Perseu escrita por Risurn


Capítulo 6
O Acordo


Notas iniciais do capítulo

Pra comemorar o aniversário do peixinho mais lerdo do mundo, um novo capítulo. Espero que gostem ♥



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Perseu havia perdido a noção do tempo.

Ele nadara o suficiente para sua cauda começar a balançar apenas com a força das correntes. Ele não queria parar, mesmo que seu corpo implorasse por aquilo. Ele precisava... Precisava vê-la outra vez.

Percy passara o caminho todo evitando pensar. Ele não queria refletir no que aquilo tudo poderia significar.

Ele estava disposto a abrir mão de tudo, se aquilo faria a dor em seu peito sumir, mesmo que levassem cem anos. Ele a veria apenas mais uma vez, e esqueceria os humanos. Não importava o preço.

Então, ele jurara ficar três dias acima da superfície, observando a orla, esperando. Ele só conseguia torcer para que a princesa aparecesse uma vez. Seria o suficiente. Uma única vez e seu coração saberia que ela estava bem e o permitiria seguir em frente.

Mas o primeiro dia passou.

O segundo também.

Quando o terceiro dia veio, ele começou a sentir um embrulho no estômago.

E se ela morreu? Eu não fui cuidadoso o suficiente? Os humanos são frágeis assim? Como... Como eu poderei viver com essa dor?

Ele lamentou que seu pai houvesse destruído seu santuário. Lamentou que nunca mais veria a princesa, nem mesmo a estátua dela, destruída na tempestade.

O seu lamento, irrompendo de seu corpo, lançou ondas em toda a direção, murchando a vida no mar.

Percy não conseguia entender o motivo daquilo, daquela dor toda, ele mal conhecia a princesa.

Seu corpo afundou nas ondas, até o fundo, sem encontrar forças para continuar nadando.

Ele precisava descobrir se ela estava bem. Se estava ferida ou precisando de ajuda.

Ele xingou a si mesmo várias vezes.

O que eu estava pensando? Mexer nas memórias dela e deixa-la em uma praia vazia? Qualquer um pode tê-la encontrado. O reino dela tem inimigos? É amada pelo povo? Aquela terra é do reino dela, ou é apenas uma visitante? O que eu fiz?

Perseu ficou tão perdido dentro de suas preocupações que não percebia o tempo passando. Havia uma semana que a princesa humana fora carregada por ele para a praia. Ele também não os viu se aproximando. As enguias do mar o cercaram, sorrindo com os dentes afiados.

Sayyidi, que honra ter você em nosso território. – As palavras eram arrastadas e Percy franzir o rosto. Ele era o príncipe. Precisaria agir como tal.

— Nosso sayyidi parece tão abatido, não acha, Oto?

— Sim, eu acho, Efialtes. O que nós devíamos fazer?

Percy pigarrou antes de falar.

— Agradeço a consideração de vocês, mas não sou o rei ainda. Não precisam me chamar assim. Se fazem questão de usar algum título, podem usar sahib.

— Oh, mas nós o respeitamos como se fosse rei, não é Oto?

— Sim Efialtes.

Eles sibilavam como cobras, deixando Percy desconfortável. Eles o fizeram lembrar de Nico, seu amigo e irmão que o considerava rei. Nico estaria preocupado com seu sumiço ou acharia que tudo estava bem?

Efialtes, a enguia azul, começou a nadar em torno do corpo de Perseu.

— Meu sahib, longe de nós querermos passar por intrometidos. – Ele silvou.

— Longe de nós.

— Mas notamos o seu desespero.

— Sim, nós notamos. – Oto, a enguia amarela, também sibilava e nadava ao redor de Perseu.

— Eu já disse que está tudo bem. – Percy olhou ao redor, com estranheza. Não havia sinal de mais qualquer criatura do povo do mar ao redor deles. As enguias não o assustavam, ele podia lidar com elas facilmente. Era aquele... Silêncio. Ele não conseguia ouvir o som do mar.

— Oh, mas nós vemos em seus olhos o coração partido.

— Sim, nós vemos.

— É um amor não correspondido?

— Certamente não pode ser, quem não amaria nosso sahib?

— Certamente que não é. Seria então um amor proibido?

— Oh, parece ser, Efialtes.

— Parem de silvar basterias criaturas.

— Oh, mas não estamos silvando besteiras.

— Não, não estamos.

— Alguém já lhe contou, sahib, que os tritões se apaixonam apenas uma vez?

— Sim, somente uma vez.

A cabeça de Percy começava a girar com os movimentos repetidos ao redor de si. Eles falavam das lendas antigas. Eram proibidos seques sussurros sobre isso.

— Eu posso pedir a cabeça de vocês por ousarem falar disso.

— Meu sahib arranque nossas cabeças se quiser, nós queremos lhe oferecer apenas uma solução.

— Sim, uma solução.

— Um jeito de ver a humana novamente.

— Exatamente, a humana.

