Era mais um verão como outro qualquer. Igual a todos os verões naquele casarão enorme do qual jamais saía já tinha três anos. Para Watanuki, que estava com vinte anos de idade agora, mas que ainda aparentava ter dezessete, o tempo parecia ter parado. Isso porque de fato estava parado naquela loja onde morava agora. A loja que havia "herdado" de Yuuko, preso naquele lugar como pagamento de um dos muitos desejos que fizera na vida, e esperando pelo dia em que poderia vê-la mais uma vez…

— Maru, Moro! - Watanuki gritou, sentado na frente da casa, enquanto observava as duas meninas brigando pela mangueira de jardim - Parem com isso. Assim vão acabar afogando as plantas.
— O Mokona não está deixando a gente regar as plantas! - Maru apontou para o pequeno ser negro aos seus pés que se assemelhava a um boneco de pelúcia.
— O Mokona está nos atrapalhando! - Moro acusou.
— Ah, é mesmo? - Watanuki ergueu uma sobrancelha - Então acho que Mokona terá seu sakê reduzido pela metade esta noite como punição.
— O que?! - Mokona exclamou como se tivesse sido condenado a morte - Por favor, não faça isso, Watanuki! Eu só estava tentando ajudar, não dê ouvidos a elas!
— É mentira! O Mokona estava vadiando! - Maru e Moro exclamaram juntas.
— Você ouviu. Só metade do sakê hoje - Watanuki sentenciou.
— Tsc… você ficou muito arrogante desde que se tornou o novo dono da loja… - Mokona resmungou.
— Como é? Está querendo ficar sem sakê nenhum? - Watanuki ameaçou.
— Não! Por favor, piedade! Não faça… - Mokona interrompeu-se de repente e virou-se na direção do céu, as orelhas se erguendo. Watanuki também se levantou, olhando atentamente para cima - Watanuki, está sentindo isso? - ele perguntou em um tom mais sério.
— Sim - o eterno garoto confirmou - Um cliente está chegando.

Foi como se alguém tivesse cuspido do céu. Dele surgiu uma gosma enorme e, de dentro da gosma, estava o mais novo cliente de Watanuki. Mas não era um cliente qualquer. Na verdade, não era apenas um cliente, e sim três. Pessoas que Watanuki conhecia muito bem. Bom, ao menos uma delas ele conhecia.

— Chegamos ao próximo mundo! - Mokona exclamou alegremente. Mas não o Mokona negro que morava com Watanuki, e sim um Mokona idêntico a ele, só que branco, e com uma gema vermelha em sua testa ao invés de azul - Eh? Aqui é…? - o Mokona branco teve sua expressão sorridente substituída por surpresa por alguns instantes enquanto olhava ao redor, até reconhecer o local - Ah! Mokona!
— Mokona!

Os dois Mokonas foram um na direção do outro, em uma espécie de abraço, evidentemente com saudades um do outro. Era uma cena engraçada de se ver, mas Watanuki tinha outras coisas com o que se preocupar no momento. Como por exemplo, quem exatamente eram seus clientes.

— Syaoran-kun…? - ele arregalou os olhos bicolores enquanto encarava o garoto diante dele.

Syaoran estava um pouco mais alto do que ele se lembrava e parecia mais velho também. Watanuki teve que deixar o choque de lado e lembrar a si mesmo que o tempo continuava correndo para as pessoas no mundo exterior. Syaoran estava acompanhado por dois homens, um loiro e magro, trajando um manto branco, e um mais alto e mais forte, vestido todo de preto e carregando uma enorme espada.

— Watanuki… kun - Syaoran falou, sem saber ao certo como deveria chamá-lo. Estava tão surpreso quanto Watanuki. Eles estavam viajando durante muito tempo, e já haviam visitado todo o tipo de lugares diferentes, mas jamais havia pensado que voltaria a ver aquele lugar outra vez - Não pensei que fosse voltar a vê-lo depois daquilo… - ele confessou.
— Nem eu - Watanuki admitiu.
— Ei, ei - Kurogane se intrometeu - O que significa isso, manjuu branco? - ele pegou o Mokona branco pelas orelhas - Essa é a loja daquela bruxa! Por que nos trouxe aqui de novo?
— Não foi de propósito! - Mokona exclamou, tentando se libertar das garras de Kurogane - Mokona não pode controlar para qual mundo estamos indo!
— Mesmo assim, tinha que ser justo para a loja daquela bruxa? - Kurogane reclamou.
— Yuuko-san não está mais aqui - Watanuki informou - Eu sou o novo dono dessa loja agora.
— O que?! - Os três viajantes exclamaram ao mesmo tempo. Kurogane ficou tão chocado que acabou soltando Mokona, que fugiu para longe dele.
— Você é o dono dessa loja agora, Watanuki-kun? - Syaoran indagou de olhos arregalados, apontando para ele.
— Sim - ele confirmou - E se Mokona trouxe vocês aqui, significa que vocês têm um desejo. Entrem, vou ouvir o que vocês querem.

