Lucca escrita por littlefatpanda


Capítulo 15
XIV. Upahaar


Notas iniciais do capítulo

Gente linda, gente buena, gente wonderful!

Introduzirei um personagem novo (não tanto) neste capítulo! Honestamente, ele só não tinha aparecido antes porque eu tinha que fechar alguns pontos mais importantes antes.

Boa leitura! *-*



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Dezembro 

— Tudo bem se você não quiser responder, querido. — Gloria tratou de assegurar, com um sorriso amigável no rosto. — São apenas questionamentos formais da Dra. Lisa.  

Apesar de haver entrado em um estado de inércia, a investigação do "caso Lucca" não houvera cessado, ainda mais quando se tratava do garoto em si. A verdade é que estavam no caminho certo, desvendando camada por camada do mistério envolto no garoto, apenas não sabiam qual seria o próximo passo a se tomar. Chegaram à conclusão de que, apesar de ter um caminho falho, o garoto era a melhor pista que eles tinham para desvendar o mistério acerca de sua origem. Com a autorização da Dra. Clark, os questionamentos para Lucca por meio de Gloria haviam aumentado nas últimas semanas, mesmo que os mesmos fossem incômodos para o garoto.  

Lucca se tornara, com o tempo, apenas a ponta do iceberg. A equipe de Investigações Criminais Específicas estava muito grata pela existência do garoto, que desencadeou em um caso que, sem ele, poderia haver passado sem nunca ser descoberto. Estava muito claro para o Departamento de Doubleville que, o que quer que estivesse debaixo do tapete de Amoran, era muito mais grave e expansivo do que fora imaginado.  

Podia ser que restasse, por ora, apenas as memórias talvez apagadas de um garoto traumatizado. Mas eles fariam desta única pista existente, a única pista necessária para concluir o caso, custasse o que custasse.  

 — Não — murmurou ele, desviando os olhos da televisão para a assistente social com o rosto indecifrável. — Não são.  

Gloria franziu o cenho, dando-se conta que não seria tão fácil enganar Lucca. Ele, afinal, havia conhecido os agentes Hemming e Collins, e sabia que eram os mais empenhados nos interrogatórios. Ao menos, mais empenhados que a Dra. Lisa Clark.  

A sala estava tomada pela luz do sol em pleno meio dia, que entrava pelas janelas abertas da mesma, bem como o aroma de comida e o som do desenho animado que saía da televisão. Lucca estava sentado por cima das pernas na poltrona que costumava ser de Nigel, os olhos voltados para o Bob Esponja mais uma vez. Gloria, com uma perna por cima da outra e um bloco nas mãos, limitava-se a observar o garoto.  

— Tem razão — disse ela, com um sorriso. — As perguntas vêm de toda a equipe que você já conhece. Mas Lisa não permitiria que fossem passadas a você se não fosse de extrema importância, Lucca.  

Lucca franziu os lábios, já não prestando atenção no desenho animado que assistira nas últimas semanas. Gostava do bom humor de Bob, porque o fazia recordar-se de Nathaniel. Ao mesmo tempo, sentia-se como o Lula Molusco por não ter a capacidade de absorver a energia boa da esponja, bem como de interagir normalmente com a mesma.  

Suspirou em seguida, voltando os olhos para Gloria, que seguia a observar-lhe com carinho.  

— Eu pegou... — começou ele, mas parou instantaneamente ao perceber a própria falha. Tomou um segundo com seriedade antes de se corrigir. — Eu pegava comida para eu e para amigos.  

— Para mim — corrigiu Gloria, sorrindo mais uma vez. — Seus amigos, Sassenach e os outros?  

Lucca assentiu com a cabeça, baixando os olhos para a calça de moletom que usava. Levou a mão próxima ao joelho e beliscou o tecido algumas vezes, o que já houvera virado mania. Não gostava de pensar em Shahatoot e Loba, porque não gostava de lembrar de suas mortes. Desde sua mãe, não gostava de pensar em morte de forma alguma.  

— Nas lixeiras do laboratório? — tentou Gloria mais uma vez, o cenho franzido.  

