Something Just Like This escrita por Iamamiwhoami


Capítulo 1
Capítulo Único: Something Just Like This


Notas iniciais do capítulo

Hey you! Essa é a minha segunda one-shot Supercorp! Estou apaixonada por esse shipp e espero que apreciem essa história. Ela basicamente surgiu de uma nova música do Coldplay com o The Chainsmokers. Eu posso resumi-la como um grande Fluffy, porque eu sou simplesmente a maior manteiga derretida que vocês (ou não) respeitam!


Música-título: The Chainsmokers & Coldplay - Something Just Like This. Vocês ouvirão? Por favor, é tão importante para mim que vocês ouçam. Eu garanto que é primordial para a história.

Boa leitura. :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/726456/chapter/1

 

 

Lena Luthor é uma observadora. Os solitários, de uma maneira geral, costumam ser mais atentos que os comunicativos ou sociáveis demais, de fato, mas Lena Luthor é um caso extraordinário. Ela foi categoricamente ensinada desde os sete anos, a analisar expressões faciais, linguagens corporais, tons e variações de voz. Os mínimos gestos, tremulações, as meras passagens finas de ar. Nada escapa de seus olhos aguçados.

Dessa vez, exceto pelo fato de que Lena nunca esteve tão confusa e hipnotizada, não é tão diferente.

Ou é nisso que prefere acreditar enquanto Kara está divagando há cerca de vinte minutos e ela não foi capaz de absorver uma única palavra sequer.

— Lena...? – A repórter ajeita timidamente os óculos. – Eu sinto muito por falar sem parar...

— Não sinta, Kara. – Gesticula depressa com uma das mãos. – Eu estava distraída, mas gosto de ouvir. Sabe que não costumo saborear muitas conversas casuais com as pessoas...

— Tenho certeza de que elas não sabem o que estão perdendo!

Ali está ele, o sorriso ensolarado. Ele desabrocha com a graça e vagareza da primeira flor da primavera, repleto de cores. Lena, nata observadora, não aprecia simplesmente o mero conceito de “sorriso”. Lena aprecia a curvatura perfeita, o modo como os cantos das pálpebras enrugam-se, o suave rubor das bochechas, as oscilações em seu lábio superior, a amabilidade de seus olhos azuis cada vez que sorri. Lena Luthor jamais recebera um sorriso tão reverente.

— Senhorita Luthor?

A voz relutante de Jess, sua assistente, a desperta. Kara está cobrindo a boca para conter um riso ao ver como a CEO parece perdida e viajante, fazendo-a corar.

— Sim, Jess?

— O advogado de Lex Luthor ligou pela quarta vez hoje. – Lena nota como a secretária engole em seco, temerosa. – Ele insiste que você vá para Metrópolis, à penitenciária, para comemorar seu aniversário com seu irmão. Ele diz que tem um presente para dar-lhe.

— Um presente? – Ela ri amargamente. – O que seria? – Ergue as sobrancelhas com todo o sarcasmo soberano que corre em suas veias e língua. – O cano de um revólver entre os meus dentes? – Suspira. – Ignore-o, Jess. Garanta que cada número por ele usado seja impedido de retornar.

— Sim, Senhorita Luthor. – Jess lança um olhar aflito à Kara antes de deixar sorrateiramente o escritório.

Lena se vira o mais rápido possível em sua cadeira para as grandes janelas, observando o céu iluminado do meio da tarde. O reflexo no vidro, embora ofuscado pelo Sol, denuncia exatamente o que ela temia.

— Lena? – Kara pigarreia.

— Talvez possamos remarcar essa conversa amigável, Kara. Há muito a ser feito na L-Corp, estou certa de que compreende...

— Olhe para mim, Lena.

Ela gira novamente a cadeira com um longo suspiro, deparando-se com uma adorável repórter de sobrancelhas franzidas, braços cruzados, fazendo beicinho, mas com uma compaixão surpresa e tão profunda nos olhos que a faz desejar desaparecer.

Ou cair em seus braços.

— Kara...

— Hoje é seu aniversário?

— Não é tão importante, Kara. Eu não o comemoro desde que fui adotada pelos Luthor, praticamente. Se o advogado do meu irmão não estivesse ligando desde que o dia amanheceu para convencer-me a ir até Metrópolis, ou se Jess não tivesse deixado discretamente um café da manhã adorável em minha mesa antes de eu chegar aqui, sequer teria me lembrado que é hoje. – Dá de ombros, culpada.

— Pegue sua bolsa e seu casaco, Lena. – Kara se levanta determinada, desamarrotando sua saia e ajeitando pela milésima vez os óculos.

— Perdão? – Solta um riso frouxo e incrédulo.

