Lucca escrita por littlefatpanda


Capítulo 35
XXXIV. Zuiverheid


Notas iniciais do capítulo

Zuiverheid = pureza.

Este é o último capítulo da triplicata, mas prometo que não vou demorar tanto assim para retornar! Hahahhaa.

Se preparem para um pouco da família Walker, que amo tanto ♥

Boa leitura!



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Dezembro

Kellan, Nathan e Olivia estavam na cafeteria do hospital, discutindo os casos médicos e, vez ou outra, jogando conversa fora. Tinham algum tempo para o almoço antes de serem obrigados a se arrastarem pelo hospital em pleno feriado. 

— Quem é Lucca? — questionou Olivia, em algum momento, visto que aquele nome era mencionado vezes o suficiente para atiçar sua curiosidade. — O que ele é seu? 

Nathan arqueia as sobrancelhas, relanceando Kellan com uma troca de conversa de amigos ao sorrirem um para o outro. Olivia e seu jeito intrometido, curioso e bonitinho de ser. Ponderava qual das três qualidades mais a definia. 

— Lucca foi encontrado quase dois anos atrás sem família — resumiu, para não entrar em detalhes —, e nós o acolhemos. — Levou uma batata frita à boca. 

— Nós quem? — questionou, os olhos curiosos. Kellan riu. 

— Minha família — contou, mastigando. — Ele fica com os meus pais em Cherubfield. 

— Nossa — sussurrou ela, encantada. — Que atitude bonita! 

Nathan franziu o cenho, pensativo. — Não tanto — murmurou, consigo mesmo, antes de se deparar com os olhos dela: — Não estávamos fazendo uma boa ação, como caridade — explicou, sério. — Estávamos trazendo-o para casa — falou, com carinho. — O lugar do Lucca é com a gente, e acho que soubemos desde o princípio. 

Olivia assentiu, compreendendo, mas ainda estava curiosa a respeito da conversa que ouviu no outro dia. 

— Tem uma relação difícil com ele? — questiona, como quem não quer nada, e os olhos melados de Nathan focam na garota com desconfiância. 

— Por que diz isso? — retruca, relanceando Kellan, que apenas observava tudo com muito bom humor. 

— Ouvi vocês dois discutindo sobre isso no outro dia — contou, sem papas na língua, ao dar de ombros. 

Kellan riu, mas Nathan não viu tanta graça. — Parece que temos uma Sherlock aqui — comentou o loiro, fazendo um cafuné rápido nos cabelos tingidos dela, que se afastou. 

— Você não me respondeu — insistiu ela, os olhos castanhos sagazes por sobre os dele. 

— E nem vou — retrucou, recostando-se na cadeira e cruzando os braços. — Olivia, devia repensar antes de ouvir a conversa particular de dois superiores e ainda bisbilhotar na cara dura por mais. 

Olivia revirou os olhos. Tinha o respeito merecido pelo Dr. Walker, seu residente - e seu professor, de certa forma -, mas já houvera criado certa intimidade com o estudante Nathan por detrás do médico, bem como também o fizera com Kellan. 

Sentia-se deixada de fora quando conversavam sobre a família, sobre os romances - sabia que Nathan estava vendo a ex namorada novamente e que Kellan planejava pedir em casamento sua parceira -, e até brincadeiras bobas entre os dois. 

— Não estou almoçando com os meus superiores, e sim com amigos — justificou-se, antes murmurar com chateação: — Ao menos, foi o que pensei. 

Nathan e Kellan se relancearam por um instante, antes que o Walker suspirasse, saindo da postura defensiva. 

— Não temos uma relação difícil, 'tá bom? — liberou, sem muita paciência, chamando os olhos castanhos para si. — O Lucca é um garoto peculiar, então tudo com relação a ele também é — contou, em um tom mais ameno. — Nos damos muito bem. 

Olivia assentiu, por dentro feliz que conseguira um espaço na amizade fechada daqueles dois, reprimindo um sorriso. 

— Que idade ele tem? — questionou, sem querer pressionar muito. 

— Dezesseis — respondeu Kellan, por ele, fazendo-o franzir o cenho. — Aliás, quase dezessete, não é mesmo? — acrescentou, e Nathan o conhecia o suficiente para enteder a olhada significativa que ele jogou para si. — Que mês que ele faz aniversário mesmo? 