Watanuki os conduziu até a sala, onde havia uma mesa de centro. Eles haviam retirado suas capas de viagem, mas ainda assim as combinações variadas de roupas eram muito estranhas. Maru e Moro trouxeram sakê e aperitivos para eles e foram para um canto da sala e começaram a encher o Mokona branco de perguntas sobre as viagens que fizeram. Elas pareciam muito felizes por haver dois Mokonas agora.

Watanuki tragou longamente de seu cachimbo e, depois de soltar a fumaça, disse:

— Bem, suponho que deveríamos começar com as apresentações - ele sugeriu - Syaoran-kun, nós já nos vimos antes, mas eu não conheço seus amigos.
— Tem razão. Sinto muito, que falta de educação a minha - o loiro sorriu como quem se desculpa - Meu nome é Fye D.
Floeright. Apenas Fye está bom. E este aqui é o Kuropon! - ele apontou para o homem maior, à direita de Syaoran.
— É Kurogane! - ele gritou de volta em tom irritado.
— Eu sou Watanuki Kimihiro. Prazer em conhecê-los - o garoto se apresentou. Em seguida olhou atentamente de um para o outro, como se os estivesse analisando - Eu me lembro de tê-los visto na primeira vez em que vieram até essa loja. Na época eu não percebi, mas vocês dois não são pessoas comuns. Você - ele apontou para Fye com seu cachimbo - Eu sabia que era um mago porque Yuuko-san me contou. Mas você não parece ser apenas um usuário de magia para mim. Existe um outro tipo de poder em você, não é?
— Minha nossa, você é mesmo um garoto esperto - foi tudo o que Fye respondeu. Ele continuava sorrindo como sempre, mas, quem o conhecesse bem, poderia notar que ele tinha ficado nervoso com aquela constatação.
— Você tem habilidades de vampiro - Watanuki disse - Estou certo?
— Certíssimo - Fye confirmou, incapaz de negar. Seu sorriso havia murchado um pouco. Mesmo depois de tantos anos, ainda não gostava do que havia se tornado.
— Isso explica porque não bebeu o sakê - Watanuki falou. Não é que Fye não gostasse de sakê. Ou que estivesse desconfiado do que Watanuki havia oferecido a eles. Ele simplesmente não podia beber. Não podia ingerir mais nada que não fosse sangue.
— Ei, pirralho - Kurogane falou em seu tom irritado de sempre - O que você tem a ver com o que ele é ou deixa de ser, hein?
— Absolutamente nada - Watanuki respondeu - Kurogane-san, certo? Yuuko-san havia me dito que você era um ninja anti-social, mas você parece preocupado com o seu amigo. Além disso, o seu braço… - ele olhou para o braço artificial de Kurogane - É o resultado do pagamento de algum desejo feito para ela, não é?
— E se for? Qual é o problema? - Kurogane rosnou - Não acredito que alguém como você seja realmente capaz de realizar algum desejo… você é mais novo do que o moleque! - ele apontou para Syaoran.
— Na verdade estou com vinte anos agora - Watanuki informou, fazendo Kurogane cuspir o sakê que estava prestes a beber.
— Sério? - Syaoran arregalou os olhos - Então você é mais velho do que eu. Achei que tivéssemos a mesma idade.
— Watanuki-kun, você parece ter uns dezessete anos - Fye comentou - E certamente já se passou muito tempo desde que você e Syaoran-kun se viram pela última vez. Syaoran-kun cresceu durante esse tempo. Mas porque a sua aparência não mudou?
— Porque o tempo dentro desta loja está "parado" - ele respondeu - O tempo continua a correr para as pessoas lá fora, mas ele parou para mim. Eu não vou crescer, nem envelhecer. E também não posso sair dessa loja. Vou ficar desse jeito… bem, eu não sei por quanto tempo. Estou torcendo para que não seja para sempre.

