Feche a porta quando sair escrita por Duda Cartman


Capítulo 29
A dor fazia parte da vida




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Noah

Eu poderia muito bem ter ido até o Ian e chorado em seus braços, mas não estava com paciência e nem com estrutura para ser ignorado por ele. Apenas fui até o meu quarto sem me dar ao trabalho de trancar a porta e chorei mais do que um dia pensei em chorar.

Ouvi quando alguém a abriu e entrou, mas nem sequer ousei tirar a cara do travesseiro.

— Noah — Mel falou e sua voz parecia tão distante que me fez querer chorar ainda mais. O pior de tudo era que eu nem sabia exatamente o porquê de eu estar chorando, já que eu não sentia absolutamente nada por ela. — Eu não queria te magoar, me sinto uma pessoa horrível — continuou, sentando na minha cama como se tivesse sido convidada.

— Está trepando com o meu pai, e daí? — funguei me sentindo um idiota por um usar um linguajar daquele, mas cansei de ser formal até quando não tinha necessidade disso. Era impossível manter a postura impecável de príncipe vinte e quatro horas por dia. — Não é como se isso me incomodasse.

— Está chorando — Não tinha amor nenhum vindo dela como eu pensei que tinha quando ela me beijava e agarrava, mas sim um carinho que sequer notei antes, algo diferente do amor romântico.

— Ando chorando antes mesmo de te conhecer e você só foi mais um motivo para que eu chorasse ainda mais! — extravasei, sem de dar conta de que eu podia acabar falando demais. — Não amo você, Mel e provavelmente nunca vou amar.

Assim que deixei as palavras escaparem, me senti muito mal pela maneira rude com a qual despejei aquela verdade digna de um tapa na cara. Porém para a minha surpresa, Melanie simplesmente suspirou de alívio e sorriu.

— Eu sei — murmurou ela, chegando mais perto para acariciar meus cabelos exatamente como minha mãe fazia, mas não tinha as segundas intenções dela, o que era estranho porque na noite anterior ela estava cheia de segundas intenções comigo. Era como se tudo não tivesse passado de uma farsa e agora ela fosse quem realmente era, chegava a ser estranho.

— Sabe? — questionei um tanto apreensivo.

— Sim, entendi ontem à noite, quando estávamos juntos.

— Tá falando do meu...? — Me interrompi, sentindo o rosto ficar vermelho. Então ela tinha notado. E eu achando que tinha conseguido enganá-la, mas era quase impossível já que estávamos nus.

— Sim — ela soltou uma risadinha, que surpreendentemente não soou irritante. — Também sei sobre o Ian.

— Ian? — quase gritei. Ouvir o nome dele saindo dos lábios dela me provocou uma espécie de choque. Como assim ela sabia? Ninguém sabia de droga nenhuma! — Do que está falando?

— Gosta dele, não é? — Não foi uma acusação, mas sim como se ela já soubesse a resposta e quisesse apenas confirmar, mas ainda assim hesitei em responder, tanto que permaneci calado até que ela voltasse a falar para quebrar o silêncio constrangedor que se seguiu. — Devo ter estragado tudo entre vocês.

— Estragou — Destruiu era uma palavra melhor, mas como ela estava sendo legal e compreensiva comigo decidi não ser tão cretino e grosso.

— Sinto muito — Ela pareceu sincera quando falou, seus olhos verdes estavam carregados de compaixão.

— Tá tudo bem, não posso ficar com ele mesmo.

— Pera aí, você vai desistir?

— Claro, não tenho motivo nenhum para levar isso adiante. Ele não quer nem ao menos falar comigo!

— Tudo bem que você tem dezessete anos, mas não aja como um adolescente imaturo pelo amor de Deus! — exclamou, batendo a mão na testa antes de revirar os olhos. — Quem disse que o amor é fácil, querido? Se você quer uma coisa, corra atrás dela, não seja babaca.

