Lucca escrita por littlefatpanda


Capítulo 24
XXIII. Movimento


Notas iniciais do capítulo

Gente linda, gente bôua, gente bela! ♥

Agradeço IMENSAMENTE à Eleanor Lane pela RECOMENDAÇÃO LINDA. Me pegou de surpresa e eu sou muito grata, Lucca também ♥

Eu deveria esclarecer sobre a questão policial e como eles tão lidando com tudo isto, mas minha gente, isto pode ficar pro próximo né? HHAHAHAHAHAHAHAH.
Eu pensei que todos nós precisávamos de um tempo desta loucura, então lhes trouxe esta outra loucura que eu já tava planejando faz um tempo e que só ocorreria assim que o caso fosse dado como morto. E aqui está! Yey! ENJOY IT!

Boa leitura! *-*



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Abril

— Eu acho que está na hora de você conhecer o meu apartamento.

Nathaniel arqueara as sobrancelhas, alternando entre uma e outra com um sorriso largo, querendo atrair a atenção do outro com sua animação. 

Estavam na sala de estar, duas horas da tarde, e Nathan houvera chegado pela manhã, praticamente de madrugada. Tinha dois dias para aproveitar e, embora fossem quarta e quinta-feiras, não deixaria de aproveitar com todos, mesmo sabendo que Lucca estudava, e seus pais tinham afazeres. Dois dias de folga consecutivos eram muito raros, ainda mais quando os podia passar com a família ao invés de atolar-se em livros que pareciam pesar uma tonelada - principalmente em seu cérebro. 

Lucca manteve-se inexpressivo, pensando se devia responder o que o médico lhe contava. Primeiro, porque já não tinha tanta certeza se devia demonstrar alguma emoção, pela cara do médico de quem espera por alguma - era difícil saber se deve, por obrigação, mostrar-se feliz para alegrar o outro, ou se deve mentir para agradar o outro, ou se devia abrir a boca e responder qualquer coisa além da cara de tacho que portava, também para alegrar o outro. No fim, Lucca sempre optava por agradar a si mesmo, embora isto sempre fosse um tanto duvidoso se tratando de Nathan -. Segundo, porque não sabia se ele estava falando que devia conhecer seu apartamento ou se iria conhecer seu apartamento agora. Terceiro, porque seus pensamentos embaralharam-se demais, já que queria muito conhecer a moradia do médico. 

Lucca, desde que começara a viver na residência Walker, passava noventa por cento de seu tempo longe de Nathan. O médico era muito ocupado, geralmente aparecia sem aviso prévio no meio da semana, ficava apenas durante o dia - ou durante a noite, em alguns casos - e logo partia de volta para a cidade vizinha. Ele não conseguia visitá-los nem mesmo em todos os fins de semanas, apenas em alguns. É claro que quando ele visitava, passava grudado em Lucca, mesmo quando não estava grudado nos pais e no irmão. Mas no fim, seja o dia da semana que for e tendo passado oito ou dezoito horas em Cherubfield, Nathan sempre saía porta afora e não voltava por dias consecutivos. 

E o garoto sempre quis saber onde ele ficava este tempo todo. 

Agora, de tanto ouvir, acreditava saber tudo sobre hospitais e médicos e a tal da "residência" que tanto era falada dentro de casa, mesmo na ausência de Nathaniel. Já tinha uma noção da aparência de um hospital, porque aparecia bastante na televisão. Já sabia como funcionava, porque Nathan falava sobre isto o tempo todo, tagarela do jeito que era. Mas não tinha ideia de como era seu apartamento, embora também já soubesse o que era o bendito apartamento e por que ele tinha esse nome ao invés de simplesmente "casa".

Ele estava pegando o jeito da coisa, aos poucos, embora todos ainda o frustrassem com tanto sentimento e tanta reação complexa que jamais seria capaz de entender. Neste sentido, sentia-se muito mais parecido com Sassenach do que com qualquer um dos outros integrantes da casa. 

Arqueou as sobrancelhas, quando Nathan manteve-se em expectativa. Mas a reação apenas fez com que o médico revirasse os olhos. 

— Estou falando sério — afirmou, percebendo que Lucca não sabia o que dizer. — E vamos hoje mesmo — contou, vendo a surpresa passar pelos olhos negros e parar na boca levemente aberta. — Está na hora de você conhecer a cidade grande, e ficar cercado de gente diferente. Aqui é tudo sempre igual. Os mesmos lugares, as mesmas pessoas, as mesmas comidas — explicou, contando nos dedos o que falava, de forma entediada. 

