Intrinsically escrita por Jay L


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

O enredo tem um pouco sobre mim, principalmente a personalidade da Katniss. Depois de quase dois anos enrolando, finalmente me dispus a postar o primeiro capítulo e , por mais que demore, irei até o fim :)
Vamos lá então! Espero que gostem :)



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Capítulo 1

A batida forte e insistente de Someday Soon reverberava no quarto de Katniss, o celular resistindo aos últimos minutos de bateria ao som de Harlem e seu rock de garagem grosseiro e leviano, mas que ela gostava. Exausta e irritada, sentada na cama de solteiro, a garota bufou pela quinta vez num espaço de cinco minutos. Poucas eram as coisas que lhe causavam tal reação. Entretanto, a atividade de Física fritava seus neurônios e paciência havia longas três horas. Não que não gostasse da matéria. Na verdade, gostava de estudar, afinal, dependia disso para dar o fora da casa que morava e, com sorte, não precisar mais pôr os pés ali.

A música parou abruptamente no segundo refrão e Katniss continuou murmurando a melodia. A tela do celular exibiu a logo da marca e apagou de vez. Decidindo que fez um número razoável de questões, fechou o caderno e tamborilou os dedos sobre ele. “Você precisa dá-se um tempo, Katniss. Talvez devesse ser menos você”. As palavras de Annie ecoaram na mente. Como posso ser menos eu?, pensou extenuada. Tudo bem. Sabia que precisava dar uma maneirada na carga horária de estudos, parar de se cobrar tanto e sair um pouco, como pessoas normais da sua idade faziam. Droga, ela tinha dezesseis anos.

Mas não podia luxar de tamanha liberdade, dependia de notas altas se quisesse conseguir uma carreira promissora na psicologia. Uma vaga em Stanford era seu maior sonho, trabalhou duro buscando alcançar a carta de recomendação para a universidade e trabalharia mais ainda para entrar, pois os exames de admissão aconteceriam em breve. Com essa ideia em mente, desabou no colchão na tentativa de dissipar, por hora, qualquer pensamento voltado à atividades degenerescentes ou a seu futuro acadêmico. O teto roséo pálido a encarou e ela fechou os olhos. O ronco alto e longo do estômago vazio a fez rir.

— Calma, filhinho. Logo, logo seremos alimentados. – prometeu, esfregando a palma da mão na barriga coberta pelo camisão de ficar em casa.

Arrastando-se vagarosamente sobre os lençóis, deixou-os desalinhados no colchão e as beiradas repuxadas beirando o chão, saiu da cama e refletiu no que faria para comer. O estresse com as obrigações escolares costumava render uma fome descomunal, a qual ela ignorava até o estômago fazer ruídos de reclamação. No meio do trajeto à cozinha, teve um insight. Na noite anterior, Haymich fizera um prato que autodenominou Gororoba que, curiosamente, tinha um gosto bom. Katniss não entendia como era feito, sabia que dizia respeito a uma mistura de condimentos estranhos (alguns nunca ouvira falar) com um molho de anchova e mostarda. Segundo Haymich, a filha precisava de vitaminas e ferro porque estava parecendo um banco de bar.

A comparação escapou dos lábios dele ironicamente. Katniss então refletiu no tamanho talento que ele possuía de soltar qualquer palavra desagradável sem esforço algum. Por passar tanto tempo em bares, compará-la a um banco de bar era o mais cabível para o raso entendimento que Haymich tinha de outras coisas que não fossem relacionadas a whiskys baratos. Tão rápido quanto veio, a pequena reflexão se foi e Katniss assumiu um semblante indiferente para o homem que chamava de pai.

Detinha consciência da própria compleição magricela. Apesar de ser uma “magra padrão”, como sempre dizia, muito incomodava quando o pai parecia adorar manter fresco na memória da garota o fato.

 Eliminando da cabeça a cena da noite passada, cantou baixinho as estrofes iniciais de Someday Soon.

Someday soon you'll be on fire and you'll ask me for a glass of water.

Voltou os olhos na direção da geladeira e cobriu a pequena distância. O eletrodoméstico era enferrujado nos cantos e carregava um cinza antigo meio desbotado, os pés grandes estavam descascados e pretos, abrigando poeira e teia de aranha debaixo, o contraste das cores combinava com o chão cor creme da cozinha. Com força, Katniss forçou a porta no irritante esforço de abri-la.

