O nascimento de Lucy Iordache (Lucy, Origem) escrita por Natália Alonso


Capítulo 5
Capítulo 5 – Ritos de passagem




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/726935/chapter/5

 

 

 

“Ainda bem que é primavera, posso usar flores nas mãos escondendo meus calos.” – Lucy Iordache

 

 

 

 

Valahia, 1456

 

 

Os nós formam pequenos ciclones na larga madeira da porta da capela. Fico olhando e tentando me acalmar, tento seguir os fios mais claros amarelados nos redemoinhos. Reinfild se aproxima e me estende o braço ao meu lado direito para me levar até o meu destino.

— Está pronta? — fala ele gentilmente em seu traje alinhado. Fito seus olhos e por um segundo vejo o rosto de meu pai. Como eu queria que ele estivesse aqui. Sofro, mas contenho minha emoção.

— Sim. Obrigada, Reinfild.

Ruidosamente as portas são abertas de uma vez. Caminhamos no silêncio da tarde de domingo, o som de um torvo ao fundo é a nossa trilha. Nobres estão em volta do caminho de bancos de madeira, alguns mercantes me observam, esses eu conheço. Duas crianças espiam entre frestas da entrada e janelas laterais.

O véu de rendas cobre o meu rosto marcado e meus cabelos estão amarrados por uma fita branca com um laço na ponta. O vestido é branco, isso é algo inimaginável para mim. Há tempos atrás eu era uma das crianças que espiava o casamento pela janela. Agora, eu sou a espiada, com um vestido de larga saia e um bordado de flores em sua barra. Vlad e o padre do condado de Valahia me aguardam no altar, junto de dois ramos de flores.

Depois daquela noite que ele voltou tarde da bebedeira e após o enterro de meu pai, algo mudou em seu olhar para mim. Era carinho, mas um pouco mais ousado no dia seguinte. Tocou em meus cabelos e ombros de forma lasciva, provavelmente estava ansioso para o casamento. Meu pai me disse que “na noite” eu deveria apenas obedecer. Não fazer muitas perguntas, que tudo o que acontecer é normal de um casamento. Não sei o que pensar, o que esperar, estou apavorada de não agradar ao Conde. Eu já o amo, não quero decepcioná-lo.

Reinfild entrega minha mão para Vlad, ele se curva para o Mestre e recua dois passos na pequena escadaria. Entre a renda do véu vejo o curto sorriso de Vlad, que segura meu braço com afeto enquanto o padre abre o grande livro e começa a falar. O curto domo da capela ecoa a voz do padre que fala na estranha língua do latim e, que em alguns momentos, é interrompida pelo torvo.

Então o padre para de falar pegando a taça de vinho, ele verte nos lábios de Vlad e depois nos meus por debaixo do véu. O pão é partido, Vlad pega um pedaço e traz até mim, eu faço o mesmo movimento. Sinto um frio súbito quando ele levanta o meu véu, levanta o meu rosto pelo queixo e beija a minha fronte.

No castelo, houve uma linda festa. Os nobres que estavam na cerimônia me cumprimentam um a um, alguns trouxeram tecidos e pedrarias. Eu os cumprimento, agradeço e então um me traz um cervo. Rapidamente olho para a caça e observo que seu dorso exibe muitas perfurações de flecha. Fico pensando se voltarei a caçar novamente, se isso “é direito” agora. Me mantive sentada durante toda a festa, apenas acenando com a cabeça. O conde ria e dançava pelo salão, conversava em tom alto e às vezes me fitava ao longe.

O Tolo diverte com gracejos de malabares e ventriloquismo, eu assisto encantada com tamanha habilidade. Por fim, anoitece e todos os convidados aos poucos se despedem, fico no salão enquanto todos saem. Aproveito e tomo rapidamente uma taça de vinho inteira. Eu tusso e por pouco não mancho o meu vestido. Reinfild fecha o salão e fala.

— Se não deseja mais nada, Mestre, vou me retirar.

— Obrigada, Reinfild. Pode descansar. — avisa Vlad voltando o olhar para mim, eu pego uma outra taça de vinho e tomo mais um gole rapidamente.

