Janta escrita por Dark_Hina


Capítulo 23
Diego era um mastin inglês




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—Ela disse que nós tivemos um filho?

O tom de Maggie era de incredulidade, mesmo sem minha super audição era possível escutar a briga delas da entrada do andar.

Voei até a sala de J’onn, as duas estavam atrás das portas de vidro que nem mesmo com sua péssima acústica era capaz de abafar o som da discussão, Maggie gesticulava freneticamente e Alex ficava andando de um canto para o outro da sala com os braços cruzados completamente impaciente, as duas incapazes de se olharem diretamente.

Maggie sacudiu a cabeça.

—Nós não tínhamos um filho, nós tínhamos um cachorro! – Maggie esbravejou. -Sim, eu estava traindo a Kate com a Selina, mas tem muita coisa nessa história que ela não te contou... – Ela parou e engoliu a seco, revirando os olhos. – Alex, para e me escuta. – Maggie pediu, e Alex congelou no lugar se virou para ela com os olhos ainda fugindo dos seus, mas pelo menos, em seu silêncio, ela indicava que tentaria lhe dar uma chance. Maggie suspirou e com uma voz mais moderada resolveu falar. – Essa história do cachorro foi exatamente no dia que eu descobri quem a Selina era, ela foi de noite para o meu apartamento com uma mochila, ela esqueceu de fechar e estava jogada no chão do banheiro, eu fui pegar do chão e assim que segurei as coisas caíram. A máscara, a roupa, as luvas, tudo estava espalhado pelo chão do meu banheiro. Eu peguei a arma que eu sempre deixo dentro do armário do banheiro e saí pedindo que ela parasse, ela ainda estava de pijama quando pulou da cama, eu fiquei gritando várias vezes para ela parar, disse que eu ia atirar de verdade, mas ela não acreditou, quando eu disparei, ela desviou, a bala ricocheteando e acabou atingindo o cachorro. – Maggie parou por um instante e esboçou um sorriso triste, vago, como uma conjuração de uma memória distância. – Diogo, era um mastin inglês. – Disse por fim antes de suspirar. – É claro que eu amava aquele cachorro, mas não era a mesma coisa. Ela nem gostava dele! Eu fui a única que me importei com o que tinha acontecido.

Maggie piscou os olhos normalizando sua respiração, como se não acreditasse que finalmente tinha dito aquelas coisas, como se estivesse duvidando que aquilo era real. Seu olhar se perdeu das lembranças e pareceu ser violentamente trazido a realidade, encontrando a face estática de Alex, que não conseguia projetar qualquer reação.

—Isso é a verdade? – Alex perguntou com a voz quebrada.

Maggie voltou a balançar a cabeça, dessa vez positivamente.

—Eu não trai tão vagamente, ela vivia e ainda vive sob a sombra de um herói marcado. Não pensei que eu não tentei terminar com ela, não pense que foi por uma acaso que eu me envolvi com a Selina. – Maggie exalou percebendo que ela não queria dar desculpas sobre isso. – A história é bem mais simples do que parece. Quando eu menos espero eu conheço a Selina, ela entra na minha vida muito rápido, nos encontramos por acaso numa loja de café perto de uma galeria de arte, ela tinha me dito que trabalhava com essas coisas. Ela só queria se aproximar de mim para ter acesso aos dados da polícia. Deu muito certo. Sabe, o plano era perfeito, na mente da Selina eu não comentaria com ninguém sobre essa minha nova amiga e teoricamente seria pior pra mim se descobrissem que eu estava tendo um caso, mas a verdade é que eu não me importei muito e foi muito simplesmente perceber que depois que ela entrou na minha a Gata sabia sempre como estavam as investigações, quais provas nós tínhamos contra ela, nossos esquemas de segurança... – Maggie deu de ombros. – No fundo eu queria que todo mundo soubesse da minha traição pra Kate finalmente terminar comigo.

Alex balançou a cabeça.

—Por que diabos você faria isso com uma pessoa que estava disposta a construir uma vida com você?

