Feche a porta quando sair escrita por Duda Cartman


Capítulo 4
Abra a droga da porta, idiota!




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Depois de falar brevemente com o meu avô, decidi que eu não iria comer mais nada pelo resto do dia. Meu estômago roncava alto, mas eu já tinha aprendido a aguentar essa vontade conforme anoitecia.

Fiquei feliz por ter conseguido me livrar das insistências alimentares de Sonia, que era a única de todos os empregados que eu realmente considerava mais do que apenas uma pessoa insignificante de classe inferior.

Sonia era tudo o que a minha mãe deveria ser: me mimava sem ser chata e fazia tortas maravilhosas. Ela passava o dia na cozinha, mas fazia questão de me servir sempre que podia, já que ela sabia o quanto eu detestava a mera presença da lerda e incompetente da Catarina.

Sonia me conhecia um pouco bem demais, já que foi ela quem me deu a minha primeira mamadeira e me viu crescer, viu meus primeiros passos e ficou orgulhosa deles, enquanto a minha mãe estava muito ocupada fazendo uma plástica no nariz, sem ter ideia de que ele tinha ficado ainda mais horrível.

Eu não podia culpá-la. Desde o quase abandono do meu pai, que ocorreu quando eu ainda era muito pequeno, ela tem feito de tudo para ficar o mais bonita possível no intuito de chamar a sua atenção — e nunca conseguiu, até que ela finalmente desistiu.

Uma parte minha queria que ela não tivesse desistido, talvez eu fosse mais saudável se ela não tivesse o feito, mais feliz.

Claro que correr atrás de alguém que não ama mais você não passa de uma baita perda de tempo, mas isso não era problema meu e nem culpa dela, e sim do meu pai, que decidiu abandonar essa família que aparentemente nunca existiu para ficar esbanjando o seu reinado com mulheres lindas e que jamais ficariam com ele se não passasse de um pobretão qualquer.

Já estava anoitecendo quando desci as escadas e fui até o carro, esperando que Ian estivesse nele.

Como de costume, ele nem tinha se dado ao trabalho de abrir a porta para mim, e eu a abri, tentando segurar a minha raiva diante de tanta incompetência.

Deslizei no banco sem nem ao menos me dar ao trabalho de cumprimentá-lo.

Ian não falou mais comigo desde o dia em que o deixei sozinho no estábulo, e eu não fiz esforço algum para mudar isso, e nem planejava.

Finalmente ele deve ter se tocado e me deixado em paz!

Ele me levava todos os dias ao Clube5, entrava e ficava apenas me encarando enquanto eu me aventurava no álcool como se não houvesse um amanhã.

Quando decidia que eu já tinha bebido demais, por ser incapaz de ficar em pé, me puxava pelo braço e me levava de volta ao carro, ignorando os meus protestos.

Assim que chegamos, ouvi o clique quase surdo das portas se trancando. Tentei abri-la e arregalei os olhos ao confirmar de que aquele idiota tinha as trancado.

— Abra a droga da porta, idiota! — falei, tentando levantar o pino, e falhando miseravelmente no processo.

— Não — respondeu, num tom quase inaudível.

— Como é que é? — berrei, com as sobrancelhas levantadas. — Estou mandando você abrir a droga da porta!

— E eu estou falando que não vou abrir, está surdo? — Ele apertou as mãos no volante antes de ajustar o vidro central para captar o meu rosto sem se virar.

Senti a minha pele arder enquanto eu batia no vidro com a pouca força que tinha.

— Esse vidro é blindado — observou. — Pode bater e gritar o quanto quiser, não vou abrir.

Minhas narinas inflaram e mordi o lábio com força até sentir o gosto amargo do sangue. Pensei nas possibilidades limitadas que eu tinha para me livrar dele, decidi abandonar todas essas ideias e me debrucei contra o banco do motorista, com uma rapidez que deixou até o próprio Ian confuso, enquanto tentava arrumar um jeito de estrangulá-lo ou enforcá-lo com a minha força nada eficiente. Me senti ridículo e envergonhado quando a única coisa que consegui com esse ato infantil foram as suas risadas abafadas.

