Janta escrita por Dark_Hina


Capítulo 26
Eu posso voar com você?




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14 meses depois

—Nós estamos atrasadas. – Falei pela terceira vez. Meu olhos reviravam nas órbitas e os dedos tamborilavam impacientes nos braços cruzados.

—Eu já disse que estou indo. – Lena gritou de volta.

—Você não pode terminar de se arrumar no carro?

—Você disse que nós íamos voando. – Ela resmungou contrariada

—Eu sei o que eu disse, mas você não me falou que ia demorar tanto.

Escutei seu exalar pesado e tive certeza que ela iria atirar a primeira coisa que estivesse a mão na minha cara. Ela saiu do banheiro terminando de abotoar os brincos, com os vincos de irritação em sua testa pulando tão pulsantes como a veia em seu pescoço. Eu não sabia se desfalecia pelo medo de sua ira ou pelo impacto de sua imagem, mas foi inegável o choque, tanto é que senti meu queixo cair e minha boca secar instantaneamente. Ela estava deslumbrante.

Rao, tenha misericórdia.

O cabelo alto num coque, uma maquiagem extremamente superficial apenas para destacar os olhos e os lábios, uma roupa que lhe caia justa: uma saia preta godê e uma blusa simples, minimamente decotada em v, ela ainda iria vestir o blazer e caia por seu pulso um colar de ouro muito delicado.

Eu peguei o blazer sobre a cama e me aproximei dela que fazia um bico irritadiço. Eu sorri, ainda abobalhada, tomei de sua mão o colar e ela me permitiu colocá-lo. Terminei de abotoá-lo encostando meu lábios em sua nuca, ela se arrepiou toda com o gesto.

—Kara! – Me repreendeu rapidamente. Eu ri recolhendo do meu ombro o blazer e encaixando-o em seus braços de costas.

—Perfeita. – Falei em um sussurro.

—Vamos? – Me cortou ainda irritada.

Eu estreitei os olhos para ela que foi se encaminhando rapidamente para a janela.

—Lena, toda vez que a gente sai eu lhe peço isso, - comecei – mas você parece se esquecer sempre. – Disse no tom mais pedagógico que encontrei. -Você não é a namorada da Supergirl, você é a namorada da Kara Danvers, certo? Eu estou bem cansada de todo mundo no trabalho ficar me puxando de lado e mostrando fotos borradas de você me beijando escondido pelos cantos.

Ela tinha um encarar fulminante sobre mim, com os olhos estreitos e a boca em um bico que no lugar de me beijar poderia facilmente me morder.

—Se você não vier logo as duas vão ficar solteiras por um bom tempo. – Ela falou sucinta e eu a atendi no mesmo instante, rindo internamente. Era como se eu não conhecesse a mulher que eu estava namorando.

Como era de se esperar chegamos atrasadas, Alex estava com uma cara de poucos amigos para mim e toda as crianças pareciam bem impacientes, mesmo organizadas em duas filas indianas. Pela disposição de Maggie atrás delas e dos outros dois agentes de crachás e bonés da NCPD aos lados, imaginei que aquela formação não foi nada espontânea. Parecia uma grande cerco perto do ônibus escolar.

Sorri sem graça pra minha irmã que não me retribuiu o gesto.

As crianças começaram a gritar e a pontar para mim, deixei Lena no chão e fui até eles.

—Ei garotada! – Alex ainda me encarava com os olhos estreitos, e senti o suor frio brotar das minhas têmporas só imaginando quanto ela gritaria comigo por ter tido aquela desgraçada ideia. Era engraçado como ela ajeitava a aliança no dedo sempre que estava nervosa, ainda desacostumada com a nova peça permanente no dedo.

Alex era o tipo de pessoa que nunca usava joias, nunca usou brincos, nem colares, nem pulseiras, até os relógios lhe eram incômodos. A própria Maggie tinha lhe retirado a obrigação de usar a aliança depois do casamento, disse que não havia necessidade para aquilo. Mas Alex cismou que não havia gastado uma fortuna naquelas alianças para deixar a sua guardada, principalmente se significava que a Maggie não precisava usar a dela também. “Era melhor nem ter casado se não for pra todo mundo saber”, ela disse rabugenta, como uma criança birrenta.

Ela continuava girando a aliança no dedo e eu pigarrei lhe atraindo a atenção.

