Kandor: as chamas da magia escrita por Sílvia Costa


Capítulo 16
Capítulo XV - Revelando conspirações


Notas iniciais do capítulo

Leitores, estou de volta!! Eu sei que é quase um mês para lançar esse capítulo então me desculpem a demora.
Farei uma prova em fevereiro e preciso (isso mesmo), preciso ser aprovada. Estou estudando como uma louca. Poderiam torcer para que eu faça uma boa prova? Agradeceria muito e toda energia positiva é bem-vinda o/

Para matar a curiosidade extrema (que eu adoro alimentar) de quem me perguntou não sei quantas vezes sobre a fic e sobre Ariana, aí vai o capítulo. Dayane Rodrigues, esse eu dedico a você. Muito obrigada por acompanhar Kandor, pelos comentários e pela força. O reino inteiro manda lembranças. Espero que goste ♥



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O coração de Diana estava apertado e seus olhos insistiam em criar lágrimas que ela queria esconder. Com um pedaço de tecido, limpava um dos arranhões de Ariana cuidadosamente, enquanto a arqueira parecia dormir, em um profundo repouso que já durava muito. Do outro lado da cama, Nãna cuidava do corte na cabeça com cautela.

Da campina até o palácio foi um caminho longo a fim de evitar que a situação dela piorasse e também que o ocorrido se espalhasse pelo reino. Quando chegaram aos portões, o sol já se punha. Ariana estava no cavalo de Robert, rodeada por seus braços, com a cabeça apoiada no ombro direito dele, sob uma capa. O rapaz estava sério e nada disse por todo o percurso. Quando os avistaram se aproximando, os guardas logo abriram os portões e a notícia correu entre eles rapidamente, até que chegou aos ouvidos do General John. As armas de Ariana estavam com o guarda Willian, que se mostrou o líder daquele grupo.

— Nãna! Nãna! Venha rápido. — Diana foi a primeira a entrar no palácio e chamava por sua antiga babá.

Precisava de alguém com urgência para cuidar dela e dizer que tudo ficaria bem para que suas preocupações passassem. Sentia-se culpada e esse sentimento atormentava sua mente sem piedade, lançando-a em um mar de questionamentos. Algumas jovens serviçais aproximaram-se ao ouvir o chamado da Imperatriz e assustadas, observavam e comentavam sobre o estado delas.

— O ferimento parece profundo. — Disse uma primeira, como quem tem muito conhecimento sobre o assunto.

— Mas onde conseguiram esses aranhões todos? — Perguntava outra.

Levaram-na apressadamente para o quarto no segundo andar. A cama estava coberta com uma colcha vermelha e todo o ambiente estava organizado com perfeição. Na mesa, livros e alguns documentos cheios de anotações, além de um vaso com flores brancas e amarelas, um mimo que alguma das empregadas deixara por ali. As cortinas ainda estavam abertas para a quente noite de verão, que contava com a brisa para movê-la lentamente. Nãna chegou logo, com os cabelos levemente grisalhos presos em um coque.

— Mas onde vocês andaram? O que aconteceu?

Ela olhou para Diana aflita, que tinha as roupas sujas de terra e buscava algo no guarda-roupa de Ariana. Vendo ela sobre a cama, foi até a jovem e analisou seu estado, olhou os pequenos cortes na mão e sangue em parte do cabelo. Depois reparou tantas pessoas no ambiente e começou a dar ordens.

— Elizabete, preciso que me traga água e tecidos para limpar as feridas. As outras podem voltar aos seus postos. — E virando-se para Diana, comentou em voz baixa. — Esses homens não podem ficar aqui.

Diana dispensou os guardas que estavam à entrada do aposento, se oferecendo para ajudar em alguma coisa.

— Avisem o Conselho e a família. Digam a eles que explicarei tudo mais tarde. Por hora não preciso de mais do que isso. — Robert ouviu atentamente mesmo que sua intenção não fosse ficar muito longe. Assim que os outros se retiraram ele se pronunciou.

— Imperatriz, peço que me deixe permanecer ao menos a porta, caso precisem de algo mais.

O rapaz estava aflito e seu pedido, apesar de tudo, não fazia sentido se ela poderia encontrar alguém disponível tão facilmente, se precisasse. Ela queria dispensá-lo também mas trouxe a sua amiga com tanto cuidado que acabou cedendo.