— Estamos saindo. Eu e você. Sem desculpas.– Sorri inocentemente, marchando porta afora e dispensando, sem sua permissão, Jess para ter o resto do dia de folga.

Ela arregala os olhos e paralisa com as mãos na mesa. Porque Lena Luthor não recebe ordens, mas não sentiu nenhuma de suas palavras em tom de ordem. Lena não é tirada tão facilmente de seus compromissos, mas suas pernas inquietam-se para segui-la.

A bolsa e o casaco estão em seu corpo antes que encontre mais um minuto para questionar-se. Passando pela recepção, Jess lhe sorri como nunca antes, acenando. Kara está segurando o elevador com os pés, balançando para dentro e para fora da cabine como uma criança imprudente.

— Por favor, Kara, não me diga que vai me levar a algum lugar onde encontrarei bêbados alegres de chapéu com um bolo nas mãos cantando algum flashback desafinado. Eu aprecio seu esforço, mas não acho que seja necessário comem...

— É claro que não, Lena... – Ela sorri tão docemente que a CEO se cala, erguendo as sobrancelhas. – É claro que os bêbados não estarão de chapéu.

 

(...)

 

Lena não sabe exatamente como chegou a esse florido e iluminado restaurante chinês, apenas a alguns quarteirões da L-Corp. Está tão habitada com o caminho de seu prédio à empresa, da empresa ao Hospital Infantil, do Hospital Infantil à um supermercado gourmet e de volta ao prédio onde reside, que percebeu, na curta caminhada com Kara segurando firmemente uma de suas mãos, praticamente arrastando-a consigo, que nos arredores da L-Corp há uma série de belos lugares que ela sequer sabia existirem.

Ela deveria ter adivinhado o que aconteceria. Kara a apresenta alegremente a cada um dos garçons, ao recepcionista no caixa, ao cozinheiro, aos ajudantes de coxinha, à equipe de limpeza e até mesmo à alguns clientes. Todos sorriem para Kara e Lena sabe a razão. Sabe que Kara espalha sua ternura por onde quer que passe. Sua empatia sem limites, sua benevolência heroica e admirável.

Tudo em Kara a deixa tão aquecida e feliz que Lena percebe-se caindo devotamente para ela quando a pilha de comida chinesa é trazida com os cumprimentos do chefe pela aniversariante. Seus lábios sujos de molho, suas bochechas inchadas de tantos bolinhos colocados de uma única vez, suas mangas esticadas para não sujar-se inteira, o sorriso absoluto que tanto a desarma, tudo e tudo o mais é mais uma razão para observá-la.

— Lena... – Quando finalmente permite que a comida fique por um instante descansando sobre o prato, Kara encontra seu olhar e sorri mais suavemente do que antes. – Conte-me algo feliz. Eu quero saber das coisas que te faziam ou fazem feliz.

“Você me faz feliz”— É o que gostaria de responder sem delongas.

— O crescimento da L-Corp, a satisfação dos funcionários, os novos projetos... – Gira a taça de vinho nas mãos, intrigada com seu pedido.

— Lena, não! – Kara ri. – Conte-me algo que faz você feliz que não envolva suas pilhas de trabalhos e ideias brilhantes!

Ela franze as sobrancelhas. Não havia muito em sua vida para pensar a respeito que não envolvesse o legado Luthor e a ordem de sua empresa. Lembranças fraternais mínimas, algumas dolorosas demais para contar. Supostos amigos que desapareciam assim que seu sobrenome vinha à tona. Atentados frequentes à sua vida. A prisão de sua mãe. Lena simplesmente não detinha-se de seus afazeres para considerar o que a fazia feliz. A única coisa da qual realmente se lembra e tem certeza é da felicidade que a acolhe sempre que Kara está por perto, desde que a repórter entrou timidamente em seu escritório.

— Física quântica e... Charles Baudelaire... Eu suponho? Debussy também me faz feliz, acredito. E... Talvez Donatello... – Encolhe-se em sua cadeira, sentindo-se tola.

Mas Kara não age como se ela fosse uma tola. Kara abre outra vez o seu sorriso tão lindo e tão ansiado por ela, a mulher habituada a receber sorrisos e olhares pérfidos e ambiciosos. E Lena aprecia ser incapaz de contestar a veracidade desse sorriso.

— Então, você gosta de física, literatura e arte? – Inclina-se sobre a mesa e sussurra como se compartilhassem um segredo somente delas.

— É um meio prático de se dizer...

— Vamos! – Kara salta da cadeira como um canguru faminto. – Temos que realizar todas as suas alegrias antes do dia terminar!

 

(...)