—Nós nem demoramos tanto assim.

—Você não disse que esse observatório era no meio do nada, se chama projeto de responsabilidade por um motivo, se algo acontece a elas o departamento de polícia responde legalmente e coloca em risco o emprego da Maggie.

—Não vai acontecer nada a elas. – Disse entre os dentes. – Mas imagina se a Maggie perde o emprego e você ganha uma trophywife.

—Como você é da Lena? – A acidez me pegou desprevenida. Nós duas nos encaramos com sorrisos amarelados e Alex deu de ombros. – O aumento e o cargo no DEO é tudo temporário, é só até o J’onn voltar de Marte, isso pode acontecer a qualquer momento.

—Nós duas sabemos que ele não vai voltar, ele merece ser feliz por lá.

Eu senti minha capa ser puxada e me virei para ver se ela estava enganchada em algum canto. Dei de cara com dois grande olhos brilhantes e pidões.

—Posso voar com você? – A voz infantil me atingiu em cheio.

Eu exalei sem conter o sorriso.

—Claro! – Disse numa voz embargada pela ternura, a tomei em meus braços e levitei alguns palmos do chão, ela tinhas os braços agarrados ao meu pescoço e uma gargalhada alta na boca. Logo todas as crianças vieram para cima de mim, e ficamos brincando com os olhos atentos de Alex e Maggie sobre mim e as crianças.

Lena chegou um tempo depois e parou estática encarando a cena, algo a tocou de tal maneira que adiou até onde pôde o começo do evento, mas já era tarde e toda a equipe técnica ainda iria dormir em casa naquela noite.

Foi uma cerimônia rápida e nem eu imaginei quantas pessoas estavam trabalhando no planetário que Lena reformara, me lembrando da primeira vez que fui lá conhecer o prédio com ela e vendo-o depois de tantas reformas... Parecia um novo lugar.

Quando fomos ao observatório, o mesmo que eu e Lena tínhamos jantado tantas vezes depois da primeira, eu me vi arrebatada com a diferença. Ela tinha me falado que haviam trocado as cadeiras e que o projeto, apesar de novo, não era o mais atualizado. O próprio teto transparente tinha dado lugar a um outro material, igualmente limpo, mas de uma densidade completamente diferente. “Esse não suja”, Lena disse de maneira simplista, mas eu sabia que ela tinha pago alguns milhões por essa sutil mudança. Lena tratou aquele planetário como a se tratasse sua própria casa, muitos dos materiais tecnológicos que estavam ali foi ela mesma tinha construído.

Suspirei me sentando bem atrás das crianças, Lena falava para os poucos adultos de fora e para os vários trabalhadores, sabia que suas palavras eram irrelevantes para os pequenos e, na maioria das vezes, nem eu mesma entendia o que ela falava, mas gostava do tom, do brilho em seu olhar, do sorriso que não continha a felicidade em sua face.

Ela terminou de falar e veio se sentar ao meu lado.

—Você gostou? – Sussurrou.

—Eu amei. – Respondi no mesmo tom.

Mergulhamos na escuridão e o universo se fez presente a nossa frente.

No final da noite nos despedimos dos demais e fomos até o fundo do observatório, próximo do lago e das plantas esquisitas. Ela envolveu seus braços no meu pescoço e me beijou, eu circundei sua cintura num abraço muito próximo começando a sair do chão – ela uma imagem bonita: seu beijo literalmente me deixando nas nuvens.

Voltamos para sua casa e passamos um tempo jogadas em sua cama, o tato da minha mão se perdia na textura de sua pele contra a minha, seus dedos entrelaçados ao meus, seu beijo tão cálido que despertava coisas em mim que eu nem sabia que conseguia sentir. Ela mordiscou meu lábio antes de se afastar, eu não tinha aberto os olhos ainda embriagada com seu sabor.

—Um moeda por seus pensamentos. – Ela sussurrou alisando minha bochecha com a ponta do seu nariz.

—O que? – Perguntei baixo dando de cara com suas sobrancelhas altas.

—Ruga de preocupação. – Ela falou estendendo a curva dos lábios.

—Ah, - exasperei vagamente sacudindo a cabeça – não é nada.

—Não parece ser nada.

Eu dei de ombros e coloquei meu braços em sua cintura, escorrendo a mão por sua perna a puxando para mim.

