O nascimento de Lucy Iordache (Lucy, Origem) escrita por Natália Alonso


Capítulo 9
Capítulo 9 – De volta para casa




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“Está com medo? – ele me perguntou enquanto mastigava uma cereja em seus lábios.”

 

 

 

 

Valahia, 1460

 

Assim que chegamos ao castelo de Bran, fomos encaminhados para o salão, onde haviam inúmeros vampiros que preenchiam o local, todos preparados para uma verdadeira batalha. Alguns escalados na parede me observam de longe, olho para cima e vejo mais dos sanguinários soldados na varanda. Próximo as janelas há agora um par de tronos, o grande grupo de amaldiçoados se abre formando um corredor para aquele que chamam de Rei. Drácula está sentado, observando a nossa caminhada enquanto alguns sussurram sobre mim, e outros sentem sede ao ver Jekyll e Dorian. Vlad se porta muito diferente, ele tem seu Clã agora, sentada ao seu lado um novo rosto, uma mulher muito bela, jovem, loura de olhos azuis.

Dorian e Jekyll ficam juntos a mim, quando estamos de frente aos reis peço a eles pararem de pé, eu avanço ainda até poucos metros deles finalmente posso falar.

— Que bom que veio, Lady Lucy.

— Milady.

Drácula levanta os olhos e fita por um instante o rosto de Dorian.

— Milady Lucy, que bom que veio. — diz ele com certo tom incisivo.

Eu sorrio debochadamente.

— Você foi tão insistente, aqui estou Conde Drácula. — É fácil ouvir seus súditos cochichando, provavelmente por eu ter me aproximado, por não ter me curvado, ou por chamá-lo de Conde.

— Uma vez você me jurou lealdade, que iria em uma guerra por mim. Bom, agora estou em guerra, e preciso de um comandante.

— Achei que aquele juramento tivesse... bom, achei que já tivesse a sua comandante. — Olho para Shiva em pé ao seu lado, trajando uma vistosa armadura, ela carrega o elmo na mão direita e porta uma grande espada presa a cintura. Logicamente que ela responde ao meu olhar, com o seu, com grande desgosto em testemunhar minha figura viva.

— Eu preciso de um comandante que meu exército siga. E a linhagem de sangue tem grande valor aqui.

— Sim, posso imaginar. — respondo ainda olhando para Shiva, volto o olhar para Vlad e ainda questiono. — E após a luta?

— Assim que acabar, você receberá o restante do pagamento e estará livre de qualquer compromisso comigo. — Shiva olha irritada para ele, afinal, mesmo com uma nova noiva, ela está lá, e não acho que ela seja o tipo que aceita dividir.

— E meus amigos?

— Tem minha palavra que estarão em segurança.

Fico pensando que sua palavra não costuma valer de muita coisa, mas agora, com um Clã ele precisaria manter uma postura e além do mais... que outra opção eu teria? Eu aceno com a cabeça, a mulher ao lado dele se levanta e caminha para mim, informa que vai nos conduzir aos nossos aposentos. O Clã abre espaço para nossa passagem, passando por eles posso ouvir seus sussurros de “rainha dos condenados”.

Caminhamos pelo corredor, ela indica o quarto de Jekyll e o que dividirei com Dorian. Ela pede que ele entre no aposento e que eu acompanhe.

— No começo eu tinha muitos ciúmes de sua memória, Lucy, mas Vlad me disse que você o mudou e, foi por isso, que ele me contou tudo antes de me transformar.

— Então você teve uma opção que eu não tive... desculpe, não sei o seu nome.

— Mina. Eu queria te falar que seus amigos estarão em segurança, Vlad mudou.

— Com todo respeito, Mina, mas você não conheceu o Vlad que eu vi, não sabe se ele realmente mudou.

— Talvez. É possível que esteja certa. — Ela olha pela janela ao longe, observo seu perfil muito delicado e quase angelical, ou pelo menos é assim que imagino os anjos. — Essa guerra está se estendendo demais, não confio em Shiva, Vlad diz que sou muito preocupada, mas acredito que ela esteja criando um grupo separado do Clã.

— Eu não vim para cuidar disso. Eu vim por que fui ameaçada, por que ele ameaçou meus amigos.

— Eu sei que você não tem que cuidar de Shiva, mas estou dizendo pois acho que ela pode tentar lhe ferir de alguma forma.

— Mina, eu sou uma vampira, eu regenero.