Nathan afastou o prato, novamente sem paciência. — Março — resmungou, perdendo a fome. 

— Achei que fosse mais novo — disse ela, surpresa. — Então ele já está quase independente. 

Desta vez, Nathan ergueu o olhar sagaz para Kellan, para provocá-lo de volta. — Na verdade, o caso do Lucca é diferente — contou, certo do que diz. — Ele só vai ser considerado independente, no papel, depois de uma avaliação psicológica. 

Kellan revirou os olhos, inclinando-se na mesa, fisgado. 

— O garoto pode não saber o nome dos nossos presidentes, e nem usar a fórmula de Bhaskara — ditou, com os verdes nos do Nathan —, mas ele já sabe muito bem distinguir o certo do errado e já tem noção de como o mundo funciona, Nathan. 

Nathan bufou. — É, uma pena que para viver sozinho ele tenha que saber coisas complicadas pra ele, tipo como alugar uma casa — numerou —, como pagar por ela, como usar um telefone, como se deslocar até a cidade para comprar o que comer, o que vestir, o que beber... — Kellan suspirou. — Ou, você sabe, como viver em sociedade sem ter contato com esta — cuspiu, debochado. 

Antes mesmo de terminar de falar, Nathan sentiu o peso das próprias palavras, sentindo-se culpado por falar assim do Lucca nas costas dele. Aquele garoto era uma preciosidade gigantesca e sentia como se não tivesse direito algum de diminuí-lo à suas dificuldades. 

De fato, não tinha. 

Em realidade, Nathan não sabia dizer porque era tão importante para ele essa mesma discussão que houvera se arrastado por mais de mês entre ele e Kellan. Não podia apontar o dedo no que exatamente o incomodava tanto sobre enxergar Lucca como algo mais do que uma criança a ponto de ser sugado para as provocações de Kellan como se o amigo o houvesse insultado. 

E era exatamente isto: sentia-se insultado. E por quê? 

Olivia apenas alternou o olhar entre um e outro, de forma semelhanta à última vez, percebendo que a discussão, em realidade, era a mesma. 

— O que eu perdi? — perguntou ela, não entendendo a provocação dos dois na discussão. 

— Temos divergências de opinião aqui, Olivia — resmungou Nathan, ainda mantendo o olhar no Kellan, como se o provocasse a continuar. 

— Se é disto que quer chamar — retrucou o loiro, dando de ombros. — Em momento algum eu disse que o Lucca tem ou pode sair de casa quando completar os dezoito. Ele precisa de vocês por enquanto e talvez precise sempre — acrescentou, firme. — O que eu defendo aqui é que não importa se o Lucca não se desenvolveu como um adolescente normal, isto não faz dele uma criança e ele não deve ser tratado como tal. 

Nathan fechou a cara, dividido entre a sensatez de que não havia motivo para tanto ódio e o sentimento de querer esganar seu melhor amigo. 

Olivia não ousou pronunciar mais uma palavra, visto o semblante sombrio do seu residente para um despreocupado, mas sério, Kellan. Os dois ainda trocaram olhares desgostosos, sob o silêncio de Nathan, antes que o moreno levantasse da mesa com um suspiro e se retirasse, deixando a interna com os olhos alargados. 

— Não se preocupa — pediu Kellan, tranquilo. — Isto tudo é estresse das últimas semanas. A próxima vez que a gente se ver, vamos fingir que nada aconteceu — riu-se, achando graça. — Amizade forte é assim mesmo. Discutimos às vezes, mas voltamos ao normal. Precisamos um do outro — acrescentou, e Olivia sorriu para aquilo. 

Os dois ali permaneceram, jogando conversa fora, até seu horário recomeçar. 

*

A véspera do natal chegou rapidamente, trazendo a sensação estranha de que mais um ano estava sendo deixado para trás. Era o segundo natal que Lucca passaria longe das florestas, junto de sua família. Embora, mais uma vez, Nathan não pudesse retornar para casa na data. 

O restante da família, como sempre, se reunira na casa de madeira. Desta vez, com um integrante a mais, que visitava pela primeira vez a casa dos avós: o pequeno Simon, com seis meses de vida. 