Embora eu ache que, de toda a cidade, a parte que você mais vai gostar é o meu apartamento vazio e silencioso, acrescentou em pensamento irônico.

Nathan ergueu os olhos de Lucca para a porta da cozinha, de onde a dona Abigail lhe encarava com incredulidade nem um pouco disfarçada. Forçou um sorriso de orelha a orelha para a mãe, querendo dizer tudo com seu olhar: pedir desculpas por não ter mencionado aquilo antes e ter optado contar a Lucca primeiro; dizer que conseguiria lidar, sim, com um Lucca desajeitado fora de casa; e passar a informação de que sabia que aquilo tinha tudo para dar errado e que seguraria Lucca pelos cabelos se fosse necessário para que o menor não entrasse em pânico e fugisse para a floresta. 

Um olhar que apenas um filho atrevido seria capaz de direcionar à mãe, e que apenas uma mãe acostumada com tamanha ousadia seria capaz de compreender. 

Abigail suspirou, incapaz de segurar o riso ao visualizar a cena à sua frente: dois pares de olhos alargados em sua direção, e o mais novo com seriedade certamente parecia o adulto da situação em comparação ao sorriso sapeca de quem aprontou no rosto do médico. Apesar de relutante e preocupada com a ideia maluca de Nathan, não se opôs à fuga dos dois. Nem tampouco Nigel, que chegou instantes depois e apenas se riu, achando muito divertida a ideia de levar um garoto antisocial à uma cidade grande. 

Homens, reclamou Abigail, em pensamento. 

Estavam no começo da primavera e, por estarem naquela área da Europa, ainda assim era muito frio. Isto foi o primeiro que se passou pela mente de Nathan quando estava sozinho em seu apartamento, encarando o teto e pensando no quanto seria bacana ter Lucca ali consigo, e teve a brilhante ideia de levá-lo até lá na próxima folga. Porque sair de casa implicava em cobrir os pés, e depois de descobrir que no bendito dia estaria mais frio que o normal, implicava em cobrir boa parte do corpo, inclusive o pescoço. E isto traria uma careta tão profunda no rosto do jovem rapaz de olhos negros que o envelheceria ao menos uns dez anos. 

Enquanto arrumavam uma mochila com os pertences de Lucca, Nathan ia fazendo uma lista das coisas que podiam dar errado. Em primeiro lugar, Lucca gostava de carros tanto quanto gostava de escovar os dentes e pentear os cabelos: nem um pouco. Lucca teria que suportar as três - possivelmente quatro - horas de viagem, já que teria que ir devagar. Quando Nathaniel lembrou da parte em que adentrariam na cidade movimentada, cheia de pessoas, sons, edifícios e luzes, optou por improvisar tudo e não planejar mais nada. 

— Nathaniel! — chamou a mãe, pegando o braço do filho, depois de ele cuidadosamente deixar uma sacola de lanches no banco traseiro do carro. Encarou os olhos azuis da mãe. — Por favor, tenha cuidado — suplicava tanto com a voz, quanto com os olhos. Nathan sorriu. — Eu não sei se isto é uma boa ideia... 

— É uma ótima ideia — interrompeu Nathan, segurando o rosto da mãe. Ergueu os olhos rapidamente para a porta de casa, de onde o pai ajudava Lucca com a mochila carregada. Voltou os olhos à Abigail. — Ele precisa conhecer o mundo, mãe. Ele precisa saber o que é realmente viver. De que outra maneira seria melhor para ele começar, se não conhecendo uma cidade maior há poucos quilômetros daqui? É só um passo pequeno, se você pensar a respeito. 

Abigail sorriu de volta, sabendo que o médico tinha razão. Mas isto não mudava a forma como se sentia. Era o mesmo aperto no peito que sentiu ao ver todos os quatro filhos começarem a caminhar sozinhos sem o apoio dos braços da mãe, e o vazio na casa quando começaram a frequentar a escola, e ao vê-los saírem sozinhos de casa pela primeira vez, e ao observá-los construir uma vida amorosa, uma vida acadêmica e um futuro com as próprias mãos. Ver Lucca se afastar de casa por dois dias seguidos lhe trazia a mesma sensação de ver os filhos dormirem na casa dos amigos pela primeira vez, longe do conforto e, principalmente, da segurança do abraço de mãe. 

