Entremeios escrita por DrixySB


Capítulo 2
O som ao redor


Notas iniciais do capítulo

Ainda se sentindo um estranho no ninho, Will tenta compreender o que acontece ao seu redor.

Os eventos do capítulo a seguir ocorrem antes daquela conversa do capítulo anterior.



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Will podia ter passado quatorze anos em outro planeta. Mas não nascera ontem e nem havia se esquecido de como agiam os seres humanos. Seus trejeitos, trocas de olhares e a mania de querer se expressar através de palavras não ditas... Os meses que passou ao lado de Jemma em Maveth tiveram um papel fundamental em fazê-lo recordar como funcionava a interação com outros seres humanos.

Ele quase havia se esquecido, depois de tanto tempo sozinho...

O jeito irônico com que ela falava com ele a princípio. O brilho em seu olhar quando ela ainda tinha esperança de que seu plano de retornar fosse um sucesso. O revirar de olhos quando estava frustrada ou queria evitar uma discussão com ele. O semblante melancólico quando a crença em voltar para a Terra havia lhe abandonado.

E mesmo depois que ambos encontraram conforto nos braços um do outro, Jemma ainda tinha seus momentos de profundo silêncio e quietude, nos quais, imersa em seu próprio universo particular, parecia refletir sobre sua vida. A vida de outrora, a vida de agora. Ela não precisava alertá-lo para que não a incomodasse. Ele sabia que aquele era um momento que deveria ser respeitado.

Por vezes, banhados pelo brilho incandescente da fogueira que ele acendia na caverna, Will espreitava os olhos da garota que agora partilhava de seu desafortunado destino. Ela procurava sorrir e o olhava de maneira intensa e penetrante. Como se buscasse algo nele. Algo que ele não podia ofertar. Ela o encarava, procurando outra pessoa... Alguém que ele não era. Que ele jamais poderia ser.

Mas ela tentava omitir esse sentimento de si mesma. Sabendo que sofreria menos se esquecesse de quem um dia foi, da vida que um dia teve, das pessoas que um dia amou.

Quando Jemma finalmente foi salva e ele ficou para trás –  tentando distrair a criatura milenar e aterradora que há quatorze anos o caçava naquele planeta a fim de que ela pudesse atravessar o portal de volta para casa, em segurança – Will pensou que morreria. Nenhuma das duas opções lhe parecia muito ruim: tentar voltar para casa ao lado de Jemma, ou ficar e morrer. A segunda foi a escolha que ele fez. No entanto, quando o sol raiou após 18 anos ocultando seu brilho, o fulgor do astro pareceu afugentar a criatura. Era como se ela houvesse sido pega de surpresa. Will não poderia negar que todo aquele brilho o deixou desnorteado a princípio. Ele e Jemma fizeram tantos planos para quando o sol surgisse e irradiasse intensamente a sua luz – ainda que durasse poucos segundos – que sequer passou pela sua cabeça que a falta de costume diante de toda aquela claridade, arderia seus olhos. Mas passou. A criatura havia desaparecido novamente e Will viu a luz do sol se esvair, dando lugar a uma profunda escuridão com a qual teria de conviver pelos próximos 18 anos. Ou enquanto permanecesse vivo.

O pensamento o fez sentir como se o coração fosse se afundar no peito.

Ele estava novamente sozinho e no escuro. E Jemma havia ido embora. Estar morto parecia a mais razoável das alternativas naquele momento.

Enquanto trilhava seu caminho de volta para a caverna, um pensamento obtuso perpassou sua mente: o de que Jemma Simmons poderia ser apenas fruto de sua imaginação. Alguém que sua mente havia criado para livrá-lo da solidão. Talvez ela não existisse. O pensamento o perturbou por dias e noites que agora ele passava sozinho, até se convencer de que ele não poderia ter inventado uma pessoa como ela.

Jemma simplesmente passou por ali e se foi. De volta para o lugar ao qual pertencia. E muito provavelmente, jamais voltaria. Ela iria retomar sua vida, esquecer de todo o miserável tempo que havia vivido em Maveth, ser feliz ao lado de seus amigos e do homem que ela amava e que, por certo, era o mesmo que a salvara.

Will respirou fundo e se permitiu sorrir contidamente. Jemma existia. Não fora um fruto da sua imaginação. Expirando todo o ar para fora de seus pulmões, o astronauta se deu conta de que a mente humana é o lugar mais assustador para se viver. Mais aterrador do que Maveth. Ou mesmo a própria Terra.