— Pode ficar lá fora, se quiser. Só não deixe ninguém entrar.

— Obrigado. — Ele ficou aliviado e lançou um último olhar para Ariana antes de sair fazendo uma reverência. — Com licença.

Elizabete retornou com o que fora pedido e se pôs a certa distância, observando as duas cuidarem da jovem. Era nova no palácio e em seus vinte anos, parecia mais uma adolescente com quinze, devido à aparência. Notou o cuidado com o qual a Imperatriz limpava os pequenos cortes e seu semblante carregado. Às vezes parecia murmurar alguma coisa para si mesma, com os olhos fixos no que fazia. Logo depois Elizabete desceu, tendo recebido ordens de dizer que estava tudo bem.

 — Há quanto tempo ela está desacordada?

— Desde que caiu, Nãna, e isso está me preocupando.

— Não posso fazer mais nada além de limpar as feridas, mas umas ervas podem fazer bem. — Ela olhava para a jovem com ar de quem deseja fazer mais, sem poder.

— Já fez muito. Obrigada. — Diana estava ao pé da cama.

— Vocês foram a Floresta Negra. Diana, você sabe que aquele lugar não é o mais agradável do reino e se arriscam sozinhas para quê? — Ela foi até o outro lado da cama onde estavam as roupas de Ariana e as recolheu, observando as manchas. As armas estavam ali também e seus olhos atentos repararam na quantidade de flechas a menos.

— Eu sabia de todos os riscos que corríamos, mas eu precisava ir até lá. — Ela deu um leve suspiro. — Eu admito, foi um erro. Fomos atacadas um tempo depois de entrarmos por um bando de pássaros de bicos muito afiados. Eles nos cercaram. Ela caiu depois que Cítara foi ferida.

Nesse instante ela percebeu que não resolveria nada chamar a atenção de Diana, pois o remorso já era punição suficiente. O silêncio se instalou no ambiente enquanto Nãna a observava, até que resolveu dar fim a ele.

— Vou chamar um médico. — Levantando-se ela foi até a porta onde Robert ainda aguardava e logo surgiu Magno, agitado, que lhe fez uma reverência rápida.

— Imperatriz, eu soube agora que retornou ao palácio machucada, com sua amiga, a Walker. Como estão? Devemos enviar a Guarda para cuidar do inimigo?

— Nada disso é necessário. — Seu rosto estava sério. — Não vão encontrar nada lá agora. Eles já foram.

— Então era mais de um? Uma emboscada?

— Não é nada disso. Eu explicarei depois. Agora eu só preciso de um médico.

— Posso buscar Thompson. É o médico da família e muito discreto.

— Pode providenciar para que venha o quanto antes?

— Eu mesmo posso buscá-lo, se me permitir.

Rapidamente ele se retirou depois de um leve assentir de cabeça feito pela Imperatriz.

 

************************* 

 

Nanã estava com pressa para retornar até Diana, mesmo ela afirmando estar perfeitamente bem. Compreendia seu interesse em desvendar os segredos do reino mas também sabia que de nada adiantaria correr riscos assim, justo no lugar que todos ensinaram para não ir. Onde ela estava com a cabeça?

— Minha menina, onde você está se metendo? — Falava mais para si mesma, enquanto caminhava.

Voltando pelo corredor do primeiro andar ela encontrou Celeste, uma das novatas retornando de seus últimos afazeres. Estava com um leve sorriso no rosto, não parecia cansada e logo uma ideia surgiu em sua mente. Não queria deixar Diana sozinha porém também precisava cuidar de Ariana. Só que vendo Celeste ali, se convenceu de que ela ficaria com a jovem.

 — Celeste, venha rápido. — Disse ao se aproximar da jovem, pegando sua mão. — Vou precisar de ajuda e você é a pessoa certa.

— O que aconteceu, Nanã? — Ela falava ao mesmo tempo em que tentava acompanhar o ritmo dela escada acima. Imaginava que logo viria mais trabalho, do que ela estava farta, pois atrapalhava cuidar de seus próprios interesses.