 

Lena Luthor sente-se desconfortável segurando um sorvete exageradamente grande prestes a derreter em suas mãos firmes no cone. Ela espera por Kara na calçada em um banco isolado na calçada e a tarde está chegando ao fim. A repórter desaparecera há alguns minutos com a justificativa de que precisava urgentemente de um banheiro. Lena não a questionou, mas já está ficando aflita com os olhares curiosos das pessoas aleatórias pela rua. Não pode, porém, surpreender-se: Quem imagina encontrar uma Luthor acanhado casualmente com um sorve cirandando nos dedos.

De repente, duas mãos surgem diante dela carregando um pacote colorido. Lena enruga a testa e inclina o pescoço para cima, deparando-se com uma Kara Danvers radiante, com os joelhos batendo-se depressa um contra o outro em ansiedade. Dessa vez, seu sorriso é vitorioso, conquistador. Como se ela tivesse acabado de realizar um grande feito.

— Você disse que gostava do Donatello! – Kara chacoalha a cabeça, devorando finalmente o sorvete. – Esse é o seu primeiro presente!

— Oh, Kara... – Ela não pode evitar um largo sorriso. – Isso é... Obrigada. Eu não sei o que lhe dizer.

— Não diga, Lena! – Ajeita, como sempre, os óculos. – Abra!

A CEO sacode suavemente o pacote nas mãos. Seria um livro a respeito? Uma miniatura de suas esculturas? O que quer que fosse, ecoava estridente sob o embrulho. Desfazendo-se cuidadosamente do papel de mil cores, como se fosse uma parte preciosa do presente, Lena tenta não parecer tão entusiasmada com a gentileza da repórter.

Ao abrir a caixa, porém, é como se seu queixo caísse violentamente no chão e voltasse tão violentamente quanto para cima, estarrecendo-a.

É um boneco. Um boneco articulado.

Um boneco articulado de uma tartaruga bípede com uma máscara roxa e um bastão de luta feito de madeira.

Ela simplesmente não compreende.

— Kara...?

— Ele não é demais? – Kara gesticula exageradamente para o boneco. – Eu sabia que você só poderia gostar do Donatello! Das Tartarugas Ninja ele é o mais inteligente, afinal. Um cientista, um inventor e amante da tecnologia! E ele é tão leal e pacífico! Como você... – Dá de ombros timidamente.

Oh não.

— Kara, e-eu... – Gagueja perdida diante de seu sorriso. – Eu falava... Do escultor italiano renascentista. Donato di Niccoló di Betto Bardi. Donatello.

Kara arregala os olhos e abre a boca em um círculo perfeito. Seu olhar grita em pânico, suas bochechas colorem-se de um vermelho que Lena ainda não conhecia e suas mãos tremem de pavor.

— É claro! – O ar sai com sua voz como se ar algum lhe sobrasse. – É claro! Como eu pude...? É claro, Lena, é você! Como pude pensar por um segundo que você leria histórias em quadrinhos? Quero dizer, eu não... Oh, R... – Cobre os lábios com as mãos antes de invocar a entidade kryptoniana.

Lena sorri. Ela sabe que Kara é a Supergirl. Como poderia não saber? Não somente pelo disfarce que a desfavorece tanto quanto os óculos de Clark Kent, ou mesmo o riso e o rosto corado. Mas até se conhecerem, não havia um único ser que se preocupava com ela. Ninguém que zelasse por sua segurança, que lhe transmitisse confiança e ternura. Repentinamente, em National City, há duas pessoas que a fazem se sentir mais ela mesma do que Lena jamais pôde sentir. A mente mais cega encaixaria as peças.

— Kara, está tudo bem.

— Não, não está! Eu não acredito, Lena! – Seus ombros caem e o rubor das bochechas se espalha para o pescoço. – Eu me sinto tão... Eu vou devolvê-lo!

Inesperadamente, Lena se levanta e a abraça. Já haviam se abraçado antes, mas esse é novo. Lena não quer soltá-la. Lena quer que Kara compreenda o significado de seu presente tão peculiar e de sua delicadeza ao se atentar aos traços de personalidade do super-herói réptil antropomórfico e compará-los aos seus. Inteligente, leal e pacífico. É assim que Kara a vê.

— Kara... – Afasta-se para tocar seu rosto enrubescido. – Depois de você, é o melhor presente que já recebi em minha vida.

— Isso... É mesmo verdade? – A repórter surpreende-se, ainda mais corada.

— É claro que é. – Não consegue conter a doçura em seu tom, ruborizando com ela.

— Então, podemos continuar! – O sorriso ensolarado surge novamente. – Mas Lena... Charles Baudelaire é um poeta e Debussy um compositor, certo? Só para checar.

— Esses estão absolutamente corretos. – Ela assente com um riso.

Se nos últimos dias Lena tem se esforçado para não ver-se tão rendida à Kara, todo o seu esforço está desmoronando agora.

