Intrinsically escrita por Jay L


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Olha quem resolveu aparecer rsrs. Perdão pela demora! Aconteceram diversos imprevistos. Vamos ao capítulo então :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/729261/chapter/3

 

Jogando o celular dentro da bolsa, Katniss voou pela casa, pegou o sanduíche embalado na geladeira e, numa corrida desajeitada contra o tempo, escorregou na sala, a um triz de cair. Recuperando-se da mini arritmia, irrompeu porta a fora, o clima abafado ofereceu um abraço sufocante.

— Tchau! – gritou para Haymitch, que estava no quarto.

Correndo nas calçadas de ladrilho, quase esbarrou em um passeador de cães. O rapaz a xingou por atiçar o schnauzer, o husky siberiano e o golden retrivier, que latiam loucamente. Em outras circunstâncias, Katniss se abaixaria e faria carinho em cães tão fofos, mas só conseguia pensar no tremendo desastre se o encontrão tivesse ocorrido e ela se enroscado nas coleiras. Também imaginava que os cães não seriam muito amáveis.

— Desculpe, desculpe! – desviou do homem e correu para o ponto de ônibus, o cabelo longo e espesso descia pelas costas e embaraçava a cada passada.

Acordara vinte minutos mais tarde do que o alarme do celular, algo que se tornou frequente nas últimas semanas. A situação de Haymitch na noite anterior e a preocupação com o resultado de admissão de Stanford provocaram uma insônia dos infernos. O último fator, especialmente, zanzava em sua cabeça tempo demais. Certo dia, Katniss teve que sair da aula de História por causa de falta de ar e formigamento nas mãos e pés. Por longos segundos, achou que morreria até a enfermeira da escola, depois de fazer inúmeras perguntas e descartar hipóteses de um colapso fatal, levantar a suposição de um ataque de pânico. O diagnóstico inusitado deixou Katniss tranquila por um lado, atordoada por outro, mas, dada a ansiedade, havia total sentido.

Os pés de Katniss bateram na calçada do ponto do ônibus na hora em que o motorista deu a ré. Ela avançou o caminho e saltou os degraus do coletivo escolar. O motorista carrancudo resmungou algo sobre jovens atrasados, dando a partida e a menina agarrou a barra de ferro azul acima da cabeça para não cair. Ofegante e descabelada, Katniss inspecionou o local, alunos júnior e sênior conversavam e bagunçavam, inclinados nos assentos, em pé ao fundo ou sentados civilizadamente. Na frente, uma garota tirou os olhos do livro que lia e avaliou Katniss, os demais, entretidos na algazarra, não a notaram. A recém-chegada, porém, vislumbrou o jovem moreno e sorridente que acenava para ela do antepenúltimo assento do lado esquerdo, um lugar vago ao seu lado. Katniss sorriu ao vê-lo e percorreu o corredor. Alguém jogou uma bola de baseball a centímetros do rosto dela, mas o rapaz agarrou-a a tempo, arremessando-a de volta.

— Boa, Hawthorne! – do fundo, gritou um veterano.

— Você está uma graça, Katniss. – Gale gracejou e girou o braço usado no lançamento, o tom zombeteiro denunciando o oposto do que dizia.

Uma gota de suor escorreu na coluna de Katniss e ela desgrudou o cabelo suado da nuca.

— Faz parte do meu charme de segunda de manhã.

Gale cedeu o lugar ao lado da janela e a cutucou no braço.

— É sério, parece até que andou brigando com um guaxinim e arriscaria dizer que ele levou a melhor.

De semblante enviesado, Katniss fungou, pescou o amarrador de cabelo na bolsa e fez um rabo de cabelo alto e desajeitado, lutando contra o desconforto dos fios desalinhados.

— Não tenho culpa. Haymitch levou um porre ontem, a professora Wiress nos deu atividade de Física para o fim de semana inteiro e estou pilhada com a espera por Stanford. - enumerou nos dedos – Preferia o guaxinim.

Gale afagou seu ombro.

— Caramba, até eu preferia.

A verdade era que Gale conhecia o drama dos Everdeen, da mãe negligente ao efeito colateral disso. Desde a infância, Katniss e ele mantinham uma relação de extrema afeição, laço de irmandade. Assim, ele estava presente em sua vida há vários anos, nas horas boas e nas ruins mais ainda.