— É muito importante que mantenha os olhos abertos e ouvidos atentos hoje à noite. — Velozmente elas cobriram a distância até o quarto. — Vamos, entre rápido. Escute, ela caiu do cavalo e está um pouco machucada. Você vai ficar aqui observando, atentamente, e cuidar para que não se levante, caso acorde, e verificar se tem febre ou delírios. Se alguma coisa acontecer, me chame. Há água limpa no jarro, caso ela tenha sede.

Uma batida na porta interrompeu suas recomendações e por ela entrou o médico, um homem de média estatura e aparentando ter cinqüenta anos, cabelos em sua totalidade brancos e as maçãs do rosto de tom avermelhado. Era mais alto do que Nanã e sua fisionomia lembrava Magno, de certa forma. Vestia roupas escuras e luxuosas.

— Com licença. Disseram-me para vir com urgência a pedido da Imperatriz, para ver uma jovem machucada. O conselheiro Magno me trouxe.

— Entre senhor Thompson. Fico feliz que tenha vindo rápido. — Ele se aproximou da cama, com olhar perspicaz.

— Me contaram que caiu do cavalo.

— Sim e ela bateu a cabeça e ainda não acordou.

— Isso não é nada bom. Como a trouxeram para cá?

— Os guardas a trouxeram mas eu não vi quando chegaram. Ela tem um corte na cabeça.

— Deixe-me ver isso melhor. — Ele a examinou de perto, fazendo uma careta quando reparou bem no ferimento. Não havia hematomas pelo corpo, devido à queda, ou outros machucados tão importantes quanto o primeiro. Também verificou se estava febril.

— E então? O que o senhor me diz? — Nanã rompeu o silêncio impaciente.

— Não é um corte muito profundo, mas é longo e irregular; feito com uma pedra bem afiada, eu diria. Muita sorte pois poderia ser pior. — Fez uma pausa, correndo os olhos pelo ambiente. — Senhora Hudson, me acompanha um momento? Preciso lhe passar algumas instruções.

— Algum problema? Ela não está bem?

— Fez muito bem em limpar as feridas. — Pigarreou pensando por onde começar. — Ela está dormindo, devem deixá-la assim. Não a perturbem, sem falatórios pelo quarto, e mesmo quando acordar, eu recomendo que fique o dia de repouso. Precisamos saber se terá alguma consequência pois uma queda seguida de desmaio não é bom sinal. — Ela ouvia atentamente mas não era a única. Robert mantinha uma postura aparentemente inabalável, entretanto seus ouvidos estavam presos à conversa. — De qualquer forma devemos ter atenção a dores ou alguma outra queixa que ela mencione. Observe-a de perto, sim? Algumas ervas farão bem a ela e se houver alguma novidade, mandem me chamar.

— Claro senhor Thompson. Ficarei atenta a tudo.

— Transmita meus cumprimentos a Imperatriz. Sinto não poder ficar mas diga que amanhã no início da tarde voltarei para vê-la.

— Eu gostaria que pudesse ficar, senhor Thompson. — Agenon se aproximou com sua calma habitual, concentrando sua atenção no médico. — Em primeiro lugar, desculpe a intromissão. Meu nome é Agenon Zumach, sou um dos conselheiros da Imperatriz.

— Não é há o que desculpar, conselheiro. Em que posso ser útil? — Ele sabia a autoridade que um conselheiro tem mas não imaginava que outra demanda o palácio teria àquela hora. — Algum problema com a esposa do General?

— Não é isso. Há algo que gostaria que visse. Uma questão muito importante precisa ser resolvida.

E seguindo o conselheiro, ele se retirou.

 

 

POV Clermon

A sala do trono era mesmo um lugar para ver e ouvir de tudo um pouco em Kandor. Eu que ocupei o trono por treze anos sei bem o que é isso. Já ouvi de tudo, desde brigas de vizinhos a problemas bem graves; mas aquela era a primeira vez que eu ouvia que alguém entrou na Floresta Negra e voltou vivo. E ainda, que tenha entrado lá por vontade própria. Não era mistério para ninguém que Diana e sua amiga, que acolhemos no palácio há muitos anos, gostavam de se meter onde não deviam. Agora eu tinha certeza de que essa mania poderia ser mortal.

