Lucca escrita por littlefatpanda


Capítulo 13
XII. Simplicidade


Notas iniciais do capítulo

Gente boa, gente bela, gente quase totalmente fantasma! *-*

1) O.M.G. Lucca recebeu sua primeira RECOMENDAÇÃO, yey! Obrigadinhaaaa, Deby Costa, pelas palavras queridas ♥
2) Tudo bem que demorei uma semana a mais para postar esse capítulo, mas ficou tão bonitin que - creio eu -, valeu a pena! Yey!

Boa leitura! *-*



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Novembro 

— Três semanas já se passaram e ainda não me acostumei com este cachorro — contara Abigail, os olhos azuis presos nos de Sassenach, que também a encarava.  

Nathaniel riu, sentando-se na cadeira da cozinha e fazendo carinho no husky de pêlos bonitos. Sassenach latiu, virando-se de barriga para cima ao abanar o rabo com fervor. Os olhos azuis da família, como o médico brincava, estavam semi-abertos devido à extensa felicidade com apenas alguns segundos de carinho.  

Apesar de desconfiado, assim como seu dono, o husky não levou mais do que apenas algumas horas para que Nathan conquistasse sua confiança. Três semanas depois, já recebia lambidas e sacudidas de rabo por toda a casa. O médico indagou como seria se o dono de Sassenach fosse tão facilmente entregado como ele.  

— Eu me acostumei no primeiro dia — revelou Nathan, rindo da sobrancelha arqueada da mãe. — Ora, ele é a família de Lucca também. Parece-se com ele, não acha? — indagou, encarando os olhos estreitos do cachorro, devido à mão que parara de acariciá-lo. — Um pouco mais desregrado que o dono, é claro, mas que cachorro não é?  

Riu alto quando Sassenach latiu em resposta, como se concordasse veemente com suas palavras. A mãe, que lavava a louça com calma, girou o rosto mais uma vez para sorrir. 

Passou-se menos de um segundo para que Sassenach sentasse em um pulo, a língua voltando para dentro da boca ao passo que mexia as orelhas. Nathan arqueou a sobrancelha, já reconhecendo a atitude do husky, antes de girar o rosto para a porta da cozinha. O mesmo pôs-se a latir enquanto corria para a porta e sumia de vista. Nathan desviou os olhos para a mãe, que balançava a cabeça como se também já entendesse a comunicação silenciosa entre os dois.  

Em seguida, Lucca apareceu na cozinha com os cabelos molhados, Sassenach pulando e latindo à sua volta com alegria. Gloria apareceu logo após, um sorriso tranquilo no rosto.  

Nathan apontou para o caderno na mesa de jantar, no qual estivera trabalhando durante a tarde, assim que Lucca aproximou-se o suficiente. Uma ruga formou-se entre suas sobrancelhas quando ele percebeu de que se tratava, seguido de uma careta desgostosa. O médico deu de ombros, sorrindo.  

— Você precisa treinar, sabe disso — alertou, indicando a cadeira para que se sentasse, mas foi ignorado. — Fiz exercícios simples, como o da Sra. Jones, para você fazer. Tenho certeza que consegue — confirmou, sorrindo para lhe dar um pouco de incentivo.  

A Sra. Jones fora contratada especialmente para lidar com os estudos de Lucca. Começara com uma análise parcial do nível de conhecimento do mesmo. Assim soube por onde começaria: as letras. O aprendizado de ler e escrever geralmente dá-se junto, aos poucos, em uma combinação dos dois. Os exercícios eram muito simples: imitar as letras do alfabeto e repeti-las verbalmente. Diversas vezes. A primeira tarefa não era muito complicada para Lucca, já que aos poucos aprimorou sua caligrafia de acordo com as demais (todo mundo ajudava com suas tarefas). A segunda tarefa, no entanto, gerava um conflito de interesse. Era notável que Lucca não gostasse muito de usar sua voz, ainda mais quando se eram requeridas palavras específicas dele, lê-se: teimosia. No entanto, a complicação deu-se por conta de que não era possível saber se ele houvera entendido qual a pronúncia de cada letra ou se o fato de poupar sua voz o poupava também de aprender.  

