Janta escrita por Dark_Hina


Capítulo 10
Sobre a noite, o seu olhar e meus lábios




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A noite caiu acompanhada de um chuva torrencial. Tentei ao máximo chegar inteira, mas ainda tive que girar extremamente rápido para poder me secar, isso foi numa viela paralela ao prédio de Lena, perto de um restaurante chinês que cheirava a óleo. Simplesmente ótimo.

Andei pela galeria de lojas na avenida principal, o tempo já era uma garoa branda e quando cheguei na portaria não demorou dois minutos para que liberassem minha entrada. Eu me sentia extremamente desconfortável andando por aqueles corredores sem ela, entrando naquele elevador sozinha.

Vi meu reflexo no espelho e me perguntei o que diabos estava fazendo por lá, todos os meus pensamentos me causavam súbitos surtos de pânicos. Se eu pensava nela, tinha aquela sensação estranha no meu estômago, um frio na barriga meio agoniado pela ansiedade. Se eu pensava em qualquer outra coisa me lembrava da situação deplorável com Alex e com o DEO.

Expirei pesado quando o elevador abriu naquele hall branco. O reflexo no espelho vitoriano me julgou com uma expressão tensa. Se aquilo era realmente eu, eu estava com uma cara péssima. Dei dois passos e a porta abriu, Consuelo me recepcionou com um sorriso cordial e pediu para que eu entrasse, me encaminhou para o quarto de Lena no extremo da casa. Ela queria me acompanhar, mas eu pedi para ir sozinha. Por que sozinha? Pensei faltando um passo para a porta. Hesitante, dei suaves batidas na porta.

—Pode entrar! – Ela gritou do outro lado.

Abri a porta com cautela, espreitei meu olhar por uma pequena brechinha e não a vi da cama, abri um pouco mais a porta e percebi que seu closet estava aberto.

—Kara? – Ela deu outro grito.

—Oi, oi! – Falei rápido finalmente entrando. O quarto estava mais frio do que o resto da casa, senti meu pelos arrepiarem da base da espinha até a nuca. Era uma má regulagem na climatização do ambiente ou meu nervosismo? –Eu não tinha percebido que você estava aí. – Falei rápido, num sobressalto, fechando a porta atrás de mim e indo até o closet.

—Que dia, hein? – Ela perguntou com um tom leve e quase induzindo-o a uma risada. – Você conseguiu escrever sua matéria?

—Minha matéria? – Repeti a pergunta tentando me lembrar o que Alex havia dito para ela. Demorou uma fração de segundos. – Sim, minha matéria. Eu quase não consegui escrever nada, Alex mandou eu fazer a cobertura mas a namorada dela simplesmente me fechou. As duas ficaram rindo de mim quando eu percebi que não teria nenhum depoimento.

Toda a tensão que eu estava sentindo era completamente unilateral, a voz de Lena soava leve, descontraída, amena. Nenhum pouco parecida com o meu estado.

—Ah, eu sinto muito. – Eu adentrei no closet em passos lentos, a porta estava entreaberta e imaginei que ela estivesse realmente por lá.

—Eu quem deveria dizer sinto muito, vi que seu prédio foi quase todo destruído. – Falei cautelosa, sondando para saber se ela estava ciente da gravidade do ocorrido mais cedo.

—Remodelar dois andares, trocar os pisos, fechar uma cratera na parede... Vamos fingir que foi como o cano que estourou no ano passado. – Ela riu com a ironia. -Pelo menos eles já liberaram para os técnicos analisarem os dados, não só meu sistema mas também meus laboratórios foram invadidos.

—Isso é sua declaração oficial? – Perguntei num tom de uma piada interna.

—Não, isso é boato. – Ela falou finalmente saindo de dentro dos cabides de roupas. –Você não ouviu absolutamente nada de mim.