— Estamos todos aqui para ouvi-la, Imperatriz. — Comecei abrindo uma brecha para a conversa. John e o Conselho, a exceção de Daniel e Agenon, compunham os ouvintes, e seus rostos nervosos indicavam o clima que se formou após a notícia. Àquela hora, toda a Guarda com certeza já saberia do ocorrido e logo, as criadas que a viram chegar se encarregariam de divulgar para além dos portões. Por mais que buscássemos pessoas discretas, sempre havia alguém menos sigiloso.

— Como já devem ter escutado, chamei Ariana para me acompanhar até a Floresta. — Ela começou mirando cada um de nós. — Não esperava porém, ser surpreendida de forma tão absurda. Ela é muito fechada e fria; o sol quase não toca o chão. — Imaginei o lugar e um arrepio me subiu pelas costas. — Pouco tempo depois o ambiente mudou com o surgimento de neblina, que se tornou mais densa com o passar do tempo.

— Densa? Não passava de fraca neblina anos atrás. Não era assim que você a descreveu uma vez, John? — Solano perguntou com a testa franzida, entretanto não obteve resposta.

— Começou bem fraca e depois tomou conta de quase tudo. Foi quando apareceu outro inconveniente. — Nós todos demos total atenção as suas palavras, chegando até mais perto para ouvi-la. Ela se moveu em direção à janela e suas mãos estavam fechadas em torno de um pedaço do que parecia ser um pergaminho. — Do alto das árvores, vieram corvos.

— Corvos? — Sarah repetiu.

— Como podiam ser corvos? Não temos animais assim no reino. — Magno comentou incrédulo.

— Mau agouro, é esse o sinal. Eu sabia que alguma coisa não ia bem, entretanto vocês não me escutam. — Andreas vociferava nervoso.

— Acalme-se! Deixem a Imperatriz falar. — Sarah encarou-nos com o semblante fechado e todos ficaram quietos.

— Eu também pensei que não existiam mas estavam lá, não era uma ilusão. Cercaram-nos e depois investiram contra nós. São carnívoros, devoraram os que matei como se não houvesse nada melhor ao redor para comer.

Não tínhamos resposta. O espanto tomou conta de nós de forma que nossas bocas não conseguiam formar uma frase sequer. Os mais velhos do Conselho se aproximaram, um amparando o outro; Sarah colocou a mão a altura da gola do vestido e se acercou de Solano, enquanto Magno encarava o nada, com os olhos turvados de perguntas. O que se passava em nossa mente era a imagem do que poderia acontecer se uma pessoa fosse atacada por eles, e não voltasse, e a cena macabra cortava qualquer palavra que tentássemos pronunciar. Eu observava meu irmão em seu uniforme e percebi sua mão apoiada na espada. Depois, fitei Diana que ainda segurava o pedaço de pergaminho, imaginando o que teria sentido a se ver frente a frente com o perigo, e por que não dizer, com a morte. Seu rosto não demonstrava medo mas eu tinha certeza que em algum momento ela o sentiu. O que eu via era certa confusão, como se ainda tentasse explicar de onde eles teriam vindo e emanava dela uma energia, semelhante à de sua mãe. Talvez por sermos tão próximos, eu tenha aprendido a identificar quando o poder fluía através de minha irmã.

— Então é assim que terminam todos os que adentram aquele lugar. Por que foi se arriscar assim, Diana? Não vejo razão para isso. — Meu irmão quebra o silêncio falando mais como tio do que como o General. Será que ele não percebia que ela não era mais uma criança? Ele se moveu para mais perto dela, a beira de se exaltar de verdade e aquilo não ficaria bem. Notei, ao reparar nos demais, que Sarah sorria. Como ela podia achar graça em uma situação como aquela? Será que não via a gravidade do que estava acontecendo?

— Eu tive mais de um motivo e agora estou certa de que estou lutando com algo bem maior do que pensava. General, não quero que nenhum dos guardas seja colocado em risco naquele lugar. Decidi reuni-los aqui para esclarecer a situação antes que criassem várias versões do ocorrido. — Chamá-lo pelo cargo e não pelo nome era uma ótima forma de fazê-lo lembrar que não estava sozinho na sala do trono; e isso o fez se conter. — Se te acalma saber, não tornarei a entrar lá. Não arriscarei o futuro do reino.