Percy parou. Cenho franzido, tentando absorver as palavras.

— Que absurdos vocês estão dizendo?

— Não são absurdos. – Eles silvaram juntos, agora nadando mais rápido.

— Nosso mestre nos mandou.

— Sim, ele mandou.

— Ele falou sobre a garota que dançava no navio.

— Dançava no navio.

— E veio uma tempestade que destruiu tudo.

— Tempestade de Tritão.

— Você a levou até a praia.

— E seu pai destruiu tudo.

Percy tentou se manter firme e não matar ambas ali mesmo. Segredos demais em bocas leves demais.

— Como vocês sabem disso?

— Já falamos.

— Nosso mestre.

— Nosso mestre quer ver você.

— Ele disse que pode te ajudar.

— Você não tem nada a perder.

— Você vem?

— Quem é o seu mestre?

Perseu não conseguia pensar em ninguém que tivesse poder para tal coisa. Ainda mais quando isso desafiava a autoridade do rei.

— Cronos tem muitos títulos.

— Tem também muito poder.

O Tritão fez força para não arregalar os olhos.

— O feiticeiro do mar? – As enguias pareciam sorrir, suas escamas esticando, enquanto enrolavam ao seu redor. – Eu... Eu não poderia. Não poderia desafiar meu pai assim. Vão embora.

Desde que Percy era pequeno, existiam histórias sobre ele, e desde seu pai, e o pai de seu pai. Havia um motivo para ele não ser bem-vindo nas reuniões marinhas.

— Você que sabe. – Ele silvou.

— Mas seu pai não se preocupou com seus sentimentos quando destruiu tudo.

Eles pararam de nadar e se afastaram, sussurrando entre si.

— Pobre sahib, não sabe nem se ela está viva.

— Ele precisa saber.

— Sim, precisa, mas se não vir, nunca saberá.

— Mas o sahib não vem.

— Então ele sofrerá para sempre.

Pânico cresceu em seu peito. A possibilidade de não poder voltar a ter uma vida normal. Não saber se ela estava viva. Não saber se poderia viver.

— Espere.

— Sim? – Eles sibilaram juntos, se virando.

— Eu vou com vocês.

As enguias guiaram Percy por entre as pedras. Os caminhos sinuosos se revelaram mortíferos para alguém que não soubesse exatamente por onde ir. Perseu conseguia ver as plantas venenosas que se enroscavam nas pedras e nos corais.

Ele percebeu que nunca havia ido naquele canto do mar. Desejou por um momento que Nico estivesse consigo quando viu a entrada da caverna.

Quão perigoso aquilo podia se tornar?

— Por aqui sahib. – Eles silvaram juntos.

Perseu encarou o chão da caverna, coberto com algas mortas. Elas chacoalhavam com as correntes marinhas e o mar parecia gritar entre eles. Enquanto encarava, Percy percebeu, com horror, que não eram algas. Também não eram peixes. Não eram qualquer coisa que ele conhecesse. Eram só... Pequenas criaturas, presas ao chão, em tom escurecido, que chacoalhavam para todos os lados e gritavam. Um dos maiores enroscou-se em sua cauda, tentando puxá-lo para baixo. Não, não para baixo.

Para fora.

— Entre, jovem sayyidi. Estava esperando por você.

Quando Percy se desvencilhou da coisa em sua cauda e olhou para cima, não soube bem o que pensar.

Cronos, o feiticeiro do mar, era exatamente como as histórias contavam. Como era comum na espécie dos cecaelia, da cintura para baixo, exibia tentáculos de polvo. Mas, de seu tronco para cima, exibia a forma de um jovem bonito, provavelmente não muito mais velho que Tritão. Mas seus olhos... Seus olhos pareciam ter observado mil vidas.

— Eu não vou fingir que não sei porque veio, foi por causa daquela... – Ele parecia saborear a palavra. – Humana. Não é?

O covil era escuro, como era de se imaginar. Vários pilares de sustentação, pedras antes preciosas, agora sem brilho ou vida. Parecia um palácio para um rei sem trono.

— Você se apaixonou por ela, não foi? – Os olhos brilhantes não faziam Percy evitar. – Eu não o culpo. Elas são... Adoráveis.

Um rugido escapou da garganta de Percy.

— Ela está viva ou não?

— Ora essa. Se você se apaixonou e ainda está vivo... Então é claro que ela está. – Ele se afastou, nadando até o que parecia ser, de fato, um trono. Perseu parecia confuso, então Cronos explicou. – Um tritão não pode viver quando sua amada morre. As almas ficam entrelaçadas de tal forma que, se ela morrer, você morre.

Perseu ficou lívido.

— Meu pai não morreu quando minha mãe se foi.

— Oh, mas isso só funciona com humanos. Quando seu amado ou amada faz parte daquele povo acima da superfície... As regras são diferentes.