— Me deixa sair! — gritei, me sacudindo enquanto o estapeava, não ousando desistir da violência.

— Não, não e não — disse entre risos. Parecia que eu estava fazendo cócegas nele, e ele só parou de rir quando segurou meus pulsos com tanta firmeza que não consegui puxá-los de volta.

Quando viu que eu tinha me acalmado, me soltou aos poucos, e acabei me encolhendo na mesma hora, fitando as marcas perfeitas de seus dedos praticamente desenhadas em meus pulsos.

— Desculpe, eu te machuquei? — perguntou, encontrando o meu olhar e notando as marcas.

— Não — Escondi meus braços atrás do corpo e olhei para a porta. — Abra a porta agora, não tenho tempo para ficar ouvindo você falar.

— Não vou abrir, príncipe — falou mecanicamente, como se já estivesse entediado. — Você não vai beber hoje.

— Quem é você para falar o que eu vou ou não fazer? É apenas o meu motorista, sua função é dirigir para mim.

— Sim — Ele concordou com a cabeça. — E não ficar aguentando os seus comas alcoólicos e seus chiliques adolescentes — Ian se aproximou ainda mais. — Álcool não vai resolver os seus problemas.

Ele não ia entender, nem mesmo se eu desenhasse para ele, ninguém entenderia. Eu poderia ficar ali dialogando com ele ou bater no vidro com ainda mais força.

Pode parecer idiota, mas escolhi a segunda opção e comecei a dar cotoveladas na janela enquanto via a imagem borrada do clube devido ao meu hálito que embaçava o vidro.

Não me importava o que Ian tinha a dizer, eu só queria no mínimo uma garrafa de alguma coisa alcoólica.

— Está fraco — ele continuou, parecendo ignorar os meus socos nada eficientes no vidro, que não se mostrou nem um pouco frágil. — Não come direito e ainda fica bebendo com praticamente nada no estômago, acha isso certo?

Foi aí que parei de bater na janela e o encarei franzindo a testa. Ele não tinha nenhum direito de se meter na minha vida.

— Se eu quiser morrer de fome, vou morrer de fome — grunhi. — Você não tem nada a ver com isso, idiota.

— Não tenho mesmo, mas eu só quero... — Ele ergueu a mão e eu me afastei na mesma hora, sem querer de forma alguma sentir o seu toque, e ele a recolheu, com uma expressão um tanto entristecida. — Eu quero te ajudar.

— Não me lembro de ter pedido a sua ajuda.

— Uma boa ajuda vem exatamente quando não pedimos por ela.

— Quer me ajudar? Então abra a droga da porta e me deixa sair.

— Não — Ele meneou a cabeça, insistindo em me tirar do sério.

Me encolhi ainda mais no banco, tentando controlar a minha respiração, que ficava cada vez mais acelerada conforme a realidade vinha à tona. Não importava o que fosse acontecer em seguida, eu só não podia em hipótese alguma chegar sóbrio em casa, eu jamais suportaria...

— Ian — tentei chamá-lo pelo nome com a voz quase estável. — Eu preciso beber.

— Isso não faz bem para você — O tom negro de seus olhos praticamente me engoliu, tanto que me vi perdido naquela escuridão. — Só tem dezessete anos, não vai viver muito se continuar assim.

— Como descobriu tudo isso? — questionei, levemente desconfiado. — A gente só se vê à noite.

— Bem, eu andei te observando — Ian deu de ombros enquanto enrubescia. — E conversei um pouco com Catarina — revelou, para o meu horror.

— Catarina? — repeti, sem nem ao menos disfarçar o desgosto. — Porque tem falado com ela? Não passa de uma incompetente!

— Ela é muito gentil — Ele meneou a cabeça como se não acreditasse na minha afirmação. — Você que é amargo e mesquinho.

Remexi-me no banco, inquieto.

— Não acredito que você ainda tem a audácia de me ofender novamente. — falei, boquiaberto. — Tem sorte por ainda estar respirando.

Bati no vidro novamente, dessa vez com mais força. Meus punhos já estavam vermelhos e doloridos, mas tentei ignorar isso.