Lucca já era um Walker, já era um filho de Abigail e de Nigel. Queriam mantê-lo à salvo, e se precisassem tê-lo dentro de casa, naquela cidade pequena, para que o mantessem seguro, o fariam. Este era o pensamento egoísta e preocupado dos pais, aquele pensamento que passa pela cabeça de todos, mas o que realmente fariam no fim das contas, movidos pelo amor incondicional aos filhos, é deixar que voassem com as próprias asas. Porque se os pais têm que escolher em algum momento entre uma das duas alternativas, todo aquele que ama e cuida prefere ver o filho feliz do que vê-lo seguro. 

— Mãe... — começou Nathan, sentindo-se sem graça como sempre se sentia ao ver a mãe emocionada. Abigail estalou a língua, fazendo um gesto vago ao segurar as lágrimas, com um riso. 

— Vão — disse ela, olhando as duas outras figuras ao lado do carro, com um abano. — Vão logo, vão se atrasar! 

Nathaniel riu, balançando a cabeça. Era a cara da mãe se emocionar com algo tão simples e bobo quanto uma viagem à três horas de distância dali por menos de dois dias. A preocupação, o medo e o receio eram emoções que Nathan entendia, ainda mais se tratando de Lucca em uma cidade como Wingloush. Mas as lágrimas melancólicas o médico jamais seria capaz de entender. 

Depois das despedidas, Lucca entrou com certa desconfiança dentro do carro, incapaz de tirar da própria mente a lembrança da sua primeira vez dentro de um veículo semlhante: quando foi forçado à entrar na viatura policial rumo à toda a confusão da investigação acerca de si. Nathan já havia passeado com o garoto pela cidade, mais lento que tartaruga, para que ele se acostumasse com o veículo. Geralmente tagarelar funcionava para distraí-lo, nem que fosse para deixá-lo incomodado por jamais fechar a matraca. 

— Espero que você se lembre de tudo o que eu contei a respeito de Wingloush — começou, dirigindo lentamente pelas ruas de Cherubfield com o objetivo de chegar à saída da cidade. — Eu já tenho uma ideia de onde posso te levar, mas isso vai depender se seu estômago continuará vivo quando chegarmos. — Riu-se, mais de nervoso do que de gracioso. 

Relanceou Lucca, vendo os nós brancos dos dedos ao segurar o banco onde estava sentado, os olhos quase saindo das órbitas ao desviar o olhar entre a janela dianteira e a lateral, e o corpo inteiro retesado. Certamente chegaria, no mínimo, dolorido. 

— Olha, aqui é a saída da nossa cidade — disse, apontando para a rótula logo em frente e a placa exageradamente grande com os dizeres: Volte sempre. Lucca seguiu com o olhar o que Nathan lhe indicava. — Agora iremos para a minha cidade. Ei, sabe o que pode te ajudar a sentir-se melhor? — perguntou rapidamente em seguida, percebendo o estado atônito de Lucca. — Música. — Arqueou as sobrancelhas, relanceando o garoto que sequer mexera um músculo. — Sei que você odeia todo o tipo de tecnologia, mas eu tenho certeza que, se ignorar o fato de não compreender a funcionalidade, você vai adorar o aparelho de som. 

Nathan estendeu a mão, começando a pensar que mãe tinha razão e levá-lo consigo havia sido uma péssima ideia, e alcançou o aparelho embutido no painel do carro. Ligou, vendo que o pendrive com suas músicas pessoais ainda estava ali, e buscou por alguma que não sobressaltasse o gato arredio ao seu lado. 

Quando achou a música perfeita, quase teve um infarto pela brusquidão com que Lucca girou o rosto assustado para o aparelho visivelmente ligado com a música. Riu, chamando os olhos negros e arregalados para si, e regalou-lhe um sorriso carinhoso antes de voltar os olhos para a estrada e explicar como o aparelho de som funcionava dentro do carro. 

— Esta é uma das boas, Lucca — contou, referindo-se à música. — Confia em mim: escute, relaxe e aproveite. Você está seguro — acrescentou, vendo que os olhos negros novamente voltaram-se para si. — Jamais o poria em risco. Você sabe. — Ergueu os ombros, os olhos amendoados na estrada. Em seguida, sorriu largamente antes de olhar o garoto de canto de olho. — Só tenha um pouco de paciência

O trocadilho logo se fez entender na cabeça de Lucca, ao passo que a música do Guns N' Roses se desenrolava dentro do carro em movimento. A partir daí, a atenção toda do garoto fixou-se na letra da canção que ressonava durante aqueles poucos minutos, e sem sequer perceber, seus ombros relaxaram. 