—Você não fica assustada com tudo isso? – Disse sentindo ela se aproximar e retribuir meu toque escorregando a mão por meu rosto.

—Assustada? – Perguntou um pouco surpresa e eu confirmei com um acenar de cabeça. – Com o que?

Eu parei um pouco saber como soaria tola.

—Com toda essa felicidade. – Disse sentindo minhas bochechas corarem ao falar aquilo em voz alta.

Ela riu alto e só senti o fogo em meu rosto subir, ela tinha aquela capacidade de me fazer senti boba de uma maneira extremamente carinhosa, ligeiramente constrangedora, mas terna.

—A garota de aço tem medo da felicidade?

—Eu tenho medo do que pode acontecer se algum dia isso tudo terminar. – Eu falei baixo e Lena parou de se mexer em meus braços. Olhei para sua face estática, ela engoliu a seco visivelmente abalada pelo que eu acabara de dizer.

 -Por que isso acabaria? – Ela perguntou hesitante. Eu sacudi a cabeça, também sem entender aquela minha esquisita preocupação.

—Não me dê atenção, é o peso do mundo abalando meu bom senso.

Lena tocou no símbolo em meu peito, seu polegar fez círculos no tecido, seus olhos fugiram dos meus para encarar a malha colorida.

—Então saiba que mundo não vai ficar entre a gente. – Ela disse calmamente.

—Eu sei disso – respondi num tom um tanto quanto vago.

—Mas...?

—Não tem um “mas”.

—Tem sim.

Eu suspirei antes de falar.

—Nós não temos um bom histórico de finais felizes.

Ela riu concordando.

—Eu acredito que a gente precisou viver aquilo tudo para valorizarmos o temos agora. – Ela fechou os olhos por um instante. –Kara, Quando eu estou com você, eu não penso no passado, é verdade que eu também não penso no futuro, mas é porque eu fico tão imersa em viver com você, em você, que eu só quero aproveitar o momento. – Ela parou voltando a suspirar. –Eu acredito que nós podemos ter a eternidade.

—Você realmente acredita nisso?

Ela confirmou com a cabeça.

—Sim. Eu... – seu tom estava hesitante.

—Você...?

—Eu quero ter a eternidade com você.

—Do que você está falando?

—Eu estou falando que você tem o hoje comigo sendo sua namorada, mas você pode ter o pra sempre comigo sendo sua esposa.

Eu ri nervosa.

—Você acha que o casamento vai nos trazer isso?

Ela também sorria meio sem graça.

—Não, mas tenho a mesma filosofia de Alex, eu quero o contrato e o anel para sempre poder lembrar que é para sempre, porque agora nós estamos bem, mas eventualmente vamos brigar sim por alguma coisa, vamos nos irritar e eu sei que algum momento você vai me irritar tanto que eu não vou querer ver a sua cara. – Nós duas rimos com a veracidade do fato. – Mas eu quero algo que no meio do caos me faça acalmar e me lembre porque estamos fazendo isso em primeiro lugar.

Eu procurei em seu rosto qualquer vestígio de um sorriso brincalhão mas a única coisa latente em sua expressão eram o vincos na testa e as sobrancelhas arqueadas. Eu engoli a seco sentindo minha mão suar. Ela realmente estava falando sério.

Nós nunca tínhamos falado em casamento. Lena sabia que para mim existia sim a eternidade, mas isso não aconteceria para ela, quando seus cabelos começassem a ficar grisalhos e o tempo começasse a preguear seu rosto, eu ainda não teria envelhecido um dia sequer. Nunca chegamos a comentar sobre isso porque parecia doloroso demais só de imaginar, mas agora, com tudo que ela estava falando, parecia que ela pensava nisso constantemente. Não era uma lembrança para ela, mas uma lembrança para mim, para quando o tempo desgastasse sua personalidade e sua imagem.

Eu peguei seu rosto em minha mãos olhando para cada um dos contornos de sua face, seus olhos acompanharam o desenho abstrato que tracei lhe observando.

—Nós vamos nos casar, mas eu nunca vou parar de te dar motivos para se lembrar de porquê me ama.


Caberá ao nosso amor o eterno ou o não dá
Pode ser cruel a eternidade
Caberá ao nosso amor o que há de vir
Pode ser a eternidade má
Caminho em frente pra sentir saudade


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