Nathan houvera dirigido para a cidade natal todo fim de semana, nas poucas horas que tinha livre, o que nem sempre continha um fim de semana inteiro. Havia chegado na residência dos pais na parte da manhã e voltaria de madrugada, indo direto para o hospital. Aproveitou o momento em que Lucca tomou para banhar-se, para fazer um rascunho dos exercícios de repetição. Se o garoto estava se recusando a colaborar na segunda parte dos exercícios, ao menos o médico poderia certificar-se de que a primeira parte, a da escrita, fosse completada perfeitamente.  

— Vamos, resmungão — disse ele, vendo que o garoto houvera ficado de cócoras para brincar com Sassenach, os cabelos molhados cobrindo-lhe o rosto. — Vai desperdiçar o tempo maravilhoso disposto de minha companhia mesmo?  

Assim que os olhos negros focaram no rosto de Nathan, o médico postou uma expressão triste no rosto, fazendo com que Lucca revirasse os olhos. O médico quase engasgou-se com a risada, surpreso toda vez que o garoto lhe presenteava com alguma reação diferente. Não achava que já o houvesse visto revirar os olhos alguma vez, deu-se conta.  

— Muito bem — falou, assim que Lucca sentou-se na cadeira. Ou melhor, agachou-se em cima da cadeira. Mania que teimava em não deixar para trás. — Veja que ocupei três linhas para todas as letras do alfabeto. Você vai repeti-las em quantas linhas abaixo puder, está bem?  

Lucca puxou o lápis com um resmungo e pôs-se a trabalhar, limitando-se a ficar mudo: sua especialidade. Nathan o observou calmamente, relanceando Gloria que, sozinha, fazia algumas anotações em papéis das suas diversas pastas. Um silêncio se instalou na cozinha após Abigail se retirar, dizendo que teria de ir ao mercado com o marido.  

Lisa Clark, após a revelação de Lucca sobre o pai, partiu em direção à Doubleville mais uma vez. Lucca houvera se adaptado perfeitamente na residência Walker, parecendo feliz em seu novo lar, o que permitiu que a psicóloga partisse com a consciência tranquila.  

Depois de uma extensa pesquisa na presença de Nathaniel Walker, que repetia da melhor maneira que pôde as palavras estrangeiras que Lucca usara, a doutora descobriu que o idioma do pai em questão era o Hindi. Podia ser que Lucca houvera se confundido, ou mentido, mas a pista que eles tinham era clara: seu pai era indiano. Lisa podia apostar que se tratava da verdade, visto que tanto a cor da pele e os cabelos revoltos, quanto as feições de Lucca claramente retratavam pelo menos a descendência indiana. A aparição de Sassenach, apesar de resolver o mistério acerca do mesmo, apenas deixou mais uma ruga enorme no rosto de Lisa. De onde havia surgido o animal, afinal de contas?  

Com esta pergunta em mente, bem como a origem semidescoberta de Lucca, a psicóloga não pensou duas vezes antes de deixar Cherub Field para trás. Assim, ao pôr os pés na Delegacia de Doubleville e ao pôr-se em dia com as investigações, a equipe empenhou-se em trabalhar ainda mais no caso de Lucca. Escassos de pistas, com exceção do laboratório de pesquisas em genomas, a qual se recusava a depor, todos ficaram animados com a origem do garoto.   

Gloria Jensen ficaria por mais alguns meses, durante a transição de Lucca, na residência do casal. Estavam sendo completamente condescendentes para consigo, abrigando-a em alguns dias para que não tivesse de se locomover de seu apartamento até lá e voltar. Estava satisfeita com a mudança de Lucca. O garoto parecia satisfeito em seu lar, e agora que houvera encontrado Sassenach mais uma vez, deixava alguns sorrisos genuínos escaparem de vez em quando. Não tentara fugir nem uma única vez, com exceção de sua fuga para a floresta ao perseguir o husky que tanto amava.  

