Kandor: as chamas da magia escrita por Sílvia Costa


Capítulo 11
Capítulo X - Decisões


Notas iniciais do capítulo

Gente aí vai mais um capítulo. Sim ficou grande mas espero que gostem. Vamos conhecer um pouco mais da prima da Imperatriz e ver o que está tramando. Surpresa pra vocês no final.



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POV Ariana

O início da manhã passou bem rápido e agitado. A família e o Conselho, com exceção de Martha, John e Diana, desceram para o café com cara de quem nada dormiu e preocupados. Eu praticamente morei no palácio a partir dos 15 anos pois minha presença era constante e por isso estava acostumada com alguns acontecimentos e o mal humor de outros. Faltando cerca de três anos para Diana assumir o trono, eu precisava aprender mais algumas coisas para ficar ao lado dela e ajudar a resolver qualquer imprevisto. Semanas antes de ela assumir, me mudei definitivamente para um quarto no segundo andar. Ela queria que eu ficasse no terceiro, o andar da família, mas para não causar mais insatisfação com minha presença, insisti para ficar no mesmo andar que o Conselho. Minha mudança não deixou todos contentes, é claro. Marcon e Ailla foram os que menos gostaram, e Vanda, a tia solteira. Eu tinha certeza mesmo era que Ailla queria o trono. Aquela branquela do cabelo castanho se veste como a própria Imperatriz e quer mandar e desmandar nas cozinheiras, nos guardas, em qualquer um que estiver na frente. Pelo menos a maioria gostava de mim.

Durante o café comentamos muito pouco sobre o acontecido no dia anterior, mas dava para ver claramente nas poucas palavras que a maioria pensava que Martha estava delirando e os outros, que ela finalmente tinha ficado louca. Enquanto Agenon e Daniel pareciam incomodados, Ailla fazia uma cara de desprezo durante a conversa e eu comia com vontade de dizer umas poucas e boas para aquela invejosa.

Eu pensei em procurar Diana e ver o que estava fazendo mas então me lembrei que estava de certa forma chateada com ela. Antes mesmo daquela excursão por parte do reino, para ver de perto como as coisas estavam e buscar por uma pessoa, nós discutimos por causa de Henry. Primeiro ela passa a tarde apostando uma corrida com ele, enquanto as notícias causam alvoroço na família dela. Depois os dois me soam tão próximos que era como se tivessem passado anos juntos. E sem me contar nada? Retirando a parte de que era um guarda, o que mais ela sabia sobre ele a ponto de confiar? Para completar eu vi um mensageiro saindo bem cedo em direção a área central do reino, como se estivesse se escondendo de alguém. Ela podia me chamar de desconfiada mas alguma coisa estava acontecendo bem debaixo do nosso nariz. E eu precisava descobrir o que era.

 

POV Ailla

Eu tinha planejado um dia calmo e longe de qualquer loucura da família ou de quem quer que seja. Depois do café segui para o caramanchão onde poderia fugir um pouco do calor. Já me bastava o show de minha tia, expondo ao ridículo todos nós para que logo o reino inteiro soubesse e fizesse piada. Para variar, Diana tinha de intervir, como sempre. Tudo era para Diana, tudo girava em torno dela: as atenções, as joias, os vestidos maravilhosos, os melhores professores se fosse necessário, as honras, o melhor quarto, uma Guarda inteira se ela quisesse, o trono. O trono. Essa era minha maior tristeza. Meu pai era incapaz de usar magia, minha mãe não era uma Wood de nascença e se fosse, seria tão doce quanto tia Frida; outra que pensaria no bem estar de todos e no reino acima de tudo. Eu detestava isso. Se eu fosse a Imperatriz, eu viria primeiro, é claro. E provavelmente não ficaria só em Kandor: visitaria outros reinos que com certeza têm muitas coisas interessantes para ver.