— Meu deus, como você está grande! — exclamou Abigail, pegando o bebê no colo com cuidado, assim que eles chegaram. — Olha só pra você! Daqui um pouco já está caminhando! 

Ed gargalhou. — Ainda temos um tempinho antes disto, mãe — garantiu ele, carregando a mochila de bebê junto de sua mala. — Vem, princesa — chamou a filha, que saltitava atrás. 

Gabriel, que houvera chegado horas antes, observava tudo com os braços cruzados e um sorriso no rosto, apoiado na parede. Havia visitado o irmão pouco tempo antes, então nem deu tempo de sentir falta da família dele. 

— E você, Gabe, quando é que vai nos dar um netinho? — questionou a mãe, abraçada na criança, que olhava a todos com os olhos azuis bem abertos. 

Gabe arregalou os olhos. — Mulher, você acabou de ganhar um! — falou, apontando, com horror pela ideia de ter um filho. 

Nigel deu uma bofetada na cabeça loura do homem. — Mais respeito com sua mãe, garoto

Gus interrompeu a conversa, rindo ao se aproximar de Gabe. — Awn, um garotinho de trinta e três anos — debochou ele, apertando a bochecha do irmão mais velho. 

— Sai, moleque! — reclamou ele, rindo, embora franzisse o cenho em sua costumeira careta ranzinza. 

— Tio! Tio! — chamou Maggie, puxando Gus, que considerava o tio preferido pelo jeito crianção de Gus. — Olha o que eu ganhei do papai Noel! — pediu, erguendo a boneca para um Gus abaixado, quase acertando na cara do mais jovem dos filhos Walker. 

— Mas que papai Noel adiantado! — comentou ele, arqueando uma das sobrancelhas, ao relancear o irmão mais velho. Ed fez uma careta, revirando os olhos. — É uma deusa! — comentou, para a menina loura, sobre a boneca. 

— Papai Noel escondeu o presente no nosso guarda-roupa para pôr embaixo da árvore — contou Ed, enfatizando, enquanto os dois irmãos seguravam o riso. — E Maggie o encontrou antes dele ter a chance! 

— Tenho certeza de que sim — comentou Nigel, vendo o resquício de sorriso no rosto do primogênito ao contar a história. 

— O nome dela é Jasmin, como a princesa — contou, passando os dedos pelos longos cabelos escuros da Barbie. — Mas ela é mais feia, olha — indicou, novamente erguendo a boneca até enfiá-la na cara de Gus para que ele visse que a boneca era mais feia que a princesa. 

Gus gargalhou, concordando. 

— Cadê o Lucca? — questionou Giselle, olhando ao redor. 

— Cedeu às vontades do cachorro e está congelando lá fora com ele — contou Gabe, apontando para a porta dos fundos, achando graça. 

— Meu deus, vai pegar uma gripe! — comentou Ed, com o cenho franzido, o instinto de pai falando mais alto. Gabe riu para isto, e Ed percebeu, revirando os olhos para o irmão. 

Gus negou veemente. — Lucca nunca — enfatizou, com os olhos azuis alargados — pegou gripe. Não aqui. Nem uma única vez. 

— Mãe, posso ir lá com o Lucca? — perguntou Maggie, alargando os grandes olhos castanhos, ao puxar a mão de Giselle. Ela negou. — Por favor! Por favor! 

Abigail apenas riu, satisfeita de ter a família toda em casa uma vez mais. Era difícil reunir todo mundo, às vezes conseguiam nos aniversários, principalmente o de Abigail e Nigel, mas nem sempre todos estavam ali.

No entanto, no natal sempre estavam. 

Esta regra não se quebrava por nada no mundo, e Nathan era o único que tinha carta branca para esta data por causa de seu trabalho inflexível. 

— Gostei do estilo do cabelo. 

Ed tinha um meio sorriso divertido, quando estavam todos sentados na sala de estar, com os olhos azuis em Lucca. Este havia retornado pouco tempo depois com Sassenach, e tinha as madeixas castanhas e desordenadas enroscadas no pescoço. Estava sentado na sua poltrona de sempre, que há muito tempo já não mais pertencia ao tio Nigel. 