Realmente fora a música perfeita, Nathan deu-se conta. 

Apesar de tentar conversar diversas vezes durante a viagem, boa parte de suas escolhas foi permanecer em silêncio, assim como o garoto ao seu lado.

Lucca adorava música, embora nunca tenha colocado em palavras, desde a primeira vez que ouvira na residência Walker, e Nathan se esforçou para compartilhar com ele as melhores que conhecia. É claro que mesmo em um vilarejo no qual o garoto cresceu houvera música, seja por aparelhos como o que Nathan usava para fazer ligações como por meio das cordas vocais do pessoal que lá vivia. Lucca ainda podia recordar-se de algumas cantigas aleatórias que ouvia dos outros, e algumas que seus pais cantavam para ele. 

Perdido nos próprios pensamentos confusos, a atenção de Lucca foi sugada para o cantarolar de Nathan junto à nova canção que começava a ressoar no carro. Lucca girou o rosto para o motorista, com a cabeça encostada no banco, observando os lábios alheios mexerem-se em sincronia com o cantor, os dedos baterem no volante em um ritmo espaçado e até a cabeça movimentar-se de acordo com a música. 

A cor da pele de Nathan era muito parecida com a da sua família, mas Lucca sempre achou que ele parecesse mais pálido que os outros. Talvez devido à cor dos cabelos e da barba que teimava em crescer a despeito de tirá-la sempre: negros, como os olhos de Lucca. E os olhos, daquele castanho tão claro que Lucca podia enxergar a cor mesmo com o médico de perfil, eram lindos. A voz aveludada, mesmo em tom baixo, lhe soava mil vezes melhor que a voz que saía do aparelho de som. 

Lucca piscou algumas vezes, se recostando melhor no banco de passageiro, com os olhos curiosos em Nathan, que seguia a dirigir concentrado na estrada. Desceu os olhos pelo pescoço do médico, vendo o pomo-de-adão movimentar-se de tempos em tempos, segundo a cantoria baixa de Nathaniel. Desviou, então, os olhos para o corpo do médico, coberto pelo dobro de roupas que havia no seu próprio corpo esguio, deslocando-os para as mãos ágeis no volante. 

Quando a cantoria parou, Lucca demorou um tempo a perceber, piscando algumas vezes para logo focar os olhos no rosto de Nathan, que lhe encarava com um sorriso, parecendo curioso. 

— Tudo bem? — perguntou, alternando o olhar interessado entre Lucca e a estrada. 

— Tudo bem. — Limitou-se a responder o garoto, ainda com o semblante relaxado e os olhos no médico. 

Nathan riu, colocando as músicas para repetir, visto que havia chegado ao fim das poucas que passara para o pendrive. Não havia porquê, já que estavam chegando em Wingloush, mas era notável que as melodias haviam acalmado o desespero de Lucca com relação ao carro e a viagem. 

— Por que está me encarando? — tornou a perguntar, achando graça na forma como Lucca estava virado em sua direção, mas também curioso sobre o que se passava em sua cabeça. Lucca deu de ombros, ainda do mesmo jeito. — Está me achando bonito, é? — brincou, rindo e tornando a olhar para a estrada. 

Lucca franziu o cenho, pensando a respeito. É claro que sabia o que ser bonito ou feio significava, embora achasse que não saberia dizer com convicção quem era, de fato, bonito e quem era feio. Mas bastava um olhar para Nathan para saber que ele estava longe de ser desagradável para os olhos. 

— Bonito — respondeu, com sinceridade. 

Pelo tempo que demorou para responder, Nathan tomou alguns segundos de confusão para entender do que ele falava, e tão logo descobriu, arqueou as sobrancelhas com surpresa. Riu novamente, pensando que às vezes Lucca era a pessoa mais agradável para se conversar. Não haviam restrinções, nem preconceitos, nem inibições, nem pensamentos feitos e fúteis naquela cabecinha teimosa.

E também, por um momento, sentiu-se entristecido pelo fato de haver se surpreendido tanto com isto. 

O normal do ser humano não deveria, também, ser genuíno?

— Você também é muito bonito, Lucca — contou, também com sinceridade. 