Meu irmão é um bobo servindo a Guarda e beijando o chão onde Diana pisa. Tenho certeza que almeja mais do que ela, só não quer contar. Discutimos sobre isso nos últimos dias e ele negava que tivesse segundas intenções. Será um pateta mesmo se não fizer nada para assumir o que é nosso por direito, já que nosso pai abriu mão tão fácil de tudo. Marcon pensa que eu não imagino que ele está armando alguma coisa, mas seus passeios noturnos têm algum objetivo.

Chegando finalmente ao caramanchão eu avisto alguns guardas circulando e parte deles estava comentando sobre Diana. Ontem um deles me pareceu muito preocupado com ela, atento a cada movimento e pronto para defendê-la de tudo. A pele clara, a barba por fazer, cabelo preto e curto e olhos castanho-claros. Descobri que seu nome era Henry, filho de Agenon, muito influente entre os guardas e que adora trabalhar. Fazia rondas a noite e participava dos treinamentos matutinos com tio John, não tinha nenhum compromisso e morava sozinho em uma casa pequena mas confortável, bem na área mais movimentada do reino. Além disso, gostava de cavalgar, luta bem com espadas e, segundo contam, anda atrás de Diana. As criadas realmente sabem de tudo e eu tinha fontes bem confiáveis até onde se pode comprar, é claro. Muita gente suspirava secretamente por ele, e se Diana estava interessada também, eu ia tratar de por fim a isso.

Ainda observando aquela parte do jardim, percebi um dos guardas me olhando: Ryan. Aquele esquisito de cabelo preto e longo novamente estava por perto. Parecia perseguição porque toda vez que eu estou em algum lugar fora do palácio, ele está também, e me olhava diversas vezes. Não tenho culpa de ser bonita mas com tantos homens pelo reino, logo aquele novato tinha que ficar de olho em mim? E o pior era que já tentara se aproximar, se oferecendo para me acompanhar quanto saía do palácio ou tentava puxar assunto só para se aproximar. Era melhor eu sair para a casa de alguma amiga, antes que ele resolvesse vir até mim só para me encher.

Me levantei e caminhei na direção de uma das portas laterais do palácio pensando em pedir uma carruagem para me levar quando uma ideia me veio à mente. Pensando bem, ele até que poderia ser útil de alguma forma. Me parecia bem inocente e com certeza faria tudo o que eu dissesse, se eu soubesse como pedir.


POV Diana

Logo depois do almoço, chamei meus tios para conversarmos na sala do trono. Minha prima saiu cedo e pelo que me contaram, em uma das carruagens em direção ao centro do reino. Provavelmente vai a casa de uma de suas amigas, falar mal de mim e de tia Martha, como sempre. O diferente é que dessa vez ela levou um dos guardas que nunca esteve a seu serviço: Ryan. Com qual objetivo? Provavelmente vai aprontar alguma para ele.

Marcon alegou que não tinha nada a dizer a mais sobre o assunto, além do que já conversamos e tia Vanda estava indignada com o estado da cunhada, afirmando que seu irmão deveria ter procurado uma criança para criarem ou cuidado mais dela mais do que do trabalho. Tia Aurora foi a primeira que encontrei quando o dia amanheceu e sugeriu que eles passassem um tempo fora. Um pouco de atenção do marido e fugir de sua paranóia por trabalho fariam bem.

Pensando nisso eu me sentei esperando que os outros se aproximassem do trono. Já assisti tantas conversas de meu tio assim mas confesso que para mim era estranho estar ali e ver as pessoas de pé tentando descobrir o que fazer com as mãos e manter o rosto sereno. Eram sempre tão tensas essas conversas.

— Eu chamei vocês aqui para esclarecer o que aconteceu ontem. Podem me dizer como começou tudo?