Eu sabia que ela estava mentindo, assim como Solano que mexeu na túnica após essas palavras. Se John pensasse bem, ele saberia que o objetivo era acalmá-lo e que mais cedo ou mais tarde, ela tornaria a pôr os pés lá.

 

************************* 

 

 

POV Diana

Depois que o Conselho saiu, eu soube que o médico já tinha comentado algo sobre Ariana e uma das serviçais veio me trazer notícias. Clara devia ter cerca de trinta anos, era uma mulher bonita e de porte altivo, e tinha mais três irmãs ali, justamente as confidentes de Ailla. No palácio era necessário saber com quem contar, e diferente de suas irmãs, Clara sabia guardar segredos.

Me custava pensar que simplesmente esperaria ela acordar porque para mim aquele diagnóstico, além de vago, era reflexo da má vontade de Thompson. Será que ele não percebia o quanto era importante para mim que ela estivesse bem? Para completar, eu tinha certeza que depois dessa noite, sair sem um exército me acompanhando seria muito difícil. Meu tio com certeza estava determinado a me proteger de tudo e de todos.

Robert já tinha se retirado da porta. Provavelmente meu tio mandou chamá-lo e eu tinha certeza de que saiu a contragosto. Parecia muito interessado em ficar com Ariana e agora era minha vez de brincar com ela, com o quanto seu cavaleiro se importava. Abri a porta pensando em como seria divertido vê-la irritada.

— Nãna você está aqui?

— Imperatriz, sou eu que estou cuidando dela. 

— Celeste? — Eu estava surpresa. Se Nãna não ficasse com certeza deixaria uma das mais antigas do grupo no seu lugar mas ali estava uma das novatas, e justamente a que tinha o olhar desafiador. Por algum motivo eu não conseguia gostar dela. Já tinha me dito diversas vezes que era implicância minha e que devia parar com isso. As pessoas nem sempre são o que vemos e eu não devia julgá-la por tão pouco mas era mais forte que eu.

— Ainda não acordou. Nãna trouxe um senhor para examiná-la e recomendou que a observássemos e chamá-lo se tivesse alguma novidade.

— Claro. — Eu me aproximei da cama e vi que dormia. Quem dera eu poder fazer o mesmo. — Vamos esperar então.

Antes que ela pudesse responder um barulho nos chamou a atenção. Uma discussão acontecia no corredor e os membros do Conselho estavam envolvidos.

— Não é possível que tenhamos um traidor no Conselho. — Magno falava com indignação na voz.

— Eu me recuso a acreditar. — Andreas reclamou alto e em bom tom e eu imaginei sua expressão e que estaria de braços cruzados. Sai em direção ao corredor, apressada para ver o que estava acontecendo.

— Está claro como a água. Não ouviram que foi encontrado nos aposentos de Daniel? Esse dissimulado! — Allef era o mais agitado de todos e seus olhos traziam uma raiva tão grande que julguei ser capaz de bater em alguém, apesar da idade.

— O que está acontecendo aqui? — Eles se viraram para mim e se afastaram de Daniel, que agora estava no centro do grupo, com dois guardas lhe segurando os braços. A cena me deixou confusa já que o Conselho nunca teve discussões assim.

— Imperatriz… — Ele balbuciou com o olhar cheio de esperança.

— Ao que tudo indica, temos um traidor, Imperatriz. — Agenon o interrompeu.

— Como assim? Se expliquem.

— Desculpe atrapalhar seus planos. Sei que deseja ficar com sua amiga mas há uma questão que devemos resolver. — Agenon parecia muito interessado em resolver o assunto ali mesmo. — Solano encontrou algo no palácio que nos preocupou.

— Eu não imaginava que estávamos tão perto de encontrar a fonte de nossas suspeitas, e eu detesto admitir mas ao que tudo indica, temos um traidor entre nós.

— Do que exatamente está falando? — Eu dei um passo à frente em direção a Solano.

— Daniel e eu finalizávamos a lista de convidados para o torneio no quarto dele quando encontrei um frasco, não muito comum, entre seus pertences.

— Estava bisbilhotando, Solano? Custa-me a crer que Daniel seja culpado de algo, seja lá do que for que esteja acusando-o.