Fez-se um silêncio incômodo por alguns instantes, até Fye voltar a sorrir e dizer:

— Bem, veja pelo lado bom: Ao menos você será jovem para sempre!
— Pensei que os vampiros é que eram assim - Watanuki sorriu.
— Isso é só um mito - o loiro contou.
— É mesmo? Que pena - o garoto tomou um gole de sakê - Aliás… por que Sakura-chan não está com vocês? Aconteceu alguma coisa com ela?
— Sakura-hime está bem. Mas achei que seria melhor deixá-la em Clow Koku - Syaoran contou - Nossas viagens sempre foram muito perigosas, e têm ficado cada vez mais arriscadas, eu não queria que ela corresse nenhum perigo.
— Entendo. É difícil ficar longe de quem você gosta - Watanuki comentou em tom solidário, e Syaoran podia jurar que o garoto entendia como ele se sentia - Mas fico feliz que ela esteja bem - ele bebeu outro gole de sakê, esvaziando o copo. O repousou sobre a mesa e encarou os três, mais sério - Bem, acho que está na hora de parar com a enrolação. Se vocês três vieram até aqui, é porque têm um desejo. Qual seria?
— Quero encontrar um mundo onde não apenas Sakura-hime e eu, mas também meus pais possam viver juntos e felizes - Syaoran falou sem rodeios.
— Quando você diz "seus pais", quer dizer… o outro Syaoran-kun e a outra Sakura-chan? - Watanuki perguntou só para confirmar.
— Isso mesmo. Os clones deles - Fye confirmou.
— Você está me fazendo um pedido muito complicado, Syaoran-kun… - Watanuki comentou.
— Eu sabia. Esse moleque não pode realizar desejos como aquela bruxa traiçoeira - Kurogane resmungou.
— Eu posso - Watanuki falou - Posso fazer isso. A questão é: Vocês podem pagar o preço?
— Você realmente pode fazer isso? - Syaoran arregalou os olhos castanhos, completamente abismado. Não esperava ouvir uma resposta positiva. Depois de tantos anos procurando por um lugar onde todos pudessem viver juntos, sem a injustiça de precisar sacrificar o tempo ou a liberdade de um deles… será que finalmente havia conseguido? - É claro! Eu pago o que for preciso!
— Todo mundo que vem até essa loja diz isso - Watanuki suspirou, tragando de seu cachimbo novamente. Ele soltou a fumaça na cara de Syaoran, que começou a tossir - Você não quer nem ao menos ouvir o preço primeiro?
— Sim, é claro - ele disse depois que a tosse passou - Qual seria o preço?
— Antes de dizer isso, eu tenho uma pergunta - Watanuki disse - Syaoran-kun, como se trata dos seus pais, esse desejo é seu. Mas Fye-san e Kurogane-san não têm nada a ver com isso. Então, eu pergunto: Por acaso eles te ajudariam a pagar o preço por este desejo também? Ou será que eles possuem desejos próprios, e por isso vieram parar nessa loja, como aconteceu na primeira vez?
— Essa é fácil - Kurogane falou como se ele tivesse feito uma pergunta completamente tola - Prometi para Tomoyo-hime que, quando esta busca terminasse, eu voltaria para Nihon Koku e continuaria protegendo-a, como sempre fiz.
— Ou seja, você quer voltar para o país de onde veio originalmente, exatamente como da primeira vez em que veio até essa loja, certo? - Watanuki disse - Então o seu desejo é diferente do desejo do Syaoran-kun. Não há motivo para você ir junto com ele.
— O que? - Kurogane pareceu surpreso - Quer dizer… que eu não estaria no mesmo país que o moleque?
— Syaoran-kun quer encontrar um lugar onde não apenas ele e Sakura-chan, mas também os pais deles, ou seja, os
clones, também possam existir - Watanuki lembrou - E este lugar com certeza não é Nihon Koku.
— Então, está dizendo que eu realmente nunca mais poderei ver nem o moleque e nem esse cara - Kurogane apontou para Fye com a cabeça.
— O seu desejo é voltar para o seu país e rever essa Tomoyo-hime, e não ficar junto dos seus amigos - Watanuki esclareceu - Ou por acaso está me dizendo que quer as duas coisas?
— Se desse para ter as duas coisas não seria nada mal… - o mais velho murmurou.