— Ouvi que sua tia não estava se sentindo bem, talvez por causa do calor. Eu subi para vê-la no quarto mas quando cheguei ela estava agitada, com um copo de vinho na mão, me tratou mal e saiu. Depois começaram os gritos e, sabe onde terminou Diana… digo, Imperatriz. Eu tentei me aproximar e ela quebrou o copo e depois nos ameaçava com um pedaço dele. Nunca vi minha cunhada assim. — Ele fez uma pausa olhando os sapatos com tristeza. — A família dela está a caminho para vê-la.

Tio John permanecia calado e olhava um ponto qualquer na parede. Seu corpo perfeitamente ereto lembrava mesmo um soldado, daqueles dedicados e loucos pelo trabalho. Dispensei meu outro tio e ficamos em silêncio por um tempo. Eu queria perguntar sobre o que ela disse. Não que eu acreditasse realmente que alguém da família poderia fazer mal a meus pais, mas outras pessoas sim.

— Alguma probabilidade de que ela esteja certa? — Ele demorou um pouco para responder, como se pensasse no peso que cada resposta teria.

— Talvez. Mas nunca achamos provas. — Eu já imaginava sua resposta mas ouvi-la era como saber a maior notícia do ano e não saber o que fazer com ela. — Naquela época já existia o muro. Sua avó o construiu mas eu tratei de tornar a Guarda preparada para qualquer coisa como uma linha de defesa a mais . Me dediquei demais a ela depois que seu pai… — Ele não conseguiu completar. — Foi tudo muito rápido. O reino mal se recuperava de uma coisa e logo aconteceu novamente. Pode ter mexido com a cabeça dela tanta tristeza de uma vez só, porque Martha sempre foi uma mulher sensível. — Ele falava mais para si próprio, os olhos focados no nada. — Sua mãe começou a se sentir mal constantemente. Nenhum estudioso sabia o que ela tinha e os conhecedores das ervas, nada puderam fazer. Primeiro pensamos que estava grávida, pelos enjoos diários; mas depois ela ficou cada vez mais fraca. — A voz estava entrecortada, e olhava agora para o chão.

Eu já não estava mais sentada. A sala do trono foi projetada em ponto estratégico e embora fique no primeiro andar, está acima do terreno, e dela é possível mirar as chamadas Montanhas do Desespero. Eu as observava agora e me dei conta que nunca me aproximei de lá. Talvez eu devesse ter feito isso.

— Diana, eu pensei bem. Vou abdicar do meu cargo na Guarda. — Eu me virei de imediato e encarei um homem com os olhos vermelhos, tentando segurar as lágrimas.

— Tem certeza disso?

— Absoluta.

— Não me resta outra alternativa a não ser providenciar para passar o cargo para outro, talvez um dos guardas. Só que dessa vez vamos fazer diferente. Pretendo passar essa responsabilidade para quem realmente queira e mereça. Um torneio para ser mais exata.

— Torneio... — Ele pareceu pensar sobre o assunto por um tempo. — Será a primeira vez que vejo um para ocupar o cargo de general. Sim, é o mais indicado; afinal Clermon não leva o menor jeito para o combate. Mas se quer uma dica, só há um homem no qual eu confio para esse cargo e espero que ele vença.

— Não me conte. Não quero que digam que fui influenciada. Deixaremos que o melhor deles vença.

— De acordo. — Ele concordou sem compreender exatamente o que eu faria.

— Há uma casa no litoral. É um pouco distante mas temos empregados fiéis lá. Umas semanas fora fariam bem.

— Depois que o novo general for escolhido. Uns meses fora, talvez ver outros reinos...

Eu me aproximei lentamente e o abracei enquanto ele tentava conter as emoções. Provavelmente se sentia culpado pelo que acontecia a esposa e isso doía mais do que deixar a Guarda. Esperava que não fosse muito tarde.

Deixei meu tio e sai apressada. Pela manhã enviei um mensageiro de confiança para avisar Henry sobre as aulas e esperava que já estivesse no local, mas eu precisava correr se quisesse chegar no riacho em tempo. Procurei por Ariana mas ela não estava no palácio. Queria falar com ela mas não me dava tempo e provavelmente voltou para a casa dos pais. Antes de sair avistei Celeste e Nãna pelos corredores. Essa garota me intrigava, eu não sabia o motivo e também não entendia como poderiam ter dispensado a outra candidata ao serviço.

