Forget About Me escrita por Lia Mayhew


Capítulo 2
Capítulo 1 – Mustang Kids




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We're running these streets, we're the mustang kids

 

— E foi assim que eu ganhei a minha tatuagem. – Concluiu Blake Truelock.

Era começo da tarde em Berwick-upon-Tweed, uma pequena cidade no extremo norte da Inglaterra. A sala estava com uma temperatura agradável, mas o clima gélido de dezembro estava evidente com os casacos de pele e botas das mulheres. Era uma tradição a alta sociedade bruxa da cidade se reunir para almoçar no salão do clube local no último domingo do mês. Naquele dia em especial, todos pareciam se preparar para o recesso de natal que estava prestes a começar. Deliciosos cheiros de comida e perfumes caros se misturavam no ar. Ao redor de Layla Harrison, adultos se entretiam em conversas regadas a champagne.

Todos da sua mesa caíram em gargalhadas após a garota mostrar discretamente o símbolo desenhado na nuca. Layla deu uma garfada no lagostim que tinha no prato. Embora eles já não fossem a mesa das crianças há algum tempo, seu grupo de amigos ainda não estava completamente acostumado a interagir no meio dos adultos. Os adolescentes tinham que se policiar constantemente a fim de não serem pegos fazendo nada inadequado sob a vigilância dos pais. Felizmente, o almoço de domingo era uma das poucas ocasiões em que essa vigilância acontecia. Os jovens da elite da pequena cidade tinham orgulho de serem selvagens.

— Você sempre foi tão bonita assim? – Edward Zumach sussurrou em seu ouvindo, curvado em sua direção e enrolando um de seus cachos escuros com o dedo.

A garota sabia que estava bonita com seus cabelos presos atrás da cabeça e com uma roupa rosa delicada de inverno. Layla deu uma risada gostosa, porém não virou o rosto para ele, afinal ela sempre fora bonita daquele jeito.

— Talvez você estivesse distraído demais para notar. – O garoto riu também, em um gesto galanteador, ainda próximo dela.

Do outro lado da mesa, Clementine Ohalloran arregalou as sobrancelhas para Layla demostrando a sua desaprovação. Ela notou o quão bem o vestido preto e branco da amiga combinava com a sua pele escura, deve ser novo, concluiu. Ignorou-a e virou-se para Ed, subitamente encorajada pela condenação muda da amiga.

— A gente deveria dar uma volta algum dia desses, só nós dois. – Ela propôs, olhando, sugestivamente, nos olhos do rapaz. As palavras deslizaram da sua boca, parecendo ainda mais sedutoras ditas com seu sotaque escocês.

Layla simpatizava com Ed Zumach. Ele poderia não ser muito diferente da maioria dos garotos que estavam ali, mas era uma companhia divertida e possuíam uma grande afinidade. Além disso, não fazia mal algum o garoto ser especialmente atraente. Corpo torneado, cabelos castanhos alinhados, olhos escuros cercados por cílios longos, francamente, não havia muito do que não gostar nele. Exceto, é claro, a sua terrível reputação com garotas. O que só tornava tudo ainda mais interessante para Layla, era importante ter algo com o que se entreter em um lugar tão plácido como Berwick-upon-Tweed. 

— Parece bom.  – Respondeu Ed, mantendo o olhar, enquanto esticava um cacho de cabelo dela como se alisasse uma mola. Em seguida, voltou a comer.

Layla passou a observar seus amigos sentados. Com ela, havia cinco garotos e cinco garotas na mesa, um grupo intenso, em especial, na escola particular de magia que estudavam, a Saint August. Todos descendiam de famílias ricas e tradicionais da cidade, com exceção dela mesma e de seu irmão, Brendon Harrison, que eram relativamente forasteiros.

Ravenna Greening e Chris Charlton estavam envolvidos em uma conversa. A garota parecia indefesa frente ao garoto, a sua falta de segurança ainda mais evidente perto da fala mansa dele. A aparência de Ravenna tinha mudado bastante nos últimos anos e, agora, parecia se orgulhar da atenção que atraia, ainda que ninguém estivesse competindo com ela. Já Brendon, com a habitual cara amarrada, acompanhava a conversa animada de Blake, Julian Bevan e Elsie Talbot. Elsie era sua melhor amiga e a pessoa mais gentil que ela já tinha conhecido. Seus cabelos loiros claros e olhos azuis intensos ajudavam na imagem angelical que tinha. Layla agradecia por ter alguém tão incrível e bondosa do seu lado, do mesmo jeito que ela sabia que seu irmão também agradecia. Thomas Mahmood e Clementine pareciam discutir, embora ela não se desse ao trabalho de descobrir o motivo.