— Por que está falando assim? — Levantei-me, surpreso pelo rumo da conversa que estava se desenrolando. — Você é minha noiva, devia jogar pratos em mim e dizer que sou uma vergonha e não ficar incentivando esse sentimento que está me corroendo. Sem falar que você dormiu com o meu pai, ou seja, eu é quem deveria estar jogando pratos em você nesse momento.

— Então jogue — Ela se inclinou para mais perto de mim com o sorriso ainda largo nos lábios cheios de gloss. Pelo menos ela tinha colocado a roupa de novo e eu não teria que ficar olhando aqueles balões se mexendo de forma esquisita como se desafiassem a gravidade.

— Não tenho vontade — Cruzei os braços, me sentindo uma criança sendo disciplinada. — Mas ainda assim é estranho.

— Chega para lá, pivete! — Mel me deu um empurrão e se sentou ao meu lado abraçando as pernas cobertas por uma calça preta de lycra, que delineava todo o contorno de suas pernas as deixando mais evidentes e torneadas. — Eu amo o seu pai — confessou, demonstrando traços de insegurança na voz e um medo que de certa forma eu entendia. — Só aceitei vir para cá por causa disso.

— Mas ele é casado — soltei o óbvio — Inclusive minha mãe dorme na mesma cama que vocês estavam transando minutos atrás. — Chegava a ser surreal uma coisa daquelas. Nunca imaginei que meu pai chegaria a esse ponto, ele saia com muitas mulheres, mas não tanto ao ponto de trazê-las para o palácio e usar a cama que dividia com a minha mãe como fortaleza de seu prazer.

— Sei disso, mas ele não gosta mais dela — Mel pareceu tomar cuidado com as palavras, entretanto era visível esse fracasso. Provavelmente ela pensava que isso iria me magoar, porém mal sabia ela que a minha família deixou de existir antes mesmo da sua chegada.

— Disso eu sei, mas ela ainda tem esperanças.

— E está perdendo o seu tempo às tendo — Mel soltou uma risada áspera, mordendo o lábio logo depois, como se duvidasse de que a minha mãe o conseguiria de volta. Para falar a verdade até eu duvidava disso, o amor deles já era inexistente há tanto tempo que até já me acostumei. — Vou lutar por ele até o fim, por isso vim para cá e aceitei me casar com você.

— Ia casar comigo e ficar com o meu pai pelas minhas costas?

— Desculpe por isso. É que eu gosto mesmo dele, é um prazer mais do que carnal que...

— Ok, eu já entendi. Não precisa me dar detalhes — A última coisa que eu queria saber era se meu pai era bom de cama. Esse tipo de informação geralmente eu passava.

Ela riu e me senti confortável em rir também.

— A gente nunca conversou muito, não é?

— Pois é — concordei. — E pensar que tive que ver uma das cenas mais horríveis da minha vida para a gente fazer algo tão simples como conversar.

Melanie revirou os olhos antes de me dar mais um empurrão, dessa vez mais leve. O toque dela não me dava mais náuseas, acho que era porque ela não estava mais me agarrando a cada respirada.

— Agora deixa de ser um babaca e vai atrás do motorista.

— E dizer o que? Já tentei falar com ele várias vezes e o idiota insiste em me ignorar.

— Claro, ver a gente se agarrando deve ter deixado ele magoado.

— Você acha? — perguntei com a voz carregada de ironia.

— Nem venha me culpar, se você tivesse me falado isso antes talvez tudo fosse diferente.

— Como falar para a sua noiva que você está gostando de um homem? Esse tipo de coisa não existe.

Mel deu de ombros, um tanto envergonhada. Para ela as coisas pareciam fáceis demais, sem drama. Comigo parecia tudo muito dramático, cada desabamento dentro de mim era um mar de lágrimas. Quando disse ao Ian que queria ser mais forte estava falando mais do que força física, era como se eu não tivesse estrutura para aguentar a vida. Para falar a verdade acho que ninguém tem essa estrutura, elas adquirem com o tempo, muitas vezes a força.

A dor fazia parte da vida, de quem éramos. Sem ela nada teria graça e ao invés de me desmanchar e me entregar a ela como um fracote, eu tinha que me levantar, erguer a cabeça e seguir em frente como um rei faria.