Vesti uma roupa escura e segui para o estábulo torcendo para que ninguém me visse, principalmente meu primo que também estava de folga e pediria novamente para cavalgar com ele. O lugar estava vazio e Trovão já estava pronto junto a Erick, me esperando atrás do estábulo com o olhar ativo, espiando em todas as direções para evitar ser surpreendido.

— Nenhuma palavra Erick. Você não me viu hoje e não verá pelos próximos dias.

— Como quiser, Imperatriz. — Ele fez uma leve reverência mas eu sabia que contaria a meu tio.

Havia uma abertura no muro por onde eu aprendi a sair depois que comecei a usar o poder. Para não denunciar minha rota de fuga, nunca contei a outras pessoas além de Ariana e Erick. Me aproximei rapidamente e com uma urgência maior que o normal, ela surgiu. Linhas azuis se formaram na base do muro como eu nunca vi antes, minha mão direita formigando cada vez mais enquanto elas se multiplicavam e aquela parte da construção sumia. Mais alguém podia ver? Eu estava criando isso? Atravessei e como esperado, não havia ninguém por perto. Partindo dali o caminho até o riacho seria longo mas era a melhor forma de evitar encontrar alguém.

No riacho Henry me esperava com a espada presa na bainha e seu uniforme habitual. Se levantou quando me aproximei da encosta e fez uma reverência quando desci.

— Demorei mais que o normal mas como está de folga não vai lhe causar problemas.

— Não há com o que se preocupar, Imperatriz.

— Vamos tratar uma coisa? — Enquanto Trovão se afastava para beber água, eu tirei a espada e apontei para Henry. — Quando estivermos treinando, não precisa de reverências.

— Como quiser, mas não pense que vou facilitar as coisas só porque é a Imperatriz.

Seu tom de voz não demonstrava desaforo, era mais uma brincadeira, um desafio. Segurou a espada em posição de ataque, com os joelhos levemente flexionados e me encarou. Seus olhos castanho-claros me analisavam com atenção e eu imaginei que não seria tão fácil. Provavelmente era muito bom manejando a espada e eu poderia perder se não ficasse atenta. Eu estava tensa e um pouco enferrujada também, então até esquentar o corpo e ver como ele lutava, ficaria sem fôlego. Ele permaneceu em posição e esperava que eu atacasse primeiro e mesmo sabendo que era uma tática para ver como eu me saía, foi o que fiz. Henry era destro então ataquei primeiro pela esquerda mas ele defendeu e recuou um pouco com o impacto. A cada ataque meu ele recuava porém defendendo com destreza, força e o som das espadas se chocando enchia o ar. Seu olhar acompanhava cada passo como se já tivesse decorado cada investida e a força que eu usava não parecia ser o suficiente para desarmá-lo. Precisava de um ataque que o surpreendesse o bastante, mas não sabia como. Ele lutava como Solano, e se ele fosse o professor de Henry, seria quase impossível vencer. Em um descuido de questão de segundos ele mudou todo o jogo. Investiu contra mim atacando rapidamente e eu recuei até quase chegar a encosta novamente. Trovão passava a pata direita no chão com força, levantando a poeira, pois já estava nervoso.

Henry era muito ágil e habilidoso mas eu tinha uma carta na manga. Fingi tropeçar em alguma coisa e quase cair de costas mas ele me segurou, como eu imaginei que faria. Por um breve momento eu vi seus olhos tão de perto, sua respiração se misturando a minha. Eu o empurrei e contra-ataquei enquanto ele se equilibrava, fiz um giro e mirei a lateral do seu corpo. Mas quando finalmente pensei que estava terminado, ele segurou a espada com firmeza e eu recuei. Me dei por vencida pois estava cansada e o suor já escorria no rosto. Me sentei no chão largando a arma e ele se sentou na minha frente me encarando.