 

(...)

 

A noite é fresca e as ruas estão tranquilas. Lena Luthor saboreia em silêncio os dedos de Kara entrelaçados aos seus, perguntando-se se um gesto tão simples deveria significar, para ela, algo tão íntimo e acolhedor. E mesmo tendo aprendido ao longo dos anos a ser desconfiada e extremamente cautelosa, sequer contesta enquanto Kara a guia através de lugares mais escuros, diretamente para um beco cujo fim dá-se diante de uma porta. O som abafado que vem de dentro sugere música e voz.

— Sei que esse não é o tipo de lugar que você costuma frequentar. – Kara suspira. – Que não tem classe, elegância e...

— Eu irei com você para qualquer lugar, Kara. – A verdade escapa de seus lábios antes que possa contê-la.

Mas o sorriso que imediatamente recebe a faz derreter e agradecer por não ter sido capaz de controlar sua língua. Sua mão é capturada mais uma vez e Kara a puxa para o local secreto, fazendo-a mais ansiosa do que antes.

O choque a atinge mais depressa do que imaginava.

Kara a levou a um bar cheio de alienígenas. Mas o choque não é por este fato, mas sim pela espera de uma reação. Lena está acostumada à hostilidade, congratulações por ser uma Luthor. Tudo bem. Mas por alguma razão, dessa vez, ela se importa. Ela quer ser aceita em um lugar que Kara aparentemente frequenta e aprecia.

— Kara... Eu... – Sussurra.

— Está tudo bem, Lena. – O aperto em sua mão torna-se mais firme, embora carinhoso e reconfortante como nenhum outro toque que já recebera em sua vida.

— Eu sou uma Luthor, Kara.

A afirmação, infelizmente, ecoa no bar. Todos silenciam-se e miram seus olhos na entrada. Lena prende a respiração. Não os teme, nem os de forma humana, nem os que mantêm a aparência nativa de seus respectivos planetas. Não sabe o que teme, mas está apavorada com a possibilidade de ser, como sempre, julgada por sua herança familiar.   

— Ei, pessoal! – Kara a ignora e acena. – Quero apresentá-los a Lena Luthor! Hoje é seu aniversário!

Quando as pernas de Lena estão quase forçando-a a sair o mais depressa possível, as ovações soam convidativas e alegres. Ela não compreende. Nunca esteve diante de tantos sorrisos encorajadores. Nem mesmo alguns olhares desconfiados nos cantos do bar fazem-na sentir-se menos abraçada e permitida. Em nenhuma galáxia conhecida Lena acreditaria que alguém, especialmente alienígenas, sorriria e aplaudiria um Luthor.

— Oh, Kara... – O ar finalmente circula livremente em seus pulmões.

— Você... Não gosta?

— É incrível.

— Aqui eles podem ser quem realmente são, sem se preocupar com julgamentos ou mesmo ataques, Lena. Qualquer um pode. Inclusive você.

— Kara! – Mon-El grita detrás do balcão, limpando uma bandeja.

— Mon... Mike! – Ri nervosamente, quase deixando escapar seu verdadeiro nome. Lena percebe. Mas enquanto Kara precisar manter esse segredo, ela simplesmente aceitará. – Você se lembra da Lena, não é?

— Claro! – Ele acena. – Grande festa! Nada como ladrões com armas da ciência para animar!

— Ah, Mike... – Kara pigarreia, encarando-o com reprovação. – Sobre o que conversamos quando liguei da loja de brinquedos...

Mon-El assente com um grande sorriso e desaparece de vista entre as pessoas, correndo até os aparelhos de som, puxando consigo alguém para ajudá-lo uma vez que ainda não faz a menor ideia de como lidar com a tecnologia terráquea.

— Kara...? – Lena arqueia uma sobrancelha, desconfiada.

— Bem, você disse que gostava de música, Lena. – Um sorriso travesso estampa seu rosto iluminado. – Hoje nós vamos dançar! Eu não sou a melhor sobre Debussy ou Música Clássica, mas espero que você fique feliz.

Ela tenta não parecer tão atônita e lisonjeada com suas palavras e com o rubor crescente no rosto da repórter. Em vão, tenta não suar e estremecer quando a mão de Kara toma a sua e a leva suavemente ao centro vazio do bar, sob a luz aconchegante da lâmpada. É a primeira vez em que Lena não está preocupada em receber olhares, amigáveis ou não. Kara é, nesse instante, tudo o que ela pode enxergar.

Mas o momento terno é imediatamente quebrado quando a música soa.

“I see you windin' n grindin' up on that pole, I know you see me lookin' at you and you already know I wanna fuck you, fuck you, you already know I wanna fuck you, fuck you you already know, girl”

Lena quase grita com o aperto repentino e brusco em sua mão antes de Kara arregalar os olhos e virar-se para Mon-El, que estranhamente está movimentando-se de um lado para o outro como se estivesse tentando dançar.

