Antes de ELA chegar escrita por Ahelin


Capítulo 8
7. Conhecer melhor uma pessoa


Notas iniciais do capítulo

Vocês conhecem mais alguém que fica 300 anos sem postar e volta como se nada tivesse acontecido?

OIEW!
Primeiramente eu queria pedir desculpas pela demora, SÉRIO, eu tô super atarefada com a escola e a dança. Com todo esse processo de decidir o que fazer da minha vida, o esforço pra passar no vestibular e as turmas novas em que eu tô entrando aaaaaaa é tão gostoso, mas me deixa com 0 tempo disponível.

AAAAAH E EU TENHO UM MONTE DE AGRADECIMENTOS ESPECIAIS PRA FAZER VIU
• Antes de ELA Chegar ganhou uma análise maravilhosa! Eu chorei e ri DEMAIS lendo, vou deixar o link pra quem quiser conferir :3 aqui: https://www.caneta-tinteiro.com/l/resenha-33-uma-conversa-agridoce/
Muuuuuito obrigada ao Caneta Tinteiro pela resenha e pela linda capa, que é a que eu tô usando agora :3
• Obrigada, Aleatory, por não desistir de mim FJSKLD
• OBRIGADA MEU BEBÊ GIULLIANO POR EXISTIR ♡ ele fez uma fanart liiiiinda da Helena, aqui o link pra quem quiser ver: https://imgur.com/a/lIBl9e0

E obrigada a todos os novos leitores, às pessoas que me indicaram no Facebook e a todos aqueles que me elogiaram, vocês alegraram meu dia de um jeito que não imaginam!
Espero que gostem de ler esse capítulo tanto quanto eu gostei de escrever.
Boa leitura e mais um grande obrigada por tudo!



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29 de Setembro de 2017

Desde que eu me lembro, sempre chove forte na última sexta-feira de setembro. Não sei se é só uma impressão que eu tenho, tipo a chuva do primeiro dia de aula do ano — na verdade, meu pai diz que só choveu em três dos meus onze primeiros dias e mesmo assim eu tenho certeza de que voltei pra casa chutando água de enxurrada em todos eles —, mas parece quase uma lei. Nessa, especificamente, parecia que o céu ia desabar.

Gustavo e eu estávamos no jardim da escola quando começou. Faltava ainda um bom tempo pro ônibus chegar, por isso eu tinha deitado na grama e ele estava enchendo meu cabelo de pétalas de flor.

— Você honra sua metade gay — comentei em certo momento. Ele riu.

— Eu não tenho uma metade gay e uma metade hétero, Helena. Não é assim que funciona.

— Eu sei, eu sei. — Ergui o corpo e balancei a cabeça, enquanto Vader observava boquiaberto todo o seu trabalho de artista se espalhar no chão.

— Você estragou! — reclamou ele, numa voz exagerada. Depois, percebendo o próprio grito, ele riu de novo. — Meu Deus, eu tenho uma metade gay.

— Claro que tem, e nós amamos isso. — Peguei os óculos dele sem nenhum motivo em específico.

— Nós? — Ele juntou as sobrancelhas, mas não sei se foi uma expressão de dúvida ou uma tentativa vã de enxergar.

— Nós. Eu, a sua mãe, a Bia... — tossi para mascarar a última parte. Ela mandou uma mensagem pra ele e os dois estão conversando, mas até agora não deu em nada.

— Ah, claro. — Ele abriu aquele sorriso lateral. — E essa tosse não foi nada suspeita.

— Tuberculose. — Dei de ombros. Ele arregalou os olhos e gargalhou ao mesmo tempo, meio de nervoso e meio de humor.

— Credo. Nova pauta pra discussão social: ter uma doença maluca te dá passe livre pra fazer brincadeiras sobre outras doenças?

Foi a minha vez de rir. Mal abri a boca pra responder e os primeiros pingos de chuva começaram a cair sobre a minha cabeça.

