Lumus escrita por Maga Clari
1970 – Londres trouxa.
Um jovem recém-formado caminhava com uma bolsa a tira-colo, completamente perdido. Em dado momento, abriu um mapa enorme, procurando a sua localização.
Havia marcações em tinta por cima de algumas cidades, e breves anotações no canto do pergaminho. Franzia a testa, coçava atrás da cabeça. Nunca havia andado por aquelas bandas, certamente demoraria a encontrar seu destino. Além disso, precisava se misturar.
— Desculpa incomodar, senhor... — uma garota tocou levemente o ombro do jovem — Mas eu estava pensando... O senhor está precisando de ajuda? Está perdido?
— Eu.... hum... Sim, por favor.
Pela primeira vez, o rapaz notou a doce e simpática trouxa que lhe oferecia ajuda. Usava um chapéu pequeno, jeans e botas de combate. Nunca havia visto trajes como aquele, e logo sentiu-se estranho em suas vestes sociais.
Enquanto divagava, fora acordado pelo riso quase infantil de sua salvadora:
— Aonde o senhor quer ir?
— Hum... Preciso encontrar o edifício central. Você sabe... Aquele prédio alto, com janelas espelhadas.
— Oh! Mas que sorte a sua. Estou indo para lá. É só me seguir.
— Muito obrigado! Não moro aqui, não conheço a cidade muito bem. À propósito, meu nome é Eric.
— Charlotte.
Eric apertou a mão de Charlotte e então seguiram para o edifício central.
No caminho, a trouxa tagarelava sobre a sua própria vida e sobre cada monumento, ou rua, ou praça, que aparecia durante o percurso. Se Eric era estrangeiro, não havia motivo para não se tornar uma boa anfitriã.
O bruxo, entretanto, permanecia em silêncio, temeroso de revelar quem era e o que havia sido colocado para fazer naquela região. E se ela descobrisse?
— Engraçado... — ela comentou quando estavam a poucos metros do destino — Você não disse o seu sobrenome.
— Não é importante.
— Aqui normalmente é. De onde é mesmo que você veio?
— Tinworth — disse simplesmente. Quando viu as juntas na testa de Charlotte, explicou-se melhor — Fica na Cornualha, sabe. Uma aldeiazinha.
— E o que faz aqui, num lugar tão longe, tão diferente?
— Não acha que está fazendo muitas perguntas?
Aquilo pareceu deixar Charlotte mais à vontade ainda. Quando terminaram de subir as escadas, riram, abandonando o tom de seriedade.
— Mas respondendo a sua pergunta, senhorita, venho para uma reunião.
— É mesmo? Que engraçado. Eu também.
Os dois entraram num elevador e não demorou muito para que descobrissem que a situação estava ficando ainda mais louca: mesmo depois do elevador encher e esvaziar, apenas os dois pareciam esperar para sair.
Eric pensou estar sendo seguido; Charlotte nem havia notado ainda. Aguardava um passo à frente, e apressou-se em deixar o elevador, seguindo pelos corredores.
— Adeus, Eric. Nos vemos por aí.
O bruxo consultou o relógio de bolso e confirmou estar adiantado. Ainda teria alguns poucos minutos para adentrar a sala.
Caminhou de um lado para o outro, evidentemente nervoso. Embora fosse um mero medi-bruxo recém-formado, recebera uma proposta para trabalhar no ramo da política. Fora convidado para uma entrevista de emprego, e se fosse bem sucedido, ganharia um escritório no Ministério para cuidar dos assuntos de saúde. Principalmente agora, que milhares de trouxas estavam feridos.
Passado algum tempo, Eric encaminhou-se para a sala número 703-B e bateu na porta. Logo, um homem robusto atendeu-o com um sorriso amigável.
— Olá, Gaunt.
— Por favor, não me chame assim. Já disse que não gosto.
O Ministro olhou-o de esguelha, achando graça. Deu passagem para ele, antes de pigarrear.
— Certo, certo... Eric, então. Vamos aos negócios, huh?
— Por favor, Max.
— Me acompanhe.