*

De volta ao terceiro planeta do Sistema Solar, o desafio era tentar se acostumar com um ambiente que lhe parecia quase desconhecido. Seu planeta natal estava muito diferente daquele em que um dia viveu e conheceu. Tudo havia mudado.

As pessoas, no entanto, continuavam de difícil compreensão. Como sempre foram. Como ele se lembrava.

Alguns presentes naquela base o encaravam com curiosidade, como se fosse um fenômeno que precisava ser estudado... Este era o caso de Coulson. Outros demonstravam profunda pena, como Mack. Alguns se sentiam desconfortáveis na sua presença, mas tentavam disfarçar, como Lincoln. Havia aqueles que procuravam sorrir para ele, mas não tinham certeza se deveriam se aproximar ou apenas deixá-lo em paz, caso de Bobbi e Daisy. Ainda tinha aqueles que ignoravam sua existência, como May. Para outros tantos agentes, ele era um simples intruso. E Lance Hunter o odiava.

O que se passava pela cabeça do mercenário para o odiar tanto, ele não poderia responder. E também não gostaria de saber.

Nos primeiros dias, Will foi mantido no módulo de contenção, posteriormente transferido para a enfermaria e, agora, finalmente tinha um quarto. "Por pouco tempo", pensava consigo. Não era sua intenção permanecer na SHIELD. Aquele não era o seu lugar.

Os pesadelos continuaram lhe atormentando nas semanas iniciais de sua recuperação. Desde que fora para Maveth, jamais tivera uma noite de sono tranquila em quatorze anos, mesmo depois do súbito aparecimento de Jemma. Ter a sensação de estar sendo constantemente caçado evita que se consiga relaxar totalmente. A angústia e a ansiedade lhe acompanhavam em tempo integral. Portanto, era frustrante que, de volta à Terra, ele ainda não soubesse o que era dormir bem.

Quando os pesadelos lhe perturbavam tanto a ponto de o terror ser maior do que o sono e a vontade de descansar, ele se levantava e dava passeios incertos e modorrentos pela base. Will nunca sabia que horas eram. E não estava preocupado com isso. Durante todo o tempo em que esteve em Maveth, se desacostumara a contar as horas. Não sabia mais qual era a função de um relógio. Então seus passeios aconteciam em turnos variados. Ora pela manhã, ora pela noite. Ás vezes pela madrugada, quando os corredores estavam vazios... Ele preferia assim, sem ninguém lhe observando.

Will desejava ser invisível certas vezes. Era irritante ser observado aonde quer que fosse. No entanto, ele não podia evitar observar Jemma em alguns momentos.

Em seus passeios inconstantes pelo playground, se deparava com a bioquímica e a contemplava a interagir com seus amigos, aparentando estar mais saudável, sendo a Simmons que, provavelmente, costumava ser antes de ser tragada pelo monolito. Era bom vê-la rindo com os demais. Era uma faceta sua que ainda não conhecia. Ele já tinha vislumbrado sua alegria e entusiasmo. Mas nunca rodeada pelas pessoas que considerava sua segunda família, nunca tomada por aquela leveza, liberta do terror de estar perdida, de ser perseguida ou de estar totalmente desprovida de esperanças.

Ele fazia o possível para que ela não o visse; esquivando-se, apenas ficando de espreita, apreciando seu modo de interagir com seus colegas e amigos. Teve uma ocasião em que ela o viu enquanto conversava na sala comunal com Bobbi, Daisy, Mack e Hunter. Sorriu para ele e perguntou como estava se sentindo. Quando Will respondeu que precisava apenas caminhar um pouco, ela se ofereceu para acompanhá-lo em um tour pela base. Hunter fez uma careta quando eles deixaram o recinto e foi imediatamente repreendido por Bobbi Morse.

O astronauta reparou que Jemma sorria mais na presença de Daisy ou Bobbi. E certamente havia um brilho diferente em seu olhar quando estava com Fitz. Mas, surpreendentemente, o engenheiro quase nunca estava em algum lugar à vista. Parecia recluso, como se não quisesse ser encontrado ou perturbado. Houve algumas raras vezes em que ele os viu juntos. E, nas duas, foi pego desprevenido, não sabendo como reagir ao se deparar com aquelas cenas.