— Olha, eu acho que o pessoal vai se molhar. — Olhei em volta enquanto todos os outros alunos, alguns do primeiro ano como a gente e outros de salas mais velhas, corriam com seus livros e bolsas na cabeça pra não ficarem encharcados. Quanto ao meu amigo e a mim, ficamos sentados no mesmo lugar.

— Que doido — comentou ele. — Ainda tá fazendo sol! Tivemos a ideia idiota de tentar olhar pra cima em busca de um arco-íris, mas, como qualquer um já percebeu, é meio difícil olhar pra cima na chuva.

— E será que vão deixar a gente entrar no ônibus assim? — Ri. Voltar pra casa a pé, na chuva, era uma coisa altamente proibida na lista de proibições da minha mãe. "Imagina se você pega uma gripe!" ela diz, horrorizada. Eu sempre tento argumentar que gripe é um vírus e a chuva não tem exatamente a ver com isso, mas ela escuta? Não.

— Claro que vão. Se não deixarem, eu te pego no colo e reclamo atendimento preferencial.

— Porque eu sou um bebê ou porque eu tenho esclerose? — ponderei. — Olha, eu tenho preferência duas vezes!

Ele balançou a cabeça e segurou pra não rir.

— Você tá terrível hoje, sabia?

Concordei com a cabeça. Sim, eu estava.

Toda essa conversa aconteceu enquanto a chuva se intensificava cada vez mais. Ainda estávamos parados no mesmo lugar de antes, mas em poucos minutos passaríamos de adolescentes molhados pra adolescentes enlameados.

— Vem, vamos lá pro ponto — chamei, ao mesmo tempo em que fazia um esforço sobre-humano pra me levantar sozinha. Comemorei internamente por conseguir. — Quanto tempo falta pro ônibus cheg...

Minha fala foi interrompida por uma buzina grave que se parecia com a de um navio. Fui obrigada a dar risada do tonto que colocou um som desses no próprio carro. Vader, que estava de frente pra mim e de costas pra rua, endureceu na hora.

— Ah, não — murmurou. — Ela não fez isso.

— O quê?

— Quem tá dirigindo o carro?

Olhei com atenção pra ver se conseguia enxergar entre as gotas de água que se acumulavam nos meus cílios e vi um carro parado na frente da escola. Deu até pra ver a motorista, uma boneca de cabelo curto e olhos grandes, procurando por alguém dentro do pátio.

— Ai meu Deus. — Ri alto. — É a Miriam.

Ele respirou fundo e tomou os óculos de volta.

— É, eu imaginava. — Nesse mesmo instante, ela viu a gente, mas não chamou. Em vez disso, ela enfiou a mão na buzina de novo. — Eu vou fingir que não conheço.

— Então fica aí na chuva! — Peguei minha mochila do esconderijo seco sob um banco e corri pro carro. — Oi — cumprimentei e entrei do lado do passageiro. Vader bateu a porta segundos depois de mim, resmungando.

— Nossa. — A madrasta dele começou a rir. — Eu ia oferecer um lenço pra vocês, mas não vai servir pra nada. Dei de ombros.

— Desculpa por molhar o carro.

Ela dispensou minhas desculpas com um gesto e acelerou. É divertido andar de carro com a Miriam porque ela sempre faz essa pergunta:

— Vocês querem com emoção ou sem emoção?

Independente do que a gente responda, é com emoção. Não adianta ir contra a corrente.

— Com emoção! — respondi animada, instantes antes de ela pisar no acelerador e ir com tudo pra cima da pobre lombada na frente do portão da escola. Se vocês nunca passaram a 80km/h numa lombada, continuem assim.

— Você tá falando bem, Helena — comentou ela, desviando de alguma coisa invisível na rua e jogando Vader do outro lado do carro.

— Ei! — ele gritou.

— Coloca o cinto! — comandou Miriam, depois se virou pra mim. — Então, você tá até correndo! Que bom. Continua na fisioterapia?

Confirmei com a cabeça.

— Duas vezes por semana. E tem os remédios, e a dieta... — Comecei a contar nos dedos. — Ah, e minha mãe me matriculou numa aula de yoga!

Vader se engasgou com uma risada lá atrás.

