A Cura Entre Nós escrita por Duda Borges


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Muito bom dia para vocês!Fiquei muito animada com o sucesso do primeiro capítulo, e ja tem 8 leitores acompanhando! Muito obrigada a Satsuki Myuki e Bianca Rocha pelos comentários, fiquei realmente muito feliz de recebelos! E um agradecimento especial para Signora Della Notte, que alêm de ter deixado um comentário maravilhoso , fez essa maravilhosa capa que agora representa a fic!

E como ela pediu para postar outro capítulo logo, decidi postar hoje hehe, mas não se acostumem com isso!



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Arrastei meus pés lentamente, sentindo uma superfície macia e gelada em contato com eles. Grama. Eu estava com os pés na grama, com pássaros cantando ao meu redor. Espera...pássaros? Olhei para os lados, tentando entender onde estava. Teria eu morrido? Finalmente sucumbido a esse horrível mundo? Não, não me deixaria morrer tão fácil.

Eu estava no meio de um longo campo sem fim, cheio de flores e grama, ambos molhados com o orvalho da manhã. Ao longo avistei algumas pequenas casas de madeira, serenas e aparentemente confortáveis. Senti a leve brisa mover meus cabelos e fechei os olhos, e percebi que não estava usando as roupas sujas e rasgadas de antes, e sim um longo vestido branco que voava junto ao vento. Eu estava em paz. 

Enquanto pensava avistei um vulto vindo em minha direção, atravessando os longos campos serenamente, como se tivesse todo o tempo do mundo para percorrer esse caminho. Tentei sacar minha faca, porem ela não estava comigo, mas por algum motivo eu não estava com medo e nem sequer me sentindo ameaçada com essa estranha presença. 

Depois de um tempo esperando, consegui distinguir a identidade do vulto: Era meu pai. Meu doce e temível pai. Usando as mesmas meias altas e o jaleco branco, com uma expressão séria estampada em seu rosto velho e cansado, recheado de rugas. A expressão de loucura que ele tinha antes de morrer já não estava mais lá. 

Quando fui tentar uma aproximação, ele começou a correr e gritar, e logo tudo ficou escuro. Abri os olhos rapidamente e me deparei com um teto rosa cheio de flores brancas, nada de grama. Por um breve e delicioso momento, me vi em um mundo onde não existiam errantes. Fechei os olhos novamente, ainda confusa.

O que tinha acabado de acontecer? Ah, fazia muito tempo que não sonhava, odiava sonhar. Ainda mais com o meu pai, esses eram os piores sonhos. 

Eu ainda não tinha aberto os olhos novamente, mas já sentia os raios de sol tocarem meu rosto, esquentando minha pele fria e suja. Abri os olhos lentamente, me espreguiçando, e pensando na possibilidade de apenas ficar deitada para o resto da vida, curtindo a preguiça. 

Soltei um resmungo irritada por ter acordado desse jeito, considerando que estava muito melhor lá no curioso campo sem ter uma perna fodida e uma bela dor de cabeça para lidar. Mas fazer o que, era hora de encarar a vida real.

Levantei esfregando meus claros olhos com delicadeza, e percebi que já eram pelo menos umas 10 horas da manhã pela claridade que emanava da janela. Dormi por praticamente uma noite inteira, sem acordar, o que era bom, mas ao mesmo tempo eu sabia que tinha me arriscado bastante com isso. Bem, agora já foi.  Alonguei meus pés, soltando um gemido de dor ao encostar eles no chão. Não tinha nem coragem de tentar tirar as botas, teria que lidar com isso depois.

Sentia saudades dos dias em que eu seguia caminho com um carro vermelho cheio de gasolina, que infelizmente tive que o abandonar no canto de uma feia estrada por conta do motor. Ainda me lembrava da sensação de me mover rapidamente pelas ruas, sem ter que me preocupar com a minha segurança, e sim apenas aproveitar o vento em meu rosto. 

—Rip Roberto- Resmunguei. Até o carro tinha virado meu amigo na solidão. Pensei seriamente em arranjar outro. 

Me sentia levemente recuperada depois dessas horas de descanso. Continuava muito cansada, mas teria que servir pelo menos para achar suprimentos ou algum lugar mais seguro. Soltei um suspiro, estava na hora de finalmente dar um jeito na minha perna e sair dessa casa.

Peguei minha mochila, que estava jogada do lado de minha cama, e desci as escadas com uma faca em mãos. Pelo peso em meu corpo, percebi que tinha dormido completamente armada e vestida, mas por sorte não me furei com nada. Seria até irônico: morrer por aquilo que me protege.