— Mestre. — Reinfild se curva e se vira para mim, antes de sair pelo corredor. — Milady.

Eu coloco a taça na mesa quando Vlad se aproxima.

— Me acompanhe. — diz ele me estendendo a mão.

Prontamente nos dirigimos ao quarto dele, minha suíte já estava trancada aquela tarde, todas minhas coisas tinham sido transferidas. Na entrada do quarto, Vlad se vira para mim, segura a minha mão suada, sorri de lado e abre a porta para mim com a outra mão.

Do lado esquerdo, uma grande mesa de frutas com muitas velas acesas. Uma frondosa cama de casal ocupa todo o lado direito e bem à frente a lareira. De frente a porta a sacada aberta permitia a luz da lua muito grande iluminar o quarto em um tom prateado. Eu me direciono a ela, a brisa refresca e leva um pouco de meus medos. Silenciosamente ele fechou a porta atrás de mim, foi até a mesa, pegou uma taça de vinho, algumas cerejas e se aproxima de mim.

— Não foi muito explicado a você o que aconteceria essa noite, não é?

— Apenas, que eu devo lhe agradar.

— Me agradar? — Ele sorri enquanto mastiga uma cereja, pega a mecha de meu cabelo e a prende em minha orelha, expondo o meu rosto. — Você já me agrada, Lucy, muito.

Ele coloca a taça e as cerejas no topo da lareira, vira-se para mim e me envolve em seus braços. De uma única vez me beija forte e agressivo segurando a minha cabeça. O gosto de cerejas, vinho, cervo e uma certa lascívia me envolvem, não sei bem o que fazer, mas sei que me agrada. Aos poucos meus lábios se abrem e me sinto invadida, mas ele parece gostar isso pois se movimenta ainda mais como se quisesse me devorar.

Fico ofegante quando ele termina o meu primeiro beijo. Rapidamente vira-me de costas e começa a desatar a parte superior de meu vestido. Ele desabotoa e puxa as fitas de forma grosseira, provoca um som enquanto o tecido passa pelas casas e outros são rasgados. Então finalmente baixa todas as camadas superiores de uma vez. Ele me deixa apenas com a fina camisola de linho, exposta ao seu desejo. A brisa agora me provoca arrepios enquanto ele caminha a minha volta tocando o meu braço.

Em pé, meu corpo solto assim como cabelos. Tudo é um pouco transparente, acabo levando meus braços a frente cobrindo-me o que posso. Ele dá um passo para trás e abre sua camisa enquanto me olha, tira suas botas sujas de lama e as joga ao lado da lareira apagada. Algumas velas ao seu lado iluminam seu dorso forte e esquio, mais um candelabro está aceso na mesa de frutas. A falta de luz briga com meus olhos, ao mesmo tempo acho que prefiro não ser vista assim, magra demais, me sinto fraca e exposta. É assim que eu o agrado?

Levanto meus olhos e percebo sua sombra se movimentar com a luz das velas, ele está parado, mas é como se sua sombra movesse suas mãos me chamando. Eu devo ter bebido vinho demais, estou nervosa por essa noite. Ele tem essa oscilação, hora é gentil e delicado comigo, compreendendo que não tenho experiência alguma. Hora age como um bruto que não se importa com o meu medo. Às vezes acho que meu medo o excita, é atraente a ele. Tal como agora, eu ruborizo enquanto ele come mais uma cereja.

— Está com medo? — Ele me inquere, mas eu não respondo.

— Não! — digo tentando ser desafiadora.

Ele sorri debochadamente, então ele se aproxima, me abraça com doçura, colocando as mãos em volta de meus quadris.

— Lucy, eu quero saber se me deseja de verdade.

— Eu te amo. — falo, totalmente entregue.

— Que doce, você sabe que é muito doce, meu bem.

Meu bem. Um termo gentil que hoje me causa arrepios só em ouvir. Nesse momento eu ouvia sussurros no quarto, mas estávamos só, só podia ser algo da minha cabeça. Ele descruza minhas mãos e puxa o cordão de minha camisola fazendo uma fenda reveladora em meu colo. Ao se abaixar, ouço o fungar ruidoso de sua narina na minha pele, ele rosna baixo.

