— Tudo aconteceu em uma quinta feira à noite, véspera de feriado, há dois anos atrás, me lembro como se fosse hoje, tinha saído do trabalho e ido para minha aula de ballet, já havia dois anos que nossos pais tinham falecido. Me lembro de estar muito contente aquela noite, porque minha instrutora, a Sue, tinha me dado uma ótima notícia, eu participaria de uma apresentação onde seria a protagonista e com certeza teria olheiros na plateia. Sabe Edward, nunca tivemos muito dinheiro, mas meus pais sempre se esforçaram para pagar minhas aulas, e depois da morte deles achei que não conseguiria mais fazer ballet, pois teria que trabalhar, cuidar da Alice, da casa, enfim, as responsabilidades caíram todas sobre mim. Decidi então trancar o curso, tive uma conversa bem sincera com a Sue e ela ficou inconformada com minha desistência, expliquei que teria que trabalhar e que as dívidas que tínhamos eram bem altas, mas ela não aceitou, me disse que sempre fui boa aluna, na verdade uma das melhores e eu tinha um futuro promissor que eu ia ser uma perda inestimável, percebi que ela ficou comovida com minha história. Ela conseguiu me encaixar num programa de bolsa de estudo que a escola oferecia para alunos de baixa renda, fiquei em êxtase pela oportunidade, pois poderia conciliar minha nova rotina com as aulas, mas logo desanimei, afinal, mesmo tendo essas aulas, jamais conseguiria realizar meu sonho de me tornar bailarina profissional, meu rendimento cairia com menos horas de treino. Logo no início após meus pais terem morrido, acabei desperdiçando uma oportunidade, quando uma equipe profissional de ballet fez uma audição, como eu ainda estava me adaptando ao emprego novo, não pude participar, pois tive que fazer horas extras, me senti muito mal na época, mas nunca desisti. Mas Sue me disse que além desses olheiros que viriam ver nossa apresentação, em algumas semanas teria também uma audição da maior equipe de ballet do Brasil, que estavam procurando novos talentos e que eu teria grandes chances, eu poderia treinar durante a noite e todos os fins de semana para me aprimorar, estava extremamente animada, se eu conseguisse ser aceita eu ganharia uma ajuda de custo que me permitiria viver confortavelmente com a Alice sem me preocupar em ter outro trabalho.

Eu estava perdida em pensamentos os olhos cheios de lágrimas, relembrando como tudo aquilo teria sido perfeito, um futuro brilhante pela frente era o que o destino me reservava, mas ironicamente tive pouco tempo para me alegrar. Voltei a mim e continuei a história.

— Então, estava com o som alto no carro tocando “Teto de vidro” da Pitty e eu cantava junto a plenos pulmões. Após o acidente dos meus pais, aquele era um dos dias mais felizes da minha vida, estava fazendo vários planos. Estava tão feliz, que dirigia no modo automático, mas mesmo assim estava atenta aos sinais de trânsito, estava saindo do centro da cidade ultrapassando um cruzamento, o farol estava verde para mim, mas de repente do nada um carro em alta velocidade atravessou o farol vermelho da outra via, só tive tempo de ver que era um conversível azul e tentar desviar para que não me atingisse em cheio, freei bruscamente virando o volante, mas nessa hora perdi o controle, meu carro girou na pista que estava um pouco molhada devido a uma garoa que estava caindo naquela noite, inclusive pensando friamente agora, é curioso aquela pessoa estar com a capota do carro aberta na garoa. - ri sem humor e continuei.

— O carro girou algumas vezes na pista e acabei batendo em um poste, por sorte não estava em alta velocidade e estava com o cinto de segurança, mas mesmo assim o impacto da batida me fez desmaiar. Não sei se foram minutos ou horas que se passaram, a próxima coisa que me lembro foi de acordar atordoada numa cama de hospital, somente após alguns segundos que tudo voltou a minha mente e me lembrei do que tinha acontecido. Nessa hora tentei me mexer e percebi que não conseguia mover as pernas, entrei em desespero e comecei a gritar. Algumas enfermeiras entraram com o médico e Alice atrás com os olhos vermelhos de lágrimas. Foi um pesadelo.  Após alguns testes o médico me confirmou que eu tinha perdido os movimentos das pernas, coisa que ele já suspeitava pelos exames que tinham realizado antes, que a batida causou uma lesão na minha coluna, e que não podiam fazer nada quanto a isso. Foi aberto um inquérito sobre o acidente, pois pelo que a polícia me falou, testemunhas disseram que o conversível foi embora e não parou para ajudar.

Terminei de contar em meio a lágrimas que não paravam enquanto eu revivia aqueles momentos terríveis na minha mente.

— É engraçado Edward, que tinha câmera nesta avenida, mas na filmagem não aparece a placa do carro... Dois anos se passaram e até agora ninguém achou o responsável pelo acidente. Pra mim foi algum playboy que comprou a polícia para abafar o caso - Disse Alice revoltada.

— Basicamente foi isso, depois desse dia minha vida promissora, meu sonho de ser bailarina acabou completamente, tudo que eu conhecia até então se foi, nada mais foi igual, tive que aprender a fazer tudo em uma cadeira de rodas, tive que aguentar muito preconceito, a Alice teve que se tornar responsável pela casa e por mim, que por diversas vezes não conseguia fazer as coisas sozinhas, sofremos juntas, choramos, nos desesperamos, mas deus nos deu forças para seguir em frente, e por isso Edward, quando você chegou até mim, me deu atenção, fez com que eu me sentisse quase normal outra vez, me fez ver como o mundo poderia ser lindo, como era fácil ser feliz, eu fiquei com medo de perder tudo isso novamente, e eu te peço perdão por indiretamente ter te usado para sentir um pouco de alegria novamente, eu nem sabia mais o que era me sentir assim, ansiosa para ver e falar com alguém, como era beijar alguém, após o acidente, com minha vida acabada, me anulei completamente, e fugi de relações com outras pessoas, preferi evitar muito contato, mas com você, foi impossível resistir a essa atração, me senti viva novamente. Me perdoa Edward. - Disse chorando mais ainda e abaixando meus olhos, só esperando o momento em que ele fosse sair por essa porta e me fazer voltar para aquele mundo de escuridão que ele tinha me tirado nesses últimos dias.

 Alguns minutos se passaram, eu pude ver o Edward aparentemente em estado de choque, imagino que analisando tudo que eu tinha dito, não sabia o que esperar da sua reação, pensei por um momento que mesmo não querendo nada comigo, ele fosse me consolar e dizer que tudo ficaria bem, mas que não ficaria comigo porque o enganei. Mas sua reação foi ainda mais surpreendente.

 Ele levantou os olhos, me olhou com um olhar atormentado, passou a mão pelos cabelos, respirou fundo como se fosse falar algo, mas só o que saiu foi:

— Bella, eu...eu.. - Gaguejou, fez uma cara de desesperado e simplesmente foi embora.

 Abri a boca chocada olhando em direção a porta e voltei meus olhos para Alice, que me olhava tão atordoada como eu estava. Nessa hora eu soube, era o fim, comecei a chorar copiosamente novamente enquanto Alice vinha até mim e me abraçava chorando junto comigo.