— Mo... Mike! – Kara exclama. – O que pensa que está fazendo?!

— Você pediu uma música...! – Confuso, dá de ombros.

— Sim! – Cruza os braços, bufando. – Eu pedi Debussy e você perguntou que planeta era esse, então, eu disse para colocar uma música romântica, intimista, lenta!

Lena definitivamente gostaria de ser capaz de controlar seus batimentos cardíacos ao pensar que Kara desejava dançar romanticamente com ela.

— Isso não é romântico? – Mon-El coça o queixo, completamente perdido. – Winn me mostrou outro dia e eu achei bonita, ele está dizendo que quer fo...

— Eu sei o que ele está dizendo! – O interrompe antes de constranger-se ainda mais. Kara precisa seriamente conversar com seu amigo Winn a respeito de seus conceitos de “romance”.

Lena ainda não disse uma palavra, mas sorri ao ver Kara impossivelmente mais corada. A repórter toma sua mão, dessa vez, para levá-la para fora, respirando profundamente, incapaz de encontrar seus olhos.

Ambas estão novamente nas ruas, agora vazias, em completo silêncio. Lena não pode deixar de sorrir para uma Kara ainda envergonhada e quase imperceptivelmente emburrada, frustrada. Quer dizer a ela para deixar ir. Quer dizer que este é o dia mais incrível de sua vida. Dizer que sua companhia é o presente mais inestimável e que não importa o que tenha fugido de seus planos, pois tudo havia sido perfeito e ela não mudaria um único segundo, nem mesmo as trapalhadas de Mike no bar.

Mas tudo o que é capaz de dizer, detendo seu caminhar e segurando firmemente sua mão enquanto morde ansiosamente o lábio inferior é...

— Nós podemos dançar agora.... Se você quiser.

— Aqui? – O tom surpreso a diverte. – Na calçada?

— Sim. – Encolhe timidamente os ombros. – É uma ideia estúpida?

— É uma excelente ideia! – Kara estende sua mão e Lena não está mais contando quantas vezes a repórter já ajeitou os óculos desde o cair da tarde.

Se durante toda a tarde e a chegada da noite Lena Luthor precisou de autocontrole da mente para não sorrir sem parar de seus gestos adoráveis; da voz para não gritar todos os seus sentimentos conflituosos em seus ouvidos; e do corpo para não agarrá-la e impedi-la de sair de seu abraço no mínimo pelas próximas dez horas; agora busca um quase inalcançável autocontrole de sua sanidade.

Talvez seja pelo esplendor destes olhos azuis que a esperam. Os tímidos passos dela em sua direção. As trêmulas palmas dela em sua cintura, ou como os finos quase nulos pelos de sua nuca arrepiam-se quando seu pescoço é enlaçado. Talvez não seja nada disso. É provável que seja o sorriso dela. Se Kara não a tivesse levado pela cidade para comemorar seu aniversário, se não a tivesse feito encher-se de comida chinesa, a impressionado com o boneco Donatello, a divertido no bar alienígena, se não estivessem entrelaçadas na calçada, prestes a iniciar uma dança, ainda assim, Lena teria experimentado o dia mais feliz de sua vida.

Se Kara somente abrisse a porta de seu escritório sem saber que era seu aniversário e oferecesse exatamente esse sorriso para ela, Lena teria o mais caro dos presentes.

Quando desperta de suas alegrias secretas, já está rodopiando nos braços dela. É tão desajeitado no início quanto é encantador no decorrer. De repente, é como sentir cada peso deslizando de seus ombros direto ao esquecimento. As loucuras de Lex. As mentiras de Lilian. Os segredos de Lionel. As memórias de dor. As cores roubadas ao longo de anos solitários no interior. Os malditos investidores da L-Corp duvidando de sua capacidade. Cada olhar desconfiado, cada palavra dolorosa que ela engoliu com uma voz rosnada e uma pose inabalável.

Há apenas um peso sobre ela. O peso de perceber-se apaixonada dessa forma tão irrevogável e magistral. De sentir-se tão entregue a sua única amiga. Lena não pode. Não poderia ter se apaixonado por Kara. Não pode contaminar a beleza e a virtude do Sol que Kara é com a noite tão sombria que é o seu coração.

Mas quando Kara a abraça, inclina seu rosto sobre o dela e passa a sussurrar a melodia, seus pensamentos simplesmente desaparecem.

É a voz mais afetuosa e amável que já ousou cantar desde a criação dos sons do universo.


