Feche a porta quando sair escrita por Duda Cartman


Capítulo 24
O nome da minha flor favorita




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Noah

 No dia seguinte, entrei no carro sem ter ideia de qual seria o destino, já que Ian não revelou nada sobre o que faríamos. 

 

Ele colocou uma música alta de Ícaro Tramontini, o que me fez sorrir e afundar todo torto no banco, sem me importar mais com a minha postura, que costumava ser situante e ereta.

 

Encostei a cabeça na janela mesmo batendo a testa toda hora no vidro, devido ao carro que chacoalhava exageradamente por conta dos buracos na terra batida e fechei os olhos sabendo que Ian tinha ajustado o vidro para me encarar, revezando entre a estrada e o espelho.

 

— Você fica lindo dormindo, sabia? — indagou Ian, me fazendo abrir um olho e contorcer meu rosto numa careta. — Eu poderia ficar vendo você dormir o dia inteiro.

 

— Como você é meloso — Sacudi a cabeça e me recompus, desistindo da soneca. — Consigo ver o mel saindo de seus lábios.

 

— Quer sentir o gosto? — perguntou fazendo um biquinho para o espelho, me obrigando a revirar os olhos.

 

— Para onde vamos exatamente?

 

— Vários lugares — Ele mordeu o lábio como se os selasse.

 

''Grande ajuda!'' pensei, voltando a posição anterior, mas sem fechar os olhos.

 

Paramos numa loja de roupas, o que me deixou um pouco confuso, pois era uma loja de roupas infantis. Fiquei com a pulga atrás da orelha quando ele abriu a porta do carro para que eu saísse.

 

Era o aniversário dele, não fazia sentido nós dois estarmos ali. Pensei que ele iria me levar para um lugar incrível para vermos o pôr do sol ou até mesmo nos beijarmos na sombra de uma árvore. 

 

— O que viemos fazer aqui?

 

— Comprar roupas! — exclamou o óbvio.

 

— De criança — questionei, desconfiado. — Ian, você tem filho?

 

— Não que eu saiba — Ele riu, dando de ombros. — Você vai ver quando chegar a hora.

 

Puxou-me pelo braço e me arrastou até a loja, animado como se fosse um parque de diversões. Além disso, começou a colocar várias roupas de crianças em uns cestos, roupas que ele escolheu a dedo misturando os gêneros. Roupas de meninos com carrinhos e de meninas com bonequinhas, que franziu um pouco o cenho quando as viu, mas colocou no cesto mesmo assim.

 

Ergui um vestido florido maravilhoso para ele a fim de fazer algo de útil, mas tudo o que recebi em resposta foi uma cara de nojo. Não entendi direito o porquê, era um vestido lindo, do tipo que eu gostaria de ver a minha filha vestindo. 

 

Levamos muitas roupas e fiz questão de pagar por todas elas, mesmo sem saber o que o aniversariante iria fazer com elas. 

 

Depois fomos para uma loja de brinquedos e novamente compramos tantos brinquedos que fiquei me perguntando se aquilo de fato caberia do carro.

 

Quando voltamos para o veículo, fiquei enchendo o saco dele para que revelasse para onde estava me levando, porém o mesmo se manteve impassível cantarolando uma música da forma irritante que só ele sabia fazer.

 

Só descobri para onde estávamos indo quando chegamos num prédio baixo todo velho e mal acabado, com as paredes coloridas e uma porta de madeira branca com um desenho horroroso de um arco-íris mal feito. 

 

Ian abriu a porta para mim e pediu para que eu tocasse a campainha enquanto ele pegava as compras e obedeci com um dar de ombros.

 

Uma mulher baixinha e um tanto gorducha abriu a porta com um sorriso que parecia de um comercial de pasta de dente barata. Possuía cabelos negros da altura do ombro e lisos como uma japonesa.

 

— Ian Stuart — disse ela, o cumprimentando com um aceno. — Faz tempo que não o vejo por aqui.