— Para quem nunca passou pelo treinamento do General, até que luta muito bem Imperatriz.

— Obrigada mas eu estou enferrujada. — Dei uma pequena risada e ele me acompanhou. — Faz um bom tempo que não faço isso. E vamos combinar outra coisa? Me chame de Diana.

Ele me fitou surpreso, com certeza pensando onde eu queria chegar. Primeiro eu o chantageava levantando informações de quanto a Guarda era importante. Depois, eu o chamava secretamente para um treinamento em lugar afastado. E ainda não tinha colocado a última carta na mesa.

— Posso te fazer uma pergunta? — Eu assenti, imaginando o que perguntaria.

— Quem a treinou?

— Solano.

— Isso não parece te deixar feliz. — E não deixava. Eu não conseguia deixar de me sentir magoada.

— Não é nada. Mais alguma pergunta?

— Se eu estou nessa história até o pescoço como eu imagino, então eu gostaria de saber duas coisas. Primeiro, qual o motivo para treinar assim e segundo, contra quem espera lutar? Quem é o inimigo?

— Quero estar preparada para lutar contra todos que quiserem fazer mal ao meu povo. E não parecem ser poucos.

— Por que acredita em mim?

— Porque assim como eu, você quer que Kandor prospere, não quer que alguém destrua tudo que foi construído todos esses anos. — Eu me levantei com as mãos cerradas e me virei para o riacho. — Você faria tudo pela Guarda e pelo reino, assim como eu.

 

POV Henry

Diana me deixou na estrada e segui para casa a pé, um tanto confuso e cheio de perguntas. No caminho encontramos Ariana voltando de uma missão: perseguiu o mensageiro que foi até minha casa e acabou descobrindo Ryan e Ailla passeando pelo reino. Se eu conheço bem o meu amigo, era melhor avisá-lo para não se meter com a prima da Imperatriz, antes que fosse tarde demais. Vendo Ariana e ela conversando tão animadamente significava que fizeram as pazes, em que momento eu não sei mas isso não importava.

Ela estava jogando perigosamente e com certeza, atirando no escuro na esperança de abater algum traidor. Mas quem poderia ir contra ela? O trono pode ser o objeto de desejo de muita gente mas precisaria ser muito esperto e forte para derrotar todos nós. Se haviam traidores prontos para agir, então eu precisava ficar de olhos abertos. E ainda havia mais uma coisa: Diana precisava encontrar uma pessoa, uma senhora pelo que descreveu. Levando em conta o tamanho do reino e a quantidade de casas, na área central ou afastadas, seria como procurar uma agulha em um palheiro. Mas eu ajudaria sem questionar. Tudo pelo reino. 

Ao chegar em casa me surpreendo com velas acesas e meu pai esperando. Minha casa era simples e pequena mas era o melhor lugar para mim depois da casa de meus pais. Eu a mantinha arrumada da forma que um homem podia e para mim ela tinha tudo o que eu precisava depois de um longo dia na Guarda: paz e sossego. No primeiro cômodo havia uma mesa com quatro cadeiras coberta por uma toalha branca, um jarro com água e um conjunto de copos. Meu pai estava sentado virado para a porta de entrada.

— Que surpresa, pai. Faz tanto tempo que não vem me ver.

— Oi, meu filho. As obrigações se tornam mais intensas. Você também não me visita com frequência nos últimos meses. — Ele trazia uma vasilha coberta por um tecido branco, o cheiro inconfundível era do bolo de Nãna.

— Nossas obrigações nos distanciam. Não tem como evitar. — Eu lavei as mãos enquanto falava, depois me sentei e fitava as mãos de meu pai, que nervosamente mexiam no tecido que cobria o bolo. Ele tinha pegado dois pratos e talheres. — O que o traz aqui?