Lucca assentiu, os olhos desfocados. Abriu a boca para falar, mas fechou-a novamente. Deu de ombros, como se não fosse nada importante, assim que percebeu o olhar questionador da assistente.  

— E quanto à água? — perguntou e o viu suspirar pesadamente, as sobrancelhas juntas. — Lucca, é importante sabermos como você sobreviveu por tanto tempo. Você sabe, porque já lhe foi dito — acrescentou quando percebeu que a expressão de Lucca havia fechado. — Você bebia água da mesma propriedade que conseguia a comida?  

— Sim — respondeu rapidamente, e Gloria percebeu que estava irritado. — Sim — repetiu, os olhos presos nos seus. — Água. Canos — falou pausadamente, o cenho franzido com irritação.  

— Canos? — tentou Gloria, o cenho franzido. — Você está falando das torneiras da propriedade?  

Lucca deliberou por um instante, lembrando que a dona Abigail já houvera chamado o "cano" da cozinha de "torneira", e que este devia ser o nome apropriado para quaisquer canos por onde saía água.  

— Sim — respondeu mais uma vez, virando o rosto para a televisão.    

Gloria suspirou, fechando seu bloco de notas e descruzando as pernas.  

— Acho que uma pausa cairia bem, não? — perguntou, tentando soar bem-humorada. — Estou certa de que Nathan já deve estar chegando. Vamos ver se o almoço está pronto?  

Lucca suspirou antes de assentir, pondo-se em pé em um movimento rápido, as meias largas em contato com o chão de madeira. Esperou que Gloria fosse na frente, já que não gostava de ter pessoas à suas costas e seguiu a mulher rechonchuda para a cozinha, os olhos negros focados nos cabelos crespos da mesma cor.  

Assim que pôs os olhos no rosto sorridente da Sra. Walker, dona Abigail, pensou que tentar um sorriso seria o adequado, mas desanimou-se para o ato. Desviou o olhar de suas mãos, que cortavam uma cenoura, para a porta aberta da cozinha, podendo ver a grama nos fundos da casa e vislumbrar a casinha de madeira que fora comprada para Sassenach. O cachorro ressonava alto em seu novo lar.  

Lucca sentiu-se estranhamente frustrado com seu amigo, já que não conseguia entender, de forma alguma, como ele se sentia tão à vontade em um lar que não era seu. 

— Tudo bem, estranho? — perguntou o Sr. Nigel, os olhos azuis desviaram do jornal aberto em suas mãos para focar no garoto, por cima dos óculos.  

Lucca assentiu prontamente, percebendo os cabelos brancos brilhando com o sol provindo da janela e porta abertas. Inclinou a cabeça ao observar o Sr. Walker e seu olhar amigável, sentado na cadeira de balanço no canto da cozinha enquanto que Abigail preparava o almoço com agilidade. Era uma cena repetida e Lucca estranhou a sensação de dejà-vu, reforçada pelo apelido que ganhara do chefe da família. Geralmente, quando vivia sozinho na floresta, o dejà-vu que tinha era sempre o mesmo: árvores, terra e Sassenach.  

Nigel era um homem sereno, Lucca descobrira, e continha facilmente o olhar mais bondoso da família. Apesar de peculiar, o apelido referido à si não ofendia, de forma alguma, a Lucca. Ambos sabiam disso, e sendo as duas pessoas mais quietas na casa, ambos apreciavam a comunicação silenciosa.  

Contrariando a previsão de Gloria, Nathan chegou apenas depois do almoço, com uma companhia esguia ao seu lado. Estavam todos acomodados na sala, com exceção de Gloria, que voltara ao seu apartamento, quando o carro estacionara em frente à casa. Abigail sequer tivera tempo de levantar para atender o filho mais velho quando o mesmo adentrou no cômodo, sua presença e tamanho tomando conta do ambiente. O caçula entrou logo atrás, a tempo de presenciar o abraço esforçado de sua mãe e Nathan, não antes que o médico visualizasse o garoto franzino na poltrona que tomara para si.  