Algo na sala de estar prendeu o meu olhar, e me deparei com uma grande cômoda repleta de fotos em diversos lugares, uma mais feliz que a outra. Pensar que provavelmente essa linda família estava vagando morta por ai fez com que meus olhos se enchessem de lágrimas, mas segurei o choro. Não iria chorar mais.

Olhei pela janela para me certificar que estava tudo certo, e avistei uma cabeleira ruiva ensanguentada em frente a casa, virada para o outro lado. Abaixei rapidamente, indo para a porta do lado da janela agachada e a abrindo, atirando uma faca na pobre errante, que caiu desengonçadamente no chão. Preferia me remendar sem mais distrações.  Pelo meu estado, pensei que ia errar. Por sorte tinha apenas um deles perto da casa, o resto continuava a caminhar ao longe.

Peguei a faca de volta e foquei no trabalho, me sentando em uma cadeira perto da mesa da cozinha, resmungando. Fechei todas as portas e janelas, para pelo menos por alguns momentos focar em apenas uma coisa sem incômodo nenhum, pois sabia que isso poderia definir meu futuro.

Separei uma bacia com água, alguns panos, uma tesoura e linha de costura, juntamente com uma agulha, além de algumas faixas que eu tinha em meu pacato kit médico. Teria que servir, não estou com capacidade para mais nada, e preciso de um remendo pelo menos para achar mais comida.

Soltei um suspiro nervoso e passei o pano úmido na ferida, contorcendo a perna inteira. O certo seria eu usar álcool, então decidi pegar uma vodca abandonada na cozinha e tacar na ferida, além de tomar um gole. Acho que nunca algo ardeu tanto em mim. Depois disso, tirei os pontos mal feitos e esterilizei tudo novamente, me preparando para a dor que sentiria ao fazer os novos pontos.

Quando a ferida estava o mais limpa possível, enfiei a agulha no começo da abertura, e logo já estava cortando o final. Bem, não podia dizer que estava BOM, mas era algo. Enfaixei minha coxa o mais apertado possível e soltei um suspiro aliviada.

—Bem melhor do que antes, não está tão ruim. - Falei a mim mesma, dando de ombros e analisando o meu trabalho. - Não tem ninguém para me ver mesmo...- Continuei, abaixando o tom no final. Eu estava realmente só, e isso estava me afetando muito.

Fazia mais ou menos um ano desde que vi um ser humano, e desde então faço de tudo para me manter afastada deles. Não que isso seja difícil, considerando que estão todos mortos e vagando por cérebros. Pensei que iria me acostumar com essa caminhada solitária, mas só acabei me conformando, nunca me acostumando. O desejo pela morte se aproximava de mim a cada passo que eu dava, não posso negar. 

Guardei os meus "instrumentos cirúrgicos" novamente, e comi outra barrinha, prestando atenção no barulho alto do pacote. Minha barriga roncava alto, implorando por comida, dei um soco irritada na mesa. Por que só acontecia merda comigo? Por que não me mataram de uma vez naquela merda de laboratório?

Desisti de sentir pena de mim mesma e decidi enfrentar a cidade, que continuava imóvel com suas lembranças e decepções a minha frente. Sai pela porta carregando tudo que tinha trazido para dentro, e deixei meus pensamentos me levarem para longe enquanto caminhava até as lojas.

Meu pai. Ainda tinha a memória de sua morte bem gravada em minha mente, e sabia que ela nunca iria sair de lá. Mesmo fazendo tudo que ele fez contra mim, no final o instinto paterno falou mais alto e ele me salvou, e eu serei grata por ele o resto de minha vida. Por isso que estou aqui, andando nessa cidade fantasma em busca de sobreviver mais um dia.

Lembrei de minha mãe, com seus cabelos loiros e sorriso constante. Eu fiz tudo que podia, mas mesmo assim sentia que era minha culpa. Ainda lembrava de sua doce risada e de suas broncas realistas, e seus conselhos sempre estarão comigo, mesmo agora no fim do mundo dois anos e meio depois.

Soltei um suspiro leve, cheio de sentimento. Meus pés latejavam, minha cabeça doía, minha coxa provavelmente iria me matar, mas continuo aqui. E não será um apocalipse que irá me matar, muito menos um galho. Acho que eu estava viva muito mais por teimosia do que por saúde.

Foquei novamente no tempo presente e observei as construções que se erguiam logo em frente a mim , como se me convidassem a entrar. Apreciei o barulho leve do vento por alguns instantes, enquanto ele passava calmamente entre as árvores. Eram no total 5 lojas lado a lado, juntas com um pequeno mercado de dois andares no centro, chamado "Mercado Central"

Como eu sempre fazia antes de qualquer situação, toquei a cicatriz de mordida em meu braço, sentindo as delicadas elevações em minha pele. Ela era a mais significativa de várias, e eu sempre a tocava em busca um pouco de motivação. 

