Lucca escrita por littlefatpanda


Capítulo 10
IX. Ser amado


Notas iniciais do capítulo

FELIZ DIA DAS MÃES!

E boa leitura! *-*



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Setembro 

Lisa Clark sustentava o olhar de selvagem de Lucca com determinação, com o intuito de demonstrar-lhe que não deixaria passar em branco – ou em silêncio – suas últimas proferidas perguntas. Já provara ao adolescente, como descobrira ser a partir do raios-X prontos, que ele podia confiar nela. Já havia posto em prática todas as etapas verbais e corporais usadas em vítimas de eventos traumáticos, com toda sua dedicação e esforço. Sabia que, se Lucca ainda se recusava a responder, é porque não queria responder.  

— Não — murmurou Lucca mais uma vez ao perceber a insistência da mulher. O que tanto negava durante os últimos minutos eram as perguntas referentes à sua família, assunto que ainda estava por ser resolvido e aparentemente amargurava o garoto adolescente.  

Lisa suspirou, tirando os braços apoiados na mesa para inclinar-se em direção à cadeira, encostando as costas na mesma. Relanceou o vidro espelhado da sala de investigações da imensa Delegacia de Doubleville com os olhos cismados, sabendo que atrás do mesmo estavam seus companheiros da I.E.C e o próprio delegado, antes de focar os mesmos em Lucca novamente.  

Mais de quatro longos meses haviam se passado desde que Lucca fora transferido para Doubleville para o início da profunda investigação de sua aparição. Devido ao seu comportamento violento, a estadia na casa de Gloria Jensen, assistente social, tornara-se impossível nas primeiras semanas. Um quarto para o garoto fora improvisado em uma das salas vazias da grande delegacia neste meio tempo, até Lucca se acostumar com a presença de Gloria e, por fim, dormir na residência da mesma. Sua estadia com a assistente social ia completar três meses. 

A doutora suspirou, os olhos azuis fixos nos negros à sua frente.  

Lucca já não estava tão franzino como quando aparecera, no entanto, as roupas ainda eram compradas em um número maior devido ao seu desconforto com roupas justas. Os cabelos castanhos insistiam em crescer, apontando em todas as direções possíveis. Nem Lisa nem Gloria julgaram necessário cortar as madeixas onduladas do garoto depois de tanta coisa que ele passara a ter que fazer contra a própria vontade. Banhos, incluso.  

Fora uma surpresa descobrir que, apesar de ainda ser um mistério, a idade de Lucca variava entre treze e dezesseis anos, como demonstrara o raio-X. Apesar disto, não houvera chegado à puberdade, talvez devido à desnutrição e às doenças sistêmicas.  

Os exames de sangue demonstraram que, apesar de Lucca não ter nenhuma doença grave, as diversas inconstâncias em seu organismo poderiam gerá-las facilmente. Estava seriamente desnutrido e desidratado. Foram detectadas mais de um tipo de anemia, quedas da pressão arterial, mais de um tipo de intoxicação alimentar, tais como infecções dermatológicas e internas – que já estavam em tratamento, graças à assistência médica fornecida pela delegacia. O hospital em que o garoto havia sido levado dera as informações necessárias para que eles tentassem repor as vitaminas, proteínas, carboidratos e lipídios que faltavam em Lucca. O único nutriente em demasia no corpo magricela era a vitamina D, provinda das horas que ele devia ter passado no sol.  

Ainda assim, era questionável o motivo pelo qual Lucca fora encontrado desnutrido e desidradato ao invés de morto. Ainda era um enigma a localidade da comida e bebida que mantivera Lucca vivo por tanto tempo.   

— Lucca, você... Você quer voltar para onde estava? — Lisa obrigou-se a perguntar, observando as reações do menor. — Você quer retornar ao lugar que vivia antes?  

— Com Sassenach — respondeu ele em um murmúrio desgostoso.  

Lucca mencionara Sassenach mais vezes do que podia contar. Ficava muito agitado ao mencionar o amigo, a ponto de haver tentado escapar quatro vezes após a menção do nome do mesmo. Queria ir atrás dele, para protegê-lo, custasse o que custasse. 