— Não sei qual é a graça, você já fez até balé — caçoou minha mais nova melhor amiga. Quanto mais eu conheço a Miriam, mais eu gosto dela.

Arregalei os olhos com a revelação.

— Você nunca me contou isso!

— Não sei do que ela tá falando — retrucou ele.

— Foi antes de vocês se conhecerem — ela continuou. — Ele chegou a fazer duas apresentações. Tenho fotos em casa!

Eu não conseguia parar de rir.

— Por que você parou? — perguntei, indignada, e virei pra ver a cara dele. Estava vermelho como um pimentão.

— Porque minha virilha doía — resmungou, fingindo um mau humor que não me convenceu.

De qualquer forma, resolvi deixá-lo em paz ao menos uma vez na vida e me virei de volta pra Miriam, que neste momento já entrava na rua do Gustavo.

— Meu médico disse que talvez a gente até consiga estender aquele ano que ele me deu da primeira vez — continuei. — Não era uma previsão muito precisa, mesmo, então nunca se sabe. Eu posso ser um dos 10% que ficam muitos anos com ELA, tipo o Stephen Hawking, ou posso morrer daqui a uns quatro ou cinco anos. Acho que só preciso de sorte.

— Sorte? — ela riu. Depois, estalou os dedos na frente do rosto e apontou pra mim. — Já sei! Você, eu, cozinhando, hoje. A gente faz aquelas receitinhas de simpatia da internet, eu sempre quis testar isso. Chama sua família pra comer lá em casa.

A ideia era boa. Por que não?

Assim que ela colocou o carro no estacionamento, eu pulei pra fora e liguei pra minha mãe. Fiquei surpresa por ela ter aceitado na hora; menos uma preocupação.

— Você cozinha? — Miriam me perguntou já dentro do apartamento.

Balancei a cabeça em negativo.

— Minhas habilidades culinárias se resumem a brigadeiro, sorvete de saquinho e Sucrilhos.

Ela riu.

— Certo, então a gente tenta não colocar fogo na casa. Vou ficar de olho em você. Guto!

— Eu. — Ele colocou a cabeça na abertura da porta da cozinha. Miriam lhe passou uma lista de coisas pra comprar, incluindo um vinho de mercado.

— O que a gente vai fazer? — Observei enquanto Vader saía e ela começava a fuçar no armário.

— Hmm, nhoque, eu acho. Na Itália, dá sorte comer nhoque no dia 29. E... — Ela me olhou como se procurasse algo invisível. — Uma coisa bem salgada, talvez? Sal dá sorte.

Comecei a rir.

— Claro, e vamos enfeitar a mesa com velas e rezar pra Nike também — comentei.

— Eu pegaria meus dracmas de outro e mandaria uma mensagem de Íris pra ela, se hoje não fosse sexta. Deuses ficam muito ocupados nas sextas.

Tive que esconder minha surpresa com o fato de ela ter lido Percy Jackson, mas eu nem deveria ter ficado surpresa. Ela é legal demais pra não conhecer Riordan!

Primeiro, ela cavou a despensa até achar massa de nhoque e me ajudou a cortar alguns até que se sentiu segura o suficiente pra me deixar fazer isso sozinha. As mãos dela são tão pequenas que só contribuem pra minha teria de que ela é uma boneca viva. No mesmo instante, pensei na voz de Luke dizendo "Se você perder um dedo, vou colar com Super Bonder" e tive que sorrir. Só de imaginar minha família jantando na casa do meu melhor amigo pela primeira vez — em, o quê, seis anos? — já sentia uma coisa boa difícil de definir.

Acho que é isso que Vader quer dizer quando fala que felicidade é só um comichão na barriga (diferente do comichão de fome, mas bem parecido com o comichão de amor).

— Tá do tamanho certo? — Mostrei um rolinho cortado a ela.

— Perfeito, mas... — Ela se aproximou e colocou as mãos nos meus ombros. — Relaxa. Você tá tensionando o pescoço, vai ficar com uma puta dor depois. Respira fundo e solta os músculos.