Já havia algum tempo que as estradas já não estavam mais tão vazias, mas o som da música parecia ter sobressaltado ao som dos carros ao redor, já que Lucca permanecia tranquilo. 

— Olhe — disse, sabendo que não poderia manter em segredo por mais tempo —, estamos chegando. — Lucca pareceu despertar de um transe quando sentou-se direito no banco e olhou pela janela. Os olhos alargaram-se novamente e o corpo tornou a ficar tenso. — Wingloush, eu lhe apresento Lucca. Lucca, Wingloush — falou, com paciência, indicando a rodovia movimentada da entrada da cidade. 

 Ao passo que adentravam em Wingloush, com Lucca apreensivo da mesma forma como estava quando saíam de Cherubfield, seus olhos negros observavam pelas janelas. Enquanto o garoto absorvia a imensa quantidade de informação naquela cidade grande que, em termos mais globais, nem era muito grande não, Nathaniel observava a Lucca. 

Se ele o levasse direto para sua casa, talvez o garoto não quisesse sair do local até a hora de ir embora. Sendo assim, Nathan decidiu que seria melhor levá-lo à algum local antes, para que toda a viagem não fosse perdida. Optou por dar um passeio pelas ruas da cidade. 

O médico foi apontando alguns pontos da cidade e explicando do que se tratavam, novamente recomeçando um monólogo de explicações e histórias próprias para o jovem silencioso. Apesar de parecer mais aéreo que o normal, ainda assim Lucca absorvia cada palavra de Nathan com absoluta atenção, como quando assiste as aulas particulares da Sra. Jones. 

— Você está com fome? — perguntou, vendo que o rosto de Lucca estava quase grudado no vidro ao olhar ao redor. — Nós podemos parar em um restaurante ou em algum fast food para comer. 

Tudo que Nathan podia ver era a parte de trás dos cabelos desparelhos e a mão já não tão pequena grudada no vidro. 

Lucca estava em uma espécie de looping, tentando digerir toda aquela informação. Aquele lugar, cheio de edifícios e automóveis, cheio de luzes e pessoas, lhe parecia outro mundo. Já havia visto tudo na televisão e em livros, mas era uma coisa completamente diferente estar dentro daquele mundo. Talvez, para Lucca, a sensação de estar naquele lugar seria semelhante à confusão de se encontrar em um mundo futurista, com carros voadores e robôs andando pelas ruas da cidade. Tudo o que ele conhecia eram pessoas, árvores e animais. Alguma tecnologia ou outra, com armas, comida e ferramentas, mas ainda assim era pouco comparado ao que vislumbrava naquele momento. 

Deu um pulo para trás, deixando um som surpreso sair de sua boca, quando um carro passou em alta velocidade bem ao lado de sua janela. Um babaca apressado dentre vários outros babacas apressados. Lucca quase parou em cima do freio de mão do carro e girou o rosto para olhar por cima do ombro nos olhos amendoados e preocupados de Nathan. 

— Ei, pequeno... — Nathan largou uma das mãos do volante e levou aos cabelos de Lucca ao passo que ele voltava a se ajeitar no banco de carona. — Foi só um carro, está tudo bem. — Lucca permaneceu com os olhos na janela dianteira, sentado com a postura ereta. — Lucca? 

— Estou bem — respondeu ele, ainda com os olhos vidrados, enquanto tentava acalmar as batidas do coração. 

Nathaniel franziu o cenho, girando o volante para adentrar em um estacionamento público, onde estava querendo chegar. Assim que pôs o carro para dentro dos portões, fez um sinal para o homem encarregado do local público, no qual já havia estado diversas vezes. 

— Você não parece bem — concluiu, dando uma olhada na postura do garoto antes de manobrar para estacionar em um dos espaços destinados à tal. — Nós ainda podemos ir direto pro meu apartamento, se você preferir. Ou ainda — continuou, desligando o carro com os suspiro e voltando os olhos para Lucca —, podemos voltar para a nossa casa de novo. É sério, Lucca — acrescentou, levando uma das mãos para seu braço. 

Lucca suspirou, finalmente erguendo os olhos negros para o médico. 

— Estou bem — repetiu, apoiando a cabeça no banco. — Eu nunca... — Parou, pensando que a frase seria longa se continuasse. Franziu o cenho. — Aqui tem muita... muito... 