— Ah Lucy, você já deveria saber que nem todas as feridas regeneram tão facilmente. — Ela toca minhas mãos, quase como amiga, estranhamente sinto verdade em suas palavras.

Estamos no meio do castelo, olhando por uma janela a um jardim interno. Nele sinto o cheiro de algum felino andando no meio das árvores e pequeno lago artificial.

— Ele tem uma lince.

­— Não sabia que ele gostava de animais de estimação.

— Não? Achei que você, dentre todos nós, seria a que mais saberia do quanto ele gosta de manter o controle de tudo.

Sim, quando ele me manteve por quase um ano em uma masmorra escura como se fosse um animal acorrentado.

— Você tinha acabado de me falar que ele mudou.

— Ele mudou em manter a palavra. Mas ele ainda sente desejo por animais selvagens.

— Eu não era uma selvagem. Pelo contrário, era muito cativa. Aliás, acho que foi exatamente esse o problema. — Ela interrompe minha voz com uma alta gargalhada.

— Podia ser tola, cativa de deixar que lhe ordenassem. Foi criada de forma religiosa, não é? Ainda acredita Nele?

— Não sei onde quer chegar, Mina.

— Ele mandou outros para a mesma prisão que te teve, mas ninguém nunca saiu de lá, Lucy. Você foi a única a sobreviver e sair pela porta da frente, libertada por ele mesmo.

— Devo entender isso como um elogio?

— Deve entender como uma sobrevivente, resistente e teimosa demais para morrer. É por isso que não quero que Shiva ganhe, vocês duas são fortes e sobreviventes. Mas ela, eu sei que não terá escrúpulos.

— Estou avisada então. Obrigada.

Deixo Mina na janela do jardim interno e me dirijo ao meu quarto. Vou precisar estar descansada se vou para batalha logo, obviamente não é a mesma coisa que matar nobres e políticos. Penso em meu pai e fico lembrando de estratégias de caça que podem dar certo. Entro no quarto e ouço sussurros vindos do banheiro, me aproximo devagar e percebo a voz de Dorian como que falando com alguém.

— Seria perfeito, imagine o que poderíamos fazer...

— Dorian?

— Sim. — Ele esconde o objeto de suas mãos entre as pernas, de costas para mim.

— Estava falando comigo?

— Não, eu estava... rezando. — Estranho bastante essa resposta, mas já tive estranhamentos demais por um dia, prefiro me deitar e relaxar daquele trem que balançou e faz muito barulho durante a noite.

Alguns dias se passam e estou preparando alguns ataques com o Clã, todos são devidamente habilidosos graças as suas almas malditas, todos me chamavam de Lince.

— Em batalha não devem me chamar assim. Nem todos do nosso exército serão do clã, e os turcos não costumam aceitar muito bem uma mulher em batalha, muito menos comandante. Serei o General Lúcios, e assim que devem me chamar a partir de agora.

— Sim, Sr.

Posso observar ao longe Shiva conversando com Dorian embaixo da árvore, eles olham para mim e falam, vejo que sorriem um para o outro e sei que isso não é algo bom. Frequentemente os vejo juntos, fico lembrando do que Mina me falou dias antes. Meus pensamentos são interrompidos pelo galopar do mensageiro, ele rasga o campo e vai direto ao castelo. Vou verificar qual é a notícia urgente. Ao chegar no salão vejo Vlad preocupado, o mensageiro caído no chão e agora posso ver as flechas e seu peito.

— Eles chegaram nas planícies ao Leste, se não defendermos as colinas eles nos cercarão e tudo estará perdido. — avisa Vlad.

— O Clã está pronto, neste caso preciso de um segundo comboio, eu defendo a planície central e o segundo cerca os turcos pelas colinas florestadas.

— Eu farei isso, posso usar a cavalaria para isso. — interpela Shiva para nós.

— Ótimo, então está resolvido. — fala Vlad nervoso com a notícia.

Vlad sai pelo corredor, eu me retiro para chamar os vampiros para se organizarem, sairemos ao amanhecer, Shiva vai atrás de Vlad.

— Temos 2.500 romenos e apenas 500 vampiros para todos os 6.000 turcos. O que está fazendo é loucura, Vlad!

— Não me chame assim! — Ele vocifera e vira irado antes de entrar no jardim de inverno.

— Desculpe, mestre Drácula. — Shiva lamenta.

— Vampiros são muito mais eficientes, você vai com os nobres em cavalaria, sequer estará no chão, o que está reclamando?

