O nascimento de Lucy Iordache (Lucy, Origem) escrita por Natália Alonso


Capítulo 8
Capítulo 8 – Dorian




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Já teve a sensação de estar fora de si? Não estou falando de falta de controle, uma briga, mas de estar literalmente fora, como se pudesse ver você e os outros a sua volta. Será que estou delirando de novo? – Pensamentos de Lucy Iordache

 

 

 

Londres, 1459

 

 

O meu encontro com Dorian rendeu muito naquele dia. Fora uma tarde sobre pinturas, um café, muitas risadas e um estranho encantamento por esse homem, que em poucos meses se tornaria meu esposo. Em mais alguns encontros o conheci melhor. Estudava História e trabalhava no museu de Londres catalogando as peças e obras. Tinha uma grande paixão pelas artes plásticas e antiguidades. Ele me apresentou muitos amigos, nosso círculo social era intenso e muito interessante. Um pintor, um boêmio e um estudante de medicina, cada um com seu talento particular. Basil Hallward, o pintor, fazia quadros de forma exuberante, inclusive fez um misterioso quadro para Dorian, o qual nunca vi. O médico era Henry Jekyll, um talentoso pesquisador e químico que analisava cada atitude nossa, obcecado pela natureza da força e vitalidade. E Lord Henry Wotton era o boêmio, que nos divertia em suas festas, sendo ousado com as mulheres, inclusive de amigos.

Em uma noite fria, tomávamos vinho quente ao lado da lareira. Dorian se aproximara de mim de forma gentil e cada vez estamos mais envolvidos. Quando ele me beija, inclino-me para trás, minha mão esbarra na taça de vinho no chão e acabo apoiando meu corpo nela. A taça quebra, cortando minha mão e o meu sangue se mistura ao vermelho do vinho no tapete amarelo. Rapidamente Dorian pega um lenço para me ajudar com os cacos.

— Deixe-me tirar o vidro.

— Não precisa, Dorian. Eu estou bem.

— Para de bancar a durona, você não trabalha para mim. — fala enquanto puxa a minha mão.

— Dorian, por favor... — Ele vê o corte se fechar diante de seus olhos, fica completamente paralisado e olha para mim.

— O que...

— Vê como não foi nada. Foi só impressão que tinha machucado.

— Lucy.

— Deixa eu jogar fora os cacos agora. — Tento levantar para que o assunto seja encerrado, ele me segura o pulso.

— Eu sei o que eu vi. Lucy, eu sei que você está escondendo algo de mim.

— Dorian. Eu prefiro não falar sobre isso.

— Lucy, por favor, me explique. O que foi isso que acabei de ver?

— Acredite, não é uma boa explicação.

— Tente, por favor.

Eu olho profundamente para o seu rosto, sua feição assustada passa a tomar uma nova forma, de euforia. Ele fica contente por minha condição, ele acredita rapidamente quase como se já conhecesse sobre vampiros. Começa a me perguntar cada vez mais sobre o que posso fazer, todas as minhas habilidades que descobri durante esses anos.

— É por isso que está me contando tudo isso de sua história, Drácula, Shiva, agora tudo faz sentido... te conheço a meses e nunca a vi ter sequer um resfriado. Nunca reclama de dor e...

— E?

— Lucy, eu sei que você não menstrua.

— Oh. Mas como você chegou a essa conclusão? Eu teria que te informar quando eu menstruasse?

— Bom, eu sei fazer contas e eu sei que deveria vir a regra uma vez por mês mais ou menos. Mas nunca você tem uma semana que reclama de dor ou que queira ficar isolada.

Está bem, realmente não precisa ser tão esperto para descobrir isso já que estávamos juntos a tanto tempo. Após contar minha história sua curiosidade ao invés de saciada acaba estimulada.

— Sabe da pesquisa de Jekyll, ele ficará maravilhado com isso.

— O que? Quer que eu conte a ele... isso não é algo natural Dorian, é uma maldição!

— E se não for para ser algo ruim?

— O quê?

— E se isso que para você não foi natural pode ajudar Jekyll a salvar muitas pessoas. Ele está tentando elaborar uma fórmula que acelera a regeneração. Já imaginou quantos homens seriam salvos em guerras? Quantas pessoas deixariam de morrer por causa de um parto ou um crime?