— Eu não estava à procura de nada, Andreas. Ele deixou cair uma caixa e me ofereci para recolher o conteúdo quando notei no chão um frasco com líquido verde. — E estendeu a mão para Agenon, que tirou da túnica um recipiente de vidro, não muito cheio, com um líquido verde.

— Isso é… — Andreas começou a falar, porém as palavras lhe faltaram.

— Veneno, meus senhores. Imperatriz, este é um dos venenos mais comuns produzidos em Kandor. — Thompson se adiantou. — E se há alguma pessoa aqui ingerindo esse líquido, tenho certeza de que corre grande risco. — Só então reparei na presença dele. Onde estava sua pressa para ir embora?

— Como sabe que é veneno?

— É o mesmo frasco que já foi encontrado antes em um dos casos de morte aqui no reino. Eu mesmo atendi a vítima mas não havia mais o que fazer, já que a dose foi muito alta. Há uma característica comum entre eles: a folha vermelha desenhada na rolha. Além disso, o cheiro da substância é idêntico ao do extrato de uma planta encontrada aqui, um veneno à disposição de quem quiser buscar pelas florestas. Ele demora algum tempo para fazer efeito quando ingerido em pequenas doses contudo, uma dose concentrada não tem antídoto.

— Me deixe ver. — Agenon me entregou o frasco que examinei de perto, passando por entre os dedos e observando a marca vermelha na rolha.

— Este homem deveria estar em uma cela. Não podemos ter alguém assim livre, que pode colocar em risco até mesmo a Imperatriz. — Allef ganhava adeptos a julgar pelos olhos preocupados que se viraram para mim. Havia alguém fora do palácio que me queria morta e agora alguém de dentro também? O que eu teria feito para receber inimigos em troca?

— Quais os sintomas para quem o ingere? Se há alguém sob o efeito dele então precisamos descobrir.

— A pessoa pode sentir cansaço e indisposição, até mesmo recusar-se a comer ou sentir dores terríveis de acordo com a dose. Irremediavelmente, a morte é quase sempre certa.

— Imperatriz, isso é uma calúnia! Eu nunca tentaria nada contra a vida de quem quer que fosse.

— E como explica esse veneno? — Magno exigiu a verdade.

— Se é veneno ou não, não fui eu que o trouxe aqui!

Os sintomas eram parecidos com os que minha mãe sentia. E se ela foi envenenada? Era uma explicação aceitável já que em Kandor havia pessoas para produzir substâncias assim. Poderia ser uma doença também mas não podia descartar a outra ideia. Mas quem faria isso? Ela era querida por todos, dentro e fora do palácio. Era meiga, inteligente, bondosa e correta. Quem a odiaria a ponto de matá-la? Não poderia ser Daniel devido a sua idade na época do reinado dela mas e eu? Ariana estava certa em dizer que eu não estava bem. Eles me observavam esperando uma decisão enquanto eu ainda segurava, apesar da estação quente, o frasco frio com veneno mortal. Eu não tive dúvidas quanto ao que fazer, pelo menos por um tempo.

— Levem-no.

Daniel se debatia e pedia para se explicar enquanto os guardas o levavam para a masmorra. Naquele momento eu não queria ouvir nada, só tinha interesse em sair dali e ficar sozinha para pensar melhor. Que destino meu reino teria, com conspiradores dentro do palácio? Eu ainda tinha um assunto para resolver o que dava a impressão de que a noite não acabaria mais.

Fui em direção a biblioteca onde Henry deveria me encontrar. Clara me trouxe um bilhete seu marcando um encontro pois ele tinha notícias importantes e eu desejava que ele tivesse encontrado o que pedi para desfazer as minhas dúvidas logo. Ele demorou mais do que o esperado e quando chegou, entrou furtivamente como se alguém o seguisse e depois fez uma reverência.

— Me desculpe a demora. Há guardas espalhados por toda parte, armados e em alerta.

— É por minha causa. Eu não trouxe boas notícias hoje.

— Me contaram. Posso fazer algo para ajudar?

— Agora não podemos fazer mais nada. — Eu fiz uma pausa enquanto ele se aproximava da mesa onde eu estava, me observando atentamente. Provavelmente para os arranhões que consegui mais cedo. — Alguma novidade?