— Gracias* — murmurou Lucca, sem saber de que outra forma responder se não agradecendo. 

Ed sorriu, sentindo a filha mexer no seu rabo de cavalo louro, sentada em seu colo. Gabriel riu, achando graça, e Lucca teve a atenção desviada para este. 

O segundo filho Walker o intrigava mais do que os outros, e depois de tanto encará-lo sem pudor algum, percebeu consigo mesmo que era porque mais se assemelhava ao Nathan. Gabe parecia uma versão um pouco mais baixa, mais velha, e loira do médico. O formato do rosto, a forma como sorria, e até mesmo os olhos, de uma cor diferente, o lembrava dos olhos de Nathaniel. 

— Por que tanto me olha? — perguntou Gabe em algum momento, intrigado, para o garoto. 

Abigail teve sua atenção desviada de uma conversa para o questionamento, e sorriu para si mesma. Mãe sendo mãe, conhecia cada traço dos filhos e sabia o que exatamente Lucca havia percebido. 

Lucca deu de ombros. — Parece com Nathaniel — respondeu, sem se preocupar. 

Gabe arqueou as sobrancelhas, curioso, antes de relancear os demais. Então, sorriu. — Quisera ele ser tão charmoso quanto eu! — brincou, piscando um dos olhos azuis. 

— Sai daí, Gabe! — provocou Gus, jogando uma almofada no irmão. — Todo mundo sabe quem é o deus grego da família — disse, apontando para si mesmo. 

Gabe revirou os olhos. 

— Amor? — chamou Ed, cutucando a esposa. — Vamos, me defenda. 

Ela riu, parecendo pensar. — Hum, vou ter que concordar com o Gus — falou, apenas para provocar, ao nanar o bebê em seus braços. 

— Papai é mais bonito — garantiu Maggie, olhando com receio para o tio preferido, como se o houvesse traído, mas o amor ao pai falou mais alto. 

— Maggie! — exclamou Gus, colocando a mão no peito, com horror. Mas a sobrinha percebeu que ele exagerara nos movimentos e pôs-se a rir. 

— Onde está o herói agora? — questionou Gabe para Lucca, depois de observar os outros com humor. 

— Trabalhando — respondeu, simplesmente, erguendo as pernas para dobrá-las em cima da poltrona, em um velho costume. — Ele vem amanhã. 

Gabe assentiu, sorrindo para a interação do garoto que, no natal passado, pouco falara. — E ele virá sozinho também? — questionou, desta vez, para os pais. 

— Sim — bufou Abigail, revirando os olhos. — Não sei o que está acontecendo com vocês. Três homens maravilhosos desse jeito, como o fizemos — disse, alternando o olhar entre Gus e Gabe — e não conseguem parar em um relacionamento! 

Gus gargalhou, inclinando-se para a mãe, ofendido. — Não, espera aí, mãe — pediu, chamando sua atenção. — Caroline é o amor da minha vida. Eu só... — Pensou um pouco, e sorriu, jocoso, preparando-se para a chacota dos irmãos. — Eu só preciso fazê-la perceber isto. 

Foi o que bastou para que a família gargalhasse. 

— Gus, você facilita demais! — brincou Ed, referindo-se ao fato do irmão virar piada entre eles. Mas Gus ria, faceiro, de forma tranquila. 

— E você? — provocou Abigail, dando um tapa no joelho de Gabe. 

— Cansou da vida de casado — provocou Gus, sabendo que ele odiava que dissessem que ele era casado. 

Gabe revirou os olhos. — Eu não era casado, Gus, a gente só morava junto — disse, como uma máquina, porque sempre repetia a mesma coisa. Os demais riram. — Acabou. Só isto. Por que não falam do Nathan, hein? — já acrescentou, querendo sair do foco da conversa. 

Gabe era um homem sério na maior parte do tempo, e Nathan brincava que ele era um lobo solitário. Não gostava de se relacionar sério com ninguém, e quando o fazia, não aguentava por muito tempo. Era feliz em seu apartamento para uma só pessoa, e com seus livros de economia, e sua vida livre. 

— Nathan e Jill terminaram, mas eles ainda conversam — contou Nigel, despreocupado. 

— Como sabe? — questionou Abigail, animando-se. 