Perseu não conseguia pensar ao certo. Ele estava apaixonado? Mas... Annabeth estava viva? Seu coração quase parou com a notícia, a tensão de esvaindo.

— Ela está bem?

Cronos negou com a cabeça, me observando com pena.

— Pobre Perseu. Condenado a viver longe de sua amada. Por seu próprio pai, que comanda todo o povo do mar. Eu não tenho como saber se ela está bem. É preciso vê-la para saber.

— Você é um feiticeiro, não é? Dê seu jeito!

Ele sorriu, mas não havia bondade ali.

— E se... Eu lhe oferecesse algo melhor?

— O que poderia ser melhor?

— Viver com ela.

Os olhos de Perseu brilharam.

— É impossível.

Cronos se levantou, nadando até uma série de armários ao lado deles.

— E se eu lhe dissesse que não é?

— Eu diria que é loucura.

— E as pessoas não fazem loucuras em nome do amor? Que modo melhor de provar que a ama do que abrir mão de tudo?

— Como saberei se posso confiar em você?

— Ora, esse é meu oficio! Ajudar as almas desamparadas que não tem há quem recorrer!

Perseu olhou em volta.

— Você não tem ganhado nenhum prêmio de popularidade.

Haviam chamas nos olhos de Cronos que passaram despercebidas à Percy.

— Eu era... Uma pessoa difícil no passado. Hoje, eu ofereço o que as pessoas querem com aquilo que eu tenho: magia. Mas não posso dizer que não cobro o preço daqueles que me devem. Aqueles que deixam de me pagar, sem dúvidas, precisam temer.

— Eu nunca deixei de pagar uma dívida.

— É por isso que eu gosto de novos clientes! Para a sua sorte eu tenho algo... Que pode transformá-lo em um humano.

Perseu arregalou os olhos. Ele não sabia o que Cronos faria para que ele vivesse com Annabeth, mas não imaginara que seria virar um humano.

— As regras são simples: irei transformá-lo por três dias. Antes do pôr-do-sol do terceiro dia, você deve ser beijado por ela. O beijo deve ser... – Ele parecia inclinado a suspirar – Amor verdadeiro. Caso contrário, você pertencerá a mim.

Um arrepio correu a coluna de Percy.

— Se... Se eu for, nunca mais verei meus irmãos? Meus amigos? Meu pai?

Cronos virou a cabeça para o lado.

— Você está certo. A vida é cheia de escolhas difíceis. Mas... Você não acha que eles iriam querer que você fosse feliz? Encontrando seu amor?

— O que você quer em troca?

O feiticeiro sorriu, parecendo genuinamente feliz.

— Eu não cobro muito caro. Pedirei algo... Que você não precisará no mundo humano?

— Que seria?

— Seu poder. Lá fora, na superfície, não existe tal coisa. E você não vai mais precisar. Pense só, enquanto você estiver vivendo feliz com sua amada, poderia ajudar várias outras almas desafortunadas se tiver seu poder.

Algo dentro de Perseu gritava para que ele fugisse. Dizia que algo profundamente errado estava acontecendo.

Mas o coração do jovem tritão doía tanto que ele teve medo pudesse parar. Ele precisava ter certeza que Annabeth estava bem. Mesmo que ela não o amasse de volta.

— Você não tem muito tempo para decidir, sou muito ocupado.

Antes que Perseu se desse conta, um caldeirão fora aberto. Cronos jogava líquidos de todas as cores vindos das prateleiras. Entre a fumaça que saia, ele viu o belo rosto de Annabeth e seu coração palpitou. Uma folha flutuou do teto até as mãos dele.

— Eu não peço muito, apenas seu poder. É esse o preço de sua felicidade. Você sabe que não sente que o oceano é seu lar. Tome coragem e assine o nosso contrato! Seus poderes para mim, vida humana pra você.

Perseu respirou fundo e encarou os olhos negros do feiticeiro.

— Temos um acordo.

O nome dele surgiu ao pé da folha, junto com o selo real.

As enguias se arrastaram ao redor do tritão, puxando-o e jogando seu corpo para fora da caverna, conforme a risada de Cronos ecoava.

Ele estava sozinho, do lado de fora, tentando entender o que aquilo significava, quando sentiu.

Ele não podia respirar. Algo havia se fechado, impedindo o processo. Uma dor lancinante se estendeu abaixo dele, dividindo cauda em dois. E no lugar dela...

Pernas.

Haviam pernas no corpo do jovem príncipe, que afundava sem saber como nadar. Ao longe, ele ouviu um grito enquanto seus olhos começavam a fechar, os pulmões enchendo de água.

Mãos se enrolaram ao redor dele, puxando-o para cima.

O desespero não tomou conta de seu coração apesar da situação.

Ele estava feliz.

Finalmente veria sua princesa.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que eu sumi, mas tive uma série de problemas que expliquei em Badlands, mas não sei se convém ficar repetindo. Espero conseguir retomar as postagens com o tempo. Obrigada por acompanharem ♥