O baque da bola de baseball na janela traseira levantou risadas e atraiu a atenção de Katniss.

— Dá para acreditar que, em breve, eles estarão na faculdade? – indagou - A maioria tem a maturidade de uma ervilha.

— Desde que joguem pela universidade e estudem, a maturidade é o de menos. – Gale encolheu os ombros e mexeu no celular.

Dentro de quinze minutos, o ônibus freou bruscamente, impulsionando os dois para frente. Sem se levantarem, Gale e Katniss aguardaram a massa estudantil apinhar o estreito corredor. Caso resolvessem se misturar, a probabilidade de ganhar pisões e cotoveladas era grande. Quando o fluxo diminuiu, saíram de seus lugares.

— Tá na mão, Sam. – disse Gale ao motorista e lhe entregou dez dólares.

Sam aceitou o dinheiro e assentiu.

— Por que deu dinheiro a ele? – Katniss perguntou, andando pela passarela da Marie Curie Middle&High School.

— O preço por fazê-lo esperar cinco minutos a mais por você.

Katniss riu e o empurrou com o ombro.

— Eu te adoro, sabia?

— É, eu sei. – Gale bloqueou o caminho e abriu os braços, um sorriso enorme emoldurava o rosto – Feliz aniversário!

Katniss demorou dois segundos inteiros para registrar as palavras. Aniversário? Então, ela lembrou. Ah, Deus, como deixei passar em branco? Ela forçou o melhor sorriso que pôde, mas saiu pior do que gostaria.

— Obrigada.

Gale a ergueu do chão num abraço apertado e fraternal, típico dele. A camisa do garoto cheirava ao amaciante caseiro que a mãe dele, Hazelle, fazia, o aroma cítrico com toques de limão. O peito de Gale vibrou com uma risada.

— Você esqueceu, não é?

— Dê-me o desconto - a voz de Katniss saiu abafada.

Os dois se soltaram e entraram na escola, mil vezes mais movimentada e barulhenta do que do lado de fora. No meio do movimento, Katniss visualizou a ruiva pequena e elétrica que se aproximava. Annie, brilhante como o sol nascente, a empoleirou nos braços.

— Feliz dezessete primaveras, Kats.

— Ela se esqueceu - Gale sussurrou alto.

Katniss rolou os olhos e a outra riu.

— Valeu, Annie.

— Olá, Ágrios - Annie cumprimentou Gale, que estreitou os olhos pelo apelido inusitado.

— Quem diabos é Ágrios? – ele questionou.

— Uh... Um gigante da mitologia grega – incerta, Katniss respondeu.

Gale ajeitou a alça da mochila no ombro.

— Qualquer pessoa com mais de um e setenta e cinco é um gigante para você, Annie.

— Onde vamos comemorar seu aniversário? – ignorando-o, a ruiva interpelou - E, por favor, não me diga que não pensou em nada, porque, se essa for sua resposta, como sei que será, adianto que, à noite, vamos os três – apontou para Gale - e sua namorada à sorveteria da Washington Ave e, de repente, brincar no parque de diversões que chegou à cidade. – encerrando o monólogo, esperou Katniss se manifestar.

Annie falava pelos cotovelos e, diversas vezes, não dava espaço para ninguém dizer o contrário. Gale voltou a atenção para o teto e, entediado, estalou a língua. Katniss pôs as mãos em punho na cintura.

— Para que diabos perguntou onde vamos comemorar se já tinha tudo planejado nessa sua cabeça acelerada?

Annie jogou o cabelo para trás, o semblante repleto de sabedoria recém- adquirida.

— Temos que dar vez às pessoas. Na reunião passada do Força Feminina, debatemos sobre a importância do diálogo nas relações. – Annie enrugou a testa – Frank teve    que me mandar calar a boca por não dar espaço para as garotas opinarem nas dinâmicas do grupo.

— E precisou de exatos dezoito anos para descobrir? Que evolução, Annie! – Gale provocou – Aceito o convite, ainda que não tenha perguntado. Madge deve aceitar também.