— Ele comentou em algum momento — respondeu, rapidamente, mas já repreendeu a esposa com o olhar. — Não faça essa cara, Gail, você sabe que eles não vão retomar o namoro. 

Abigail revirou os olhos, e os filhos riram. — Ai, Nigel, deixa de ser estraga-prazeres! — reclamou, mas o marido riu. — Eles poderiam voltar — largou no ar, mas apenas para fazer gracinha para os filhos. 

Lucca, no entanto, não viu graça naquilo. 

— Não — falou, certo do que falava, chamando a atenção de todos. Apesar de tudo, estava calmo ao repetir o que ouvira do médico: — Eles não estão mais ligados

Abigail abriu e fechou a boca, optando por relancear Gus para ver sua reação. O rapaz alargou minimamente os olhos ao desviar o olhar de Lucca, e coçou o pescoço, mas rapidamente deixou de lado a expressão consciente ao ver os olhos de águia da mãe em si. 

— Tem razão, Lucca — concordou Nigel, quebrando o silêncio, com um sorriso que sempre o confortava. 

A verdade é que os pais e Gus já tinham suas desconfiâncias acerca do que o menino Lucca sentia com relação ao Nathan, embora variasse a forma com os afetava. E Gabe, tão atento quanto a mãe, também começara a estranhar naquele momento. 

Maggie quebrou todo o silêncio - desconfortável para todos, menos para Lucca - ao insistir que queria assistir televisão com o Lucca, como o fizera da outra vez. Sabia que ele gostava do Bob Esponja, então sempre associava o desenho ao garoto que pouco conhecia, daquele jeito de criança de pensar que todo mundo jovem tem sua idade e gosta das mesmas coisas. 

Por fim, todos começaram a se movimentar para a ceia de natal, já que anoitecera. Lucca ficou na sala com Maggie, assistindo desenho, enquanto ouvia atentamente os comentários da garota, tentando compreendê-la. 

Havia algo em Lucca que era como um íman para crianças. 

— Quer pegá-lo? — questionou Giselle, em algum momento, ao perceber que os olhos negros de Lucca não desgrudavam da criança minúscula em seus braços. 

Ela havia se deslocado para a sala para amamentá-lo, mas o garotinho não parou quieto para mamar, e apenas se aquietou quando segurado meio sentadinho em seu colo, com os grandes olhos azuis na televisão, como os castanhos da irmã. 

Lucca franziu o cenho antes de negar com a cabeça repetidas vezes. Assustou-se com a ideia de ter aquele bichinho frágil e minúsculo nos seus braços. 

Não recordava-se de alguma vez ter visto um bebê tão novo e tão de perto, a não ser de longe quando os via nos supermercados ou nas ruas da pacata cidade. 

Giselle sorriu, levantando-se com ele no colo. 

— Não precisa ter medo — garantiu, parando em pé em frente ao adolescente. — Não quer tentar? 

Lucca ponderou por alguns instantes, com os olhos alargados, sem conseguir desviá-los da criaturinha que babava e pronunciava sons indecifráveis. 

— Não sei como — murmurou, ainda encarando-o. 

— Deixa comigo — disse ela, com um sorriso, ao pôr uma amofada no colo de Lucca com a mão livre e em seguida colocar o filho ali com todo o cuidado do mundo. 

Sabia que Lucca não gostava de ser tocado, então apenas o instruiu sobre como segurar a criança e onde pôr as mãos. Segurou-se para não rir da cara de assustado do garoto que apenas aumentara quando tinha o bebê em suas mãos. 

Simon estava sentadinho de lado em seu colo, com a cabeça apoiada no braço esquerdo e curvado de Lucca - instruído por Giselle -, ora desviando a cabeça - sem muita coordenação motora - de Lucca para a mãe e da mãe para Lucca. 

Lucca tinha os olhos arregalados no garotinho, sequer entendendo a si próprio sobre o que estava sentindo. Tinha medo, curiosidade e um esmero inexplicável pela criança. Não sabia como administrá-los em seu peito. 