Gustavus era mais baixo que Nathaniel e seus cabelos cor de amêndoas combinavam perfeitamente com os olhos do irmão mais velho. Tinha um sorriso no rosto, assim como todos da família pareciam sempre ter, e uma animação jovial quase exagerada. Lucca chegou a questionar se a felicidade instantânea havia sido passada dos pais para os filhos, assim como os olhos azuis que Gus também portava.  

— Eu sei, eu sei — falou ele ao receber um abraço apertado de seu pai. — Vocês sentiram minha falta! Eu também sentiria, se ficasse quase dois meses sem ter o vislumbre deste rosto lindo em meu campo de visão — completou, apontando para o próprio rosto ao separar-se de seu pai.  

Nathan riu alto do irmão caçula antes de aproximar-se de Lucca e embaralhar seu cabelo repicado, vendo-o encolher-se como de costume e fazer uma careta pelo ato. O médico colocou as mãos nos quadris ao observá-lo.  

— Você parece saudável — murmurou o médico, um sorriso em seu rosto.  

— Takk — respondeu Lucca em um sussurro, com um tom de interrogação.  

O sorriso de Nathan aumentou, já que aprendeu a gostar das palavras estrangeiras que Lucca deixava escapar de vez em quando, apesar de estar sendo mais cuidadoso com elas. Uma mão esguia apertou o ombro direito do médico antes que a figura aparecesse ao seu lado, os olhos azuis focando diretamente no garoto ainda desconhecido.  

— Olha só você — disse Gus, erguendo as sobrancelhas ao observar Lucca, os dentes alinhados à amostra. Lucca sequer piscou, a cabeça erguida ao observar as duas figuras semelhantes em sua frente. — Lucca, não? — perguntou Gus, relanceando Nathan antes de estender a mão para o garoto. — Eu sou o Gus.  

Lucca franziu o cenho ao encarar a mão de Gus antes de voltar os olhos ao mesmo, sem nada fazer. Gus exalava uma energia boa, apesar da animação em excesso deixar Lucca desconfortável, e era um Walker. Mas não o conhecia, afinal de contas. E não confiava em quem não conhecia.  

Nathan pegou a mão do irmão e baixou a mesma, um sorriso amarelo em seu rosto.   

— Perdoe o Gus, ele é mais energético do que gostaríamos — tratou de dizer, encarando as orbes azuis do irmão antes que ele as revirasse.  

— Energético e maravilhoso — acrescentou ele, voltando os olhos para Lucca com um sorriso. — Tudo bem, eu também não gosto de apertar a mão de quem não conheço. Aliás, gostaria de processar a pessoa que criou tal maneira de cumprimento — completou ao arquear uma das sobrancelhas e soltar uma gargalhada.  

Gus havia partido em uma viagem importante da universidade antes que seus pais contassem estar cogitando acolher Lucca. Apesar de haver descoberto que os pais o adotaram a partir de uma chamada no telefone, Gus já sabia algumas coisas a respeito do garoto. Além do que os pais o haviam contado por via da internet, Nathan passara o caminho inteiro para Cherub Field preparando-o para conhecer Lucca. O irmão mais velho parecia não querer, de forma alguma, que Gus assustasse Lucca com sua maneira espontânea de ser.  

Gus não entendia o porquê de Nathan haver-se conectado tanto com Lucca, mas não questionaria seus atos. Se sua família o havia acolhido de braços abertos, embora não literalmente, Gus também o faria. O que não faltaria para o garoto era amor.  

— Dois meses é muito tempo, Gustavus — disse Abigail, os olhos estreitados. — Você está proibido de viajar novamente por tanto tempo, seja por causa da faculdade ou não, sem me avisar!  

Gus girou o corpo rapidamente ao ouvir a voz de sua mãe perto de si. Tinha as mãos na cintura e os olhos azuis de bronca, como bem conhecia. Nem pensou antes de avançar na mãe para abraçá-la, erguendo a mulher do chão e obtendo um gritinho da mesma, enquanto se esforçava para manter a pose de brava e falhava miseravelmente. Gus riu em seu ouvido, deixando que a mesma voltasse ao chão, mas manteve o abraço de urso.  