— Dorian eu não sei se... — Ele me interrompe segurando meus braços.

— Por favor, fale com ele sobre isso. Eu lhe garanto que ele só vai pesquisar, é meu amigo de confiança. E isso, pode se tornar algo fantástico para outros, uma benção.

Eu aceitei. Aceitei que o médico analisasse minhas habilidades, aceitei a entrada de Dorian em minha vida. Eu o amei com grande fervor, naquela mesma noite inclusive.

Henry Jekyll pesquisava os efeitos de regeneração muscular e força. Logo se interessou em minhas habilidades. Ele frequentemente usava o meu sangue e pele como forma de estudo, fazia testes e tentava replicar essas habilidades na pele de outros seres. Os porcos e coelhos sofreram, a maioria deles começava muito forte e resistente, mas em pouco tempo entravam em agonia e morriam.

Dorian apoiava muito o amigo, sua pesquisa o fascinava e torcia para que pudesse revolucionar toda a nova medicina. Estranhamente, os outros se afastaram, nunca mais vi Basil, ele brigara com Dorian e ele desapareceu da vista de todos. Nesse período, encontrei o festeiro Henry em um restaurante, assim que me viu, ele encerrou rapidamente a conta e se retirava do local. Quando passou perto de mim na porta, o questionei.

— Henry, nunca mais lhe vi nos bailes de Dorian. Aconteceu alguma coisa?

Ele não me respondeu, na verdade ele parou por um instante na minha frente e seus olhos me disseram que apenas sentia horror de Dorian. Foi embora em silêncio, deixando-me atônita. O homem mais festeiro e sorridente que conheci também tinha alguma mágoa muito grande daquele que agora me envolvia. Numa manhã de domingo, estávamos em nossa casa, entrelaçados na nossa cama. Além dos lençóis, o suor nos refrescava de nossa agitada atividade matinal. Ele era exatamente tudo o que eu precisava, porém ele se interessava, às vezes demais, por minhas habilidades vampíricas.

— Você tem sorte. — fala ele, comigo deitada em seu peito, seus dedos passam em minhas costas e minhas mãos toca sua face lisa.

— Acho que não ouviu muito bem minha história.

— Não, você tem sorte de ser o que é. Praticamente uma imortal, Lucy. — Ele responde, rindo de minha incerteza do quanto a minha maldição pode ser boa. — O que vai acontecer quando você morrer?

— Não faço ideia ainda, estou tentando não morrer desde que fui transformada.

— Acha que irá para o inferno?

— Eu não sei. Porque está falando isso?

— Você devia beber, Lucy. Acabe o ritual, torne-se mais forte ainda.

— Não quero fazer isso.

— Você poderia me transformar também.

Levanto em um supetão.

— Está delirando?

— Claro que não, estou pensando na vantagem de não envelhecer, ser forte e jovem para sempre.

— A que preço, Dorian?

— Ainda com isso de alma, Lucy? Acha mesmo que importa? Convenhamos que me parece um preço bastante razoável por sinal.

— Eu não acredito que estou ouvindo isso.

Mas não era isso que me assustava. Dias antes ele retornara do Museu carregando um pacote. Assim que chegou entrou na biblioteca e se trancou. Eu tentei chamá-lo para jantar, mas algo parecia errado.

— Dorian, está aí?

— Sim, eu já vou.

— O que está fazendo?

— É uma antiguidade. — fala ele, abrindo a porta à minha frente.

Ele sai da biblioteca e rapidamente fecha a porta atrás dele. Não me permite olhar o que era afinal.

— Está tudo bem?

— Estamos bem.

— O quê?

— Não é nada, Lucy.

— Você disse “estamos”.

— Eu disse?

Balanço a cabeça um pouco preocupada, ele está suando frio, sua pulsação está diferente.

— Estou com fome e cansado, só isso. Essa é uma peça muito antiga a ser avaliada. Acho que é a mais antiga que já peguei. — responde ele enquanto vira a chave trancando a biblioteca e colocando a chave no bolso.

— Então não deveria ficar no museu?

— Eu achei mais seguro aqui. Não se preocupe, é só por enquanto. Assim que terminar de transcrever suas inscrições ela voltará para o cofre do museu.