Os gritos de Nathan foram ouvidos por seus pais, que apressaram-se em descobrir o que houvera ocorrido. Nigel espiou por cima do muro da parte traseira da casa, mas tudo o que vira foram os vultos dos dois correndo em direção à floresta. Esperaram por um tempo para que voltassem, mas depois da demora de meia hora, chamaram Gerard e sua equipe. Não demorou para encontrá-los, sentados na terra com o cachorro pulando em torno de Lucca sem parar. Nathan relatou que, ao perguntar a Lucca sobre a saída, o mesmo apontou para a região sul, entretido com Sassenach. Os policiais confirmaram, surpresos que  Lucca soubesse. Ao ver a felicidade dele com o amigo, Nathan imaginou que pudesse dar mais um tempo para o reencontro dos dois, permanecendo ali por alguns minutos a mais, não imaginando que causaria preocupação nos pais. 

 Gloria, em silêncio na extremidade da mesa, tornou a erguer os olhos de suas anotações para as duas presenças masculinas ali. Lucca já havia escrito em metade da folha, o semblante concentrado, enquanto Nathan limitava-se a monitorá-lo. A assistente social soltou um suspiro, observando-os com atenção. Apesar de haver pensado que a ligação de Lucca com Nathan era o melhor que poderia acontecer com o garoto, agora começava a se preocupar com a mesma. A dependência de Lucca do médico para que avançasse em seu progresso intelectual e social era alarmante.  

— Lucca — chamou Nathan, despertando Gloria de seus devaneios —, você não gostaria de cortar os cabelos?  

Lucca fez uma careta antes mesmo de erguer os olhos do caderno, com o cenho e os lábios franzidos. Negou veemente, voltando a abaixar a cabeça, os cabelos caindo aos olhos mais uma vez. Gloria entendeu o motivo de Nathan tocar no assunto, já que o garoto era virado em ossos e cabelos ambulantes.  

— Tem certeza? — tornou a perguntar, um meio sorriso típico no rosto do médico. 

Nathaniel, apesar de ser um homem atraente, segundo a opinião de Gloria, tinha a beleza disfarçada atrás do rosto pálido e as constantes olheiras embaixo dos mesmos. A barba negra geralmente ficava aparecendo, fazendo-a ter a certeza de que o médico não tomava muito tempo para apará-la. Talvez uma vez a cada semana. Ou a cada duas semanas, indagou, observando o rosto cansado do mais velho.  

— Eu vou cortava depois — resmungou Lucca, os olhos nas letras cursivas que desenhava. Nathan ergueu os olhos para Gloria com a sobrancelha arqueada, soltando um "tsc tsc" ao voltar os olhos para o garoto. Gloria teve de reprimir o riso ao observá-los.  

— "Eu vou cortar depois", você quer dizer — alertou ele, o rosto aproximando-se de Lucca até os olhos cor de amêndoas ficarem rentes aos do menor. — E é claro que não vai. Eu é que vou cortar, com minhas mãos habilidosas de médico — declarou, mexendo os dedos das duas mãos como se provasse para o garoto que eram mágicos.  

Gloria podia ver que não havia um tom de repreensão na voz de Nathan, mas no minuto que Lucca se aquietou para sustentar o olhar no médico, este pressionou os lábios com o intuito de não rir. Lucca, então, deu de ombros e voltou a atenção para o papel. Terminou de desenhar uma das letras e empurrou o caderno para Nathan, que abriu um sorriso ao disparar os olhos pelas linhas no papel.  

— Sua caligrafia está melhor que a minha — riu Nathan, e pude ver que não era de todo uma mentira. — Parabéns, pequeno — disse, com o olhar perdido no papel antes de erguê-los a Gloria. Sorriu largamente ao estender o caderno para a assistente social.  

— Isto está muito bom, Lucca — concordou ela, encarando as letras cursivas que, embora estivessem levemente tremidas, foram desenhadas perfeitamente para alguém que está aprendendo. Então olhou para Nathaniel, que tinha o semblante orgulhoso. — Se ele continuar assim, vai terminar os estudos antes do previsto. Não alcançará a turma que deveria estar no colégio, mas pode ser que complete todo o ensino fundamental e médio ainda novo. Talvez em cinco ou seis anos — falou, dividindo o olhar entre os dois de forma empolgada. — Isso é ótimo, Lucca! — contou, percebendo a confusão do mesmo ao ouvi-la falar.  

— Ah, então eu não sou o único a pensar no futuro acadêmico do rockstar aqui — disse, referindo-se ao cabelo grande e emaranhado. Riu ao perceber o sorriso animado de Gloria, que concordava com a cabeça.  