—Ela não queria construir uma vida comigo, é isso que você não entende, ela jogou nossa vida fora por causa do Batman. O Bruce passou um tempo desaparecido, sabe? E ela enlouqueceu atrás dele. – Maggie suspirou. – Olha, primeiro foi o Bruce, depois foi o Grayson, e depois Damian e chegou a um ponto que eu percebi que o depois nunca era eu, era sempre outra pessoa envolvida com os Morcegos. Isso me desgastou, isso nos desgastou, você não faz ideia do que ela é capaz de fazer por eles, e esse sentimento não é nobre como você e sua irmã, é algo muito mais complexo e dependente, algo tóxico. – Maggie também sacudiu a cabeça. – Nós estávamos morando juntas, mas ela não dormia em casa, ela não comia comigo, ela não respondia minhas mensagens, eu era a parte inconveniente da vida dela, eu era a parte que esperava ela chegar machucada, triste e exausta e cuidava dela, e ela logo se recuperava e eu voltava praquela “geladeira emocional, como um energético sempre à disposição”. – Maggie fez as aspas com a mão e riu sem graça. – Não são minha palavras, são palavras dela, ela disse isso pra mim quando terminamos.

Ao escutar aquilo, eu gelei. Na minha cabeça tudo fazia sentido. Caminhei até a sala e abri a porta.

—Alex, Kate é o tipo de pessoa que beija outras pessoas porque o Bruce manda. – As duas pararam e me olharam sem entender o que eu estava dizendo. – Ela me puxou para um canto dizendo que ia fazer uma vistoria na área de trás, ela só queria que eu ficasse longe da Lena para que a Gata pudesse pegá-la. – Minha voz soou vaga, mas foi o suficiente para Alex engolir a seco. Minha irmã me encarou atônita. – Eu não confio na Kate, eu acho que ela consegue mentir sobre qualquer coisa e se ela é capaz de fazer uma coisa dessas porque o Bruce pediu, imagina o que ela seria capaz de fazer magoada com a Maggie e vendo você nesse estado de fragilidade?

Os vincos na testa de Alex se aprofundaram e o brilho vazio em seu olhar mudou o tom. Alex estava ligeiramente irritadiça, engoliu a seco e respirou fundo. Olhou para Maggie, ainda fugindo de seus olhos, com medo de ceder.

—Eu não quero lidar com isso agora. – Alex gesticulou um círculo com o dedo indicando ela e Maggie. –Eu não estou preparada ainda. – Ela disse caminhando para a porta da sala. – Vamos Kara, nosso trabalho ainda não terminou.

Eu concordei a com cabeça enquanto ela saia da sala e se afastava pelo corredor, Maggie olhou pra mim e deu de ombros, eu retribui o gesto.

—Eu acredito em você. – Tentei soar sincera e de alguma forma ela também acreditou em mim.

 

Segui Alex até as salas de interrogatório, ficamos atrás do vidro espelhado, na nossa frente Batman e a Mulher-Gato se encaravam, ao contrário de como se comportava comigo e qualquer outra pessoa os dois só trocavam olhares, ela não sorria, ela não piscava, sua atenção era completamente voltada para ele, acho que era coisa da minha cabeça, mas seus olhos tinham até um brilho de admiração.

Kate entrou na sala, apesar da roupa de morcego ela não estava com a máscara, tinha um café nas mãos e mexia a cabeça como se tentasse livrar os nós de tensão dos ombros.

O olhar que Alex lhe lançou era congelante, eu não sei exatamente o que eu esperava, mas não era aquilo, eu jamais esperei tanta apatia vinda da parte de Alex, e aquilo me desconcertou, escolhi seguir pelo caminho do silêncio e observar o que acontecia.

Kate se aproximou da gente e, como nós, escarava o vidro.

—Eles são tão bonitinho juntos. – Seu comentário aleatório fez os olhos de Alex revirarem. – Mas não acho que ela está suficientemente motivada a nos contar o que está acontecendo.

—O que a motivaria a falar? – Perguntei, mas Kate deu de ombros.

—Vocês não tem um carinha que... – ela apontou para testa.

— “Que...” o quê?

—Sabe? – Ela continuou apontando para a própria testa como se aquilo fizesse sentido. Quando ela viu que realmente não estávamos entendendo, foi sua vez de revirar os olhos verdes. – Que lê mentes. – Ela falou como se fosse óbvio. -Ele é como você. – Terminou de dizer fazendo um gesto com a cabeça para mim.