— Sim. Estamos perto de descobrir a confidente e auxiliar de sua mãe, depois das informações que me passou. Pelo nome, ninguém conhece mas pelo tempo desde os relatos que a Imperatriz Frida fez, tudo indica que é uma senhora de idade avançada e que vive reclusa na floresta. Meus amigos e eu estamos procurando por toda parte. É uma área grande mas já cobrimos uma parte dela.

— Preciso encontrá-la logo. Ela pode ter informações sobre a Joia e seu poder e isso vai me ajudar muito. Mas tem que ser rápido.

— Estive pensando que não é boa ideia trazê-la aqui. Com certeza tem um motivo para se manter afastada de todos. — Ele pensava o mesmo que eu, então a solução era ir atrás dela.

— Não creio que eu consiga sair sem levar metade da Guarda depois do que aconteceu hoje. Mas você está certo.

— Podemos tentar. Sempre que precisar pode me pedir ajuda para sair. Não é a única que sabe como sair sem ser vista. — Ele deu um leve sorriso e não pude deixar de notar que era bonito sorrindo, embora não fosse o momento para isso.

— Me mostre no mapa o quanto já percorreram. — Tratei de dispersar esse pensamento rapidamente.

— Já passamos por toda essa parte próxima a área central do reino. Sendo uma senhora que mora sozinha, eu imagino, deve ficar em uma parte que facilite sua vinda até os mercadores, para comprar alimentos. Precisa de água também e há pontos pelo riacho em que fica mais fácil coletá-la. — Ele apontou para uma parte do mapa, próximo a um vale. — Essa parte me parece promissora. Devemos procurar por lá daqui a dois dias.

— Então, assim que acharem, vamos encontrar uma forma de eu ir até lá sem chamar toda a atenção. — Afastei o mapa e decidi que era hora dele ir. — Obrigada por me ajudar. Eu realmente não conseguiria procurar tão rápido. Sei que não pode ficar muito tempo aqui. Nos falamos depois.

— Disponha.

Henry seguiu seu caminho e eu fiquei na biblioteca, até que por fim adormeci. Quando acordei os primeiros raios de sol entravam pela janela e decidi subir para o quarto. Eu deveria ter ido ver Ariana e não dormido, ficado com ela durante a noite. Para minha surpresa, ao chegar a escada de acesso ao terceiro andar, vi Ariana de pé, do outro lado do corredor.

— Ariana. — Eu chamei sem resposta. Ela seguia em direção aos quartos e tampouco se virou. Eu me apressei e a alcancei, tocando de leve seu braço. — Ariana, espere.

— O que você quer? — Estava estranha comigo, e não era só a voz. Me mirava com raiva nos olhos, que estavam vermelhos mas sem lágrimas, e os dentes cerrados. Seu cabelo estava bagunçado e havia suor escorrendo das têmporas, e eu não acreditei que se tratava só do calor.

— Como se sente? Eu fiquei tão preocupada. Você desmaiou e eu não sabia o que fazer. Precisa de alguma coisa? — O silêncio era sua resposta e seu olhar me doía a alma. O que estava acontecendo nesse palácio? Ela deu um passo para trás com os punhos cerrados e o rosto tão fechado como nunca vi. — Diga alguma coisa, por favor. — Ela fez uma pausa para depois me acertar com a frase mais fria que já escutei.

— Se afaste de mim.

Ela pronunciou cada palavra lentamente, talvez com o intuito que eu compreendesse bem. A força que fez para dizer isso era evidente, contudo, o problema era que eu não sabia se isso era bom ou não. Saiu me dando as costas, pisando com força pelo caminho para depois bater a porta com estrépito. Com ar de deboche uma voz se fez ouvir depois.

— Vejamos bem, se não é a Imperatriz, acordada tão cedo. Se bem que, eu diria que não dormiu, vendo o estado do seu rosto. — Eu me virei para a escada e lá estava Ailla, muito bem acordada, usando um de seus mais belos vestidos e vindo do primeiro andar.

— Vai a alguma festa a essa hora da manhã?

— É evidente que gosto de me vestir bem, para qualquer ocasião.

— Claro. E que ocasião especial temos hoje? — Eu tentava entender onde ela queria chegar com aquela implicância tão cedo que definitivamente, não era o que eu precisava para começar o dia.