Where'd you wanna go?
(Aonde você quer ir?)
How much you wanna risk?
(Quanto você quer arriscar?)
I'm not looking for somebody
(Eu não estou procurando por alguém)
With some superhuman gifts.
(Com dons sobre-humanos)
Some superhero,
(Um super-herói)
Some fairytale bliss,
(Uma felicidade de conto de fadas)
Just something I can turn to,
(Apenas algo para que eu possa recorrer)
Somebody I can kiss
(Alguém que eu possa beijar)
I want something just like this...
(Eu só quero algo assim...)

 

Lena interrompe seus rodopios sem permitir que seu corpo se afaste do corpo dela, incapaz de perder seu calor. Desastrosamente tenta respirar fundo, mas o ar se esvai num soluço. A postura habitual se esvai com as lágrimas. O autocontrole imperioso se esvai com a delicadeza de Kara ao deslizar as mãos em suas costas.

Ela não consegue sentir que merece tanto. Não de Kara.

— Como você pode ser tão incrível sabendo quem eu sou? – Exterioriza sua angústia em um sussurro.

Kara não responde. A segura contra si, o braço apertando sua cintura como se ela pudesse fugir; e com a outra mão vasculha o grande bolso interno de seu casaco, tirando uma única flor. Uma flor que Lena reconhece perfeitamente.

— Feliz aniversário, Lena.

— Uma Pluméria... Você se lembra. – Ela acaricia as pétalas com toda a delicadeza possível de seus dedos trêmulos.

— No dia em que conversamos, pela primeira vez sozinhas em seu escritório, você me disse que, no fim, depois de tanto tentar salvar seu irmão, passou a acreditar que algumas pessoas são simplesmente más. Se ainda acredita, Lena, pare de lutar contra isso. – Kara torna-se repentinamente séria antes de abrir um sorriso tão terno e morno que os olhos da CEO quase transbordaram seu impacto novamente. – Pare de se autodepreciar, Lena Luthor. E aceite que você é, quer queira, quer não... – Desliza um polegar em seu rosto corado. – Simplesmente boa. E que não precisa exigir tanto de si mesma para mostrar isso. Você não tem nada para provar. Especialmente para mim.

O suspiro do ponto final faz os joelhos de Lena quase cederem. Sabe que poderia permitir, pois Kara não a deixaria cair. As lágrimas de antes regressam como uma chuva torrencial, borrando a maquiagem impecável, e todo o seu corpo está tremendo, o coração retumbando o significado do sorriso que Kara lhe oferece.

A vida inteira de Lena Luthor, até hoje, tratou-se de quedas catastróficas e ascensões astronômicas. Ninguém nunca lhe disse que ela nada tem a provar. Ninguém nunca agiu como se somente ela fosse o suficiente. Ninguém nunca tirou a armadura de seus ombros, as armas de suas mãos e tão gentilmente disse que ela não precisava lutar e defender-se tanto, que apenas ser seria o bastante.

Lena nunca sentiu como se fosse apenas mais uma pessoa no mundo, uma pessoa de ódios, amores, frustrações, ambições comuns, mundanas, especial ao seu próprio modo, sem modelos ou chaves.

Ela nunca havia experimentado a alegria apavorante de sentir-se enxergada com simplicidade.

— Kara...

— Lena, você está bem? – A repórter firma as mãos em seu rosto, despertando-a de seus devaneios. – Você está... Fria... Eu disse algo errado?

Lena Luthor está tão desconsertada por Kara que, pela primeira vez, cede às emoções. Ela, moldada através do tempo ao calculismo, ao controle e à compostura, cai de joelhos para reverenciar os impulsos que tão intensamente lhe estão suplicando permissão para “ser”.

Assim, ela se permite.

Donatello, o boneco articulado projetando-se para fora da bolsa, choca-se com esta nas pedras da calçada. Suas mãos emolduram o rosto de Kara, que engole em seco e fecha os olhos para o gentil acariciar sobre sua pele. Lena não pode esperar mais, não quando seus sentimentos estão transbordando, não quando sente-se capaz de ignorar tudo o que aprendeu a ser para dar-se à coragem de admitir, sem palavras, o quanto deseja estar com ela.

Quando se inclina para ela e seus lábios se encontram, Lena percebe que já sabia que seria assim. Sabia que beijá-la seria tão acolhedor, quente e puro quanto ela própria. Tão reverente, suave e precioso quanto ela se mostra. Sabia que seria um beijo ao qual nenhum outro se compararia, porque Kara é, sobretudo, incomparável.

E embora todos os labirintos de lembranças e fatos em sua cabeça contraponham-se cautelosos à sensação de beijá-la, Lena não consegue deixar ir. Recupera seu ar, mas cai novamente como um meteoro sobre a atmosfera dela, explosiva e veloz.