Sassenach precisa comer. Eu precisar dar comida para ele! Lucca havia dito certa vez, com desespero refletindo nos olhos escuros. Talvez a frase mais longa que usara até o momento. 

Lisa não estava certa de que Sassenach era uma pessoa, um animal, ou se ao menos existia. O apelido usado por escoceses não era realmente um nome de pessoa. Mas ao perguntar a Lucca inúmeras vezes à respeito, ele se limitava a responder que se tratava de um amigo. Devido à sua postura e comportamento acerca do mesmo, não lhe escapava a percepção de psicóloga que Lucca tinha uma extrema afeição e carinho com relação a Sassenach, como se fosse o que de mais precioso ele tem no mundo.  

— Certo — falou a psicóloga, observando os ombros tensos do garoto. — Mas eu não posso levá-lo até lá, com Sassenach, se não me disser onde fica.  

Ele franziu o cenho, baixando os olhos em direção às mãos, que se retorciam como um tique nervoso. Lisa podia ver a nuance de teimosia que aparecia nas expressões de Lucca. O silêncio que prevaleceu na pequena sala indicou a Lisa de que não seria respondida.  

— Você não sabe como me levar até lá? Não quer que eu te leve?  

— Não.  

Lisa ergueu uma das sobrancelhas sem perceber, imaginando o que significava a resposta que mais saía pela boca de Lucca: Se ele não sabia como chegar lá ou se ele não queria ninguém invadindo aquele espaço dele.  

— Lisa — disse a voz de Hemming através da caixa de som —, venha aqui. Agora.  

Simpático como sempre, pensou a psicóloga.  

Assim que chegou ao outro lado do interrogatório, deparou-se com uma série de expressões diferentes. Gloria tinha um sorriso largo no rosto, o delegado tinha o cenho franzido, Hemming uma expressão furiosa e Collins parecia impassível.  

— Você pretendia nos contar seus planos com relação ao garoto? — Hemming inquirou, afetado. — Não pode mandá-lo de volta à Cherub Field! Está maluca? 

Lisa relanceou Gloria a fim de saber se ela houvera contado à Hemming sobre a decisão, mas não soube decifrar o olhar da mulher sorridente. Voltou os olhos à Luke, abrindo a boca para responder, mas se tratava de uma pergunta retórica.  

— Estamos no meio de uma investigação! E estamos empacados! Precisamos do garoto para continuar! — Luke continuou a exaltar-se.   

— Não posso obrigá-lo a contar tudo que precisamos saber — disse ela, impedindo a série de impropérios que sairia da boca de Luke. — Estamos empacados com a investigação, Hemming, mas estamos empacados com Lucca também. Não vai conseguir mais nada dele, não desta forma.  

Luke bufou, encarando Grace para que o apoiasse. A mesma piscou algumas vezes antes de se pronunciar.  

— E de que forma deveríamos conseguir algo, Clark? — A agente perguntou, cruzando os braços. — O único que podemos fazer é seguir interrogando-lhe.  

— Ao meu ver, não estamos tendo muito progresso com isto — fez-se ouvir o delegado.  

Todos voltaram a atenção ao mesmo, dando-se conta de que haviam esquecido da presença do chefe. Nelson Bridget, de cabelos grisalhos e lábios franzinos, sorriu brevemente em direção à doutora Clark. Sabia que havia feito certo em contratá-la, não só pela experiência em campo da mesma, como pelo bom senso que faltava em seus agentes.  

— Estávamos todos observando o interrogatório, não? — O delegado perguntou, observando o garoto do outro lado do vidro. — Se todas as suas conversas com Lucca têm sido assim nos últimos tempos, então é óbvio que não estamos tendo progresso algum. — Virou em direção à Clark. — Confio em seu julgamento, doutora. Mas preciso saber por que acha que ele deve voltar à Cherub Field.  

Lisa inspirou fundo, lembrando da conversa que tivera com Abigail e Nigel Walker alguns dias antes, acompanhada de Gloria. 