Um, dois, três. Um tranco para trás e ela revelou o que guardava no interior.

— Porcaria de geladeira. – resmungou.

Era degradante. Fez uma nota mental que precisava falar com Haymich a fim de resolverem o problema do eletrodoméstico. Há anos ela se encontrava naquela situação: quando fechada a porta, só abria caso alguém a forçasse bastante (fazer isso todos os dias trazia dor aos ombros de Katniss), ou gelava demais, ou não esfriava nada, o que estragava as comidas que precisavam de baixa temperatura de conservação.

Inspecionando os compartimentos da geladeira, achou ovos, manteiga, queijo, iogurtes e frutas. Espremida entre a caixa de leite integral e de macarons, encontrou a Gororoba numa tigela de alumínio coberta por plástico bolha. Retirou o recipiente e o abriu, cheirando-o. Seus olhos lacrimejaram e o nariz se franziu em nojo com o inconfundível odor de azedume. Despejando na lixeira o que seria seu jantar, caminhou a passos largos à sala. Foi de encontro ao telefone e discou o número que já conhecia de cor.

Pi... Pi... Pi... Pi...

Prestes a cair na caixa postal, alguém atendeu à chamada. Um leve burburinho ao fundo tornou-se audível e, depois, uma voz feminina.

— Pizza Planet, em que podemos ajudar?

Katniss divagava sobre qual sabor pediria quando, num tom de insistência, a fina voz puxou-a de volta.

— Pizza Planet, em que podemos ajudar?

— Hum... – ponderou, mordendo a cutícula do polegar - Uma muçarela com calabresa, por favor.

Anotado o pedido e endereço, a atendente desejou boa noite sem qualquer cordialidade e desligou. Katniss mostrou a língua para o telefone mudo e praguejou por não ter pedido Pepsi de acompanhamento. Contentar-se-ia com o bom e velho suco de pacote.

De volta à cozinha, pegou uma jarra na bancada e fitou a geladeira. Lá vamos nós de novo. Deixando a jarra verde-limão de acrílico sobre a pia, colocou as mãos sobre a alça do refrigerador e soltou um suspiro cansado.

Um, dois, três. Um puxão.

Enquanto misturava a água e o suco em pó no recipiente, Katniss repassou seu mantra mentalmente. Só mais um ano, repetia, Só mais um ano e toda essa situação deplorável será passado.

Era o que esperava.

Terminado o serviço, optou por assistir algo enquanto aguardava a pizza, pegando, antes, o dinheiro no quarto. A velha TV era um dos poucos eletrodomésticos que funcionava normalmente na casa de Katniss, muito boa, por sinal. Lembrava-se com clareza de quando a compraram.

À época, ainda podia dizer que em sua vida tudo corria na mais tranqüila paz. Sua mãe, sempre sorridente, levara a filha e Haymich à loja de conveniências do centro alegando que a televisão que tinham em casa era muito pequena e produzia sons esquisitos. A justificativa era, aos olhos de Haymich, papo furado, Effie queria exibir às amigas chatas e dondocas um objeto bonito e de valor. Escolheram uma televisão grande e cara de tom fosco e de tela plana. Katniss tinha sete anos, mas recordava nitidamente que durante um ano quitavam a dívida.

O pai da menina cedia fácil aos desejos de sua dispendiosa esposa. Aquilo viria a ser sua maldição, se já não o era antes. Pouco tempo depois da última parcela, Effie saiu pela porta da frente de casa e não voltou. Assim, sem mais nem menos e duas malas na mão. Não olhou para trás uma vez sequer para despedir-se de sua filha, deixando uma Katniss chorosa e confusa com um pai que perdera os esteios da vida após o abandono.

Friends a distraiu mesmo por vinte minutos e um bater insistente na porta a resgatou da pequena crise de risos com a cena de Mike fingindo tocar piano ao se apresentar à Phoebe. Até a campainha sucumbiu com todo o resto. Haymitch não dava a mínima para reformas.

Pequenos vestígios do riso ainda escapavam da boca e, alcançando a porta, viu que o entregador, com a pizza em mãos, já ia embora.

— Ei, espere! – ela chamou.

Do terceiro e último degrau da varanda, o rapaz se virou e o coração de Katniss deu um tranco. Ele tinha olhos lindos.


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Notas finais do capítulo