Ela o observa entrar no jardim de inverno no centro do castelo, ao seu lado direito, em um pedestal, ele abre uma ânfora prateada e pega um naco de carne. Caminhando no meio da folhagem seca ele se senta em uma pedra dando dois tapas na coxa esquerda. Shiva, claramente incomodada observa a lince branca e acinzentada sair entre os arbustos, pegar o naco de carne das mãos de Vlad e sentar aos seus pés.

— Tem certeza que está focado na guerra? Ou em outras coisas?

— Eu não tenho que me explicar para você, Shiva. — responde enquanto o animal lambe suas mãos, ele lambe outra mão com sangue da carne, antes de passar as duas mãos generosamente na fera controlada. A pedra verde de sua coleira brilha por um momento.

— Acha isso justo comigo? Até mesmo com Mina? — reprime Shiva apontando para o felino.

— Se esqueceu que foi Mina quem foi buscar a gargantilha de seu quarto? Ela me entende e você... você não fará nada. Ou eu mesmo irei secar o seu sangue, não irei dividir sua carne nem mesmo com as moscas.

 

 

 

*********

 

Rapidamente 3.000 homens e vampiros saem da região do castelo de Bran e se direcionam para as planícies Leste, o balanço do cavalo é calmante e enquanto passamos pelas pastagens fico lembrando das caçadas com meu pai. O correr do cervo sobre a relva e a flecha certeira entre suas primeiras costelas.

Minha armadura é prata fosca, leve e simples. Trago comigo a uma espada e algumas facas presas dentro de minha armadura. Shiva sempre cavalga atrás de mim, em um momento ela me alcança.

— Então, assim que o primeiro batalhão for tomado eu e o segundo grupo entramos cercando com a cavalaria?

— Exatamente. Se eles verem todos nós chegando juntos poderão também fazer alguma estratégia, precisamos contar com a falta de planejamento deles.

— E quando devemos entrar?

— Espere o meu sinal. Quando eles já tiverem cansado você traz a cavalaria.

— Certo.

 

 

 

Na manhã seguinte Shiva já está de pé com sua rebuscada e ornada armadura. Assim como eu ela também irá se passar por um líder masculino, os vampiros e o clã obedecem nossas ordens, não se importam em seguir mulheres. Mas os soldados humanos, os romenos não. E se formos capturados pelos turcos, seria ainda pior. Ela direciona os nobres da cavalaria entre as árvores da floresta. Eu, trancei o cabelo rente a cabeça, enfaixo meu rosto e cabelos e cubro tudo com o elmo. Caso meu elmo caia ainda terei tempo de disfarce, a última coisa que preciso são de meu próprio exército questionar minhas ordens, ou também não ser temida pelos turcos. Lidero o meu comboio e vamos para as planícies, lá os turcos já nos aguardam. Um mensageiro se aproxima.

— És o comandante de Milorde Drácula?

Eu confirmo com a cabeça e falo abafada pelo elmo fechado.

— General Lucius.

— Sou o negociante de Mehmed Segundo. — Ele aponta para o grande homem ao longe, em seu cavalo, seu líder. — General Lucius, isso ainda pode ser evitado. Basta permitir a nossa entrada pacífica, o rei sabe que não poderá governar sem súditos. Essa terra produtiva muito nos interessa.

— E os homens dessa terra?

— Irão servir ao nosso Império, é claro.

— Servir... claro. Isso você diz das mulheres.

— Não podemos permitir que tenham soldados a nos ferir... mas serão gerados novos soldados em suas mulheres, esses fiéis ao Império, é claro.

— Claro. Bom eu ouvi a sua proposta, não podem dizer que não abri a negociação. Agora volte logo para seu bando e empunhe sua arma para que eu possa te matar com honra.

— General Lucius, essa planície será regada com o sangue de seus homens.

Ele se vira e volta ao seu grupo, fala com o líder no cavalo branco. Sua armadura de couros e malha metálica orna seu gigantesco dorso. O comandante então faz um gesto com o braço, grita de forma animalesca e uma chuva de flechas escurecem o céu.

O caos reina, os escudeiros avançam correndo após a primeira chuva de flechas, no solo eles correm com suas espadas curvadas atacando os meus. O que eles não esperavam era que nem todos eram apenas homens, os membros do clã esperam eles se aproximar quando rasgam sua carne com as mãos. Assim, o imenso exército de Mehmed não será tão terrível, principalmente com nossa cavalaria.