A primeira vez que os viu lado a lado foi no laboratório. Ele seguia com seu caminhar vacilante pelo corredor quando deteve seus passos ao avistá-los. Ambos trajavam seus jalecos e estavam debruçados sobre algum objeto de estudo, parecendo extremamente compenetrados no que quer que estivesse diante deles. Will se lembrou de Jemma dizendo qualquer coisa sobre a fisiologia de inumanos, o que ele não entendeu direito. Ambos estavam muito próximos e, em certos momentos, tornavam seus rostos na direção um do outro e faziam comentários acerca de sua pesquisa. Will não conseguia ouvir muito bem, dada a distância em que estava do casal. Contudo, bastava observá-los...

O que Jemma costumava dizer sobre eles serem inseparáveis, parte de um mesmo todo, praticamente um só... Parecia se confirmar diante de seus olhos. Eles eram tão parecidos e tão conectados...

— Hey! Lindo casal, não é?

A voz de Hunter o sobressaltou, o tirando subitamente de seus devaneios. O mercenário parou ao seu lado, com um sorriso cínico estampado no rosto, olhando na direção de Fitz e Simmons.

— Quer dizer, consegue imaginar um sem o outro? Ah, não mesmo. Eles são tão grudados – Hunter falava sem parar, gesticulando exageradamente e com um timbre de voz histriônico – que nós aqui na base os apelidamos de etiquetas adesivas apaixonadas. Você tá ligado... Etiquetas? São rótulos com uma cola poderosa que...

— Eu sei o que são etiquetas. Eu estive preso em Maveth desde 2001. Não desde a pré-história – Will o interrompeu bruscamente, lançando um olhar colérico ao mercenário.

— Bem, como eu ia dizendo – Hunter prosseguiu como se não houvesse sido cortado – eles são duas metades e sabe o que acontece quando duas metades se encontram, certo? Elas formam um todo e... Oh, me desculpe – Hunter levou a mão ao peito, simulando estar profundamente arrependido de ter iniciado aquele colóquio – eu vivo esquecendo, sabe... Não dê atenção ao que eu disse, okay?

Will respirou fundo, contando até dez mentalmente, nada surpreso com toda a insolência e descaramento do sujeito.

— Já terminou? – o astronauta perguntou, procurando se conter.

— Já. Na verdade, eu tenho coisas mais importantes para tratar. Até mais! – com aquele último comentário transpassado de ironia, Hunter se afastou.

Will tinha absoluta certeza de que coisas mais importantes referiam-se a um engradado de cerveja ou a perturbar seus demais colegas. Parecia ser essa a sua função dentro da base, quando não estava em missão.

Ele tornou a olhar para Fitz e Simmons que pareciam ter concluído aquela etapa de sua pesquisa, visto que Fitz estava se desfazendo de seu jaleco. Jemma agora mordia os lábios, parecendo hesitante, enquanto observava Fitz de costas. Ela se aproximou e tocou seu ombro. Não era necessário ser um expert em leitura labial para perceber que ela chamara o nome do engenheiro. A sua palavra favorita. Ele virou-se na direção dela e, aparentemente, Jemma tentou iniciar uma conversa sobre algum tópico pessoal com ele. Mas Fitz prontamente renunciou à tentativa, balançando a cabeça negativamente, como se dissesse que não era a melhor hora para falar sobre aquilo. Ele se afastou, mas Jemma o puxou novamente pela mão. Ele se limitou a suspirar e a cerrar os olhos por um momento enquanto Jemma lhe lançava um olhar súplice. Fitz apenas meneou a cabeça em negativa novamente e disse algo que soou como por favor, Jemma, de modo que ela parasse de insistir. A bioquímica soltou sua mão, ainda que com certa relutância. Fitz, por fim, se afastou, deixando Jemma para trás, cabisbaixa, visivelmente triste e inconformada.

*

Em outra ocasião, Will perdera o sono de madrugada, novamente atormentado por pesadelos aterradores e que pareciam reais. Ao caminhar pela base em busca de uma janela, a fim de se sentir menos enclausurado – aquele ambiente claustrofóbico não estava lhe ajudando a superar o trauma decorrente do tempo em que permaneceu em Maveth – interrompeu abruptamente seus passos ao se deparar com Fitz e Simmons no final de um dos raros corredores da base que terminava em uma janela. Escondeu-se imediatamente atrás de uma grossa pilastra. Não queria atrapalhá-los. Seu primeiro impulso foi dar meia-volta e retornar ao seu quarto, mas foi inevitável ouvir.