Seria redundante dizer que ela gostava deles. Ela conhecia todos tão bem e era apegada a ideia de seu grupo, mais até do que deles individualmente. Todos eram privilegiados, então, quando estavam juntos, sabiam que eram compreendidos e nunca tinham que justificar suas ações. Não restava dúvida de que, em qualquer hipótese, eles teriam um futuro brilhante, algo associado a eles desde o nascimento. Layla até podia não ser nativa, mas sempre soube que pertencia em Berwick-upon-Tweed.

Em um dos cantos do salão, Acheflour Ohalloran pediu silêncio para poder falar. Instantaneamente, todos se calaram. Não havia ninguém naquele lugar capaz ou disposto a enfrentar a mãe de Clementine.

— Bom dia! Espero que estejam aproveitando o seu almoço. Só gostaria de relembrar a todos que a arrecadação feita pelo Grupo das Senhoras de Berwick-upon-Tweed continua aberta até a semana que vem. – Acheflour se destacava de todas as outras mulheres do salão, desnecessário apontar o porquê. Para Layla, aquela mulher era a definição de poder. -  Todas as contribuições são apreciadas e agradecemos por toda a generosidade de quem está ajudando. Obrigada.

A família Ohalloran era a menina dos olhos da cidade. O portfólio de ações deles ia desde caldeirões de aço até criação de dragões exóticos. Nicholas, o herdeiro, tinha suas qualidades, mas caia em total esquecimento comparado a esposa Acheflour. Descendente distante da família real de Toro, reino da Uganda, com família rica e tradicional estabelecida a décadas na cidade, ela era um espírito da natureza, intenso e transformador. Acheflour administrava a família e os negócios com primazia, obtendo sucesso como mulher de negócios e mãe de seus  dois filhos. A mulher também foi determinante na adaptação dos Harrison na cidade. Ela foi a primeira a estender a mão ao jovem viúvo endinheirado com filhos pequenos, o apresentando as pessoas certas. Se hoje seu pai tinha um emprego importante e Layla e Brendon eram tratados de igual para igual pelos amigos nascidos ali, era por conta da ajuda de Acheflour.

— Que tal a gente sair terça-feira? 

Em algum momento da fala, Ed tinha se reaproximado dela. Após ter feito o convite, ele escorregou a mão para perto do joelho de Layla, praticamente na sua coxa. O toque dele na sua pele não era novo ou desagradável, porém, ela conseguia ver além do que ele demostrava, e não seria um garoto bonito que a faria pisar no lugar errado.  Também não ia negar que era divertido dizer não a alguém que quase nunca o ouvia.

— Ah, Ed, eu adoraria. Mas, você sabe, eu vou para Edimburgo amanhã. – Colocou a sua mão por cima da do garoto, mantendo na sua perna por alguns instantes antes de levá-la para cima da mesa. – Vamos combinar alguma coisa depois do ano novo, certo?

Ed resmungou, deu um sorriso forçado, assentiu e saiu da mesa. Layla resistiu a vontade de sentir pena dele. Dormir com ela, e com qualquer menina daquela mesa, poderia não passar de diversão para os meninos, mas não era igual para elas. Uma atitude impulsiva era capaz de manchar a reputação de uma garota. Não eram santas, afinal, eram jovens modernas vivendo em 1995, só cresceram aprendendo a ser cautelosas. Sabiam que mentir e esconder são artes inerentemente femininas. Por isso, Layla costumava se envolver com rapazes com quem não tinha que manter contato e, até agora, isso parecia funcionar. Era bem mais civilizado comparado a maneira como Blake costumava se manter fora do radar.

Aos poucos, a mesa ficou vazia, permitindo que Brendon e Elsie se sentaram cada um de um lado da sua cadeira.

— Você não vai sair de verdade com aquele otário, vai? – Sussurrou Brendon para a irmã com claro desgosto.

— O que você vai fazer se eu sair? – Provocou Layla. – Eu sou mais velha que você, Brendon.

— Só porque você nasceu alguns meses antes não quer dizer que você seja mais madura, Layla. – Bufou o irmão. – Você é uma tremenda de uma irresponsável.

— Dá um tempo, Brendon. – A menina revirou os olhos e se voltou para a melhor amiga. – O que acha, Elsie?