Respirei bem fundo e fiz o que ela disse; realmente, foi como tirar um peso de 53,7kg das costas.

— Nossa. Obrigada — agradeci. Não teria percebido sozinha.

— Disponha! — Ela prendeu pra trás a franja que lhe caía nos olhos.

Enquanto eu ainda cortava a massa — numa velocidade impressionante de meio milímetro por hora, com todo o trabalho de segurar a faca com firmeza, segurar os nhoques com a outra mão e não me matar no processo —, Miriam sacou uma panela e começou a trabalhar no molho. Eu acho que desenvolvi hipertensão só de olhar a montanha de sal que foi parar lá dentro.

— Mas e aí, como você tá lidando com isso? — questionou ela num momento aleatório. — O Guto não fala muito do assunto e eu fico meio preocupada.

Respirei fundo.

— Não sei — confessei. — Às vezes eu tenho noção de como é ruim e de como vai piorar, mas às vezes... não. Tô com medo de estar fugindo muito do problema em vez de lidar de verdade com ele.

— É normal. Você tá cumprindo uma lista, é isso? — Uma risadinha que eu não entendi direito escapou por entre os lábios dela. Essa é a Miriam.

— É. — Ri. — Tem vinte e poucos itens, só, mas são coisas que eu gostaria de lembrar nos momentos mais difíceis. Quando tudo ficar pior, sabe?

Não me senti triste dizendo isso a ela; acho que nem com Vader eu conseguia falar as coisas com tanta naturalidade. A presença dela me deixava tranquila.

— Entendi. — Ela sorriu. — É uma boa ideia. Só não esquece que, mesmo no pior estágio da doença, sempre dá pra dar um jeitinho. Você pode continuar a cumprir itens até morrer, eu acho.

— É, acho que sim. — Sorri e pausei o trabalho pra olhar pra ela. Tem um background todo obscuro por trás dessa fofura; ela foi expulsa de casa quando era adolescente, e teve que dar um jeito na vida 100% sozinha. Ver o que ela conseguiu se tornar é inspirador.

— Obrigada, Miriam.

Nem me importei por ela acariciar meu cabelo com as mãos sujas de alho. Trocamos um olhar significativo ali e eu entendi que, mesmo que não fôssemos tão próximas, ela estava ali e me estendia uma mão amiga pra me confortar se eu precisasse.

Depois disso, voltei ao trabalho. Essa pequena conversa, apenas algumas frases e o olhar carinhoso dela tiraram outro peso de cima de mim. Foi bem libertador. Quando terminei, ela me deu berinjela e cogumelos pra cortar em cubos. Eu admito que torci um pouco o nariz, mas ainda estou me propondo a experimentar coisas novas — o que possivelmente incluiria pratos veganos alguma hora. Me senti a nova Masterchef até lembrar que Miriam estava fazendo todo o trabalho; eu só estava lá com a faca. Decepcionante.

Ah, só uma coisa: perguntei a ela por que nhoque dava sorte e ela não soube me responder, então horas depois fiz uma pequena pesquisa no Google pra descobrir. Basicamente, São Pantaleão estava andando por uma cidadezinha italiana e pedindo comida, e a única família que o atendeu foi uma bem pobre. Mesmo assim, eles dividiram a comida que tinham (nhoque, claro) e, quando o cara foi embora, acharam dinheiro embaixo dos pratos. A internet disse que é mais coisa de fartura e prosperidade do que algo a ver com saúde, mas acho que sorte é sorte. E, mágica ou não, com aquela quantidade de sal eu sei que essa comida vai me trazer surpresas logo, logo.

Mais uma coisa: (eu sei que disse que era só uma, mas agora são duas) a receita de verdade vai carne e a massa é feita em casa, não comprada no mercado, então pode ser que eu não esteja tão abençoada assim. Uma pena.

Quanto colocamos tudo junto pra assar no forno, ela começou a tirar uns potes de gelatina da geladeira.

— Fiz hoje — explicou, quando eu fiquei olhando sem entender. — A gente ia comer durante o fim de semana, mas vamos cortar em pedacinhos e fazer um doce.