— Ah, mamãe — disse ele, ainda rindo. — Eu sabia que se avisasse antes de viajar, a senhora me impediria com chantagem emocional! Não é, Nathan? — perguntou, ainda prendendo a mãe em seus braços.  

— Verdade. É exatamente o que você faria — respondeu ele ao encarar a mãe, sentado no sofá ao lado da poltrona em que Lucca estava.  

— Mas que calúnia! — protestou a mãe, mas o sorriso teimava em aparecer em seu rosto. — Onde já se viu, meus filhos me... 

— Eu trouxe um presente para a senhora — interrompeu Gus rapidamente, um sorriso largo no rosto ao obter um estreitar de olhos da mulher. Antes que a mulher falasse novamente, Gus tratou de ir buscar sua mochila no corredor da entrada. — Então sem reclamações.  

Abigail foi atrás do filho, a voz já amolecida ao dizer que presentes não eram necessários, e os dois sumiram de vista por um instante, as vozes tornaram-se mais baixas antes de voltarem. Gus tinha uma sacola de plástico nas mãos e um presente embrulhado na outra, que estendia para uma Abigail emocionada.  

— Lucca?  

Lucca desviou os olhos escuros da cena que se desenrolava em sua frente para o médico, que o encarava com uma das sobrancelhas arqueadas. Lucca devolveu-lhe o olhar, franzindo o cenho.  

— Gus é tão inofensivo quanto uma mosca — disse para o garoto, os lábios teimando em subir. — Não precisa se preocupar por ele.  

Lucca deu de ombros e encarou as orbes amendoadas do médico, que contrastavam violentamente com os cabelos negros do mesmo. As olheiras não estavam tão profundas quanto já houvera visto antes, mas ainda assim estavam presentes. Havia se barbeado desta vez, deixando o rosto ainda mais claro que o normal. Lucca desviou o olhar.  

— Tudo bem — murmurou, contrariado.  

Nathan pensava no que dizer em seguida quando a voz cantarolada de Gus invadiu seus ouvidos. Voltou a atenção para o irmão de cabelos castanhos, assim como Lucca.  

— Nathan, venha cá — cantarolou ele, fazendo movimentos suspeitos com o corpo. Nathan reprimiu o riso. — Tenho um presentinho para você também, seu médico delicioso!  

Lucca franziu o cenho, tentando entender como Nathan poderia ser delicioso se ele era uma pessoa e não uma comida. Incapaz de entender o humor por detrás das palavras de Gus, limitou-se a observar como Nathan ergueu-se do sofá com uma dança estranha e abraçou o irmão com força, fazendo-o resmungar. Gus deslizou as mãos pelas costas de Nathan como se quisesse esquentá-lo, ao ver de Lucca, e obteu uma gargalhada do mesmo.  

— Garotos — avisou a mãe, percebendo as palhaçadas dos filhos em frente a Lucca.  

A mulher não sabia se Lucca ficaria assustado, intrigado ou confuso com as brincadeiras de seus filhos e pensou em pará-los antes que o garoto fugisse mais uma vez. Mal sabia ela que o máximo que Lucca ficara era curioso com o relacionamento dos irmãos, ainda mais intrigado com a personalidade do médico. 

Sem dar ouvidos à mãe, ambos os filhos riram antes de se afastar. Nathan tomou o presente das mãos de Gus e o abriu com agilidade, deparando-se primeiramente com um DVD de Grey's Anatomy. Revirou os olhos nas órbitas antes que pudesse evitar, ouvindo a gargalhada do caçula em seu ouvido e empurrando-o sem gentileza alguma. Se impressionava com o humor de Gus e até onde atingia.  

— Relaxe, tem mais — falou, indicando o mesmo embrulho.  

Nathan encontrou, no fundo do mesmo, um carrinho azul de brinquedo. Arqueou as sobrancelhas ao lembrar-se que tinha um carrinho semelhante quando era criança, rindo ao perceber o simbolismo do presente. Gus havia sido o irmão que houvera derrubado o carrinho no chão e quebrado.  