 

— Resolvi dar uma passadinha e trazer algumas coisas — respondeu, tentando equilibrar tudo enquanto fechava o porta-malas. 

 

— Deixa que eu ajudo com isso — ofereci, pegando algumas sacolas das mãos dele para que facilitasse um pouco.

 

— Como estão meus pequenos? — perguntou, me deixando ainda mais confuso, já que ele tinha declarado com todas as letras que não tinha um filho, ainda mais no plural.

 

Foi aí que analisei o prédio com mais atenção e que apesar das cores vibrantes, parecia um tanto triste por precisar urgentemente de uma reforma. Tinha a aparência de um lugar que provavelmente chamaria a atenção das crianças por causa das cores.

 

— Estão loucos de saudades suas — A mulher disse exibindo suas covinhas. — Quem é seu amigo?

 

Não gostei da palavra amigo, mas não pude culpar a mulher por usá-la, então apenas fiquei parado com os olhos pousados nela.

 

— Esse é o Príncipe Noah — apresentou-me. — Decidi mostrá-lo o lugar.

 

— O príncipe? — O sorriso dela se alargou ainda mais e ela correu para se apresentar. — Sou Betty, é uma honra conhecê-lo, príncipe.

 

— Igualmente — Notei as rugas abaixo de seus olhos e o batom marrom nada bonito em seus lábios. Isso sem falar da roupa que parecia ter sido escolhida por uma mulher cega, porque o vestido longo a deixava ainda mais gorda e roliça, tanto que parecia que era tinha pegado uma cortina e usado como vestido. Meus olhos doeram ao ver aquilo!

 

E o pior de tudo era que ela nem tinha noção de que estava assassinando a moda com aquela roupa, mas eu simplesmente forcei um sorriso e deixei que ela fizesse uma breve reverência como todo mundo costumava fazer quando descobriam quem eu era.

 

— Não sabia que era amigo da realeza — falou, se dirigindo a Ian.

 

Mais uma vez a droga da palavra amigo. 

 

— Sou o motorista do príncipe — explicou. — Somos bem próximos — disse num tom malicioso que apenas eu notei e senti as minhas bochechas arderem com isso enquanto tentava controlar a vontade louca que eu tinha de rir.

 

— Entrem — pediu, abrindo espaço para que nós dois entrássemos.

 

O lugar era pequeno, com um parquinho minúsculo na frente e brinquedos velhos cuja tinta já estava descascando. Procurei não olhar muito porque sabia que acabaria criticando algo e isso não iria ser nada educado da minha parte.

 

Passamos pelo parquinho improvisado, por uma porta baixa que me fez perguntar mentalmente o porquê de ela existir e seguimos em frente subindo algumas escadas até chegar num pequeno quarto, onde várias crianças corriam e brincavam.

 

Assustei-me com os gritos quando eles viram Ian e correram para abraçá-lo. Ele acariciou o cabelo de um menino com a mão livre enquanto equilibrava as compras em uma das pernas.

 

— Pode deixar as coisas aí — Betty pediu, aparecendo ao lado dele. — Serão de grande ajuda como sempre.

 

Ele colocou em cima de uma mesa alta e fiz o mesmo enquanto Betty lhe dava um abraço e sussurrava algo em seu ouvido, o fazendo dar o meu sorriso. Confesso que fiquei um pouco enciumado, pois eu não gostava de ver ninguém muito perto do Ian e muito menos sussurrando coisinhas no ouvido dele. Passei a gostar ainda menos da mulher gorda. 

 

Minha atenção foi desviada quando uma menina linda puxou a bainha da minha calça e olhei para baixo, dando de cara com aqueles cabelos encaracolados e negros como os olhos. Poderia facilmente ser confundida como a filha de Ian e me agachei para ficar na mesma altura dela, encantado demais para ousar desviar o olhar.

 

— Você é mesmo um príncipe? — ela perguntou com os olhinhos imensos piscando e derretendo o meu coração.

 

— Sim — respondi, embasbacado.