— Acredito que tenha um jeito - Watanuki disse, tragando de seu cachimbo e soltando a fumaça na cara de Kurogane, o que só o deixou mais impaciente - Mas, para isso, teríamos que levar a sua Tomoyo-hime para o mesmo país para o qual Syaoran-kun vai, seja ele qual for.
— Ela não é "minha" Tomoyo" - Kurogane virou o rosto para o lado - E também duvido muito que ela iria querer deixar Nihon Koku por minha causa.
— Tem certeza, Kuro-pyon? Essa parece ser uma ótima solução - Fye disse alegremente.
— Não me chame assim, seu maldito! - ele voltou-se contra Fye, tentando acertar um soco nele, porém o loiro desviou a tempo, fazendo com que Kurogane caísse de cara no chão. Maru e Moro começaram a rir e cantar uma música com rimas sobre ele, o que só o deixou ainda mais irritado.
— Bem, e quanto a você? - Watanuki voltou-se para Fye, ignorando a balbúrdia que havia se formado no fundo da sala - Qual é o seu desejo?
— Meu país foi destruído, então eu não tenho mais um lugar para voltar. Então, acho que quero apenas ficar onde meus amigos estiverem, seja lá onde for - o loiro respondeu simplesmente.
— Tem certeza de que é só isso? - Watanuki indagou - Quando você veio até essa loja pela primeira vez, você estava fugindo do seu país porque tinha feito algo de errado e havia se tornado um fugitivo, estou certo?
— Sim - Fye confirmou, sem tirar o sorriso do rosto - Mas a pessoa que estava me perseguindo não está mais aqui.
Então, o desejo que eu havia feito para a Feiticeira Dimensional meio que já se realizou.
— Não completamente. Ainda falta alguma coisa, não é? - Watanuki indagou astutamente - Você fugiu do seu país porque fez algo de errado. Mas, se você fez algo de errado, foi com algum propósito. O propósito de obter alguma coisa que nem mesmo a sua magia era capaz de alcançar. Esse propósito… ele se realizou? Você conseguiu conquistar o seu objetivo?
— Não… - Fye baixou a cabeça, seu sorriso se tornando estranhamente triste - Eu contei incontáveis mentiras ao longo desta jornada. Cometi vários erros durante toda minha vida. Mas foi tudo em vão. Não consegui alcançar meu objetivo. Era impossível no fim das contas…
— Se importaria em me dizer qual era? - Watanuki pediu.
— Eu queria ter o meu irmão de volta - Fye contou, e sua voz soava tão baixa que o garoto teve que se aproximar mais para poder ouvi-lo - Mas é impossível. Ele já se foi há muitos anos. Eu só não consegui aceitar isso.
— Eu já não tenho tanta certeza assim se isso é algo impossível - Watanuki disse como quem fala do tempo.
— O que disse? - Fye ergueu os olhos para encará-lo, e pela primeira vez não estava sorrindo. Estava estupefato, como
se não conseguisse acreditar no que tinha ouvido.
— Sabe, eu tenho um desejo parecido com o seu - Watanuki contou - Gostaria de poder rever Yuuko-san, nem que fosse só mais uma vez. Mas ela também partiu. Yuuko-san passou muito tempo realizando os desejos das pessoas, mas, pouco antes de partir, ela me disse o desejo dela: Ela queria que eu continuasse existindo. Bem, aqui estou, e tenho um desejo também. Quero vê-la mais uma vez. Foi por isso que eu decidi permanecer especificamente nesta loja. E, se for possível para mim revê-la, talvez também seja possível para você rever o seu irmão.
— Watanuki-kun… você está dizendo…
— Estou dizendo que vou com vocês - Watanuki respondeu a pergunta incompleta de Fye - Para este novo mundo
desconhecido. Onde também estarão os pais do Syaoran-kun, Tomoyo-hime, seu irmão, a Sakura-chan, é claro… e também a Yuuko-san… - ele respirou fundo antes de prosseguir. Não podia deixar que suas emoções o abalasse, logo agora que finalmente parecia haver uma esperança de reencontrar Yuuko - Mas, é claro, tudo na vida tem um preço.
— E qual será o preço dessa vez? - Syaoran perguntou, temendo a resposta.
— Um que vocês já devem conhecer muito bem - Watanuki abriu um sorriso estranho - Memórias.