—Alto, loiro, olhos azuis? – Eu disse num tom jocoso, e ao contrário do que eu imaginava ela acompanhou o humor.

—Não sei se ele fica bem de saia plissada e colante azul.

—J’onn não está conosco. – Alex falou ríspida. –E ao contrário do que você pensa, aliens não são animais de estimação que fazem qualquer coisa que nós pedimos.

—Eu não acho isso de animais de estimação.

Alex revirou os olhos.

—Sim, você os considera filhos.

Kate gargalhou, alto, muito alto. E eu tive certeza que Alex iria lhe acertar com um soco na cara, eu tinha essa nítida convicção. Mas Alex, para minha total surpresa e alívio, simplesmente sacudiu a cabeça.

—Ela te contou? – Kate perguntou por fim.

Alex voltou a balançar a cabeça, só que dessa vez positivamente, confirmando a afirmação. Seus olhos estreitaram para encarar Kate e finalmente o gelo em sua expressão deu lugar aquele fulminar desconcertante, muito forte e constrangedor.

—Sério?! Você achava mesmo que ela não ia me contar que era um cachorro? – Alex perguntou com um sorriso indignado de incredulidade nos lábios, Kate parou com seus olhos brilhando, uma diversão quase psicótica estava estampada em sua face.

—Diego, ele era um mastin inglês, - ela disse quase num suspiro e correspondeu ao sorriso vago nos lábios de Alex, mas resguardando seu particular tom de cinismo naquela curva em sua boca - o pelo dele era bem preto, simplesmente lindo. – Ela disse inflando o peito com um artificial tom nostálgico, revirando os olhos na exclamação.

—Você me disse que tinham um filho.

—Que tipo de pessoa não entende que o animal de estimação que criam juntas é um filho? Nós o compramos quando ele ainda tinha poucas semanas de vida, ele cresceu com a gente, foi como passar 21 anos com a gente.

Alex voltou a sacudir a cabeça, e o sorriso que ela esboçou era cansado, conformado e um pouco triste.

—Por um minuto eu realmente achei que valia apena discutir com você, eu achei que eu teria algum tipo de satisfação pessoal em brigar contigo, em bater boca pelo simplesmente prazer de dizer algo que te humilhasse, mas a verdade é que você não tem amor próprio, não sei nem se você tem uma vida própria, depois de tudo que a gente passou hoje, depois de tudo que eu passei nas últimas semanas eu olho pra você e sinto pena, porque por mais que minha vida esteja essa confusão, ela ainda é minha, é a minha vida, com minhas escolhas, minhas decisões. – Alex suspirou. – Eu tenho certeza que você não tem isso e, para ser muito sincera, eu não sei se algum dia você vai conseguir ter, se algum dia você vai superar essa artificialidade que está impregnada em sua essência, se algum dia você vai conseguir ser algo além do seu cinismo... – Alex engoliu e seu olhar, pela primeira, vez encarou fundo nos olhos de Kate, tão forte que ela retroagiu um passo, impactada com a honestidade no encarar de Alex. – Então, nesse exato momento eu não consigo ter raiva de você, só conseguir sentir pena e desejar que algo melhor aconteça pra você, e eu sei que sentir isso é a pior coisa que eu poderia fazer contigo, porque eu só estou provando como eu sou melhor que você e como você é insignificante.

Alex exalou pesadamente e saiu da sala, eu pensei em lhe acompanhar mas travei meus passos observando a feição atônita de Kate. Alex precisava de alguns instantes sozinha para se recuperar de toda a carga emocional que despejou sobre Kate. Kate precisava de um tempo para processar como aquelas palavras a afetaram tanto. E eu precisava não fazer absolutamente nada em relação as duas.

Voltei a mirar o vidro espelhado, Batman e Mulher-Gato continuavam sentados, como se estivessem petrificados de frente para o outro, se entreolhando eternamente, brincando um jogo de xadrez mental que não teria ganhador. Não sabia exatamente o motivo, mas me parecia que o morcego estava cativo às garras da felina.


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