— Tive que comprar! Encontrei na loja e fiquei abismado que era igual àquele que quebrei, lembra? — falou, animado ao tomá-lo das mãos de Nathan e virá-lo em suas mãos. — Havia jogado da janela para ver se parava em pé.  

— O quê? — perguntou o médico, pegando seu presente das mãos de Gus. Não sabia se ria ou se tentava manter a pose incrédula. — Você disse que havia derrubado no chão! — Aproximou-se do irmão e deu-lhe um peteleco na cabeça ao passo que o mesmo gargalhava.  

— Eu não acredito que você havia acreditado nisso! — gritou ele, defendendo-se ao rir. — Ei, ei! Espera! — tentou, rindo ao desviar do irmão. Ergueu a sacola plástica do chão mais uma vez. — Tenho mais presentes! Para todos! 

Nigel voltara da cozinha alguns segundos antes, com uma xícara de café em mãos. Arqueou as sobrancelhas ao ver os filhos bagunçarem a sala, enquanto que Abigail e Lucca assistiam, incrédulos. Relanceou Abigail, que ainda segurava a estatueta de anjo que ganhara do filho, antes de voltá-los a Gus. 

— Para que tanto presente? — perguntou, desviando dos mesmos e sentando no sofá.  

— Ora, estamos quase no Natal! Espírito natalino — falou Gus, simplesmente, remexendo na sacola.  

— Estamos no início de dezembro — respondeu Nathaniel, com uma das sobrancelhas arqueadas. Então, sua expressão mudou ao dar-se conta: — Você aproveitou para comprar os presentes na viagem e não aguentou esperar, não é?  

Gus revirou os olhos, mas Nathan riu da hiperatividade do irmão caçula. Gus não podia nem sabia esperar por absolutamente nada. Ergueu os olhos azuis rapidamente, com um embrulho em mãos e um sorriso no rosto.  

— Lucca — cantarolou, como se conhecesse o garoto a vida inteira. Foi a vez de Nathan revirar os olhos, abismado com o irmão. — Presentinho para você, irmão!  

Lucca arqueou as sobrancelhas ao ouvir a descontração em palavras de Gus e limitou-se a observar o presente apontado em sua direção. Alternou o olhar de Gus para o embrulho e do embrulho para o rosto sorridente de Gus. O rapaz não desistiu e Lucca não viu alternativa que não fosse pegar o presente de suas mãos.  

Desembrulhou-o com certa dificuldade, mas conseguiu terminar com rapidez depois que Gus dissera que o papel podia ser rasgado. Nathan sentara ao seu lado mais uma vez, certamente mais curioso do que Lucca com relação ao presente de Gus. Assim que não havia papel algum envolvendo o objeto, Lucca girou-o em seus dedos com curiosidade.  

Tratava-se de um globo de vidro, sustentado por uma base de madeira. Haviam cerca de cinco árvores, ou simulações de árvores, dentro do vidro e o chão do mesmo estava coberto por algo completamente branco, semelhante à neve. Lucca franziu o cenho ao perceber que os pontinhos brancos se mexiam ao passo que mexia o objeto nas próprias mãos. 

— É um globo de neve. — A voz de Nathan chamou sua atenção, fazendo com que girasse o rosto para encarar seus olhos castanhos. 

Nathan não tinha um sorriso completo em seu rosto, como de costume, mas seus olhos brilhavam com carinho. Parecia satisfeito com o objeto que Lucca ganhara, deixando-o confuso, já que não entendia a finalidade do mesmo. Aliás, sequer chegava à sua compreensão a finalidade de ganhar um presente por si só. 

— Veja — continuou o médico, levando uma das mãos para o objeto nas suas. Lucca relutou por um instante ao sentir o calor da pele alheia, mas relaxou minimamente ao forçar-se a lembrar que podia confiar nele. — Se você sacudi-lo, ou virá-lo de ponta-cabeça, a neve irá se espalhar — falou, as mãos nas de Lucca ao virar o objeto para baixo —, assim. — Voltou a deixá-lo em pé, observando as sobrancelhas de Lucca arquearem-se. 