— Você mente. Está com medo sim. Mas tudo bem, eu gosto disso.

Eu não sei como reagir a essa fala, as mãos dele serpenteiam em meu corpo encima do tecido, mas é bom, me faz uma sensação quente. Acabo inebriada levando minhas mãos aos seus cabelos, ele rosna mais uma vez ao perceber isso.

— Lucy, eu preciso que você diga.

— O que, querido. Eu te amo.

Ele ri.

— Não isso, eu preciso que diga que me pertence. Que se entrega a mim, de corpo e alma.

Sua mão fica passando por mim, uma delas está levantando a parte de trás de minha camisola, ele faz desenhos com a língua no meu colo passando pela minha clavícula.

— Sim, querido. Sou sua.

— De corpo e alma, Lucy. — ele me aperta esmagando meu corpo contra o dele, sinto uma rígida forma em sua virilha que se aperta contra a minha. — Por favor, Lucy.

— Inteira sua.

Ele parece se irritar, rosna mais alto agora quando surrara em meu ouvido.

— De corpo e alma. — ele fala agora em um tom ameaçador.

— Sim! De corpo e alma, com esse casamento eu te entrego meu corpo e alma, querido!

Ele se afasta de meu ouvido, dá um largo sorriso e me beija forte como da primeira vez. Me abraça muito apertado, eu fico paralisada com tal movimento em um misto de prazer e ansiedade. Passeia pelo meu pescoço de forma sensual e tento imaginar o que será desta noite. Passa os seus lábios até minha clavícula e retorna então ao meu pescoço, dessa vez além da língua sinto seus dentes roçando minha pele. Eu coloco minhas mãos em seu peito sentido sua pele macia, quero abraçá-lo, mas agora ele me aperta contra o seu dorso um pouco forte demais. Arranhando minhas costas me causando uma dor agoniante.

Fico incomodada, não quero magoá-lo, mas não sei o que fazer quando suas mãos percorrem meu corpo. Uma delas invade sexo, ele me toca e me sinto desejada, ao mesmo tempo que abusada. Quando estou ofegante e com as pernas tremulas ouço um rosnado alto, então, uma dor cortante me atinge, suas presas rasgam minha carne atingindo a veia pulsante de meu pescoço, eu grito de dor. O sangue quente escorre sobre minha camisola e rapidamente fico fraca, zonza e com a visão turva. Ao mesmo tempo, posso ouvir ele engolindo bem ao lado de meu rosto. Ele se alimenta de mim em um som aterrorizante e macabro.

Paralisada, ele agora usa as duas mãos para me segurar, acho que estou caindo, minhas mãos trêmulas pendem lateralmente enquanto eu o ouço sorver meu sangue em uma golada profunda. Depois ele solta meu pescoço quase como se estivesse se afogando e agora buscasse o ar, posso ver que seus olhos agora estão vermelhos, brilhantes, é do sangue? Eu o machuquei? Era isso que era para acontecer? Eu não me sinto bem, acho que, que... Minhas pernas falham e ele me coloca no chão de madeira, toda minha camisola está manchada em um vermelho vivo. Ele Estica o braço e a taça de vinho vêm até sua mão, fazendo um zumbido enquanto corta o ar. Atira o vinho no chão e se mostra a mim, sua face, outrora pacífica de barba e bigodes aparados, é agora tomada por um demônio com prezas e coberto de sangue até o peito. Ele morde o próprio pulso e derrama seu sangue na taça enquanto sussurra.

— Mefistófeles! — Ele invoca.

Muito fraca e mal enxergando eu sinto uma mão me tocar sobre os ombros.

— Ela lhe entregou a alma? — fala a outra voz, suave, posso ver apenas o seu vulto ajoelhado ao meu lado, dois pontos iluminados amarelos voltam-se para mim, seus olhos.

— É minha, então posso negociar.

— Sim. — A outra figura me observa sorrindo perversamente, seus longos dedos vão até meus lábios e o ventre.