Os olhos negros seguiam o movimentos dos olhos azuis que eram claramente desproporcionais ao rosto, visto seu tamanho, como todo bebê. Desviava para o nariz minúsculo e para a língua que insistia em sair para fora vez ou outra, molhando toda a boquinha e deixando baba até mesmo no queixo. Mas isto apenas ocorria quando ele não estava falando coisas que Lucca não compreendia, e isto chamava mais ainda sua atenção. 

Por vezes, o garotinho movia seu corpo, conversando em sons inexplicáveis, para frente e para trás, balançando as pernas gordinhas. 

E o cheiro. Lucca nunca havia sentido aquele cheirinho de bebê antes, e quando o percebeu, levou o nariz para a cabecinha tomada de fios escuros como os de Giselle e fungou, de certa forma farejando como o Sassenach o faz. Neste instante, Simon soltou um som único que pareceu um questionamento do porquê havia sido fungado. 

Por vezes Simon tentava levar a mão ao rosto de Lucca para apertar, e se contentava em puxar o blusão do rapaz, tentando à todo custo levá-lo à boca, como era comum na sua idade. 

Lucca se atreveu a pegar a mãozinha na sua mão com todo o cuidado do mundo, os olhos negros observando as unhas em miniatura nos dedos lambuzados e gordinhos. E, quando sentiu-o apertar seu dedo indicador, engoliu em seco. 

Sentiu os olhos marejarem, e não sabia explicar de onde as lágrimas vinham. Que sentimento esquisito!

Ficou com a criança por menos de cinco minutos no colo e já queria protegê-lo do mundo inteiro. 

— Lucca? — chamou Giselle, e Lucca se deparou com os olhos castanhos dela, e o lábios franzidos para que não risse. — 'Tá tudo bem? 

Lucca assentiu freneticamente, recém percebendo que estava sendo observado por olhos curiosos que vinham da cozinha também. Limpou o rosto com rapidez, percebendo que, de fato, chorara. 

— Bem — repetiu, distraído, sem se compreender. — Zo klein* — sussurrou, encantado, para a criança. — Zo zuiver*.

Aquela criaturinha era a mais pura que já havia visto na vida. Não havia maldade alguma ali, e era a primeira pessoa que conhecia que não sentia receio logo de primeira, porque não havia perigo algum. Era uma mini pessoa em construção. 

Um sentimento de tristeza profunda houvera surgido aos poucos, no entanto, e o compreendia menos ainda. Sentia como se o mundo não fosse suficientemente bom para aquele bebê e que ele sofreria muito quando pouco maior do que naquele instante. 

Não queria que ele crescesse, e que visse da imundície que podia haver lá fora, e que ficasse aos prantos ao primeiro vislumbre de morte, e que sofresse a perda, a dor e o abandono que podiam correr em sua direção. 

O mundo não o merecia e era injusto que agora o tivesse. 

Sinto muito, quis pronunciar, mas não conseguiu. 

Lucca permaneceu por minutos abraçado à criança, sem sequer perceber que o abraçara, e o embalava em seu colo, sob os olhos curiosos que vez ou outra focavam nos dois. 

Simon não reclamou, o que assombrou os pais, já que sabiam o quanto o bebê era inquieto e não suportava ficar muito tempo no abraço de alguém que não fosse os próprios pais. Encantara-se por Lucca tanto quanto Lucca encantara-se por ele, e o observava com tanta curiosidade quanto era observado. 

Aos murmúrios holandeses Simon respondia em balbúcios de nenê, como se de fato entendesse o que Lucca sussurrava com ternura desmedível. 

*

Nathan subiu as escadas para o terceiro andar, com prontuários em mãos, antes de chegar onde queria e deixá-los nas mãos de uma enfermeira. 

Um som engasgado de choro, no entanto, chamou sua atenção, já que segundos depois seu pager houvera sido bipado para o quarto que já conhecia. Antes que percebesse, corria em direção ao cômodo da UTI em que se encontrava Ron Morrison, com o coração apertado pela ideia de que ele morresse em plena véspera de natal. 

Ao chegar em frente ao mesmo, parou, com um suspiro alto. 

Jason chorava copiosamente, em meio a risos, inclinado por sobre o namorado, segurando seu rosto com todo o cuidado do mundo. O rosto do loiro estava avermelhado e os olhos azuis encaravam com amor os olhos escuros do paciente, pela primeira vez abertos. 

