“Memento Mori” escrita por Astus Iago


Capítulo 1
“Memento Mori”




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Astus Iago estava a ser perseguido. Por que razão? Até para ele se tratava de um mistério, um mistério que pretendia esquecer e manter insolucionável, longe de tudo e todos. “Pretendia” – não é que conseguisse realmente fazê-lo. Só tomava conhecimento das roupas que vestia, roupas de prisioneiro, e de um estranho recipiente com um enigmático comprimido. Também não sabia o propósito ou função daquilo mas aquele vestuário não era de todo conveniente. O seu nome era a sua única memória. Falando com sinceridade, nem era bem uma memória. Lera o seu nome numa pequena placa de aço presa à sua vestimenta. Isso sim já foi conveniente. É sempre bom sabermos quem somos.

Qual teria sido o seu crime? Estava numa das maiores prisões de alta segurança jamais criadas. Não deve ter sido coisa boa. Só pode ter sido algo sério. Porque estaria ele ali? Quem seria ele? Informação ecoava-lhe pelo cérebro, escorria-lhe em frente aos olhos como uma cascata de sinapses. Os seus neurónios nunca estiveram tão ativos. Desde que se lembrava.

Quatro homens fardados perseguiam-no. Escondido atrás de uma parede, Astus conseguia ouvi-los.

—Vê lá se não estragas tudo no teu primeiro dia…

—Cala-te, Slui! Já repetiste isso milhares de vezes.

—Não façam barulho! Aprendam com o novato que nem fala!

Era verdade. O restante homem não falava, mantinha-se no meio dos restantes, nervoso.

Estavam cada vez mais próximos e não havia por onde fugir. Felizmente, Iago acabara de relembrar que havia sido treinado na arte do combate. Afinal, talvez os criminosos sejam mais instruídos do que a maioria pensa! Com as duas mãos e toda a sua força de braços, arrancou um tubo de metal que se encontrava preso à parede e usou-o para atingir violentamente um dos seus perseguidores. Um golpe preciso na cabeça terminou com a sua vida. Assassinar um guarda não estava planeado mas, pelos vistos, sabia fazê-lo com graciosidade e exatidão. Não devia ser a sua primeira vez. O novato, destreinado e sem saber o que fazer numa situação destas, entrou em pânico e fugiu pelo corredor. Só restavam dois. Um deles, apanhado de surpresa, tentou sacar uma arma a tempo. Não foi rápido o suficiente. Caiu por terra, desmaiado e com umas quatro costelas fraturadas. O último, Slui, não ofereceu resistência. Rendeu-se e cedeu as suas armas ao fugitivo.

Porém, Iago não ficou satisfeito. Observou um recipiente na algibeira do guarda semelhante ao seu. Mas aquele tinha dois comprimidos.

—Para que serve isto?

—São drogas que usamos para apagar a memória dos prisioneiros mais perigosos.

Agora fazia sentido. Faltava-lhe um comprimido pois este havia sido ingerido por si. Essa ingestão do químico, consequentemente, causara a sua amnésia. Porque será que tinha um recipiente daqueles em sua posse? O guarda continuou:

—O novato não tinha as suas. Foi você que as roubou, não foi?

Pelos vistos, sim. Era possível que este “novato” lhe soubesse explicar o que realmente aconteceu pois, supostamente, fora ele o responsável por lhe apagar a memória. Antes de partir, intrigado, Astus questionou:

—Que crime cometi?

—Não sei. Não sou responsável por esta área. Estou só aqui hoje como reforço de segurança temporário. Nunca vi a sua cara antes.

Nada estava perdido. Ainda tinha o novato. Este devia saber alguma coisa. Deixou Slui e correu por onde o outro havia fugido. De certeza que aquele guarda que acabara de deixar sozinho chamaria ajuda mas ainda tinha algum tempo. Tinha de saber a verdade. Era tudo o que lhe restava.

Correu e correu. Enquanto corria, pensava. De certeza que possuía uma família. Uma mãe, um pai e, quem sabe, esposa e filhos. Era totalmente exasperante não saber quem era, ou melhor, quem havia sido. Tentara esquecer o assunto de início mas, agora, tornara-se impossível. Descobrir a verdade tornara-se necessário. Tornara-se na única coisa que o mantinha vivo.

Perdido em pensamentos, acabou por atingir um beco sem saída. Inesperadamente, Slui apareceu atrás de si. Não pedira ajuda a ninguém. Pegara numa arma de um dos seus colegas caídos e seguira o prisioneiro por si só.

—Não tens por onde fugir, escumalha!

Era verdade. Tinha uma arma apontada à cabeça. Mas mais nada. Não tinha mais nada. Perdera-se. As suas memórias, a sua vida, tudo.

—Já não há volta atrás…

Com um movimento rápido, atingiu o guarda com o tubo e projetou-o contra o solo. Este último ainda conseguiu disparar um tiro, mas nem a dor tem o poder de travar um ser desesperado. Antes que Slui se pudesse levantar, Astus Iago pontapeou-lhe a cabeça repetidas vezes até ter a certeza de que estava morto. E bem morto.

—Já não há volta atrás.

Largou a sua fiel arma de confiança e observou a face desfigurada da sua mais recente vítima. Esboçou um sorriso sádico. Não podia fazer mais nada. Sabia agora muito bem quem era. Um criminoso. Um ladrão. Um assassino. Acabara de o provar. Finalmente, sentia-se novamente ele próprio. Aceitara o seu ser. Encontrara-se. Voltara a ser feliz.

Mas não foi por muito tempo. Para ser mais específico, foi até uma bala lhe atingir o encéfalo. Caiu e ali ficou, incrédulo, de olhos bem abertos. O guarda novato revelou-se. Nem parecia o seu primeiro dia de trabalho. E não era mesmo! Do cadáver do fugitivo, retirou o recipiente com a poderosa droga. Deixou ali, no chão, o seu cartão de guarda com o nome “Matus Ieugef” inscrito em caracteres dourados. No fundo, nem era seu. Já não. Pois Astus Iago já não precisava daquele disfarce. Contudo, talvez o jovem Matus precisasse de apresentar a sua verdadeira identificação nos portões do Outro Mundo.


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