Os bruxos seguiram até o fundo da sala, onde havia uma porta com os dizeres “sala de reunião”. E foi exatamente o que se sucedeu depois que tomaram seus lugares.
De repente, Maximilian Crowdy se levantou, pondo as mãos na mesa.
— Agora escute, meu rapaz... Você precisa manter o sigilo sob qualquer circunstância. Nosso Primeiro-Ministro não é homem de sensibilidade. Não conseguiremos sua ajuda. Mas precisamos continuar dando assistência aos pobres trouxas...
— Estou ciente disso.
— Vou lhe colocar para conversar com a secretária da saúde ou seja lá como os trouxas chamam. Diga-lhe apenas que é uma questão política. Não entre em detalhes. Volto mais tarde, para discutirmos melhor.
Eric apenas balançou a cabeça, aguardando o que viria a seguir. Entretanto, inquestionável fora a surpresa ao encontrar Charlotte tomando um lugar na mesa.
— Ora, ora, ora, mas que engraçado!
A jovem sorriu ao ouvir o comentário e protelou para entrar no assunto proposto para discussão. Àquela altura, Eric já havia sido enfeitiçado pela voz adorável que proseava com ele.
Entretanto, o papo fora drasticamente interrompido. Quando menos esperaram, as portas bateram com estrondo; as persianas se fecharam; a luz fora apagada.
Por alguns instantes, nada se ouvia. Nada além de uma sirene de segurança:
Todos permaneçam em suas salas! Ataques! Ataques! Pegaram o Ministro! Permaneçam calmos, em suas salas...
— Eric, o que está acontecendo?!
— Olha, você precisa acreditar em mim — sussurrou, atropelando as palavras, uma na outra — Não falaria isso se não estivéssemos nessa situação...
— É um ataque terrorista?
— Bem pior...
— Pior?!
De repente, Eric se questionou: quantos anos Charlotte teria? Ela era pequenina, é verdade, mas não havia como saber.
Naquele momento, parecia uma criança assustada. Havia lágrimas em seus olhos, e o bruxo sentira um aperto no coração, sem saber como começar a explicá-la tudo.
— Senta aqui, vou lhe contar uma história.
— Sou velha demais para histórias, Eric. Diz logo o que está acontecendo!
— Por favor, sente aqui comigo.
Charlotte hesitou antes de se juntar ao colega de trabalho. Este, procurou contar tudo da forma mais didática que conseguira.
— Há muitos anos, nascera um garoto...
... Ele era um órfão. Mas ele conseguia fazer coisas estranhas acontecerem quando estava com raiva. Chamavam o garoto de louco. Lunático. Um dia, ele recebeu uma visita de um velho mago. Ele lhe disse que magia existia, e que ambos eram bruxos. Naquele mesmo ano, o garoto entrou numa escola mágica. Mas algo aconteceu nesse percurso. E ele escolheu o lado das trevas. Fez muitas coisas ruins a bruxos, como ele, e também a trouxas, ou seja, não-bruxos. Principalmente a trouxas...
... incendiou vilas, enfeitiçou inocentes... e matou centenas. Suspeito que ele tenha sumido com o nosso querido Ministro da Magia, também...
Os olhos de Charlotte se esbugalharam ao ouvir a última frase. A compreensão chegava vagarosamente em sua consciência.
— A magia, Charlotte, ela é real.
— Como pode ter tanta certeza? — sussurrou, num misto entre curiosidade e terror.
— Nossa reunião trata disso. Fui escolhido para tratar os feridos de seu povo. Sou bruxo, também.
— Bruxo?!
— Por favor, isso fica entre nós. É sigiloso.
Charlotte encolheu-se na parede, realmente amedrontada. Ficaram por alguns segundos em silêncio, até ela voltar a falar:
— Sempre desconfiei de certas coisas. Você sabe... Já li muito a respeito. Mas nunca realmente acreditei em magia. Nunca vi esse tipo de coisa acontecer comigo. Somente com alguns outros.
— Outros? Que outros?
Charlotte aconchegou-se em seus ombros, completamente à vontade. Respirou fundo e sussurrou:
— Na rua. No hospital em que trabalho. Já fui internada certa vez, Eric. Ninguém acreditava no que eu dizia.