Repentinamente, a repórter está se afastando e a possibilidade da rejeição é excruciante. Mas quando Lena abre os olhos para encarar o que quer que esteja por vir, descobre a razão da quebra entre seus lábios.

Kara tem os olhos fechados, um sorriso débil, os braços soltos, o tronco inclinado desajeitadamente sobre as coxas. E... Está flutuando.

Kara Danvers, sob a lamparina da rua deserta, está flutuando.

— Kara... – Lena toma seu rosto nas mãos para impedi-la de ir para cima. – Kara, você está flutuando.

— É... – Sem abrir os olhos, ri entorpecida. – Eu me sinto flutuar...

— Não, Kara... – Não pode evitar sorrir devotamente. – Você está literalmente flutuando, querida.

Kara volta ao chão quase cambaleando, tropeçando nas palavras, piscando incontrolavelmente. Gagueja e tosse, seu desconserto serve apenas para arrancar um sorriso mais amplo do rosto da CEO. Quando tenta se afastar, as mãos dela em seu rosto não permitem.

— Lena... Eu... Não é o que...

— Está tudo bem, Kara. Eu sei quem você é. Eu sei que minhas duas heroínas e duas amigas são a mesma pessoa. Eu sempre soube. – Morde o lábio inferior, culpada.

— Muito óbvio...? – Timidamente suspira. – Foram os óculos?

— Não. – Toma delicadamente os óculos de seu rosto, enfeitiçada pela imensidão de seus olhos azuis. Esses olhos, de fato, só poderiam ser de um mundo muito distante do seu. – Você é a única que se preocupa tanto comigo. A única que faz o impossível para me proteger. Não acha que seria muita coincidência você e a Supergirl cuidarem de mim ao mesmo tempo?

— Oh, Rao! – Seus ombros caem e novamente enrubesce. – Alex e Maggie me avisaram, disseram que eu deveria ser mais discreta, mas eu disse a elas que não podia evitar, não quando queria que você nunca mais se sentisse sozinha, não quando você sorria desse jeito para mim e principalmente, não quando eu estou me apaixonando por você e... Rao, isso saiu sem querer!

— Você... Está apaixonada por mim?

— Como eu não me apaixonaria por você? Você é boa, altruísta, genial... Você é tão corajosa e forte e... – Os braços da repórter a tomam novamente e sua testa descansa contra a dela. – Tão, tão bonita. Você também é minha heroína, Lena Luthor.

— E... – Lena sorri, tentando não parecer tão derretida. – Você contou a sua irmã?

— Sim, mas não deveria, Lena! Maggie não parou de dizer que eu precisava te contar, dando conselhos sobre como fazer com toda sua experiência, e Alex dizendo que mandaria fazer uma investigação completa sobre toda a sua vida para verificar se você era boa o bastante. E também James disse iria dar uma de paparazzi com você, Winn disse que hackearia todos os seus sistemas para descobrir se você também poderia gostar de mim... Hank no DEO disse que ia ler seus pensamentos, Lena! Até o Mon-El ousou dizer que você era bonita demais e que eu precisava da “tática certa”! – Dispara num fôlego só, revirando os olhos.

Lena nunca esteve mais encantada.

— Bem, ao menos havia alguém para você compartilhar. Eu não pude dizer a ninguém que estou apaixonada por você, Kara Danvers.

— Você... Está?

Lena a beija novamente, esperando que essa resposta seja o suficiente. Está anestesiada e repleta de uma felicidade desconhecida, uma felicidade simples. Ela sempre teve de lidar com a complexidade cruel do mundo e não sabe como agir diante dessa simplicidade, portanto, somente toca os lábios dela com os seus e deixa-se “ser”.

Quando se afastam, os pés de Kara estão quase saindo do chão.

— Você sempre vai flutuar quando eu te beijar? – Zomba. – Podemos sempre amarrar um daqueles cordões para balões em seu braço para evitar acidentes...

— Lena Luthor está caçoando de mim? – Estreita os olhos, contendo um riso.

— Eu não me atreveria, Supergirl. – Dá ênfase ao seu título, travessa.

— Pois eu acho que você está e que deveria ser punida por essa ousadia. Você disse que a Física Quântica a faz feliz, talvez seja um bom momento para você encontrar uma explicação física para o que estou prestes a fazer. A Física Quântica pode explicar como um corpo não projetado para fazer algo simplesmente o faz sem essa projeção?

— Kara... – Suas sobrancelhas arqueiam-se. – O que...?

Não há tempo para confirmar suas suspeitas. Num segundo, depois de analisar rapidamente os arredores da rua escura, Kara a toma nos braços e alça voo. Lena sequer encontra forças para gritar em desespero ao ver-se tão distante da cidade abaixo, como se estivessem indo em direção às estrelas.