Talvez por sentir-se incomodado pela atenção e os olhares carinhosos em sua direção, Lucca desceu da cadeira e sentou-se no chão. Sassenach houvera adormecido abaixo de sua cadeira e acordou assim que Lucca acariciou sua cabeça. Rolou com a barriga para cima, deixando expostas as cicatrizes dispostas na frontal de seu corpo peludo. Nathan franziu o cenho ao observar, lembrando-se que houvera esquecido de mencionar as cicatrizes do husky para a Dra. Clark.  

— Lucca — chamou, vendo Sassenach lamber a mão do mesmo —, você sabe o que houve com Sassenach? — Lucca ergueu o rosto rapidamente, confuso, antes que Nathan apontasse para a barriga do mesmo. Ao perceber do que se tratava, deu de ombros.  

— Não, mas... — começou ele, detendo-se. Franziu os lábios e abaixou a cabeça completamente. Estranhando o comportamento, o médico atirou-se no chão também, do lado oposto ao de Lucca.  

— Mas? — incentivou, também fazendo carinho na criatura lambona.  

— Por um tempo — murmurou, dando de ombros mais uma vez.  

Nathaniel suspirou, tentando decifrar o garoto, como sempre fazia. Precisava de algum tempo e de uma boa dose de paciência para a escassez de palavras.  

— Por um tempo o quê? — perguntou, desistindo de decifrar.  

Lucca conseguia ser muito difícil quando queria, afinal. Quase levantou-se para pedir ajuda à Gloria, mas não queria atrapalhar suas observações. Fazia alguns dias que a assistente mantinha-se quieta, observando muito e fazendo diversas anotações. Dizia se tratar de uma das últimas etapas de seu trabalho na casa dos Walker.  

— Ah, Lucca — resmungou ele, inclinando o rosto para tentar ver os olhos negros escondidos por detrás das madeixas castanhas. — Me conta, por favor. Você sabe que eu sou muito curioso! — tentou, visto que era a mais profunda verdade. Seus lábios se ergueram quando ouviu um suspiro do menino.  

— Sassenach tem machucados por um tempo — resmungou ele, erguendo os olhos grandes para Nathan. O médico assentiu devagar, tentando incentivar-lhe a falar mais. Estranhamente, para seu fascínio, funcionou. — Eu encontrou Sassenach pequeno. E Shahatoot. E Loba.  

Nathaniel manteve-se estático, com medo de que, qualquer movimento seu pudesse influenciar para que Lucca parasse de lhe presentear com sua voz. Assentiu novamente, os olhos sequer atreveram-se a piscar. Pigarreou, a mão estática na barriga de Sassenach.  

— Outros? — perguntou, vendo Lucca levar o braço ao rosto para afastar os cabelos, em um movimento que se repetia cada vez mais à medida que os mesmos cresciam. Assentiu com a cabeça, dando de ombros. — Parecidos com Sassenach? — arriscou, quase implorando para que ele falasse mais.  

— Sim — respondeu ele em um murmúrio. O cenho franziu mais uma vez, o semblante pensativo, como se estivesse lembrando de algo. As palavras que saíram de sua boca logo após, no entanto, fizeram o coração de Nathan diminuir dentro do peito. — Eu enterrou eles.  

O beiço quase imperceptível, não fossem os olhos atentos de Nathan, durou apenas um segundo. A mão magricela brincava com uma das orelhas de Sassenach, enquanto o mesmo mantinha-se quieto, adorando o carinho. Nathaniel engoliu em seco algumas vezes, recuperando-se antes de fazer-se ouvir mais uma vez.  

— Sinto muito, Lucca — murmurou, recém percebendo o silêncio que se instalara no ambiente. O som da caneta de Gloria havia cessado, de forma que o fez imaginar que ela estaria atenta à conversa também. Talvez com o estômago tão embrulhado quanto o dele.  

Inconscientemente, Nathaniel acabou levando a mão até a do garoto, que se encontrava na orelha do husky. Lucca paralisou por alguns segundos antes de puxar a própria mão para seu colo, a ruga entre suas sobrancelhas crescendo.  