— Do Ed?  – O tom de incredulidade era palpável. – Eu achava que você já estava cansada dele, Layla. Queria poder dizer que eu não entendo o que você vê no tipo dele, mas você já deixou o seu ponto de vista explicitamente claro. Inúmeras vezes.

Seu irmão fez uma careta.

— Eu nunca quero descobrir o que vocês falam quando estão sozinhas. Não acho que vou conseguir me recuperar.

— Eu não acho que você ia odiar tudo o que a gente diz. – Falou Elsie com aquela candura típica na voz. – Tem certas coisas que você ia adorar descobrir.

Layla ficou desconfortável de estar no meio do olhar que Elsie lançou para seu irmão. Sua amiga sabia que mel é muito mais eficaz que vinagre. Brendon enrubesceu e, por fim, ficou quieto.

—  Eu acho que eu já descobri tudo o que eu adoro no Ed. Mas não é como se houvesse muito mais para se procurar por aí. Ia me economizar tempo se eu conseguisse garantir que ele me levaria ao baile Baddeby.

— Você tem total liberdade para cometer os seus erros, Layla. – Declarou Elsie, que já tinha desistido de trazer alguma razão para a melhor amiga.

Logo, Peter Harrison apareceu para levar eles para casa. Ele não era, nem de longe, um pai linha-dura. Ele sabia que os dois sabiam se virar sozinhos, então não via motivo para severidade. Nunca interferiu nas decisões e vontades deles, mesmo quando deveria.  Mesmo assim, os irmãos não poderiam se queixar de falta de amor paterno ou de outra carência. Era evidente que o amor de Peter pelos filhos era incondicional.  

Junto dele, estava Katie Davis, a melhor amiga de seu pai. Katie era a Auror-Chefe da cidade, desde que todos eles se mudaram para lá da Escócia, cerca de doze anos antes. O convite para integrar a força policial da cidade aconteceu bem quando Peter tinha decidido que precisa recomeçar em outro lugar, incapaz de continuar na mesma cidade, após a morte da esposa.  Berwick-upon-Tweed poderia ser uma segunda chance para seu pai, contudo significava muito mais para Layla, que sequer tinha lembranças da sua vida antes da mudança. Katie era madrinha de ambos os irmãos, embora os dois a achassem mais adequada para a posição de madrasta.

— Prontos para irem embora, crianças? – Perguntou Peter como se falasse para um grupo de pré-escolares.

A família se despediu de Katie e, acompanhados de Elsie, que passaria o recesso com eles, usaram Pó de Flu para chegar à casa dos Harrison. Assim que chegaram, Peter se recolheu para seu quarto, dando privacidade aos filhos.

— Elsie... – Começou Brendon.

— Vamos, Elsie, quero sua ajuda para separar algumas coisas. – Disse Layla, ignorando o chamado de Brendon, e arrastou a garota para seu quarto, onde terminaram a noite entre peças de roupa.

 

 

 

— Bom dia, bonitinhas. – Cantarolou Katie em seu bom humor matinal. – Quem não se levantar, não vai a Edimburgo.

As duas garotas resmungaram.

— Katie, fala mais baixo. – Pediu Layla a madrinha. Ela viu a cara feia que a mais velha fez.

— Nada disso, mocinha. Café em cinco minutos.

Sem escolha, Elsie e Layla se levantaram.  Ainda grogue, Layla ajeitou seus longos cachos e colocou uma calça cós alta preta. Do seu lado, Elsie penteava os cabelos loiros e colocava uma calça rosa com um suéter branco. De qualquer jeito, a morena enfiou-se em um agasalho azul de grife.

As meninas desceram e encontraram pai e filho comendo cereais com suco de abóbora. Com os dois lado a lado, era ainda mais fácil perceber as semelhanças na aparência. Eles tinham o cabelo castanho claro, olhos azuis e um rosto retangular, enquanto Layla puxara a mãe. Afinal, não se parecia nada com eles, com seu cabelo profundamente preto enrolado e seus olhos escuros.  As meninas comeram e pouco tempo depois já estavam pegando a chave de portal.

Os cinco não foram recepcionados por ninguém quando chegaram no casarão, todos abalados pela sensação ruim causada pela chave de portal. A sala de Tia Candy continuava como Layla se lembrava, os móveis antigos e elegantes bem-dispostos no amplo cômodo. Com a mesma classe de sempre.