— Precisamos conversar. — Ele se curvou sobre a mesa — Você já percebeu como as coisas estão mudando em Kandor. Faz pouco tempo que Diana assumiu e ainda não domina o poder. É uma brecha para que alguém inteligente aproveite e queira prejudicá-la.

— Acha que temos traidores no palácio?

— Você também tem essa impressão? — Ele me olhou sério e incrédulo ao mesmo tempo por eu saber. — Se eu estiver certo, mais próximos do que imaginamos. — Ele partiu o bolo e começamos a comer. Estava tão bom que eu praticamente esqueci  o cansaço do dia. — Eu suspeito que não é apenas uma pessoa que está tramando contra nós, e podem haver comerciantes envolvidos ou os mais afortunados. Jogos de interesse. Você sabe como é.

— Vou colocar os guardas mais atentos. Qualquer coisa estranha vamos investigar.

— Não é só isso. Temos que duvidar de todos. Inclusive, Celeste está no palácio, trabalhando muito próximo a Imperatriz. Não gosto disso.

— Por que implica tanto com ela? Não entendo sua desconfiança. Ela não tem mais os pais, é normal que procure alguma atividade.

— Você não percebe? Essa mulher só trará a discórdia. Não confio nela e tenho meus motivos. — Ele estava falando sério mas nunca chegou a me contar de fato qual o problema com Celeste. Se quiser servir ao reino, tem que se afastar dela.

— Não tomarei decisões com base em suas suposições, pai. Celeste nunca me deu motivos para duvidar dela.

— Pois bem, faça o que acredita ser o melhor. — Ele se levantou depois de me encarar por um tempo e se pôs a caminho de porta. — Eu não vou falar mais no assunto, mas esteja certo de que se eu suspeitar que tem um caso com essa mulher, não precisa mais se considerar meu filho e será uma vergonha para sua mãe, que descansa em paz.

Ele saiu batendo a porta e logo ouvi o barulho dos cascos dos cavalos. Meu pai jamais saia sozinho a noite e sempre levava um guarda ágil e de confiança. Estava nervoso e eu preferi não levar suas palavras tão a sério, principalmente quando se referiu a minha mãe. Repararia mais nas atitudes de Celeste dali para frente, sem acusá-la, e depois chegaria a uma conclusão. Meu pai estava escondendo alguma coisa também.

***********************  

Ariana partiu logo para a cozinha em busca de alguma guloseima especial de Nãna. Subindo as escadas lentamente Diana esperava chegar em seu quarto e ter um banho quente para relaxar os músculos, e depois jantar e descanso mas no meio do caminho mudou de ideia e decidiu que iria para o quarto de seus pais. 

As escadas pareciam não ter fim, suas pernas não queriam se mover. Da próxima vez pegaria mais leve no treinamento. Henry… era um homem intrigante. Não parecia ter medo de nada e se mostrava bem interessado em ajudar, mesmo que a segunda tarefa fosse difícil. Precisava encontrar uma pessoa pois tinha certeza que só ela poderia ajudar com a Joia. Era amiga de sua mãe e poderia dar informações muito úteis.

No último lance de escadas, ela se apoiou no corrimão para subir, com o cansaço cada vez mais visível. Estava se sentindo mal devido ao longo período sem se alimentar e ao chegar ao terceiro andar, Diana se sentiu tonta e tentou evitar uma queda.

— Imperatriz!

Celeste correu para ajudá-la e evitou que batesse a cabeça no chão. A visão de Diana estava turva e sentia o corpo fraco, como se as energias lhe escapassem por entre os dedos. Pediu que a levasse para o quarto de seus pais e deu a chave para que a outra abrisse. Com dificuldade, Celeste a colocou na cama e abriu mais as janelas para que o ar circulasse melhor.

— Imperatriz, o que está sentindo?

— Não é nada grave. Celeste, me traga uma fruta. — Ela tirou uma maça que trazia no bolso do vestido e passou para a jovem, ajudando ela a se sentar, apoiando-se na cabeceira da cama para comer. — Eu só fiquei sem comer mais horas do que devia. É só isso.