Recostada sob seu peito, porém, sem perceber que as roupas comuns haviam desaparecido, dando lugar ao traje heroico, Lena está segura. Ela ainda odiará voar em helicópteros e aviões, mas ali, com ela, testemunhando a harmonia de um céu noturno de silêncio e imensidão, não há medo. Mesmo quando Kara a provoca com giros e rodopios, quando finge estar caindo ou subindo depressa demais, a força e suavidade com as quais a tem contra seu corpo fazem-na saborear o vento em seu rosto e o frio em sua espinha. Fazem-na sentir-se embalada. Sobretudo, protegida.

Ela gargalha deliciosamente, incentivando Kara a continuar com suas piruetas. National City não pode ouvi-las. Se pudesse, seria inevitavelmente contagiada pela alegria tão plena que compartilham. Se alguém as visse, haveria mais do que Kara Danvers e Lena Luthor, mais do que a Supergirl e a CEO. Haveria Kara, Lena e uma liberdade inexperimentada, mais genuína do que qualquer outra.

 

(...)

 

Na cobertura verde da L-Corp, deitadas sobre a capa vermelha e encarando-se silenciosamente, ambas se veem cheias de vontades. Kara quer beijá-la, Lena quer repetir o quão apaixonada está e todas as palavras que segredou o dia todo consigo mesma. Kara quer se desculpar novamente pelo fiasco com a música no bar e Lena sente-se envergonhada ao perceber-se querendo brincar com as articulações da tartaruga ninja. Kara também quer dizer mais a ela, quer explicar porque não contou seu segredo antes, contar sobre Alex, o DEO e garantir que suas razões nada tinham a ver com o fato de Lena ser uma Luthor. Lena quer contar a ela que desistiu e destruiu todos os resquícios dos projetos do detector de alienígenas, contar que suas novas ideias são em prol da igualdade e segurança de todos e que foi Kara quem a inspirou.

Há tanto a dizer, que talvez simplesmente não possa ser dito. 

— Charles Baudelaire. – Kara quebra o silêncio. – Não fizemos nada relacionado à literatura, Lena!

— Kara... – Ela afaga seu rosto magoado, relaxando sua mandíbula apertada. – Você me deu o dia mais feliz da minha vida e está preocupada com isso?

— Eu prometi um aniversário com todos os seus gostos, não prometi? – Desvia de seus olhos, suspirando.

— Foi perfeito, Kara. Seria perfeito mesmo que não fizéssemos absolutamente nada. Confie em mim. Mas euu estava pensando... Se você quiser... – Hesita.

— Você pode me pedir qualquer coisa, Lena. – Firma. – Peça.

Lena encolhe-se por um instante, deslizando para os braços dela e escondendo o rosto na curvatura de seu pescoço como uma criança que deseja fazer um pedido impossível.

Agora, sussurram.

— Segure-me, Kara...

— Eu vou. Eu posso ser feita de aço, Lena, mas não sei se tenho forças para deixar você ir agora.

— Você poderia me contar histórias. Disse que nos faltou a literatura e... Eu adoraria ouvir histórias. Histórias suas.

— Minhas...?

— Qualquer uma que deseje me contar. Eu poderia ouvir sobre a Kara... Antes de ser Kara Danvers.  

— Zor-El. – Ela sorri. – Kara Zor-El.

— Histórias de Kara Zor-el em Krypton.

Kara senta-se com ela em seus braços, aconchegando a longa capa sobre seu corpo trêmulo pelo frio da madrugada. Considera seu pedido enquanto observa o céu, guiando-se em suas próprias memórias. Lena a observa discretamente, passeando com os dedos em seus cabelos soltos, dando-lhe todo o tempo que fosse necessário.

— Minha história começa com uma estrela.

— ...

— Uma estrela dourada que eu podia contemplar perfeitamente da janela do meu quarto...

 


I want something just like this...
(Eu só quero algo assim...)

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vocês podem me agredir se não gostarem do final inconclusivo. É que eu os adoro, me perdoem.
Espero que tenham apreciado. Vamos encher esse site de fanfics Supercorp e todos os outros shipps das mulheres maravilhosas de Supergirl (Sanvers, Kalex, GeneralDanvers, AgentCEO, CopCorp, SuperCat, GeneralCat, Karucy, Alecy, vamos que vamos que a gente bota até a Eliza com a Lilian Luthor no meio)

Nos vemos por aí, yu!

Obs.: Não sei vocês, mas imaginar Lena Luthor lendo Charles Baudelaire, ouvindo Debussy, com uma escultura de Donatello ornando em seu apartamento, talvez com um bom vinho, com outros vários livros de Física Quântica espalhados pela mesa... T U R N M E O N !



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Something Just Like This" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.