— Gelatina também dá sorte? — Ri. Ela pensou antes de responder.

— É... Não. Mas é gostoso — completou, dando de ombros.

Foi até mais fácil do que o jantar: ela cortou e eu montei os cubinhos numa vasilha de vidro junto com um creme doce que fizemos na hora. Depois de mais ou menos noventa minutos desde que tínhamos chegado, estava tudo quase pronto.

— Oi, gente. — Vader entrou na sala com um par de sacolas nas mãos e fechou a porta com o pé.

— Você foi colher as uvas pra fazer o vinho? — cutuquei suas costelas quando ele chegou à cozinha.

— Eu me distraí — replicou ele, misterioso.

— Ok, pintinhos, vocês podem sumir! — Miriam correu a gente do cômodo. — Vão, vão. Eu dou um grito quando a sua família chegar, Helena. Vão lá ver um filme, ver um filme... — Ela repetiu, mudando a entonação. Soltei um longo suspiro pra mostrar que aquilo era absurdo. — Sei lá, só saiam daqui.

— Só depois que eu comer um pedaço disso. — Vader estendeu as mãos em direção ao doce de gelatina e foi golpeado com um pano de prato.

— Vaza! — esbravejou ela. Olhando aquela expressão furiosa e bufante, deu pra entender com quem meu amigo aprendeu sua Cara de Bravo Super Convincente™ 2/10; ela parecia prestes a rir.

Mesmo assim, a gente correu pro quarto dele e eu não perdi a oportunidade de sentar naquela cadeira de novo. Nesse instante, eu juro que os óculos dele fizeram aquela coisa dos óculos de anime quando as coisas ficam sombrias.

— Você insiste no pecado, Helena. — Ele se aproximou lenta e dramaticamente. Manti minha posição firme.

— Pode me chamar de Dragão do Pecado da Teimosia, jovem gafanhoto. — Cruzei os braços. Ele desmanchou o bico por um segundo e começou a rir.

— Falou aí, Meliodas-sama. — A última parte foi uma imitação quase perfeita da Elisabeth.

— É impressão minha ou você não tá puto comigo? — Arregalei os olhos. Não era possível.

— Não. — Ele deu de ombros. — É só uma cadeira.

Mas eu sei identificar cada micromovimento no rosto dele; bastou um leve temor no queixo e eu soube que tinha que sair rápido. Escorreguei pra baixo no mesmo instante em que ele se lançou pra frente tentando me agarrar. Só tentando mesmo.

— Você tá bem? — Segurei a risada por ele ter batido o nariz nas costas da cadeira. Tinha que ter certeza de que ele não tinha quebrado nada antes de tirar sarro.

— Não. — Vader fez uma careta e me olhou indignado. — Que espécie de ninja é você?

— Negro. — Fiz uma reverência enquanto ele começava a rir.

— Puta. Que. Pariu. Eu disse que você tá terrível hoje, mas você tá terrível ao cubo.

— Não sei se fico preocupada ou honrada com você usando potências em frases normais. — Suspirei. — Ei, diz uma cor legal.

— Aleatória?

— Lógico.

— Verde — escolheu ele. — Da cor dos meus belos olhos — completou, piscando como uma princesa (com a delicadeza de quem tem um cisco enorme no olho). — Pra quê?

— Porque eu vou ganhar lindas muletas em algumas semanas. — Deitei no chão gelado do quarto e ele me seguiu. — E se você acha que eu não vou pintar as duas de uma cor super chamativa, você não me conhece.

— É justo.

Ficamos em silêncio por sei lá quanto tempo, encarando o teto dele agora pintado de um azul escuro cheio de estrelas, até a madrasta dele abrir a porta e encostar o ombro lá olhando pra gente.

— Helena, seu irmão e seus pais já chegaram.

— Tá tudo pronto pra comer? — perguntei. Ela balançou a cabeça em negativo. — Diz pra eles que eu desço assim que estiver, tá?

— Ok. — Ela sorriu pra gente e foi embora, mas gritou de volta do meio do corredor: — Porta aberta, vocês dois!