Ian continuou me observando, satisfeito por eu não estar obtendo nenhum sucesso na minha fuga.

Só desisti quando abriu um pequeno corte na dobra do meu dedo médio e bufei, enfurecido e frustrado ao mesmo tempo.

Saquei o telefone do bolso e estava discando o número familiar do meu pai — tendo consciência de que ele provavelmente não atenderia —, quando os dedos intrometidos de Ian puxaram o aparelho de minhas mãos, guardando em seu casaco como se fosse dele.

— Devolve! — praticamente berrei. Ele não tinha nenhum direito de puxar meu celular daquela forma, e nem de me manter preso naquele carro, como se eu fosse uma espécie de prisioneiro.

— Não — repetiu o que parecia ser a sua mais nova palavra favorita.

Engoli o bolo recém-formado em minha garganta enquanto tentava lidar com a ideia de que eu não iria beber naquele dia.

Conforme esse fato entrava na minha cabeça, senti um aperto familiar no peito, a mesma reação que os toques dela causavam em mim.

Minha visão ficou embaçada por conta desse aperto, causando lágrimas quentes que borravam meu rosto como gotas de chuva.

Pisquei e tentei secá-las com certa violência, me arranhando um pouco com as minhas unhas que não estavam tão bem cortadas, pois eu tinha o hábito horrível e nojento de roê-las quando estava nervoso.

Tentei esconder meu rosto entre as pernas sem me preocupar com etiqueta e a posição correta de se sentar.

— Ei... — Senti a pressão de sua mão delicada demais para um homem em meu joelho. Levantei o olhar na mesma hora, um tanto envergonhado por ele ter me visto chorar e por nem esse fato me impedir de continuar chorando. Era agonizante demais, não suportaria tudo aquilo sóbrio. — Não chore.

Para a minha surpresa, ele limpou uma de minhas lágrimas com seus dedos tão perfeitos e delicados que mal pareciam pertencer a um motorista. Pelo visto ele não tinha o hábito de roer as unhas, que apesar de serem bem masculinas tinham um toque feminino bem peculiar.

Dei um tapa em sua mão com a pouca força que eu tinha e me afastei, me contorcendo só de pensar nele me tocando de novo.

Credo, quem ele pensava que era para tocar o meu rosto? Só Deus sabe onde ele passou a mão antes de me encostar com esses dedos imundos.

Fiz questão de esfregar o lugar que ele tinha tocado na cara dura, para que ele soubesse que eu não tinha gostado nem um pouco do gesto.

— Nunca mais toque em mim de novo — alertei pausadamente, esfregando com mais força até ficar vermelho.

Ian recolheu a mão, os olhos negros tristes, mas aceitando a minha ordem. Ele passou as mãos nos cachos, tirando-os dos olhos, e forçou um sorriso.

— Desculpe, isso não irá se repetir — assegurou, não conseguindo disfarçar a tristeza. Provavelmente deveria estar pensando que eu estava com nojo dele e eu não o culpava — o modo como eu agi dava a entender isso, mas ao contrário dele, jamais iria me desculpar por isso, ou por qualquer outra coisa.

— Acho bom mesmo — Demorei para encontrar a minha voz, um pouco estrangulada pelo inferno que eu teria que passar sóbrio quando chegasse em casa.

Foi aí que me lembrei da garrafa de vinho que eu tinha roubado do estoque da família há algumas semanas. Ela estava escondida embaixo da minha cama e provavelmente estava quente, mas tinha que servir, eu não podia deitar na cama sóbrio de jeito nenhum.

— Idiota — chamei quando Ian estava prestei a se virar. Olhei de soslaio para o clube antes de encará-lo. — Me leve para casa.

Ian assentiu, esboçando um sorriso como se tivesse ganhado um jogo muito difícil.

Mal sabia ele que eu não tolerava perder.

 

                                                      ***********      

 

Eu estava semiconsciente quando ouvi o ranger da porta. Minhas pálpebras estavam pesadas como chumbo e eu mal sentia meu corpo, devido ao êxtase que a bebida estranhamente me causava.

Ouvi seus passos vindo em minha direção assim que ela fechou a porta ao entrar.