Ela estava deslumbrante de uma maneira completamente diferente do comum. Normalmente a Lena era estonteante em suas roupas executivas, mas essa era a primeira vez que eu a via propriamente em uma roupa de gala, o que ela estava usando não era só mais um vestido formal como o das outras festas, era um vestido longo e vermelho estilo sereia, com um generoso decote em “vê” e um pequeno broche de brilhantes na altura do busto, tão delicado que parecia flutuar sobre o tecido, o pano era opaco e leve, aderia a suas curvas tornando seu corpo o contorno de uma silhueta desenhada em sombras, com cintura fina e quadris harmoniosos.

Eu senti minha boca secar.

—Então, o que você achou? – Ela perguntou dando mais alguns passos à frente, parando entre o espelho e eu. Seu olhar estava focado em seu próprio reflexo, o que foi um alívio, assim ela não percebeu minha cara abobalhada.

—Simplesmente belo.

—De verdade? – Ela perguntou com um sorriso aliviado. Mas logo depois sacudiu a cabeça ainda se encarando no espelho. –Eu não sei.

Estávamos entrando naquele familiar silêncio quando duas batidas na porta tiraram nossa concentração. Por que sempre batidas na porta?

—Senhoria Luthor, o sorvete que a senhora pediu. – Consuelo gritou do outro lado da porta.

—Kara, você se importa de pegar? Eu pedi pra ela trazer quando você subisse.

—Não precisava. – Saí de lá antes que ela pudesse me ver corar. Abrir a porta e Consuelo estendeu uma bandeja de prata com uma taça de cristal cheia de sorvete de morango. Não bastava o nervosismo solo da situação, eu ainda tinha que me preocupar em não quebrar as coisas dela. Exasperei forçando um sorriso agradecido, mas eu tinha total ciência que a única cara que eu estava fazendo era de vergonha exacerbada. Fechei a porta atrás de mim, me permitindo tomar uma generosa colherada daquela ambrosia.

Voltei para o closet e ela continuava se encarando no espelho, sua feição não era nenhum pouco satisfeita.

—Você não vai querer sorvete? – Perguntei tentando desconcentrá-la daquela roupa que lhe caia divinamente, apesar de sua implicância.

—Sabia que eu só comi esse de morango uma vez? Eu nunca provei de novo.

—Por quê? Ele é muito bom, melhor do que aquele seu amargo de chocolate.

—Não sei, eu sempre preferi chocolate, eu acho que nem me lembro direito o sabor desse.

—Não? Pois deveria se lembrar muito bem. – Eu peguei uma grande colherada de sorvete, bem diferente daquelas desgostosas medidas que ela era acostumada a tomar e me aproximei dela. –Vem cá. – Disse levando a colher a sua boca. Ela sorriu sem graça, mas mesmo assim deixou que eu colocasse em sua boca, melei o canto de seus lábios borrando parte do batom carmim. –Espera. – Ela estava com boca cheia, sem conseguir contestar qualquer coisa que eu dissesse. Deixei a colher na taça e mesmo com meus dedos ligeiramente molhados pelo gelo do sorvete, passei meu dedo no canto de sua boca, corrigindo a linha do batom e enxugando parte da bagunça que fiz. O seu olhar mudou e eu senti uma espécie de choque, meu tato acariciando seu rosto. Eu a soltei no mesmo instante, abruptamente. – Eu sou muito desastradas, desculpa. Melei sua roupa?

Ela sacudiu a cabeça ainda com a boca cheia. Ela levou a mão a boca cobrindo os lábios para poder falar.

—É muito bom mesmo. – Ela admitiu. Eu ri vitoriosa, deixando essa sensação ultrapassar a vergonha e a confusão.

Eu dei dois passos para trás e olhe encarei maravilhada, ela me olhava de volta e aquilo conseguia acalmar um pouco meu coração, entre nós duas as coisas eram simples e fáceis e tudo parecia simplesmente perfeito. Talvez fosse nossa sintonia, ou mesmo nossa falta de interesse em pensar em qualquer outra coisa que não fosse a gente quando estávamos juntas, ou talvez isso tudo não fizesse diferença alguma, porque era simplesmente bom estar perto dela e no fim era o que realmente importava.

—Então, – falei suspirando, com a taça e sorvete na mão, ela ainda se olhava impaciente no espelho – o que tem de errado com esse vestido?