— Ei, eu não estou sujo — resmungou Nathan, tentando amenizar o clima. Sorriu, afastando a sensação ruim que a revelação do garoto trouxera. — E juro que você não vai levar choque! — acrescentou, rindo ao observar a careta do menor.  

Era óbvio que toques não eram permitidos, restringindo apertos de mãos, afagos de cabelos – o que Nathan insistia em fazer quando o pegava desprevenido –, e também os abraços. Para o médico, estes simples gestos eram essenciais em sua vida, em sua carreira. Tanto que era uma das primeiras coisas que se aprendia quando médicos começavam a residência no hospital. Pacientes precisavam de toques e amparos, ainda mais quando estavam prestes a serem abertos em uma mesa de cirurgia, visto que estes gestos indicavam a humanidade dos médicos que os operarão.  

Lucca se tornaria muito menos retraído, pensava Nathan, se aceitasse os carinhos que dava para Sassenach. 

O som de passos chamou a atenção dos dois, fazendo-os girar o rosto em direção à porta da cozinha. Abigail e Nigel entravam na mesma com sacos de compras nas mãos, assim, Nathan e Gloria dispararam na direção dos mesmos para ajudá-los. Trocaram um olhar silencioso, sobre as palavras de Lucca, antes de começar a conversa acirrada com os pais. 

— Estamos um pouco atrasados, mas já vou começar a preparar a janta — comentou Abigail, separando o que usaria para o macarrão com molho. — Querido — chamou, vendo três pares de olhos voltarem-se para si. Chamava todos pelo apelido carinhoso, afinal. Sorriu, encarando os olhos escuros de Lucca. — Conseguiu fazer os exercícios que Nathaniel preparou para você?

— Sim — murmurou, assentindo com a cabeça. 

— Conseguiu perfeitamente — acrescentou o médico, sorrindo. Em seguida, arqueou as sobrancelhas com sua ideia. — Vai ganhar um corte de cabelo por isso. Não é, Lucca? 

Acenou com a cabeça incessantemente, como se assim estimulasse que o garoto repetisse seus movimentos. Riu alto quando o viu resmungar, voltando a atenção ao seu amigo, que agora disparava em direção à porta aberta do quintal. 

— Ok — resmungou o garoto, fazendo com que vários pares de olhos se dirigissem a ele. No entanto, para não alarmá-lo, voltaram à suas tarefas como se nada houvesse acontecido. Era estranho, realmente, ouvi-lo sair de suas respostas comuns, como o sim e o não

— Ok — repetiu Nathan, sorrindo. — Vamos, lá para cima! 

Havia algumas mudanças sutis que deixavam Nathan visivelmente alegre. Fazia semanas que Lucca já não se alarmava, seja com um pulo, seja com um tremor, a cada vez que algo repentino ocorria. Os ombros tensos estavam cada vez mais relaxados, e a expressão desconfiada cada vez desvanecia um pouco mais. 

Havia algo de divertido na maneira como Lucca se afastava alguns passos de si ao caminhar de maneira irregular. Se tentasse chegar mais perto, sabia de certeza que as pernas já preparadas do garoto se dobrariam em um intuito de agachar-se como proteção. Por muito tempo, Nathan pensava nisto como algo triste. No entanto, percebendo que ocorria cada vez menos, e sabendo que o garoto confiava em si, tornara-se algo divertido de observar. 

Estavam os dois sentados na cama que um dia fora de Nathaniel. O médico estava sentado como um índio, e Lucca, como era de se esperar, sobre as pernas. Não quisera chegar tão perto de Nathan e muito menos quisera ficar de costas para o mesmo, os olhos esbugalhados presos na tesoura que havia nas mãos do médico. Nathan suspirou, balançando a cabeça. 

— Você tem que confiar em mim — falou, encarando a tesoura nas próprias mãos. Não havia como não ativar os instintos protetores de Lucca  ao segurar um objeto afiado, imaginou. — Eu preciso da tesoura para cortar este ninho de passarinho que você chama de cabelo. — Deu um meio sorriso. — Posso? 

Havia se arrastado na cama até chegar próximo o suficiente do rosto de Lucca, que estava estático. Ergueu uma das mãos para pegar uma mecha dos cabelos, afinal, teria de cortar de frente para o garoto mesmo. Assim que a segurou entre os dedos, levou a tesoura de forma mansa para apará-la. No entanto, seu pulso fora segurado com força por Lucca, que tinha as narinas infladas. 