Vlad sacode o meu corpo com brutalidade para me despertar. Meus olhos fracos e embaçados querem se entregar ao sono. Ele leva a taça até minha boca e ordena que eu beba, eu obedeço ainda sem entender o que acontece. Como um ácido, o líquido quente e denso me corrói por dentro, sinto cada músculo de meu corpo se contorcer muito friamente. Um ardor que sobe a minha face bem em minha cicatriz, como um braseiro em minha pele, eu grito de dor.

 

 

 

*********

 

Acordo na cama de lençóis finos, o cheiro das cerejas, ameixas e nozes da mesa do ouro lado do quarto me trazem um turbilhão de sensações. No lençol, sinto o cheiro da gordura com cinzas usada dias antes para lavá-lo. Um gato passa perto do quarto. Dois sabiás estão na varanda, suas penas sujas, suas patas com lama, o piado quase me ensurdece. Sinto fome, uma sede que quase me fecha a garganta e sufoca. Eu acordo, mas é como se ainda estivesse sonhando com tais coisas, afinal, tudo é demasiadamente forte, isso não poderia ser real.

— Está zonza com o olfato, não é? — fala Vlad, sentado ao meu lado na cama. — Olfato e audição, são os primeiros a ficarem apurados.

— O que aconteceu ontem? Eu tive um... pesadelo. Acho que tomei vinho demais. — Olho triste para meu marido, acho que estraguei nossa noite de núpcias. O que quer de deveria ter acontecido.

— Pesadelo?

— Sim, sonhei como se estivesse... como se tivesse acontecido algo terrível.

— Te garanto que não foi um sonho, meu bem. — Ele sorri e puxa o lençol de mim, vejo minha camisola manchada de sangue, de meu colo até os pés e ele sorrindo ao meu lado.

— Isso não... não foi... — olho horrorizada paralisada.

— Lucy, preste muita atenção que eu vou lhe explicar! — Ele fala enquanto segura meu rosto com as duas mãos. — Você está em transformação, está mudando, se tornando perfeita.

— O que?

— Quando me contou o que sabia de mim, eu não a corrigi. — Ele solta o meu rosto e apoia as mãos nos lençóis. — Eu sou Vlad III, junto com meu filho fui a guerra contra os Bizantinos. Meu filho foi esquartejado na minha frente e quando retornei minha esposa havia se suicidado pela notícia.

Ele parece atormentado, fica com o olhar perdido no chão.

— Eu pedi forças, eu Clamei por Ele, que me auxiliasse. Lutei defendendo a Sua Cruz e foi assim que ele me retribuiu... — fala com os dentes cerrados, quase rosnando com suas presas curtas e agora, sua face é tomada por um sorriso disforme. — Então eu clamei a Outro e meu desejo fora concedido. Ele me deu todas as habilidades que eu precisava para empalar 300 soldados bizantinos...

— Pare! Por que está dizendo tais coisas! — falo a ele empurrando-o. — Isso é impossível, você não poderia ser o pai pois teria...

— 67 anos e desde então estou sozinho. É por isso que quero uma mulher que me acompanhe...

— Te acompanhar na guerra?

Ele inclina seu rosto em desdém.

— Em uma caçada.

— Está me dizendo que... vendeu a sua alma? Força, que tipo de força? Isso não tem o menor sentido...

Ele me interrompe pegando uma adaga e cortando a pele do próprio peito. Eu me assusto tocando e tentando cobrir o ferimento com o lençol. Com força, ele segura as minhas mãos e tira o lençol para que eu possa ver sua pele cicatrizando diante de meus olhos.

— Santo Deus...

— Não. Não foi Ele quem me concedeu isso. Você sabe que está diferente agora. Seus sentidos, músculos, ossos, regeneração, paladar, tudo isso é para que seu corpo seja todo o potencial que pode ser. Tudo belo e perfeito como deve... apenas pagando um preço.

— Preço?

— Terá que beber sangue humano, poderá sobreviver de sangue de animais, mas o sangue humano vivo... — Ele sorri de forma macabra. — Ah! Lucy, pode lhe dar habilidades que não poderia imaginar. Você, assim como eu, somos os primeiros de uma família que faremos. Nosso clã, a Ordem dos Draculs.