Nem esperei ela falar de novo, simplesmente levantei da cama e fui com passos decididos até o Ian seja lá onde ele estivesse.

***

Ele continuava como uma estátua no mesmo lugar de antes. Usava os mesmos óculos, os braços cruzados e com o tronco curvado um pouco para baixo, como se tivesse desistido de se manter ereto.

Assim que me viu, tive que apressar o passo para que ele não fugisse de mim, que era o que certamente iria fazer.

— Ei, Ian! — chamei quando ele estava prestes a se retirar. Como previsto, ele não sustou o passo por minha causa, continuou andando como se eu nem tivesse falado. — Ian Stuart! — gritei, exigindo atenção.

Ele se virou com indiferença, fitando o concreto ao longe como se fosse a coisa mais interessante do mundo.

Aproximei-me dele com passos lentos e ele andou para trás, não aceitando a minha aproximação.

— Podemos ir para um lugar?

— Agora não, tenho muita coisa para...

— Por favor — supliquei, o interrompendo no meio do protesto e deve ter funcionado, pois ele piscou como se eu tivesse falado algo que não entendesse e só consegui notar isso porque seus cílios eram longos e consegui vê-los se mover por trás dos óculos.

Ian não olhava mais para mim de verdade há um bom tempo e daquela vez não foi diferente, mas ao menos consegui arrancar alguma espécie de reação dele, que no caso foi surpresa.

Ele concordou e foi em direção ao carro sem se dar ao trabalho de abrir a minha porta e apertou os óculos no nariz como se quisesse esconder a tristeza de seus olhos, embora estivesse visível em seu tom de voz, na sua postura e no modo arrastado com o qual se movia.

— Tem um lugar que eu quero muito ir — falei, cortando o silêncio entre nós e me lembrando da trilha repleta de rosas que eu geralmente ia quando era menor. Um dos poucos lugares que meu pai permitia que eu fosse. — Pode ir, vou te falando o caminho.

Ian não respondeu, apenas dirigiu e durante todo o percurso a única voz dentro do veículo era a minha.

Quando chegamos em poucos minutos, abri a porta do carro e corri para abrir a do Ian também, já que o idiota não saiu do veículo e pela posição dele, parecia que não iria sair tão cedo.

— Vem comigo.

— Não — Foi assim, curto e grosso.

Uma pontada de raiva fez com que eu chegasse mais perto e segurasse a sua mão. Pela coroa! Como eu estava com saudades de tocar nele, mesmo que fosse contra a sua vontade.

— Por favor, Ian, vem comigo — insisti, puxando-o para que saísse do carro e me acompanhasse. 

Ele acabou cedendo, entretanto não pareceu nem metade do que o meu Ian era. Tive que arrastá-lo para que caminhasse, se eu parasse ele pararia junto.

Levei-o até um lugar calmo que tinha em meio às rosas e o puxei para que se sentasse comigo.

Embora estivesse um sol escaldante, o clima entre nós era digno de uma tempestade.

— O que tá acontecendo? — eu quis saber, assim que ele abraçou as pernas sem sequer olhar para mim ou para o lugar maravilhoso repleto de rosas no qual nos encontrávamos.

— Nada.

Cheguei mais perto dele, com medo de que se afastasse ou me empurrasse, mas ele não o fez, continuou tão vivo quanto um cadáver.

— Então olha para mim — Tirei seus óculos e segurei seu rosto, forçando-o a olhar diretamente para mim, mas nem assim consegui. — Ian.

Coloquei meus braços ao redor de seu pescoço e trouxe seu rosto para mais perto do meu.

— Olha para mim — praticamente implorei.

Finalmente ele obedeceu, levantando o olhar com hesitação e me senti mal por ter pedido aquilo. Seus olhos brilhantes e que costumavam ser cheios de vida, não passavam de dois buracos vazios e escuros, sem emoção e sem sentimentos, o tipo de olhar que teria uma pessoa morta se a mesma pudesse abrir os olhos.

Morto. Ian estava morto por dentro e a culpa era total e exclusivamente minha.  


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