Lucca sequer percebeu as mãos do médico deixarem as suas, tamanho o deslumbramento pelo objeto curioso. Deixou a boca abrir em um "oh" silencioso, observando a pequena floresta em miniatura sofrer com a neve de forma paciente. Emergiu na dimensão do objeto de tal maneira que esquecera estar cercado por pessoas, por alguns segundos. Era como se tivesse um pedaço do universo em que vivera durante muito tempo em suas mãos. Um pedaço de seu lar, tomado pela neve de fim ou início de ano. 

Gus ainda mantinha-se em pé em frente à poltrona de Lucca, os olhos azuis também voltados, com curiosidade, para a cena em sua frente. Desviou-os rapidamente para seu irmão sentado ao lado do garoto, percebendo os olhos dele em si como um agradecimento silencioso. Estava satisfeito que Gus houvesse comprado algo para Lucca também, e ainda mais pela escolha que fizera. 

Nigel, ao lado de Nathan, e Abigail, próxima à porta, também observavam a cena com carinho. Não podiam admitir no momento, mas lhes era emocionante que Lucca se encantasse com algo  a ponto de baixar a guarda, talvez pela primeira vez, perto deles. Sequer podiam imaginar tudo o que o menor houvera passado, e vê-lo em uma postura tão diferente à que postava há sete meses antes, era alentador.

Lucca, então, ergueu os olhos para Gus, que arqueou as sobrancelhas pelo movimento repentino. O maior sorriu animadamente, tentando disfarçar o fato de que todos o estavam observando nos últimos minutos, mas Lucca sequer havia notado. 

— Obrigado — falou, em um murmúrio não tão baixo. Seus lábios subiram levemente ao baixar os olhos para o globo mais uma vez, quase em um sorriso. — Eu gostou muito. 

A neve estava toda abaixo das árvores novamente. 

A verdade é que Lucca sequer conseguia lembrar quando ganhara um presente pela última vez. Se pensasse um pouco além, não saberia dizer se chegou a ganhar algum presente em algum momento da vida. 

Apesar do objeto obtido trazer um calor sutil ao seu peito, Lucca ainda não era capaz de compreender o que, de fato, sentia. Tudo relacionado à família que lhe acolhera era estranho para Lucca, não só porque nunca fora tão bem tratado na vida, como porque era incapaz de assimilar a dimensão do quão bem o fazia. 

Lucca tinha uma inocência particular com relação ao mais simples da vida, era certo, mas não era completamente alheio. Já sabia que não possuía todo o conhecimento que a maioria das pessoas usufruía, bem como desconhecia boa parte dos nomes e objetos que se faziam presentes na própria casa em que se encontrava. No entanto, sentia como se houvesse uma peça faltando em si, algo que o deixasse anormalmente distinto. 

Sabia que lhe escapava à compreensão certas ações ou acontecimentos à sua volta. Era um sentimento estranho, na superfície de si, que o deixava agitado, como se tivesse uma pulga atrás da orelha. Sentia como se lhe faltasse um conhecimento além dos mais simples, além do que a Sra. Jones era capaz de lhe explicar.

Lucca sentia como se não possuísse a capacidade, talvez física, talvez mental, de absorver todo o carinho que lhe era dado.


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Notas finais do capítulo

Duas coisas:
1) Demorei porque não tava me dando bem com a escrita. Depois de muita briga e dor de cabeça, consegui terminar um capítulo aceitável (eu acho) para postar ahahah.
*Lucca é um personagem muito difícil de lidar, serião. Muito difícil pôr em palavras e desenvolver o crescimento dele ao longo da história... Fico muito feliz por ter optado a terceira pessoa pra história, caso contrário, já havia ficado doida! Hahahhah.
2) Atualmente, tem 50 acompanhamentos na fic, mas é bem desanimador a quantidade de pessoas a deixar críticas aqui :/

Então... Amem, odeiem, mas me digam o que acharam, sim?



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