Nathan inspirou e expirou fundo, encarando-os pelo vidro, já que Russell foi rápido e já estava lá dentro, dando um tempo para Jason antes de se inclinar e fazer a rotina de checar se todos seus reflexos estavam intactos, bem como o intelecto. 

Ron se movimentava, os braços, a cabeça, e a boca abria e fechava ao provavelmente balbuciar as primeiras palavras em dois meses. 

— O que houve? — exasperou Olivia, que chegara na velocidade da luz ao parar ao lado do residente. — Russell me bipou aqui e eu vim correndo. Ele 'tá bem? 

Nathan sorriu, fraco. — Parece estar mais do que bem — falou, indicando com a cabeça. Olivia também encarou por sobre o vidro, aproximando-se deste até ter sua mão colada no mesmo. — Parece que vai se recuperar. 

Ron levava a mão para os fios em seu braço, para seu abdômen e depois para os cabelos crespos, como se sentisse que houveram operado em sua cabeça. Mas o próximo movimento, após cair sua ficha do que estava acontecendo, foi em direção ao rosto do namorado. Acariciou-lhe de forma atrapalhada e logo teve seus lábios tomados pelo os do loiro choroso. 

Olivia pôs-se a chorar, e levou uma mão à boca, para impedir o soluço. 

— Meu deus! — falou, abanando o rosto com a outra mão. — Eu sei que não devia me envolver... Mas eu estou tão aliviada! — desabafou, olhando para Nathan, que levou uma mão aos seus ombros, em apoio. 

— Também estou — admitiu, aquiescido. Observou-a por um tempo, no entanto, antes de perguntar em um tom baixo: — Por que isto te afetou tanto, Olivia? 

Ela engoliu em seco, em parte sentindo-se grata por ele se dispor a conhecê-la, reforçando a abertura que deram a ela no almoço. 

Ergueu os olhos para ele, antes de sussurrar: — Morro de medo que isto aconteça comigo — revelou, os olhos avermelhados, ao sentir o lábio inferior tremer. Nathan inclinou o rosto na sua direção, franzindo o cenho. — Nem sempre posso segurar a mão de quem amo na rua por medo de acabar como o Ron. 

Nathan arqueou as sobrancelhas, surpreso, antes do pesar bater nele. Engoliu em seco, assentindo, e sentiu um nódulo na garganta. Entendia.

Pressionou mais uma vez seu ombro, como forma de confortá-la, antes que caíssem no silêncio, cada um com seus próprios pensamentos tumultuados. 

O Walker sorriu quando Ron seguiu todos os comandos de Russell, respondendo positivamente ao exame de checagem, trazendo um sorriso satisfeito ao velho. 

— Devíamos entrar? — perguntou Olivia, com os olhos neles. 

Nathan assentiu, mas ficou em silêncio antes de acrescentar: — Ainda não. Dê um tempo a eles — falou, vendo-a assentir, já que Russell já estava lá se encarregando do importante. 

— Um final feliz — comentou Olivia, soltando um suspiro alto. Limpou o rosto, recuperando-se ao esboçar um sorriso largo, mas triste. — Não são tão comuns quanto a gente gostaria. 

Nathaniel a encara por um momento, antes de suspirar pesado e voltar os olhos para a cena rara que se desenrolava em plena véspera de natal, como um pequeno milagre médico. 

Já tinha algo pelo que estar agradecido. 

— Não, não são — murmura, antes de caírem em um silêncio confortável ao observarem o desenrolar bonito à sua frente. 


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Notas finais do capítulo

Traduções
*Gracias: obrigado (espanhol)
*Zo klein: tão pequeno (holandês)
*Zo zuiver: tão puro (holandês)

Para algumas pessoas, bebês trazem a mesma sensação que animais - recomendados para pessoas com depressão até -, causando liberação do hormônio da felicidade, como uma droga ahahhaha. Quis relacionar o encanto do Lucca com o bebê juntamente com a relação triste que ele fez da criança com ele próprio, e esta noção pesada de que toda criança pode sofrer o que ele sofreu. ♥

Finais felizes são mesmo raros, na minha noção de hoje, mas eles existem. Nunca esqueçam que eles existem. Beijão pra vocês e até a próxima!

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam!



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