— Que bom que acredita em mim.
Havia um sorriso nos lábios de Charlotte, mas a escuridão não deixou-o transparecer.
— Estou com medo, Eric — disse de repente, depois de mais uma dose de silêncio.
— Não fique. Está tudo bem. Ninguém entrará aqui.
— Mas está escuro... Como saberemos? Faz uma luz, Eric, faça um bibidibobidibu, por favor!
— Bibidibodi o quê?!
— É o feitiço da Cinderela. Nunca leu?!
— Nunca tive acesso a literatura trouxa.
— Ah... Mas por favor, Eric, faz a luz voltar. Estou com medo.
O bruxo tirou uma varinha de carvalho das vestes e estendeu-a no meio entre os dois. Respirou fundo, antes de sussurrar:
— Lumus!
Uma luz fina abarcou toda a circunferência ao redor deles, revelando uma expressão de encantamento da menina trouxa. Ela notou, pela primeira vez, o sorriso e olhar sinceros do jovem ao seu lado. E o modo como a franja caía em sua testa, agora brilhante pela luz da varinha.
— Estou num sonho, Eric. Isso é fantástico!
As bochechas da trouxa adotaram um tom avermelhado. Ela o olhava com fascinação, como se enfim houvesse descoberto algo sobre si que nem mesmo ela soubesse.
— Acredita em vidas passadas? Em intuições, visões..?
— Claro, como não?
— Sinto como se estivesse em casa agora. Aqui, com você... Como se eu já o conhecesse há tempos...
— Também eu sinto isso, sabia?
Charlotte sorriu. E dessa vez, Eric pode vê-la fazer isso.
— Há uma guerra entre nós — ele disse, hesitantemente — Estão caçando trouxas...
— Por que não está do lado deles?
— Só vejo burrice em exterminar inocentes... Tenho nojo da minha família. Nojo do Lord das Trevas. Desse homem horroroso que certamente invadiu nosso prédio.
— Eric, posso lhe perguntar uma coisa?
A trouxa se aproximou ainda mais. Levantou o rosto para encará-lo, e voltou a falar quando ele assentiu.
— Este homem é parente seu? É por isso que não gosta de sobrenomes?
— Acertou em cheio.
— E o que faremos? Só salvar os feridos?
— Se pudesse, faria mais.
— Veja olhar o lado positivo. Se não fosse por ele, não o teria encontrado.
— Precisamos de mais gente assim, que pense como você. Precisamos de amor.
— Por onde esteve todo esse tempo, amigo?
— Já disse. Tinworth.
Eric arrancou o riso de Charlotte e logo fizera o mesmo. Nunca na vida imaginaria estar em tal situação. Sozinho, ao lado de uma trouxa, sob a luz da varinha em seu futuro escritório.
E de fato, adorara conversar com ela. Realmente houvera certa fluidez em seus diálogos, e mesmo nos silêncios, como o que viera em seguida. Logo, observara Charlotte estender os dedos finos para agarrar sua varinha.
— Posso?
— Prometa segurar com cuidado — pediu, sorrindo.
Charlotte assentiu e iluminou por completo o rosto do novo amigo.
— Diga-me, Eric. Você é comprometido?
— Somente com o trabalho. E a senhorita?
Eric tivera somente uma quase gargalhada em resposta, que fora substituída por uma expressão serena.
— O que o atrai tanto a ajudar o meu povo?
— Vocês têm algo que não costumo ver entre nós.
— O que é?
— Amor.
Naquele momento, aquela palavra pareceu o feitiço correto para uni-los demoradamente.
Não havia sangue, não havia regras, não havia guerra.
Voldemort até poderia destruir famílias, monumentos, construções, disseminar o terror... Mas havia algo que ele não detinha o controle. E muito além disso, algo que nunca passaria por sua cabeça: em meio a guerra, juntar um sangue impuro com um traidor.
O Lorde nunca imaginaria que uma simples luz fosse um enorme ato de traição e rebeldia de seu próprio povo.
Ao erguer a varinha, Eric acendeu a magia adormecida em Charlotte.
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