Nathaniel arqueou as sobrancelhas, surpreso que o garoto, desta vez, parecia haver emperrado por não saber como continuar. Abriu e fechou a boca algumas vezes, fazendo uma careta pensativa ao escolher a palavra certa, suficientes para que o médico o tirasse do sufoco. 

— Muito movimento? — perguntou, sorrindo, se referindo aos carros, às pessoas, às luzes e aos sons. 

— É — concordou o menor, parecendo satisfeito com a palavra escolhida por Nathan. — Aqui tem muito movimento. 

Nathaniel também encostou a cabeça no escoro do banco, de frente para Lucca, enquanto se deixava sorrir mais uma vez. Levou uma das mãos para fazer um carinho mínimo nos cabelos embaralhados do mais novo, ação esta que Lucca se deixava aos poucos aceitar. O médico deixou a mão cair antes que Lucca se afastasse, já que sabia que ele se afastaria em algum momento. 

— Tem mesmo. E muitas vezes pode ser exaustivo, e enlouquecedor — continuou Nathan, lembrando-se do hospital —, mas também é muito bacana. Aqui tem muito mais pessoas do que lá em Cherubfield, e muito mais movimento... — Suspirou. — Mas as pessoas são importantes, Lucca. Eu sou importante — disse, levando uma mão ao próprio peito —, e você é também — explicou, levando a mesma mão ao peito de Lucca. — É bom que você esteja perto de pessoas, ao menos por um tempo curto, porque todos precisamos de um pouco de contato com o mundo. — Então, alargou o sorriso, mostrando os dentes. — Mesmo que não seja contato físico. 

Lucca, quieto ao ouvir a tão amada voz do médico, deixou-se espelhar o sorriso do mais velho, compreendendo o que lhe era falado. É claro que Nathan sabia que ele não gostava muito - nem um pouco - que lhe tocassem. Para ser sincero, nem mesmo Lucca sabia dizer por que não apreciava que os outros chegassem tão perto de si, embora tenha lutado contra si mesmo para se afastar daquele abraço compartilhado com o médico. Quando vivia em seu antigo lar, vivia nos braços da mãe e mesmo que poucas vezes, nos do pai também. E agora, depois de tanto tempo sozinho, não suportava a ideia. Mas gostava de saber que Nathan lhe concedia todos os desejos. 

Gostava que Nathan fosse tão amável consigo, de uma forma tão distinta de todas as pessoas que já houveram cruzado em sua vida. Ele dizia e fazia tudo o que fosse de seu agrado, e também deixava de dizer e de fazer tudo o que pudesse não ser de seu agrado. Se fosse pensar um pouco a respeito, perceberia que Nathan preferia agradar aos outros, e esta era a escolha contrária a qual Lucca sempre fazia. E se perguntou se isto era uma coisa de médico. 

— Ok — optou por dizer, em meio àquele pequeno levantar das comissuras de sua boca, em um aceno positivo. 

— Ok — repetiu o médico, contente por haver tirado um sorriso de Lucca. — Vamos sair e caminhar até a lanchonete na esquina desta rua, está bem? — Inclinou-se para pegar, no banco de trás do carro, sua carteira de couro e logo a enfiou no bolso da calça jeans. — Vai ter mais gente na rua do que você está acostumado, e muito barulho, mas eu vou estar do seu lado e tudo vai sair bem. 

Lucca assentiu, mas pela expressão em seu rosto ao relancear o lado de fora do carro não era tão confiante assim. 

Nathan pegou o celular, em uma abertura do painel do carro, e desceu os olhos para os pés de Lucca. Usava uma pantufa de dinossauro verde e enorme nos pés, única coisa que aceitava usar além dos chinelos de lã: calçados feitos apenas de tecidos, para movimentá-los melhor. Por um momento, Nathan se deu conta que teria que comprar outra pantufa antes de voltarem para Cherubfield, porque em poucos minutos nas ruas sujas da cidade, ela estaria podre de suja. 

— Vamos? — perguntou, abrindo a própria porta do carro, ainda com os olhos em Lucca. Quando o garoto abriu também a porta lateral de seu lado, Nathan confirmou que esta era sua resposta. 

Assim que saíram para a rua, Nathan observou os olhos de Lucca largarem-se de novo e o corpo abaixar-se, mesmo que quase imperceptivelmente, a cada som mais alto que soava ao redor. Era a mesma reação de sempre: o dobrar dos joelhos, as mãos abertas, e o pescoço que só faltava quebrar ao olhar ao redor em busca do perigo iminente. 

