidade fará um estudo aprofundado no que está acontecendo, mas creio que os libertos trouxeram consigo uma doença, e devemos tratá-la para que não se espalhe.

...

Com o intuito de verificar se suas teorias eram realmente verdadeiras, reuniu toda a equipe médica no interior de uma sala grande do departamento hospitalar para investigar o que ocorria. Pessoas com os sintomas mencionados foram levadas para serem atendidas. Uma parte dos funcionários se dedicou a pesquisar nas páginas de cada livro sobre conteúdos que pudessem conduzi-los, fazendo anotações e esquemas, em busca de uma possível conclusão.

Foram colocadas máscaras e luvas nos pacientes, e os médicos tomaram o devido cuidado para não se manterem tão próximos, evitando, dessa forma, o contágio.

— É algo que se espalhou com facilidade e deve ter se iniciado em um local distante. Caso contrário, saberíamos como surgiu. — Charlotte folheava as páginas de um livro na sessão que falava sobre epidemias e pandemias. — Creio que tudo se deu início dentro das Ilhas Grimwerdianas.

Um dos médicos a complementou.

— Precisamos descobrir se é algo forte a ponto de levá-los à morte, visto que boa parte dos escravizados conseguiram chegar até a cidade vivos, após uma longa viagem.

Um dos pacientes se chamava Edgar. Charlotte se aproximou deste, em busca de informações. O mesmo tinha um olhar de preocupação e de desespero, demonstrando temor com a sua presença.

— Não tenha medo. Nós iremos descobrir a cura para isso, caso estejamos lidando com uma doença curiosa, mas, para isso, preciso que responda às minhas perguntas. Desde quando estão se sentindo dessa maneira e por que esconderam a verdade de nós?

Estava sentado sobre uma cadeira oferecida pela própria rainha. Após alguns segundos, respondeu. Charlie aguardou o tempo que foi necessário, sem insistir e correr o risco de fazê-lo se retrair ainda mais. Soube que deveria dar a ele esse espaço.

— O nosso antigo senhor, Carter, nos ameaçou de morte... Disse também que, se soubessem de nosso problema, nosso defeito, não seriamos aceitos na cidade. — Edgar parou e tossiu. Sua tosse era tão alta e intensa que fez com que a mulher se preocupasse ainda mais com o seu estado. — Muitos já morreram, mas escondemos os corpos para não sermos descobertos.

— Compreendo...

O mesmo médico que a auxiliava se aproximou.

— Tenho uma hipótese sobre o que pode ter acontecido. Acredito que essas pessoas tenham sido infectados por alguma substância impura que as atingiu e, sem consciência disso, trouxeram a doença àqueles com os quais convivem diariamente. 

— Em que local vocês costumavam ficar, durante a escravidão? — Tentava ser o mais delicada e sutil possível, sabendo que traria à tona um trauma, uma realidade vivenciada por eles.

— Em celas horríveis... Havia poças muito sujas e alguns insetos. Os primeiros insetos eram pequenos, mas, depois... Depois, começaram a aparecer outros maiores! — Seu fôlego parecia diminuir mais a cada frase que proferia, como se fizesse força para continuar falando. — Outros escravos, que não moravam naquela área, não ficaram doentes. Fomos separados em dois grupos: afetados e saudáveis... Havia mais afetados do que saudáveis. Fomos libertados para não ocorrer o contágio. Depois da libertação, os saudáveis continuaram nas Ilhas, desta vez como criados oficiais de famílias de posses...

— Edgar, o que está me dizendo é extremamente grave. — Charlotte não queria acreditar naquilo, mas as peças daquele mistério estavam começando a se encaixar. — A escravidão não foi abolida por causa de revoluções feitas pelos escravizados?

O outro adoecido, que, até então, mantivera-se em silêncio, percebeu o estado físico do primeiro e decidiu responder em seu lugar.

— Elas chegaram a acontecer, mas o motivo principal foi a existência de nossa doença. Com medo de que as Ilhas fossem, aos poucos, extintas, como aconteceu com outros continentes, Carter Wayron criou um plano e enviou notícias falsas a Hastryn, contando uma história que não era real. Ele nos ameaçou, dizendo que nos queimaria vivos em uma fogueira se não seguíssemos a sua estratégia!

— Meus deuses! — Charlotte se viu novamente pensando na reação de Katherine, pois os nortenhos também corriam perigo com os viajantes. Dirigiu-se ao seu auxiliar. — Preciso imediatamente redigir uma carta. Peço que não deixe nenhum dos dois fugirem e os coloque para descansar. É um caso de emergência e quero que fiquem por aqui. Ofereçam a eles duas camas confortáveis.

Correu até uma das estantes e apanhou um pedaço de pergaminho vazio localizado em um armário semiaberto. Em seguida, molhou a pena no tinteiro localizado sobre a mesa de madeira e se sentou diante da escrivaninha de canto, iniciando a escrita.

“Excelentíssima Rainha de Arroway,

Venho apressadamente comunicá-la sobre algo urgente. Espero que esta mensagem tenha chegado com rapidez, considerando o quão velozes são as aves-correio. O grupo de libertos que caminha até a cidade foi infectado por uma doença que pode se espalhar por todo o continente se não for colocado em locais distantes de onde sua população vive. Peço que tome cuidado e os impeça de terem qualquer contato físico com o seu povo.

Não podemos mandá-los de volta, pois foram ameaçados. Se nos revelassem a verdade, seriam caçados até a morte pelos soldados de Carter Wayron. Conseguimos descobri-la através de um deles e estamos em busca de maneiras de solucionar esse problema. Caso surja alguma notícia, entrarei novamente em contato.

Atenciosamente,

Charlotte Trannyth, Rainha de Horgeon”

Ao terminar o texto, enrolou o pergaminho e o prendeu com uma fita. Em seguida, correu para o lado de fora, em direção a uma região com a predominância de árvores. Assobiou o mais alto que pôde, até que a ave desejada finalmente viesse dos céus ao seu encontro. Ao vê-la, Charlotte sorriu, entregando o papel enrolado a ela. Suspirando de alívio, jogou a pomba de volta para os céus e se virou para trás, decidida a continuar se dedicando até descobrir como acabar com a doença antes de ser tarde demais.

...

Na mesma semana, o estado de todos piorou.

A força dos trabalhadores se reduziu quase que por inteiro. Os mercados foram fechados por falta de membros capacitados para cuidar dos comércios. A doença se espalhou para a população que vivia na cidade. As enfermarias passaram a estar sempre repletas de pacientes desesperados, implorando para serem ajudados e poderem retornar à vida de antes. Mortes, como a de Edgar, apavoraram ainda mais os que ainda estavam vivos, temendo a possibilidade de serem os próximos.

O povo passou a ter medo de sair de casa, pois os que ainda estavam saudáveis nunca saberiam com quem poderiam esbarrar e se poderiam ser afetados. Isso fez com que as ruas ficassem ainda mais vazias, sem o constante movimento de sempre. Aterrorizados, Charlotte e Elliot faziam de tudo para que aquele terror chegasse ao fim, mas não estavam encontrando resultados positivos.

Juntos, imploraram aos deuses para os salvarem da extinção.


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Notas finais do capítulo

Demorou, mas a ação começou!
O que acharam do desenvolvimento da história até aqui? Foi massante e lento demais?



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