Alegre, Annie bateu palmas, até que, perto demais, ouviu a voz de Finnick, seu martírio pessoal e ex-namorado.

— Bom dia, Annieta. – o capitão da equipe de natação sussurrou, os lábios quase roçando no ouvido da menina.

Os pelos da nuca de Annie eriçaram involuntariamente e ela tentou esconder o mais depressa possível. Finnick não precisava achar outros motivos para encher sua paciência. Ela entortou os lábios e se virou.

— Bom dia, Finnick. Sendo uma peste tão logo na segunda? – cumprimentou.

Finnick riu pelo nariz e a encarou sedutoramente.

— Por que está tão azeda? Andou lendo A Mística Feminina de novo? – debochou sem desmanchar a presunção, seu charme usual. Não para Annie.

A provocação acendeu uma centelha de irritação que, normalmente, ela conseguia conter, e se alastrou, colorindo de escarlate a pele clara. Como membro ativa do Feminismo, odiava que tirassem sarro de suas crenças.

— Seu idiota... – começou.

— Tá legal, chega. Annie, vamos embora. – interveio Katniss e Gale empurrou Annie pelo caminho.

— Droga, eu o odeio, odeio. Juro que sou capaz de capá-lo – ela gesticulou, fuzilando as mãos pseudo assassinas ferozmente - e fazê-lo comer o próprio...

— Você, hum... não precisa terminar. - Katniss interrompeu o relato desagradável.

— Sabe o que eles dizem? –  pensativo, Gale manifestou, os dedos tocando o queixo – Os psicanalistas, tipo Freud. Tanta raiva canalizada indica tensão sexual reprimida.

Blé!— Annie fez careta.

O estridente sinal tocou e, pouco a pouco, os corredores se esvaziavam. Gale checou as horas no celular.

— Tá na minha hora. – falou empolgado – Aula de Espanhol. Hasta luego, chicas.

Ansioso para ver a bela professora Aguilar, partiu.

— Que safado. – balançando a cabeça, Annie disse.

Katniss apertou o rabo de cabelo.

— Também preciso ir. Até depois, Annie.

— Tchau, tchau. – a outra acenou e correu para a aula de Química.

Percorrendo o corredor, a morena esfregou as bochechas. O dia seria longo.

**

A biblioteca estava pouco movimentada naquela manhã, contando, aproximadamente, cinco alunos. Katniss bocejou e coçou os olhos com os nós dos dedos, aliviada com a escassez de pessoas. Na metade do segundo ano, ocupou a vaga de bibliotecária como atividade extracurricular depois de a antiga mudar de cidade. Era uma ocupação satisfatória, monótona e nada exaustiva que contava pontos para a universidade. A partir do segundo ano, também, entrou num surto de se enfiar em qualquer atividade escolar que rendesse positivamente à reputação de aluna dedicada e envolvida. Vinha dando certo, desde que não abrangesse esporte.

O status de bibliotecária a fazia sentir-se mais velha, como as senhoras rabugentas dos filmes que sempre trabalham nas bibliotecas e mandam as pessoas calarem a boca ao mínimo ruído. Velha e rabugenta.

Katniss jamais mandara alguém calar a boca, deixando o encargo à supervisora da biblioteca, Sr.ª Morello. O cargo em si implicava em manter os livros organizados nas prateleiras e em suas respectivas seções, além de digitar na planilha os livros que saíam e o retorno deles. Nada complexo, nada estimulante.

A biblioteca da Marie Curie Middle&High School era pitoresca. De tamanho médio, tinha mesas e assentos acoplados à parede, os quais abarcavam até três pessoas, e três mesas compridas para mais gente. Em alguns cantos, havia estofados junto à janela, contribuindo para uma atmosfera íntima e imperturbável. Os móveis de tom caramelo e marrom davam um charme rústico aconchegante.

Atrás do balcão, Katniss lia Como Gostais, de Shakespeare. Ela trocou de página. Acabara de sair da cena em que Rosalinda era expulsa de casa por Frederico e duas toques sobre o balcão chamaram sua atenção. Katniss ergueu os olhos do livro, um garoto magérrimo do primeiro ano segurava o livro de Química avançada.