 

— Você é amigo do Ian? — sua voz era infantil, baixa e fininha. Ela usava um vestido florido quase igual ao que Ian ignorou na loja de roupas quando o mostrei. 

 

— Quase isso — confessei, acharia um crime mentir para a pequena, mas não arriscaria dizer a verdade a ela. — Qual é o seu nome?

 

— Jasmim — respondeu, fazendo meu coração parar por curtos segundos enquanto eu arregalava os olhos, tamanho era o meu choque.

 

Sem ter tempo para organizar meus pensamentos e nem sequer raciocinar, puxei-a para um abraço sem me dar conta de que poderia ser considerado estranho já que nunca nos vimos antes, porém ela apenas retribuiu com um carinho e inocência que tirou o meu ar.

 

Jasmim.

 

O nome da minha flor favorita. Amava as letras, o som e como meu coração pulava ao ouvi-lo. Era o nome que daria a minha filha, soube disso desde os sete anos, quando meu pai me explicou as regras do reinado em uma das poucas vezes em que estivemos juntos. 

 

Queria que a minha filha fosse como ela, com os cachos de Ian, os olhos negros repletos de bondade e as feições tão delicadas que fariam qualquer pessoa ter inveja, mas ao mesmo tempo incapaz de odiá-la tamanha era a sua perfeição.

 

Tive certeza de que ela coraria com a mesma facilidade com a qual eu corava, mas ao contrário de mim, não ficaria ridícula com o rosto ruborizado, mas sim ainda mais linda. 

 

Foi aí que meus pensamentos entraram em conflito, ao acariciar os cachos da menina e olhar de soslaio para Ian, que estava com a atenção voltada para nós.

 

— Pequena Jasmim — Ian soltou, se agachando ao lado dela com um sorriso. A voz tremeu quando disse o nome dela.

 

— Ian — Ela o abraçou, deixando os cachos negros deslizarem pelos meus dedos quando se afastou e eu continuei ali na mesma posição parado e boquiaberto.

 

Ele me encarou e deu uma piscadela quando encostou o queixo no ombro da menina. 

 

Tinham muitas crianças ali e tive a chance de conversar com a maioria delas, exceto uma menina chamada Gabriela, que pelo que eu entendi, era a mais velha de todos eles, mas ficava sentada ao lado da janela com cara de tacho e sem falar com ninguém. 

 

Descobri que aquele lugar era um orfanato e que Ian costumava fazer doações para as crianças de lá, pois elas viviam de doações das pessoas. Isso explicava por que o lugar era tão decadente.

 

Por pior que fossem as condições do local, as crianças não pareciam se importar, visto que brincavam com uma alegria contagiante.

 

Elas ficaram loucas pelos brinquedos que trouxemos e senti a mesma coisa de quando ajudei aquele homem na rua, algo como uma quentura agradável no coração, como se ele fosse o tempo inteiro uma pedra dura e inquebrável de gelo e pela primeira vez entrasse em contato com o sol, se derretendo e esquentando.

 

Sem que eu nem ao menos notasse, meus pensamentos recaíram sobre Jasmim, a menina que eu tanto idealizei e pensar que existia uma pequena possibilidade de a minha Jasmim não existir, já me deixava com um gosto amargo na boca.

 

Eu a queria mais do que tudo, a minha pequena princesinha e ao mesmo tempo queria que Ian pudesse viver tudo isso comigo. 

 

Claro que isso não passava de um devaneio bobo, Ian e eu não podíamos ter filhos não importava o quanto tentássemos. Se eu o quisesse, não poderia tê-la. 

 

Era um ou outro, jamais os dois.

 

Até mesmo pensei na hipótese de fugir com Ian e adotar Jasmim, mas era algo muito distante e que certamente não aconteceria. Se eu tivesse Jasmim seria como princesa, para portar uma linda e dourada coroa no alto de sua cabeça e não para ser uma simples garota comum.

 

Ver aquela menina linda espelhando aquilo que quase joguei fora só deixou ainda mais difícil a escolha que eu tinha tanto medo de fazer.

 


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