Bati no vidro da primeira loja, e logo dois errantes apareceram, desesperados por alimento. Abri a porta da loja rapidamente e me afastei , chutando a perna do primeiro, o derrubando no chão, para enfiar o facão na cabeça do outro e finalmente derrotar os dois.

— Dou misericórdia a vocês- Sussurrei baixinho enquanto limpava o facão , e coloquei eles lado a lado. Fiquei imaginando se eram parentes, ou simplesmente duas almas perdidas que acabaram estando no lugar errado na hora errada.  

Adentrei a loja calmamente, que era um comércio completamente pintado de vermelho vivo, com algumas rachaduras nas paredes. Era um simples 1,99 , mas pelo menos consegui alguns amarradores e doces, nos quais já me apressei a comer.

Um pequeno chaveiro em cima do caixa me chamou atenção, e o peguei na mão. Era um pequeno pinguim prata, no qual peguei para mim e pendurei na mochila. Meu pai sempre disse que iria me levar para ver pinguins. Bem, nunca conseguiu. Pinguins nem devem existir mais.

Eu evitava todos os espelhos, pois sabia que deveria estar no pior estado possível, já que não tomava banho a umas duas semanas. Meus cabelos brancos estavam provavelmente cinzas de sujeira, o que era uma pena, mas não importava muito.

Decidi ir logo para o pequeno mercado, pois ainda ansiava por comida . Como sempre, dei um chute do lado da porta de vidro e esperei, levando um susto quando 5 errantes apareceram na minha frente, se jogando contra o delicado vidro.

—Vocês vão quebrar essa merda. - Soltei um resmungo irritada e saquei o arco, me afastando. Eu andava muito resmungona. 

O vidro acabou realmente quebrando depois de um tempo com a pressão que os mortos faziam, e eles saíram, e logo todos estavam mortos com uma flecha na cabeça. Com exceção de um que me agarrou e tive que usar uma faca contra ele. Parei para secar o rosto e me acalmar.

Passei as portas do mercado e fiquei muito feliz ao encontrar as prateleiras com varias coisas em cima, não estando totalmente vazias. Tinha no total duas filas com 10 prateleiras cada, na horizontal.

Fui logo para o corredor com a placa "Enlatados" , já suja pelo tempo. Enchi minha bolsa com uma quantidade relativamente grande de latas, barrinhas, garrafas de agua, barras de chocolate.... tudo que consegui achar ainda comestível.  

Me direcionei ao corredor mais ao final, com coisas para acampamentos e afins. Consegui uma lanterna e várias pilhas ainda em bom estado, e mais algumas coisas que poderiam ser úteis. Esse lugar estava sendo uma mina de ouro para mim. Peguei até algumas sementes, na esperança de achar um local seguro para iniciar uma plantação. Afinal, até quando os alimentos irão durar?

E então, vozes chegaram até meu ouvido, me fazendo estacar na mesma hora, aguçando os sentidos. Ouvi vidro sendo esmagado, e deduzi que alguém tinha entrado no mercado. Gelei, eu não poderia sair. Nos dias de hoje, não se confia em ninguém. 

Enquanto me concentrava em tentar ver a entrada, senti uma mão gelada agarrando minha perna e a puxando, me fazendo cair no chão com tudo. Senti uma mordida forte em meu tornozelo, e desferi um chute no atacante, evitando que me machucasse mais. Não sei por que motivo não ouvi ele chegando.

Era um errante sem pernas, provavelmente estava em baixo de uma prateleira e acabei não o vendo. Dei uma facada nele e finalmente se acalmou, parando de se mover. A ferida em meu tornozelo latejava, e soltei um resmungo irritada. Mais uma para a coleção. Eu não posso morrer por elas, mas isso não significa que não sinta dor e nem perca sangue.

Enrolei uma faixa de qualquer jeito em meu tornozelo e voltei a minha investigação, tentando achar um jeito de sair de lá sem ser vista. Estava completamente escuro onde eu estava, mas já tinha me acostumado e conseguia enxergar com uma boa facilidade.

Apoiei minha mão na prateleira e avistei um meio de saída. Quando estava prestes e ir para a porta dos fundos, ouvi um grito. 

Uma mulher gritava por ajuda.

E infelizmente eu não conseguiria sair sem ajudar.


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Notas finais do capítulo

O que acharam amores? Alguma sugestão? Ficaram com a pulga atrás da orelha?
Comentem , isso me anima muito :)



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