Eles se aproximam de mim, ergo o cavalo e o faço dar coices nos que se aproximam por trás, o controlo para que gire em volta de si enquanto os atinjo com minha espada. Algumas flechas ricocheteiam em minha armadura, outras atingem as nádegas marrons de meu animal. Ele está confuso e um pouco cansado, o forço a levantar quando um se aproxima com a lança. O guerreiro finca a ponta longa no peitoral marrom, mas com o animal em pé, ele morre e cai sobre o tolo invasor. Aproveito a altura do sacrifício de meu cavalo para saltar com a espada a outro guerreiro, divido o seu corpo em dois com minha espada. Rapidamente se amontoam a minha volta, preciso girar para que se afastem.

Eu uso a espada com a mão direita e com a esquerda pego uma de minhas adagas. Cravo a espada no corpo de um, a adaga no ombro do outro e o puxo para mim, atravessando a espada por suas costas. Chuto seu corpo para tirar a espada rapidamente e ter impulso para girar e decepar a cabeça do que estava atrás de mim. Uma nova frente de flechas escurece o céu, o som das pequenas estacas atravessando couros e atingindo ossos é seco e em todo ao redor. Com essa ordem, os arqueiros turcos matam muitos, inclusive alguns de seus próprios escudeiros, posso ouvir os últimos relinchar de cavalos sobreviventes. Meus vampiros têm pouca ou nenhuma armadura, logo ficam cansados, teimosos eles permanecem comigo, eles levam as flechas, mas regeneram rapidamente. Posso ver quando uma delas atinge a garganta de um amaldiçoado aliado, ele a quebra e solta um rosnado ao tirá-la do pescoço. Assim sobram poucos de nós, somente os meus vampiros, ainda que lutando para se equilibrarem entre os corpos empilhados de romenos e turcos. Mais turcos que romenos.

A segunda horda de ataque é anunciada, vejo que agora inclusive o gigante se aproxima, galopante ele urra enquanto seu grupo grandioso cobre o nosso olhar, não tenho mais cavaleiros, somos poucos vampiros restantes e preciso de nossa cavalaria. Eu caminho entre os cadáveres no chão para ver Shiva e os nobres saindo da floresta. Eu ergo minha espada e a clamo, Shiva faz um sinal com a mão e aos poucos os cavaleiros vão se embrenhando na mata novamente. Ela não virá, a traidora permanece imóvel, fica observando os cavaleiros turcos se aproximarem de meu bando para fazerem um verdadeiro massacre.

Os cavalos impõem a ordem em meus homens exaustos, assim que chegam, os turcos se organizam, eles não tentam perfurar meus guerreiros malditos. Eles decepam suas cabeças sem pensar em outro ataque, percebo que na verdade eles sabiam o que éramos. De uma forma extremamente eficaz, meus homens caem aos poucos, ouço os gritos, o som oco da maça em suas cabeças e o zumbido de espadas. Ataco os cavaleiros, mas eles parecem me evitar, assim que percebem meu elmo se afastam, não me deixando me aproximar.

Vejo o líder me olhar fixamente antes de se aproximar com sua clava, ele chega quebrando duas cabeças no caminho antes de quase me atropelar em seu alazão. Passa por mim, para e retorna, ele quer mesmo me matar sem sequer sair de seu cavalo. Mas quando está próximo novamente, eu corto as pernas do animal a minha frente fazendo-o girar o corpo no ar caindo sobre seu comandante. Vou até a lateral do animal, quando já ergui a minha espada para matar ambos tenho um grande espanto, o gigante arremessa o animal aleijado usando apenas uma das mãos. Levo um susto e dou um passo para trás, fico confusa com o que vejo, ele se levanta com facilidade e percebo que minha altura acaba apenas em seu peito. Lentamente ele faz um movimento de baixo para cima com sua clava para me atingir, eu levanto a espada para defender, mas sou arremessada com força pela relva.

Ele possui cabelos longos e negros com algumas tranças saindo bagunçada e ensanguentada cabeleira, ele urra enquanto corre em minha direção com passos lentos e pesados. Defendo com a espada o ataque da maça dele, direita, esquerda, viro o corpo e atinjo em cheio seu joelho. Olho perplexa para sua perna não cortada, eu tinha certeza que tinha ating... ele me acerta com a maça a minha cabeça, eu caio no chão completamente amortecida e sinto tirarem meu elmo, entregam ao gigante que o ergue no alto, mostrando a sua vitória a todos, ouço o seu urro feroz em comemoração. A imagem dele a minha frente aos poucos se apaga junto com meus olhos se fechando.


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