— Nós já adiamos essa conversa por tempo demais – o timbre doce da voz de Jemma adentrou seus ouvidos – Lembra-se da última vez em que estivemos aqui... Lembra-se... Do que eu te falei? Sobre a gravação... Em que eu falava de Perthshire.

— Eu me lembro, Jemma. E como naquele dia, ainda acho que não é o momento...

— E quando vai ser?

Eles conversavam praticamente aos sussurros. Audíveis, no entanto, devido ao silêncio sepulcral em que se encontrava o restante da base.

— Eu não sei. Mas não é agora... É errado...

— Por que seria? – ela tornou enérgica.

— Jemma, não torne isso mais difícil do que já é.

— É você quem está fazendo isso!

— Não. Eu só não acho correto – ele suspirou longamente – você tem uma história... Ainda não concluída.

— Ah, não! Isso de novo, não. Eu já disse que ele entende...

— É diferente agora que ele está aqui.

— Eu ainda não compreendi qual é o seu objetivo com tudo isso...

— Já te disse. Não quero que escolha unicamente por achar que me deve alguma coisa.

— Pare de repetir isso, Fitz – agora ela estava irritada – você está completamente enganado se acha que quero isso por pura gratidão.

Eles ficaram em silêncio. Durante esse tempo, Will arriscou uma olhada de esguelha, ainda escondido atrás da estrutura de concreto. Ela havia se aproximado do engenheiro, tocado sua mão e então, tornou o corpo em sua direção.

— Olhe para mim.

Ele fez como ela pediu.

— Acha mesmo que aquela noite foi apenas gratidão?

Fitz pareceu vacilar por um segundo.

— Não... Aquilo foi inconsequência. Não estávamos em nosso juízo normal...

— Independente disso – seus rostos estavam extremamente próximos – era algo que eu realmente desejava. Mas parece que não foi recíproco... – ela baixou a cabeça, entristecida.

— Hey – a outra mão de Fitz foi parar no queixo dela, erguendo seu rosto – você, melhor do que ninguém, sabe o que eu sinto... Mas nosso timing continua péssimo. Parece uma piada cruel do destino. É sempre a hora errada, o lugar errado para um sentimento certo. Somos mesmo...

— Se falar de novo que somos amaldiçoados, eu não respondo por mim – Jemma foi enfática.

— Isso sempre acontece com a gente. Às vezes, quase me conformo com a ideia de que nunca vamos ficar juntos... – ele devolveu com certa irritação.

— Não tem nada a ver com cosmos ou destino, Fitz – ela tornou, contrariada – isso é uma questão de querer. É o que eu quero. Não é o que você quer?

— Não é o momento, Jemma. E você sabe disso – Fitz tentou novamente – não quero que, no futuro, se culpe por ter deixado algo mal resolvido. Precisa ter certeza.

— Mas eu tenho... – disse, resoluta.

— Eu não estou convencido disso.

Com aquela última e determinante sentença, Fitz se afastou. Will recostou-se novamente na pilastra, torcendo para que a escuridão do local contribuísse com ele. Fitz virou o corredor na direção oposta em que o astronauta se encontrava e ele pode respirar aliviado. Olhou uma última vez para Jemma, a silhueta da bioquímica recortada contra a janela que permitia a entrada dos primeiros raios de sol na base. Will se lembrou do dia em que eles ansiaram por ver o sol nascer em Maveth... Do dia em que Fitz a salvou. Parecia algo tão distante... Agora, a luz do sol era trivial. Jemma pouco se importava com ela. Estava com o rosto afundado entre as mãos.

Ele a conhecera o suficiente (e já havia lhe visto triste por tempo suficiente no outro planeta) para desejar que ela, enfim, pudesse ser feliz. Ele gostaria de fazer algo para ajudá-la. Para vê-la sorrir em plenitude. Realizada. Completa. Mas não sabia exatamente como fazer isso.


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Notas finais do capítulo

No próximo: uma conversa entre Daisy e Jemma e o que realmente aconteceu entre Fitz e Simmons naquela "noite" mencionada neste capítulo ;)



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