— Vim devolver este aqui - repousou o livro no balcão – e pegar outros.

A garota tencionou levantar, mas o jovem deu um ligeiro e educado balançar de cabeça.

— Eu me viro.

E sumiu entre as estantes. Katniss voltou ao livro.

Nove minutos mais tarde, alguém espalmou as mãos em cima do balcão e Katniss interrompeu a leitura. Fitando a pessoa, se deparou com um rosto muito bonito. Primeiramente, notou os lábios pequenos e crispados. Depois, o nariz meio arrebitado e afilado. Por último, os olhos azuis. Katniss hesitou em dizer “bom dia”. Caramba, é ele, reconheceu. O entregador do Pizza Planet olhava-a evasivamente.

O garoto franziu a testa, um lampejo de reconhecimento o atingiu e ele levantou a sobrancelha. Definitivamente era a moça que o fizera perder o encontro com sua colega de trabalho gostosa, quando teve que entregar pizza num bairro tão distante. O expediente dele encerrara minutos antes, mas a promessa de ganhar uma boa gorjeta o incentivou a ir, embora não tenha valido a pena.

— Onde fica a seção de História?                     

Katniss queria tanto, tanto, parecer normal e responder à simples e corriqueira pergunta. Mania idiota de ficar nervosa na presença de carinhas bonitinhos. Temendo vacilar e causar mais embaraço do que sentia, apontou para a direita a leste e disse:

— Lá.

Ele estreitou as vistas e bateu as pálpebras duas vezes antes de ir na direção indicada. Katniss encheu as bochechas de ar e soltou.

— Sua idiota. Idiota— murmurou.

O garoto do primeiro ano retornou, trazendo três livros. Katniss registrou na planilha e ele se foi.

A morena avistou o entregador sair do meio das prateleiras e sentar à mesa que ficava encostada na parede oposta, sob a placa com a frase “O homem que não lê bons livros não tem nenhuma vantagem sobre o homem que não sabe ler”, de Mark Twain. Ele tirou da bolsa um caderno e caneta, colocando-os ao lado do livro. Ela o analisava de novo, sem querer, sem perceber.

Compenetrado, sua expressão séria se desfazia, cedendo lugar a uma feição mais relaxada. No momento, ele era bem mais interessante do que Como Gostais. O rapaz transcreveu algo do livro no caderno. Em uma das páginas, demorou-se por mais tempo. Ele não escreveu mais nada, concentrado na página em questão, a caneta balançando entre os dedos indicador e médio.

Seus olhos saíram do livro e pousaram sobre a bibliotecária. Mortificada e desprovida de qualquer sutileza, Katniss virou a cabeça. Fora flagrada! A partir disso, mexeu o mouse do computador, acendendo a tela, e foi fazer qualquer coisa que a distraísse. A distração durou pouco, pois o entregador vinha até ela, a mochila nas costas e o livro na mão esquerda.

— Posso ajudar? – ele indagou.

Confusa, Katniss piscou.

— Como?

Ele pousou o manual de História Inglesa no balcão e, com o cotovelo sobre a capa, se debruçou levemente.

— Por que você estava me observando?

Assustada com sua objetividade, Katniss engoliu a saliva, o estômago revirando de vergonha.

— Eu não estava te observando. – arriscou mentir, o rubor tomando de conta das grandes bochechas.

— Estava, sim. – convicto, ele devolveu, mesmo que a expressão pendurada na face fosse de quem fizesse pouco caso.

Andou curioso em saber o motivo daquela menina secá-lo com uma cara engraçada de quem resolve uma conta chata de matemática. Seria ela stalker? Sorriu com a ideia, ato que não passou batido por Katniss. Nem de longe ela poderia ser. O garoto esperou por dois longos segundos, percebendo, pela primeira vez, a beleza peculiar da moça.

— A propósito, - ele se afastou do balcão - me chamo Peeta, Peeta Mellark.

Peeta, Katniss testou o nome em pensamento, a testa enrugada.

Peeta girou nos calcanhares e foi embora. A morena encarou o livro no balcão, depois a porta pela qual ele passara.

— Oi, sou a Katniss. – tarde demais, respondeu.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Até mais :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Intrinsically" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.