Nathan começava a se preocupar quando uma mulher, falando ao telefone, passou ao lado deles com pressa. Lucca deu uns dois passos para longe dele, que nem percebera sua existência, batendo com as costas no braço de Nathan. Logo teve outra surpresa ao ver um homem vir na direção contrária à mulher e esbarrar em seu ombro ao tentar passar entre os dois. 

 — Tem certeza que não quer me dar a mão? 

O jovem assentiu, ainda olhando ao redor, para as pessoas, os edifícios e os carros que passavam a todo hora na rua asfaltada. Nathan soltou um suspiro pesado antes de lhe indicar o caminho, rua acima. Com a reação do mais alto, Lucca voltou os olhos à ele, inclinando o rosto com curiosidade ao caminhar com lentidão ao seu lado. 

Deu um pulo para o lado com a buzina alta que soou ao seu lado, antes que a cabeça do motorista saltasse para fora ao gritar: — Filho da puta! Quer morrer? 

O rapaz, com dreads no cabelo e grandes fones de ouvido na cabeça, havia parado no meio da rua com o susto, em frente ao carro cinza. Então, com as luzes dos faróis à sua frente, indicou o dedo do meio para o motorista, obtendo mais uma buzina irritada, antes de terminar de atrevessar a rua. 

Lucca sequer percebeu que tinha o casaco de Nathan entre seus dedos, quando em um impulso, se aproximou dele com rapidez e com os olhos na cena que se desenrolava ao seu lado. Ergueu os olhos para Nathan, que lhe encarava com aquela ruga preocupada entre as sobrancelhas, e soltou o ar que havia segurado. 

Se houvesse uma floresta ao lado, com certeza ele fugiria para as árvores que lhe davam tanto conforto e tanta paz. Só que não haviam árvores por perto, não em grande quantidade, apenas prédios e carros e pessoas estranhas. Não havia para onde ir se não para o conforto do próprio Nathan. 

Pessoas livres, se deu conta, ao observá-las caminharem pelas ruas sem preocupação alguma. Pessoas em meio àquelas tecnologias bizarras, segurando telefones, conversando com alguém ao lado, caminhando ou correndo pelas ruas com pressa e seriedade. Pessoas em movimento. 

O jovem voltou os olhos ao homem de tanta altura ao seu lado e desceu para a própria mão que amassava sua roupa com força. Soltou o tecido e deslizou a mão gelada até a mão de Nathaniel e a apertou com tanto temor quanto apertava sua roupa. Sentiu os dedos enlaçados nos seus também pressionarem contra sua mão e mesmo antes de ver, sabia que tinha olhos bondosos e protetores sobre si. 

Lucca se perguntava se todos os médicos do mundo eram assim, tão generosos e tão altruístas; se todos os médicos faziam a escolha contrária a qual ele próprio fazia todos os dias: agradar aos outros ao invés de eles mesmos. Gostava da ideia de que sim, mas sabia, no mais profundo do seu ser, que não havia ninguém como Nathan no mundo. E sabia que não eram apenas estes detalhes que faziam de Nathaniel... Nathaniel. Não eram apenas estes detalhes que faziam dele a pessoa capaz de tudo apenas para lhe agradar. 

Lucca também gostava desta ideia, porque assim tinha a certeza de que Nathan é único no mundo. E que mesmo sendo único, fora ele quem lhe encontrara e quem lhe salvara de um mundo solitário.

E naquele instante, era Nathaniel quem lhe guiava em direção à um mundo congregado, mas também era ele quem lhe protegia daquele mesmo mundo, segurando-lhe a mão com amparo. 


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Notas finais do capítulo

Quando comecei a escrever esta fic, eu pensei: tá, vai se passar lá na Grã-Bretanha. Tenho uma coisa por esses países do Reino Unido ahhahha. Mas é claro que se tornou um país fictício, embora eu ainda pense que está localizado na mesma parte da Europa que o próprio Reino Unido (pra quem não sabe, o Reino Unido é composto da Inglaterra, Gales, Norte da Irlanda e Escócia). Sendo assim, o clima, a vegetação, o idioma e cultura aqui retratados são baseados nesta parte do mapa mundial.
Acho que eu não tinha esclarecido isto ainda, então aqui está! Haahahaha.

Gente, uma hora ele tinha que sair daquela cidade pequena né? Que mal faz uma viagenzinha inocente? HAHAHAHAHHA. Todos precisávamos ♥

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam! *O*



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