— Ele conectou-se àquelas pessoas, delegado, de uma forma que não se conecta com mais ninguém. Nathan especialmente — contou Lisa, relanceando Gloria. — Gloria têm sido incrível, mas não pode abrigar Lucca para sempre, este não é o trabalho dela. — Gloria assentiu com um sorriso. — Lucca precisa sentir-se seguro, em um ambiente que goste e cercado de pessoas que confia. Eu posso apostar que assim que isto acontecer, ele se sentirá seguro o suficiente para contar tudo o que sabe. Talvez aconteça pouco a pouco, mas o fará. — Lisa inspirou fundo. — Ele já não é de ajuda para o caso e o caso tampouco é de ajuda para ele.  

Luke bufou mais uma vez, levando as mãos à cintura.  

— Lucca é o caso, Clark, caso não tenha percebido — disse, em tom sério.  

— Deixe estar, Luke — interveio o delegado, levando uma mão ao ombro tenso do outro. — Se Lisa está dizendo que esse é o melhor para a investigação, tanto quanto é para Lucca, é porque essa é verdade. — Então virou para a psicóloga novamente. — Gostaria que tivesse nos informado antes a respeito disto, Lisa.  

A psicóloga ergueu os ombros rapidamente.  

— Perdão, senhor. Mas eu imaginei que obteria estas reações — contou. — Lucca precisa de um lar e eu acredito que seja em Cherub Field. Gloria o acompanharia durante a transição. Ficaria na cidade pelo tempo necessário até que ele se adapte ao lugar. Eu o deixaria na guarda de Nathaniel, mas como médico, ele não tem muito tempo livre e isso não seria o adequado para alguém como Lucca.  

— E um casal de idosos é o adequado? — Luke perguntou com ceticismo.  

— Uma casa grande com um belo jardim e uma família que tem experiência com meninos e todo o tempo do mundo para dedicá-lo à Lucca é o adequado — rebateu, já nervosa. — Não peço que entenda, Hemming. Peço apenas que confie em meu julgamento. — Então, suspirou. — Mas eu nem ao menos sei se isto acontecerá. Eu e Gloria propomos a ideia para Abigail e Nigel, mas eles não responderam ainda. Pode ser que neguem nosso pedido.  

Lisa tentava decifrar o rosto do delegado, que houvera relanceado Luke brevemente, quando Gloria interrompeu o breve momento de silêncio com entusiasmo.  

— Eles aceitaram, Lisa! — Gloria sorria. — Faz pouco que fizeram a ligação, contando a novidade. Eu vim aqui justamente para te contar! — Riu ela, relanceando os outros presentes no cômodo. — Eles ficarão com o garoto até sua maioridade. Não se importam de tentar ajudá-lo, mesmo que haja uma possibilidade dele não se adaptar. — Então inspirou fundo antes de colocar em poucas palavras: — Eles querem tomar conta de Lucca!  

Lisa demorou um tempo a entender antes que pudesse suspirar de alívio. Era a única notícia boa que recebera há algumas semanas, mas era a única que desejava.

Lucca mudando-se para Cherub Field, por mais incrível que parecesse, era exatamente o que facilitaria e aceleraria o progresso da investigação. Além das informações que Lucca poderia fornecer, a equipe de I.E.C teria mais motivos para trabalhar duro. Haviam criado certa dependência dos interrogatórios de Lucca, perdendo um pouco da amplitude que o caso dele tomava. Tanto Hemming quanto Collins precisavam de uma nova perspectiva. Lisa, obviamente, não se atrevia a contar-lhes a respeito disto.   

No entanto, principalmente, Cherub Field era o melhor que podia acontecer ao seu paciente. Lucca poderia aprender de forma rápida o alfabeto tanto quanto podia aprender o que é fazer parte de uma família amorosa. E isto era o que ele mais precisava. Mais do que aprender a viver em sociedade, mais do que aprender a usar as palavras, mais do que aprender a caminhar direito.  

Precisava aprender como é ser amado. 


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Notas finais do capítulo

1. Fim de outra etapa.
2. Não se zanguem por não ter Nathan+Lucca, ok? Terá no próximo!
3. Errei as datas, perdão! Era pra postar esse junto do outro. Separei os dois capítulos por TOC mesmo AHAHHAH, não queria que ficasse com quatro mil palavras num capítulo só.

Amem, odeiem, mas me digam o que acharam! *O*



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