— O que é?

— Eu ainda não sei dizer ao certo, saberei quando terminar de traduzir as inscrições.

 

 

 

*********

 

Um dia, chego em minha casa, entro apressada pela porta e despejo no chão da entrada minha bolsa com facas e garrote. Fui contratada para matar um Lord e ele me deu muito trabalho durante a noite. Estou cansada e vou até a sala, sento no sofá, tirando os sapatos para apoio os pés na mesa de centro. A noite está acabando e eu não quero fechar os olhos, afinal estou bem no momento do amanhecer. Resisto ao sono e testemunho o primeiro fio de luz se esgueirar pela janela e aparecer na mesinha de meus pés. Então percebo que não estou sozinha, olho ao meu lado e encontro Reinfild sentado na poltrona, me observando.

— Achei que tivesse despistado vocês. — falo para o homem sentado em minha sala.

— Nunca, Lucy, apenas demos o espaço que você precisava.

— O que Vlad quer agora.

— Ele precisa que você retorne.

— Achei que a ordem era para que eu me mantivesse longe de Shiva.

— Isso mudou, ela não manda em mais nada. Na verdade, é por isso que estou aqui.

— Acha mesmo que eu voltaria para lá? Reinfild, você sabe o que Vlad me fez, não irei voltar e não é por medo dela.

— Eu sei que não a teme. Sabemos muito bem da qualidade de seus serviços aqui em Londres e do tempo que começou muito bem em Botosani.

— Não há nada que me faria lutar por aquele que me enganara.

— Isso não está aberto para discussão. — Ele me abre um baú ao seu lado, o brilho do ouro e joias reluzem com a pequena luz do sol. — Este é o pagamento.

— Pagamento pelo quê?

— Pelo mesmo trabalho que já tem aqui. Mas lá, você terá um exército.

— Eu tenho clientes o suficiente.

— Lucy, se não aceitar o trabalho terei que matar seus dois amigos e carregar você amarrada no trem.

— E porque você acha que conseguiria fazer isso Reinfild? Não sou mais a mesma. — falo a ele já apontando minhas unhas ao seu pescoço.

— Sim, eu sei. Mas eu também não vim sozinho. — Nesse momento ouço o rastejar de vários vampiros nas paredes, do lado de fora de minha casa. Quase em sincronia eles rangem a madeira me ameaçando.

— Porque me querem tanto assim?

— Eles precisam de um líder, um general. Estamos em Guerra e eles não seguem Shiva, mas aceitarão alguém de transformação mais antiga.

Nesse momento sinto um enjoo muito forte me tomar, minha visão fica turva e preciso me apoiar no sofá para me reestabelecer.

— Você está sentindo algo, Lucy?

— Apenas estou cansada. Eu irei, mas posso dormir hoje ainda em minha casa?

Ele estende o seu braço para que eu me retire, assim que saio da sala vejo Dorian em pé ao lado da escada.

— O que está acontecendo, Lucy?

— Deixe-me dormir, amanhã iremos viajar.

— Iremos levar Jekyll, não é?

— O que? Por quê quer... — a sensação de enjoo retorna e eu mal me equilibro, Dorian me segura para não cair no degrau da escadaria. — Sim, levaremos quem você quiser, Dorian. Agora só me ajude a subir está bem?

Aquela noite foi cheia de alucinações, pesadelos e mal pude descansar adequadamente. Após a tensa viagem de trem, finalmente retorno para o Castelo de Bran, só de lembrar o tempo que passei lá, tenho arrepios. Jekyll está interessado em aperfeiçoar sua pesquisa com o sangue de Drácula. Ele quase finalizou sua fórmula, que pode gerar grande força e cicatrização para quem beber. Já Dorian está encantado com a grandeza do castelo, ele ainda segura junto ao corpo a caixa que trouxera do Museu, não se separa dela. Eu os trouxe pois era mais seguro que estivessem próximos a mim, quero evitar conflitos desnecessários. Ou pelo menos isso fazia sentido de alguma forma na minha cabeça, não sei como aceitei voltar, ou porque trazer os dois comigo. Essa sensação de que algo está errado me atormenta e constantemente me sinto enjoada.


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