— Para mim é um dia maravilhoso, com certeza. As coisas não vão muito bem para você, não é? — Se aproximou lentamente de mim com um sorriso sarcástico. — Já começou o dia brigando com sua amiguinha.

— Eu não sou obrigada a ouvir nada disso. Não sou obrigada a aceitar a raiva gratuita que tem por mim. — Comecei a caminhar em direção a escada para o terceiro andar, quando ela continuou.

— Você não perde por esperar, Diana. Logo conseguirão te tirar do trono, que você não merece. Talvez seus amigos corvos cuidem disso.

— E acaso quem o merece? Você?

— Eu seria muito melhor!

— Ailla!

Seus pais surgiram no alto da escada, vestindo ainda as roupas de dormir, nos encarando com um misto de surpresa e indignação. Tia Aurora tinha olheiras, as mãos na cintura e julguei que estava com raiva também. Provavelmente, Ailla não tinha dormido no seu quarto.

— Ailla, onde você esteve? — Meu tio falou pausadamente, tentando conter-se e não dar o sermão bem no corredor. Desceu até certo ponto e parou, sem tirar os olhos da filha.

— Eu estava lá embaixo, papai. Acordei mais cedo, preocupada. Não dormi muito bem. Eu levantei ontem à noite para comer alguma coisa e depois voltei para o quarto.

— Não minta para seu pai! Nós fomos ao seu quarto de noite e você não estava lá. Procuramos por todo o palácio e ficamos a noite acordados te esperando. Onde esteve e que modos são esses para com sua prima?

— Por que duvidar? Estou dizendo a verdade. — Ela levantou a voz e se aproximou de mim.

— Vá para o seu quarto. — Por um tempo ela não se moveu e eu vi minha tia começar a ficar vermelha esperando Ailla acatar sua ordem. — Vá para o seu quarto agora!

Ela saiu em disparada com raiva, batendo a porta também. Meu tio se aproximou de mim, um tanto envergonhado, e colocou a mão em meu ombro.

— Desculpe o comportamento de Ailla. Nós vamos resolver essa situação.

— Ela te pedirá desculpas por isso, querida.

— Não se preocupem. — A verdade é que eu não sabia o que dizer. Eles conheciam a personalidade dela e que os desobedecia com frequência, mas eu não tinha o direito de opinar na sua educação. — Eu preciso subir. — Subi correndo as escadas mas ainda consegui ouvir o que diziam.

— Acho que você está certo, Clermon. Precisamos casar Ailla, o mais rápido possível.

— Então estamos de acordo. Vou providenciar tudo.

Por algum motivo, senti que isso não era bom.


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Notas finais do capítulo

Bem, médicos na Idade Média não tinham os mesmos recursos de hoje. Não haviam muitos tratamentos além da comum sangria e algumas ervas, não usavam anestesia e certas doenças eram consideradas castigos. Ficar ferido em batalha? Dependendo de como fosse o ferimento, era melhor morrer mesmo.

Também descobri que costumavam usar plantas, como cicuta e beladona, para se livrar daquela pessoa que não gostava. Na Itália, teve um pessoal por volta de 1600 que gostava de matar os maridos, daqueles casamentos "problemáticos". Se Daniel é culpado mesmo? Isso só vamos saber depois, mas que Diana tomou do veneno, isso tomou. Dosagem pequena mesmo. Não pode morrer agora, né? Então quando Ariana comenta do estado dela antes de saírem para a Floresta, já era o mal-estar feito por ele.

Ariana acordou!! De mau humor. Um mês dormindo pra acordar assim rsrs. Mas o que será que aconteceu enquanto dormia? E bem, vou dar um spoiler pra vocês: ela vai ficar com sequelas da queda. Após um trauma na cabeça, as células cerebrais são danificadas e pode ocorrer o desmaio. As consequências podem surgir rapidamente ou dias depois.

Preciso contar também que o médico, Leon Thompson, é o doutor da família e cuida também de tia Martha (que por sinal ficou boa depois de gritar "Assassinos" por aí). E para fechar, o nome de Nanã é Anne Hudson. Vou criar mais pra frente um capítulo narrado por ela.

Gente essa Celeste e essa Ailla. Como assim casar? Coitado do marido...

Que me dizem do capítulo? Tem curiosidades? Perguntem que respondo.
Até mais!