—Não sei, só não gostei dele. – Ela se aproximou de costas para mim. –Pode poderia abrir, por favor?

—Espera – falei deixando a taça em sua bancada e voltando em passos largos para o closet, enxuguei a condensação na calça de linho quadriculada que eu vestia. – Minhas mãos ainda estão geladas. – Falei já tocando no pano vermelho, abrindo primeiro o colchete e em seguida descendo o zíper, descuidadamente minha mão encostou na pele nua de suas costas, ela se sobressaltou ao toque, sua pele instantaneamente arrepiou. –Tudo bem? Deu um daqueles beliscões?

—Não, – sua voz soou vaga - só sua mão que está muito gelada.

Eu terminei de descer o zíper até o final de suas costas, nossos olhares se encontraram no reflexo do espelho, eu percebi a expressão em seu rosto, sua boca estava entreaberta e seu olhos nublados com algum espanto. Ela também sentiu aquele choque, aquela faísca.

Eu não sabia se ainda segurava o zíper e o tecido em minhas mãos, fiquei completamente desconcertada com sua expressão, então deixei minha mão pousar em sua pele, sustentando o pano fragilmente.

—Ka-kara? – Ela gaguejou sem jeito.

Eu engoli a seco abaixando meu olhar e foi nesse momento que aconteceu.

Ela se virou bruscamente, suas mãos avançaram sobre mim, uma foi direto para o meu pescoço subindo por minha nuca e a outra para a minha cintura, seu vestido caiu no chão entre nós duas, seu corpo seminu se colou ao meu e antes que eu pudesse perceber havia uma parede atrás de mim, sustentando nós duas, seus lábios avançaram contra os meus e dessa vez não teve escapatória, não teve hesitação. Seu beijo foi urgente. Senti sua face, ela até se debateu contra meus óculos e seu corpo me prensou, foi ele quem me sustentou em pé quando meu joelho fraquejaram, eu estava completamente arrebatada pelo momento. De alguma maneira estávamos perto da soleira e quase caíamos no vão entreaberto. Foi voraz e avassalador.

Nós paramos por um instante porque precisávamos respirar, estávamos ofegantes, nossos corações batiam forte, pulsavam dolorosamente rápido pela adrenalina do momento. Ela se desprendeu do meu corpo e saiu pela porta do closet, sua silhueta branca, seminua e esguia cruzou o quarto, só consegui observar os contornos de suas nádegas se chocando contra a calcinha de renda branca, ela se sentou na cama meio desolada, abraçada as pernas.

Eu estava quente, na verdade pegando fogo. A olhei de novo pelo vão da porta. Nossos olhares se encontraram. Eu andei sem jeito até ela. Eu ainda estava embriagada por seu sabor. Novamente ela apresentava aquela feição completamente vulnerável em seu rosto. Ela tinha os olhos bem abertos, acompanhando cada um dos meus movimentos.

Fiquei frente a ela, segurei seu rosto e lhe beijei novamente, ela me puxou para cama e caímos de mal jeito em seus travesseiros. Suas mãos começaram a me despir senti seu tato em minha cintura por baixo da blusa avançando sobre o abdômen, seu hálito quente contra meu pescoço, subindo por meu queixo até que sua mão segurou o outro lado da minha face.

Senti seus dedos se infiltrando por entre as aspas dos óculos, foi nesse momento que meus olhos abriram, despertos e assustados. Foi como acordar de um daqueles sonhos em que caímos em direção a um abismo. Senti todo o meu corpo tencionar. Ela ainda me beijava intensamente, seu olhos fechados, sua boca entregue. Ela só percebeu minha nulidade quando segurei sua mão para que não movesse os óculos mais um milímetro sequer.

Do mesmo jeito que, eu ela parecia desperta de um transe, mas, ao contrário da minha reação inexpressiva, sua face esboçou um verdadeiro espanto, uma confusão genuína, depois veio em seus olhos aquele brilho magoado que me quebrou por dentro, estava nítido em sua face que ela não entendia porque eu não mais lhe retribuía o beijo. A parte curiosa é que eu também não entendia.


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