Vader cruzou o olhar com o meu e começamos a rir. Luke saberia que não era sério, mas e meus pais? Pouco tempo depois, quando nós dois tínhamos decidido jogar Donkey Kong, foi Luke quem apareceu pra avisar que já podíamos comer.

— E é melhor vocês sentarem meio longe um do outro, o pai tá desconfiado da brincadeira da Miriam — comentou ele. Desliguei o jogo e tentei não ligar pro fato de que meu pai ia dar uma dura no meu melhor amigo.

— Devo ficar com medo? — Vader ergueu as sobrancelhas.

— Ele late, mas não morde — respondi. Seria no mínimo engraçado.

A mesa estava bonita. Miriam tinha arrumado tudo e a Josiane, mãe do Gustavo, tinha chegado do trabalho sem a gente ver. Eu fiz justamente o contrário do que o Luke falou; depois de abraçar meus pais, fiz questão de sentar do lado do Vader. Todos (inclusive ele) lançaram um olhar meio estranho, mas ninguém comentou nada.

No fim, descobri que a berinjela tinha um gosto muito bom. E com o molho e a massa... digamos apenas que eu não comi só os sete pedacinhos que a internet diz que dão sorte. A sobremesa, então, mal tive tempo de provar, porque meu pai comeu quase tudo sozinho.

Foi legal ver eles se dando bem, também. Às vezes eu tinha um pouco de medo da reação da minha família perto da família do Vader. Sei lá, são tão diferentes, mas no fim essas diferenças não significavam nada. Fora os esporádicos olhares do meu pai e a telepatia contida neles (de "o que tá acontecendo aí?" a "não se encostem não se encostem não se encostem), foi divertido. Minha mãe e a mãe do Vader saíram da noite como as BFFs e a Miriam prometeu passar um monte de receitas rápidas pro Luke "não se matar de cozinhar" quando voltar pra faculdade.

Experimentei o vinho mais doce da minha vida e minha própria mãe não parou de encher o copo até confirmar que eu estava ficando tonta. Ela foi uma fofa com o Vader e evitou seus fabulosos comentários sobre achar que somos namoradinhos.

Fui pra casa flutuando. Tá, em parte pelo vinho, mas dá pra imaginar a sensação boa impregnada no ar. Dormi no ombro do Luke no banco de trás e não lembro de ter dormido melhor alguma vez na vida. 

Não tenho certeza da mensagem desse item. Até agora, eu terminei os anteriores dando uma super lição de moral, né? Mas a única coisa que fiz aqui foi ficar com as pessoas que eu gosto. Pra falar a verdade, eu tive a ideia do item — já cumprido — quando deitei pra dormir.

Pensa comigo: eu nunca teria descoberto que a Miriam é essa pessoa mega bacana se não tivesse tirado um tempinho pra ficar a sós com ela. Sabe aquela pessoa que você vê todo dia no ônibus, a que senta do seu lado na sala do cursinho, a que sempre come no mesmo café que você ou a que te esbarra vez ou outra no banheiro da faculdade? Ela pode ser a pessoa mais incrível do mundo, e pode vir a ser alguém importante na sua vida. Quantos melhores amigos, namorados, sócios e companheiros de uma vida toda já se conheceram assim?

Faz uma coisa por mim. Da próxima vez que encontrar a pessoa que eu descrevi algumas linhas atrás, pergunta o nome dela. Pode ser a melhor coisa do seu dia, ou não; não custa tentar.

Aqui quem fala é a Helena,

Câmbio e desligo.


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Notas finais do capítulo

E aí, cê vem sempre aqui?
FJSKLD me diz o que achou do capítulo!
Já perguntou o nome daquela pessoa hoje? É a sua chance ;
Se encontrar algum erro, me diz pra eu poder corrigir haha na pressa de postar sempre passa alguma coisinha
Do que gostou mais? E do que não gostou? Me dizzzz
Eu JURO que algum dia vou responder seu comentário qq mas vou ler na hora e ficar muuuuuuito feliz
Beijão!