— Sinto muito — murmurou o médico, franzindo o cenho. — Péssima ideia, péssima ideia — falou, tentando um sorriso, da mesma forma que tentava se afastar. 

Lucca, entretanto, manteve-se segurando o pulso de Nathan por cerca de um minuto, sem sequer mexer-se. Assim que se acalmou, visto que o médico não ousara sequer respirar, frouxou o aperto até soltar de vez o pulso alheio. 

— Corta — falou, meio sério meio emburrado. Fechou as duas mãos em punho, cada uma em um joelho, e prendeu o olhar escuro no de Nathan. 

O maior assentiu, cortando com agilidade as madeixas emaranhadas. Inicialmente, tomou todo o cuidado do mundo para não alarmá-lo, mas passado alguns minutos, deixou-se relaxar assim como Lucca. Sabia que os cabelos não ficariam perfeitos e tampouco rentes, mas daria o seu melhor. 

Os cabelos castanhos de Lucca não eram lisos e nem cacheados. Era um meio termo, ondulados, e Nathan não soube dizer se essa era mesma a forma que os fios tomavam ou se haviam ficado assim devido à tanto nó no mesmo. 

— Estou aqui me perguntando — murmurou, quebrando o silêncio ao tentar, com muito esforço, cortar os fios posteriores de Lucca sem fazê-lo virar de costas para si — como você cortava seus cabelos anteriormente. 

Caso não houvesse cortado os cabelos durante os possíveis sete anos que passara nas florestas, eles estariam próximos aos pés do garoto. Não era o caso, afinal. 

— Sem tesouras, digo — acrescentou, já não incomodado com o olhar fixo em seu rosto. Chegou a sorrir, percebendo que era o mais próximo que havia estado de Lucca desde que o conhecera. 

— Vidro — esclareceu ele, em um murmúrio quieto. 

— Vidro? — Nathan parou rapidamente o que estava fazendo, inclinando a cabeça com curiosidade. — É mesmo? 

Lucca moveu-se pela primeira vez desde que o médico se acercara, assentindo com a cabeça, sério. Nathaniel achava curioso que, apesar de parecer ser uma criança na maioria das vezes, às vezes Lucca parecia ser mais velho do que ele próprio. A seriedade e calmaria que havia nele o lembravam um senhor de idade. Sorriu, balançando a cabeça. 

— Então não me sentirei muito culpado pelo trabalho que estou fazendo aqui — disse, rindo ao observar as madeixas completamente desalinhadas. 

Afastou-se assim que terminou de cortar e tentar ajeitar os fios rebeldes, largando a tesoura na cama e observando o rosto que parecia haver clareado. Havia certa irregularidade no lado esquerdo do cabelo, fazendo com que o médico anotasse mentalmente: dez pontos para talento em cirurgias, mas zero talento em habilidades como cabeleireiro. Apesar de tudo, os cabelos não houveram ficado tão ruins. Além da irregularidade no lado esquerdo e alguma que devia haver na parte detrás de sua cabeça, no mais, o resto parecia estranhamente normal. 

— Ficou mais bonito que eu, se é que isso é possível — disse, rindo alto da careta de Lucca. — Venha ver. 

Levantou-se e girou o espelho de corpo inteiro que havia no seu antigo quarto. Lucca encarou o reflexo sem levantar-se da cama, dando de ombros em seguida, como se não se importasse. Ao perceber o desdém no rosto do moreno, Nathan soube que ele realmente não se importava. 

Suspirou, lembrando das vezes que houvera imaginado como a vida seria se as pessoas não complicassem tudo. Imaginava que, embora não houvessem tantas confusões, o mundo seria entediantemente calmo. Ao encarar Lucca, no entanto, os olhos negros fixos em si ao invés de no espelho, imaginou que estava errado. 

Lucca era, afinal, a personificação da simplicidade. E não havia absolutamente nada de entediante nele. 


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Notas finais do capítulo

Sem comentários as habilidades de cabeleireiro de Nathan! HAHAHAHAH

Vou pedir coments, não só porque sou carente de amor e carinho, mas porque NECESSITO! Please!

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam! *o*