— Tem que se cuidar. É muito importante para o reino, Imperatriz.

— Eu me cuido. — A visão ainda estava embaçada mas encarava a mulher com extremo interesse. Quem era aquela jovem e por que ela transmitia um ar de mistério? Seus olhos devolviam um olhar sem medo, quase como se absorvesse a presença de Diana. Qualquer outro empregado do palácio ou súdito evitaria olhá-la tão diretamente por tanto tempo, por pura educação. Mas ela não. Parecia desafiá-la.

— O que se passa aqui?

— Senhor, a Imperatriz se sentiu mal. — Ela se levantou da beirada da cama, baixou o olhar e abriu espaço para que Solano se aproximasse. Após se certificar que não havia febre deu um olhar para a garota e depois para a maçã nas mãos de Diana.

— Eu cuido dela daqui para frente. Pode voltar às suas atividades. —Sem responder ela fez uma pequena reverência e saiu, deixando a porta fechada.

Solano se sentou na cama e observava o tom pálido dela e suas roupas. Pelo que conhecia, com certeza tinha saído às escondidas, talvez para o riacho que era seu lugar preferido. Restava saber com quem e por que, já que portava uma espada. Uma energia fluía de suas mãos.

— Imagino que esteve fora e que alguém estava com você. — Ela já tinha terminado de comer a fruta e o encarava também. — Estava treinando?

— Sim. Preciso retomar os treinos. Estou enferrujada.

— Por que não me pediu? Eu ainda sei usar uma espada.

— Estava ocupado. Praticamente não o vi a semana toda.

— Estou resolvendo alguns assuntos. Quem estava te acompanhando?

— Por que quer saber? — A julgar pela fala, já estava bem melhor.

— Porque eu me preocupo apesar de você acreditar que sou o pior homem da face da terra e que não mereço sua atenção. — Pela primeira vez ele se mostrava ofendido com ela, a voz carregada de mágoa. Os dois se encararam por um longo tempo, ela queria dizer tanta coisa e mesmo assim as palavras não saiam tão facilmente.

— Eu me sinto no meio de um turbilhão, onde todos fazem algo às escondidas. Não tenho muitas pessoas para confiar.

— Então confie em mim. Eu sempre lutei por você e sua família.

Solano estendeu a mão e esperou a reação dela. Diana o conhecia e sabia que seria incapaz de tentar algo contra eles e ela compreendia que ele tinha feito o melhor todos esses anos. Ela estendeu a mão e lhe deu um sorriso, que logo foi retribuído. Estava refeito o laço de confiança quando uma leve batida na porta os interrompeu.

— Com licença, eu trouxe algo para comer, Imperatriz. — Sarah entrou apressada e fechou a porta atrás de si com cara de poucos amigos. — Essa novata que Nãna escolheu! Não sei como ela permite esse tipo de gente atrevida aqui dentro. — Ela colocou a bandeja na cama e entregou o prato de sopa para Diana. — Espero que a tiara não esteja muito apertada e causando tonturas.

— E não está, mas obrigada pela sopa. — Ela agradeceu mas sem interesse em comer.

— Pode comer. Não está envenenada. — Solano olhou de uma para a outra e sorriu. O comentário deixou Sarah surpresa e ela acabou sorrindo também.

— Desse jeito vou achar que vocês estão se empenhando para me engordar.

— Não querida, só estamos tentando manter você viva mesmo.

Por que me odeia tanto?




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Notas finais do capítulo

Sarah é muito controversa: às vezes parece detestar Diana e depois quer ajudá-la. Mais para frente vocês vão entender o motivo.
Henry não sabe mesmo em quê está se metendo. Vai sobrar se não tiver cuidado.
Com essa saída de John, quem vocês acham que assume a Guarda? Alguém animado para o torneio?

Alguém tem teorias? Quero conhecê-las :D