Eu sabia que era ela, conhecia muito bem o seu cheiro e o som quase surdo de seus passos.

Selei os lábios, mordendo-os com força assim que ela se sentou ao meu lado de uma forma falsamente maternal.

— Como vai, meu príncipe? — perguntou, encostando os lábios secos em minha orelha, fazendo com que eu me contorcesse de desgosto e uma pontada de medo.

Não sabia por que eu ainda sentia medo, já devia estar acostumado com tudo aquilo: com seus sussurros, seus toques...

Limitei-me a abrir os olhos. Eu nunca os abria porque não queria associar a imagem que eu tinha dela com as coisas que ela fazia.

Ela mordeu meu lóbulo de leve, enquanto eu sentia seus dedos frios explorando por baixo da minha camisa.

Meu estômago se contorceu e procurei continuar respirando, apesar de seus toques.

Eu já devia estar acostumado...

Seus cabelos roçavam em meu rosto quando ela me beijava, e seus lábios jamais hesitavam ao entrar em contato com a minha pele.

Assim que ela conseguia me deixar nu da cintura para baixo, era quando a dor geralmente começava.

Claro que tudo aquilo doía por dentro, mas eu estava falando de dor física, das terríveis fissuras causadas pelos seus brinquedinhos favoritos, que ela nunca deixava de trazer.

Ela mordiscou minha bochecha e introduziu o primeiro objeto. Apertei os olhos, tentando lidar com o bolo que ficava preso em minha garganta.

Eu gemi e isso pareceu fazê-la feliz, porque provavelmente achou que eu gemia de prazer.

Mas não era, nunca foi.

Tentei relaxar, embora cada respiração doesse.

— Eu te amo tanto, meu amor — sussurrou. — Meu príncipe...

Eu odiava quando ela me chamava assim, odiava tudo que estava relacionado a ela e ainda assim, não conseguia deixar de amá-la.

Sempre iria amá-la, mesmo que esse amor doesse, mesmo que me corroesse de dentro para fora como se eu estivesse sendo triturado sem dó e nem piedade. 

Mesmo que estar perto dela provocasse em mim uma vontade involuntária de estar morto.

Sempre usei a bebida como uma forma de afugentar aquele sussurro agudo, seus lábios pressionados em minha orelha e seus toques, que de alguma forma faziam eu me sentir cada vez menos homem.

Não gostava daquele cheiro e nem da delicadeza disfarçada de seus dedos, que sabiam muito bem onde tocar.

Ela enterrou os dedos em meu cabelo, que por algum milagre estava sem a coroa e apalpou o meu membro enquanto eu procurava não sentir nada. Nem prazer, nem nojo, nem repulsa, nem medo, nem ânsia de vômito...

Apenas o seco, o oco e o irreversível nada.

Era esse efeito que o álcool provocava em mim, mas quanto mais eu bebia, mais eu me acostumava com aquele efeito entorpecente que me libertava e me aprisionava ao mesmo tempo.

Eu era um prisioneiro liberto.

Era escravo do álcool, mas era livre para acordar no dia seguinte e não me lembrar de nada daquela noite, ou ao menos não tudo, o que já era uma coisa muito positiva.

Aprendi a ser submisso ao lado dela, nunca relutei, embora sentisse náuseas com cada toque malicioso seu.

Por isso eu queria controlar tudo ao meu redor, pois essa pequena parte minha eu sabia que jamais seria capaz de controlar.

— Eu te amo — sussurrou de novo, e repetiu diversas vezes enquanto me beijava.

Eu conseguia pensar, conseguia assimilar e absorver as palavras e elas doíam...

O efeito do álcool estava passando, logo eu iria ficar sóbrio e me lembrar de tudo...

 Tombei a cabeça para o lado, sentindo o gosto amargo do vinho quente que eu tinha bebido e procurando absorver qualquer gotícula de álcool daquele sabor.

Esvaziei a mente e tentei me manter calmo, passivo e submisso, porque era a minha obrigação ser para ela o que meu pai era incapaz de ser.

— Eu também te amo, mamãe — finalmente consegui dizer, com a garganta travada.


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