— Candice! – Chamou Peter. – Onde você se meteu?

Na mesma hora, tia Candy apareceu. Embora seu nome desse uma ideia de doçura, a irmã de seu pai era um tanto quanto amarga. Nunca tinha se casado ou tido filhos, mesmo tendo praticamente criado Peter, já que quando os seus avós descobriam que o caçula era um aborto se mudaram para Suíça deixando-o a mercê de Tia Candy com apenas 16 anos. Ela assumiu responsabilidades demais muito cedo e isso era visível.

— Que falta de educação essa gritaria toda, Peter. Estou velha, mas ainda não sou surda. – Replicou Tia Candy com sua roupinha de veludo. Seus cabelos grisalhos e curtos estavam arrumados de maneira impecável.

— Encantadora como sempre, tia. – Brendon foi o primeiro a ir a seu encontro e lhe dar um abraço.

— Puxa saco.

Tia Candy olhou para Layla.

— Vejo que vocês dois continuam os mesmos. Brendon, um perfeito cavaleiro. Já você, Layla, - A senhora colocou uma mão no queixo da sobrinha, analisando-a – ainda precisa de uns ajustes.

— Eu sinto falta das suas críticas, tia. Ninguém as faz com tanta graça como a senhora.

Candice deu uma risada curta.

—  Querida, nós sabemos que ninguém te critica. Por isso, eu preciso te manter na linha. - O olhar da senhora se desviou para a outra adolescente na sala. - E quem é você, docinho? A próxima senhora Harrison?

—Ainda não, tia.... Ai! – Gritou Layla. – Pisar no meu pé? Quantos anos você tem, Brendon?

— Sou amiga de Layla. Me chamo Elsie Talbot. É um prazer conhecer a senhora, Srta. Harrison.

Candice pareceu apreciar as boas maneiras de Elsie, contudo desviou seu foco para algo mais importante. A figura conhecida na sua sala de estar. Katie.

— Você.

— Candy. – Interveio Peter.

— É um prazer vê-la, Katherine. E mesmo que eu nunca a convide, é sempre satisfatório saber que você arranja uma maneira de participar dos nossos momentos familiares mais íntimos.

— Candice!

Katie não falou nada ou sequer se moveu. Tia Candy implicava com ela desde Layla se lembrava. Era, em parte, apenas provocação inofensiva, insuficiente para que Katie a evitasse por completo, mas perfeitamente capaz de gerar vários momentos desconfortáveis. Layla não gostava da ideia de ficar no meio das farpas entres as mulheres, principalmente naquela época do ano. Lentamente, cada um se ajeitou em um quarto do casarão antigo, que ficava em uma área nobre de Edimburgo.

Ainda que Tia Candy tenha ficado muda durante quase dois dias, em um claro protesto a presença de Katie, as coisas corriam conforme o esperado, então Elsie e Layla decidiram seguir seus planos e ir as compras atrás de vestidos novos para o baile Baddeby, uma festa tradicional que acontecia todo ano em Berwick-upon-Tweed. Houve uma grande mobilização para levar Katie junto, tamanha que até Peter e Brendon as acompanharam.

Todos se sentiram mais no espírito natalino percorrendo as ruas estreitas de Edimburgo cobertas de neve e de seu charme escocês.  A busca pelos vestidos se mostrou uma tarefa leve e divertida. Layla fazia piadas e se imergia totalmente no luxo das lojas mais refinadas, Brendon e Elsie aproveitam e flertavam a cada troca de roupa da loira, enquanto Peter e Katie pareciam aliviados por escapar do olhar mortal que os acompanhava na casa. Por fim, Layla ficou com um vestido azul escuro estilo sereia e a amiga escolheu um traje creme com renda, as duas satisfeitas.

No casarão, as coisas pareciam ter ficado mais tranquilas. Tia Candy, talvez por estar sem a sua equipe de empregados, fez com que todos se empenhassem em funções natalinas, como cozinhar e decorar a casa. Se reuniam ao redor da lareira, contavam histórias e ouviam quem se aventurasse a tocar o piano, os dias seguindo calmos e frios. Guardavam energia para o que estava por vir.


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Notas finais do capítulo

Esse é o meu famigerado primeiro capítulo, que apresenta para vocês o universo da minha protagonista. É bem diferente do ambiente da história original, como quase tudo aqui. Será que no próximo capítulo vamos ver alguns rostinhos conhecidos? Tenho muita coisa escrita, então devo atualizar logo.



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