— Eu estou delirando, isso não é... — Ele me interrompe e me entrega um espelho de mão.

— Olhe por você mesma, você se tornou perfeita, Lucy. Em todo o seu potencial.

Trêmula eu pego o espelho, vejo o meu rosto agora com a face mais rosada, viscosa e uniforme. Sem os traços da falta de alimentação que tinha outrora. Tomo coragem e recolho meus cabelos para trás da orelha, meu olho está lá, verde, vivo, brilhante. Não há mais a medonha cicatriz que cobria toda a minha face esquerda. Chocada, eu observo cada detalhe de minha pele.

— Conde essa sou eu...

— Você deve me chamar de Vlad, também pode me chamar de Drácula, essa é a família que criaremos a partir de agora.

Ele tira o espelho de minhas mãos e me beija de forma muito sensual, eu sinto em seu hálito o tabaco fumado dias antes, as amoras de antes, o cheiro da serpente que passou próximo, o apodrecer que estava próximo das amoras... muitos cheiros, muitos sabores se confundindo em minha mente que me deixam atordoada. Ele me abraça me puxando pela cintura, abaixa a lateral de minha camisola beijando o meu ombro.

— Ontem você estava adormecida, não pudemos ter a nossa noite de núpcias ainda...

Eu sinto sua mão me tocando, o cheiro ainda vem como ondas, por um instante vejo o sangue dentro de seu corpo pulsando. Tudo me enjoa, é forte demais. Como borrões de pintura desses cheiros repulsivos.

— Perfeita. — falo friamente.

— O que disse?

— Você disse que eu era perfeita, Vlad.

— Sim, você é agora, meu bem. — fala ele sem dar muita importância, voltando para o laço frontal de minha camisola ensanguentada.

— Não. Você disse que eu já era perfeita, com a cicatriz, com a caça, sem ser uma nobre!

— Lucy, isso são apenas detalhes...

— Detalhes para você!

— O que importa, é o que você é agora!

— Você condenou a minha alma, você não me... eu não sabia... isso é traição, me fez de tola, Vlad. Em nossa noite de casamento, você me iludiu!

— Chega! Eu me casei com você, eu dei tudo o que você queria por meses e agora terei a minha noite que é de meu direito!

Ele me empurra na cama, jogando o seu corpo encima do meu, arranha meu dorso com ferocidade. Eu tento me mexer, murmurando o “não” que ele ignora. Segura minhas mãos e coloca o meu pulso para trás, me forçando deitar sobre meu braço. Imobilizada, eu grito. E ele para de me beijar e afasta minhas pernas usando seus joelhos.

— Para, Vlad!

Ele levanta a saia da camisola arranhando minha coxa, puxa a gola e morde com força o meu seio.

— EU DISSE PARA!!!

Com toda a força do outro braço eu o empurro, ele é arremessado para o outro lado do quarto. Bate de costas em cima da lareira, quebrando alguns tijolos enquanto cai no chão. Eu levanto da cama, ele permanece no piso de pedras, rindo, ele me fala:

— Que bom que está entendendo, meu bem.

Eu corro do quarto descendo as escadas, passo por Reinfild sem entender muito bem o seu problema. Ele tem um cheiro errado, estranho, como se estivesse morto e em decomposição. As pedras frias em meus pés formam um caminho até a cozinha, o cheiro do cordeiro, as cozinheiras, todas ficam por um momento transparentes. Vejo suas veias, seus corações pulsantes, a cebola, pimentões, madeira cortada, sangue na bancada, fico enjoada e saio de lá, vou para fora, eu preciso de ar, eu preciso...

Minhas narinas são invadidas pelo cheiro da relva, sinto o sabor da terra molhada da chuva da noite anterior, os vermes percorrendo o solo, o apodrecer da maçã ao fundo, as fezes da ovelha... tudo me rodeia, eu suo, ouço os corações, o pulsar, o choro de uma criança ao longe, de uma mulher rezando, de um casal fodendo no meio do feno... eu giro, eu sinto, é demais... sinto tudo e caio.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!